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Crítica | O Mundo Depois de Nós – Traz uma mensagem atual de forma inteligente

Imaginem se, neste exato momento, o mundo fosse alvo de um ciberataque tão devastador que deixasse as pessoas completamente isoladas, impossibilitadas de acessar a internet, assistir às suas séries favoritas pelo streaming ou mesmo utilizar as redes sociais para se informar e se comunicar. E, para piorar, considerem que esse ataque cibernético fosse tão poderoso a ponto de tornar impossível a recuperação da comunicação digital, restando como única opção o retorno ao analógico, deixando de lado todo o mundo digital. Essa é a intrigante premissa do longa da Netflix O Mundo Depois de Nós (Sam Esmail), que tem gerado grande alvoroço.

Apesar de o filme não apresentar uma ideia completamente inovadora, ainda assim seu roteiro aborda uma discussão bastante atual, que se encontra presente em diversos estudos acadêmicos e em debates nas redes sociais. A produção explora a possibilidade do que ocorreria caso o mundo fosse subitamente atingido por um blecaute digital, forçando-nos a enfrentar o isolamento de qualquer tipo de conexão digital. Nesse contexto, somos obrigados a retornar a uma época anterior, onde a comunicação era feita de maneira presencial, cara a cara.

Não é a primeira vez que a Netflix explora tramas apocalípticas sob uma perspectiva diferente, como ocorreu em produções anteriores, como Bird Box (2018) e Não Olhe para Cima (2021), E é bastante provável que essa não seja a última vez que isso aconteça, até porque esse tipo de roteiro continua a atrair um público ávido por narrativas com essa temática. A preocupação com a possibilidade de o mundo acabar, seja por motivos ambientais ou ameaças letais, é um tema recorrente na mídia.

A trama acompanha uma família que está de férias quando ocorrem eventos misteriosos relacionados a um ciberataque. O casal Amanda Sandford (Julia Roberts) e Clay Sandford (Ethan Hawke) se depara com a presença inesperada de G. H. Scott (Mahershala Ali), um homem que havia alugado sua casa para a família e precisa passar a noite com sua filha ali por circunstâncias não esclarecidas.

O roteiro, escrito pela dupla Rumaan Alam e Sam Esmail, pode frustrar parte do público devido à falta de ação e ao seu ritmo lento, não apresentando o caos típico das produções do gênero. Entretanto, esse elemento está presente na trama sob uma perspectiva diferente.

A ideia de introduzir uma desordem silenciosa à história é algo bastante inteligente. Um ciberataque, de fato, é algo que os governos mundiais devem temer, sendo essa possivelmente a guerra do futuro. Os hackers, ao silenciar uma nação, têm a capacidade de isolar completamente um país, facilitando seu domínio. Isso ocorre porque o digital vem ganhando cada vez mais espaço e poder em relação ao analógico.

Digital x Analógico

Cheio de mensagens no roteiro, a trama não se perde ao apresentar várias situações e foca de forma imediata no ataque hacker e no vício pelo digital que a sociedade atual enfrenta. A filha mais nova de Amanda e Clay, Rose Sandford (Farrah Mackenzie), é completamente dependente do mundo digital e não compreende o motivo pelo qual a internet está falhando, impedindo-a de assistir ao final de sua série favorita: Friends.

O incômodo de Rose por não poder assistir ao final de Friends e sua obsessão pelo desfecho da série se destacam na narrativa. Em uma das cenas, a garota expressa que o seriado a faz feliz, justificando assim seu desejo de assistir ao episódio final. Contudo, essa felicidade revela-se superficial, sendo uma metáfora inteligente sobre como as pessoas atualmente muitas vezes se preocupam mais com questões fúteis e insignificantes do que com eventos mais sérios. Essa temática é evidenciada em outra cena interessante, na qual Clay deixa uma mulher desesperada falando sozinha no meio da estrada, seguindo seu caminho sem se importar com o que ficou para trás.

Esse debate sobre digital x analógico não é novo e vem ganhando bastante força nos últimos anos. A narrativa reflete essa discussão com vigor na cena final, em que a garota só consegue assistir ao final de Friends após encontrar uma coleção de DVDs. Claro que algumas questões não são aprofundadas, como a discussão sobre como era o mundo antes da proliferação da internet e o que é real ou não nesse mundo digital cada vez mais conectado.

Sam Esmail acerta na maneira como desenvolve a tensão e na resolução dos mistérios. Apesar de parecer um filme com ritmo lento, essa ausência de ação faz sentido para a trama, uma vez que os acontecimentos em si já são bastante aterrorizantes. A ótima direção de Esmail se destaca na forma como filma, incluindo uma cena impactante de um avião caindo e o uso estratégico de takes de bird’s-eye view para criar uma maior vulnerabilidade para os personagens frente às situações que encontram pela frente.

O Mundo Depois de Nós é uma boa produção, mal parece ser um filme da Netflix, graças à sua trama inteligente e direção competente. Ao questionar o vício digital nos dias atuais e explorar como a comunicação, em vez de aproximar, muitas vezes acaba afastando as pessoas e, ao invés de criar vínculos, frequentemente resulta em destruição. Sem dúvida uma das grandes obras do ano. 

O Mundo Depois de Nós (Leave the World Behind, EUA – 2023)

Direção: Sam Esmail
Roteiro: Rumaan Alam, Sam Esmail
Elenco: Julia Roberts, Mahershala Ali, Ethan Hawke, Myha’la, Farrah Mackenzie, Charlie Evans, Kevin Bacon
Gênero: Ação, Aventura, Fantasia
Duração: 138 min

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Publicado por Gabriel Danius

Jornalista e cinéfilo de carteirinha amo nas horas vagas ler, jogar e assistir a jogos de futebol. Amo filmes que acrescentem algo de relevante e tragam uma mensagem interessante.

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