Nunca o aborto foi tão debatido como nos dias atuais, com a Argentina aprovando em janeiro de 2021 uma lei nacional e mais recentemente com a Suprema Corte americana entrando no assunto, ao analisar uma lei do Mississipi que proíbe a maioria dos abortos no estado após 15 semanas de gravidez. É certamente um tema delicado que já ganhou destaque em várias produções, e no cinema não é diferente.
Em O Direito de Viver (Cathy Allyn e Nick Loeb), produção com mais cara de propaganda que uma obra cultural, tenta discutir o tema, mas só tenta mesmo, pois o que se vê na tela é um longa extremamente tendencioso, que apresenta o outro lado da história sempre como se fosse o vilão e mostrando que apenas um lado nesta discussão está certo. É a mesma coisa que fazer um longa sobre vacina, apontar o ponto de vista negacionista sobre a vacina e apontar que o outro lado só pensa em vacinar as pessoas à força sem direito de escolherem se querem ou não se vacinarem.
A produção faz exatamente isso, ao retratar o Doutor Bernard Nathanson, homem que era a favor da legalização do aborto e que diz ter feito centenas ou até milhares de abortos, que processou os EUA junto com uma líder feminista. Para que o julgamento seja bem sucedido encontram uma vítima perfeita, a enganam e a fazem falar em julgamento o motivo de ter realizado o aborto para legitimar o caso. Há também um confronto no longa com a Dra. Mildred Jefferson, pioneira do movimento pró-vida, mas todas essas questões são organizadas de uma forma tão banal que é até difícil entender como um projeto desse foi tocado adiante.
Não há um debate claro a ser feito, como é comum de ser presenciado nas tramas. É visto apenas uma tentativa rasa de discussão, que está ali apenas para dar a falsa ideia de que o tema está sendo debatido, mas não está. O roteiro a todo instante aponta, com diálogos e atitudes dos médicos, como o aborto é arriscado, como ele é errado, como não é prejudicial, mas quase nunca sem trabalhar o argumento do outro lado da história.
Até mesmo a questão moral do médico e que é o protagonista é rala, deixada para o final, sendo mostrada apenas para mostrar que o cirurgião se arrependeu de ter realizado as práticas abortivas por tantos anos e que agora é contrário ao aborto, ou seja, a mensagem é a de que o próprio médico que lutou para aprovar o aborto agora é contrário a ideia. Há também o caso dele ter mentido e criado muitos dos dados para influenciar a opinião pública e o governo para que o aborto fosse aprovado. Todas essas situações vão de encontro ao que o filme justamente queria desde o início, que era mostrar o seu ponto de vista contra o aborto.
Assim como assina a direção, o cineasta Nick Loeb também é o protagonista do longa, em uma atuação sofrível e que não passa veracidade alguma para o público, lembrando mais uma interpretação de novela mexicana de tão ruim que foi. Por falar em novela, o filme é feito nesse estilo, lembrando bastante uma novela, não apenas no jeito da filmagem, mas também na fotografia exagerada, nos enquadramentos básicos. Uma direção mais eficiente da dupla, possivelmente, poderia ter dado novos rumos para o roteiro e também no jeito de se contar a trama.
O Direito de Viver é daquelas produções que nascem com uma ideia interessante: a de discutir o aborto, porém, o faz de maneira completamente errônea e toma caminhos que levam a narrativa para o total esquecimento e para um debate superficial sobre o tema.
O Direito de Viver (Roe v. Wade, EUA – 2019)
Direção: Cathy Allyn e Nick Loeb
Roteiro: Cathy Allyn, Ken Kushner, Nick Loeb
Elenco: Nick Loeb, Jon Voight, Stacey Dash, Jamie Kennedy, Joey Lawrence
Gênero: Drama, História
Duração: 112 min