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Crítica | O Livro de Boba Fett é uma narrativa torta e com excesso de rodapé

Desde o relançamento de Star Wars através da LucasFilm instaurada na Disney, que apostou em uma nova trilogia, filmes derivados e séries para o streaming, não há dúvidas de que o grande acerto tenha sido The Mandalorian. A série original de Jon Favreau e Dave Filoni apostou em uma abordagem seriada e influenciada por westerns, mostrando que o público estava mais interessado na mitologia dos pistoleiros com cabeça de balde do que sabres de luz. E, durante a expansiva segunda temporada que abordou diversos cantos da galáxia muito distante, o cabeça de balde original retornou: Boba Fett.

Introduzido no infame Holiday Special de Star Wars em 1978, e então elevado a status cult em O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi, Boba Fett se tornou tão popular por um único motivo: seu visual destemido e o potencial de figuras de ação, já que o personagem em si aparecia pouco e mal tinha linhas de diálogo. A mitologia do caçador de recompensas cresceu ao longo dos anos, com a nova trilogia de George Lucas, onde o personagem ganhou a forma de Temuera Morrison, e uma leva de desenhos animados, quadrinhos e videogames. Tudo isso até, finalmente, o caçador ganhar sua própria minissérie em O Livro de Boba Fett, que novamente conta com Favreau e Filoni no comando.

A série começa logo após os eventos da segunda temporada de The Mandalorian, com Boba e a assassina Fennec Shand (Ming-Na Wen) assumindo o controle do palácio de Jabba e, por consequência, as rédeas do submundo criminoso de Tatooine. Enquanto acompanhamos seu passado misterioso após a fuga do poço de Sarlacc em O Retorno de Jedi, Boba tenta mudar a complexa maquinação do submundo do crime em Tatooine, entrando em conflito direto com diferentes facções, comandadas por um prefeito corrupto e os Pykes.

Entre erros e acertos

Quando “abrimos” O Livro de Boba Fett, fica claro que Favreau e Filoni estão transformando o personagem de Morrison em algo completamente diferente de sua versão original. Sendo justo, nunca houve uma caracterização muito forte em torno do personagem (além de seu visual, claro), então a licença para a dupla de produtores/showrunners é bem livre. Boba Fett sempre foi, com perdão do trocadilho, um livro aberto no grande universo de Star Wars.

Dito isso, quando passamos da concretização de inúmeras fan fics e teorias diversas sobre como Boba Fett teria sobrevivido (nenhuma delas envolvendo uma prison break do Sarlacc, como sempre gostei de imaginar), temos a criação de um Boba Fett obcecado em se reinventar e buscar redenção – reinando sobre Tatooine através da honra, e não pelo martelo do medo. São dois primeiros episódios bem trabalhados em cima dessa ideia, com Star Wars enfim parecendo perder o medo de voltar a discutir e falar sobre política e economia espacial, e ainda rendendo uma bela exploração da relação entre Boba e uma tribo de Tusken Raiders; garantindo um verdadeiro “Dança com Lobos em Tatooine” com a nova identidade, próxima de um monge, que Fett assume durante seu tempo com o antigo Povo da Areia. Um momento bem especial, e que ainda garante uma excepcional cena de ação envolvendo um trem e speeder bikes, onde a diretora Steph Green ainda conta com o veterano diretor de fotografia Dean Cundey (um dos grandes colaboradores de John Carpenter) para criar imagens espetaculares, que certamente deixaram George Miller e sua gangue de Mad Max bem felizes.

Porém, esse segundo episódio é quase como uma anomalia dentro da série. Tendo mais episódios sob o comando de Robert Rodriguez, O Livro de Boba Fett é bem superficial em sua abordagem do “reinado de poder” que o protagonista tenta instaurar. Todos os diálogos escritos por Favreau (que carimba o nome em literalmente todos os roteiros da temporada) são fracos e sem profundidade, pautados em frases de efeito prontas e um arco geral de história que é lento, não empolga e parece apressado demais para chegar do Ponto A ao B. Uma trama de tomada de poder e rivalidade com facções rivais nunca deveria ser tão simplória e sem graça, ainda mais com a série optando pela muleta narrativa sofrível de sempre colocar Boba Fett em uma câmara de restauração, dando espaço para infinitos flashbacks – um deles tomando a duração de um episódio inteiro, apenas para tapar um buraco de história que nem era tão relevante assim.

Como diretor, Rodriguez também comete alguns deslizes que definitivamente devem estar ligados a limitações orçamentárias. As lutas corporais e perseguições em parkour que marcam o primeiro episódio são assustadoramente amadoras e sem fôlego, assim como a realização visual da já infame perseguição de speeders coloridos no terceiro episódio, onde Rodriguez na certa pensou que ainda estava gravando alguma continuação de Pequenos Espiões diretamente para vídeo. Uma queda de qualidade gigantesca se comparado com o trabalho que o próprio Rodriguez apresentou em The Mandalorian, quando trouxe Boba Fett de volta em um tiroteio inspirado.

Quando o fan service é destrutivo

Então, chegamos aos episódios 5 e 6 da série, onde algo que eu nunca havia antes na vida acontece. Simplesmente, o protagonista Boba Fett deixa de ter destaque em sua própria série; e, mais inacreditavelmente ainda, até fica ausente por um episódio inteiro. É o trecho que os fãs talvez mais tenham gostado, já que a série continua eventos de The Mandalorian, trazendo até mesmo o fofíssimo Grogu e mais um bonecão digital de Luke Skywalker para discorrer eventos que em nada agregam à trama central de Boba Fett. Por mais que esteja repleto de fan service e bons momentos no lore de Star Wars, é uma falha grave e indesculpável em termos de narrativa, mostrando que nem mesmo a própria série parecia confiar no potencial de seu protagonista. Uma solução preguiçosa, mas aparentemente funcional: todos os fãs aprovaram e se mostraram mais interessados nas aulinhas de Luke Skywalker do que o arco de Fett.

Isso me lembra fortemente daquele momento em que Batman vs Superman: A Origem da Justiça, onde o filme interrompe o início da batalha titular para nos levar à personagem de Gal Gadot, que simplesmente abre um email com fragmentos de vídeos de outros integrantes da Liga da Justiça. É uma completa e deselegante ignorada no tema central, e eu jamais imaginei que veria esse conceito de uma cena só sendo traduzido para dois episódios inteiros de uma temporada.

Felizmente, ainda que tarde demais, a hora final dessa temporada é capaz de oferecer uma resolução forte. Agora sim, usando elementos de The Mandalorian na medida certa, o finale de O Livro de Boba Fett é uma longa sequência de ação que enfim coloca o grupo de Fett contra as forças letais de Pyke, e Rodriguez é bem mais feliz ao aproveitar a tecnologia da saga e o poder imagético de vermos Fett e o Mandaloriano de Pedro Pascal pistolando contra bandidos em contra luz do por do sol: é simplesmente sensacional, e fico imaginando o quão mais forte esse clímax seria caso a série realmente fosse apenas centrada em Fett. Deixando apenas os dois primeiros episódios e este último renderia um ótimo filme isolado do personagem; como, curiosamente, era a primeira intenção da LucasFilm em 2015, quando um Josh Trank pré-catástrofe de Quarteto Fantástico assumiria o projeto.

No fim, O Livro de Boba Fett oferece um resultado bem estranho e desconjuntado. Começa com a promessa de uma narrativa diferente e radical em Tatooine, temperada por alguns vislumbres de profundidade para um personagem que nunca teve nenhuma. Após a autosabotagem inexplicável de Favreau e Filoni para encher a série de personagens e narrativas que simplesmente não precisavam estar lá, fica difícil enxergar uma história coerente nesse livro recheado de páginas de outras obras. Um triste desperdício de potencial.

O Livro de Boba Fett – 1ª Temporada (The Book of Boba Fett, EUA – 2021)

Showrunner: Jon Favreau
Direção: Robert Rodriguez, Dave Filoni, Bryce Dallas Howard, Steph Green
Roteiro: Jon Favreau, Dave Filoni
Elenco: Temuera Morrison, Ming-Na Wen, Jennifer Beals, Carey Jones, Galen Howard, Sophie Thatcher, Jordan Bolger, Corey Burton, Timothy Olyphant, Pedro Pascal, Mark Hamill, Rosario Dawson
Streaming: Disney+
Episódios: 7
Duração: 50 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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