A Netflix é conhecida por suas inúmeras produções originais e, nos últimos anos, destinou grande parte de sua programação em longas-metragens e séries natalinas. Nas últimas semanas, a gigante do streaming entregou algumas interessantes obras audiovisuais dessa época do ano, como a adaptação de Deixe a Neve Cair, que revitalizou as rom-coms adolescentes, a incrível animação Klaus e o fofo clichê Um Passado de Presente. Agora, conforme novas investidas vão ganhando espaço, sua qualidade vem diminuindo drasticamente – como é o caso de uma das franquias mais inusitadas (e que ninguém pediu para que existisse) do catálogo da plataforma: O Príncipe do Natal.
A saga impossível e à la contos de fada iniciou em 2017 e girou em torno de uma jornalista chamada Amber (Rose McIver) que se disfarçou de tutora para adentrar o Reino de Aldóvia e descobrir os segredos por trás do futuro Rei Richard (Ben Lamb) e da família real. Eventualmente, sua missão-tabloide se eleva a um romance que a transforma na esposa de Richard e a direciona para um conturbado “olá” para a vida da realeza; agora, dois anos depois, ela se prepara para começar sua família e retorna para as telinhas com o príncipe herdeiro em O Bebê Real. Entretanto, seguindo a progressão dos filmes anteriores, essa aventura já exauriu a si mesma e entregou uma das piores narrativas do ano, seja por seus diálogos artificiais, seja por sua completa falta de coesão.
De fato, a única compreensível coerência da qual o longa é dotado é de sua cronologia; de resto, nada passa de uma fabulesca invenção da mente da dupla formada por Karen Schaler e Nate Atkins e traduzida pelas convenções estéticas de John Schultz – que não pesariam tanto caso os arcos dos personagens fossem um pouco mais trabalhados. Na verdade, Amber torna-se a personificação da figura blasé, uma persona que vai de lugar nenhum a nenhum lugar e tenta ao máximo nos arrancar alguma conexão – falhando miseravelmente em todos os aspectos. É claro que não podemos exigir muita coisa de uma produção como esta (e nem estamos, para falar a verdade); o único aspecto que pedimos é um enredo redondo e não muito complexo a ponto de se perder pelo caminho.
Infelizmente, não é isso que conseguimos: em adição ao iminente nascimento do futuro príncipe ou princesa, há o acordo secular entre os reinos de Aldóvia e Penglia que deve ser assinado mais uma vez pelos governantes regentes para continuar garantindo a paz entre os povos, numa colaboração que já dura seiscentos anos; e, para além disso, uma subtrama de mistério que envolve o desaparecimento do tratado em questão e uma consequente maldição que recairá sobre o primogênito de Amber. Em suma, muitas pontas soltas que precisam ser amarradas até o fim do terceiro ato.
Como já era de se esperar, outros personagens aparecem em cena para roubar um pouco de protagonismo, incluindo a Rainha Ming (Momo Yeung), que surge em um espectro esnobe que nunca é explorado, e do Rei Tai (Kevin Shen), que é tão profundo quanto uma tábua. Nenhum dos dois, entretanto, ascendem a algo realmente envolvente ou que represente alguma ameaça para a organicidade de Amber e aqueles que ama – aliás, ela e Ming constroem uma relação de amizade do nada e terminam o longa-metragem como uma espécie intangível de irmãs. Nem mesmo a resolução do mistério é evocada de modo inteligente, preferindo se respaldar em fórmulas baratas apenas para uma apressada conclusão sem pé nem cabeça.
Após um fragmentado ato de introdução, em que as sequências são apresentadas como cartões-postais sem propósito, era de esperar que a história engatasse – mas, mais uma vez, nossas expectativas são engolfadas numa frustração imensa. O ritmo cênico permanece o mesmo do começo ao fim, e Schultz nem ao menos tenta sair da caixinha e fornecer uma perspectiva dinâmica para o que é apresentado. Aliás, as investidas artísticas não passam de uma reprodução sistemática de melodramas novelescos, baseando-se em algo tão datada que chega ser difícil manter uma atenção constante nas telas – a parca química que existia entre McIver e Lamb na iteração original desaparece em um piscar de olhos e auxilia nesse afastamento compulsório que o longa cria.
As participações coadjuvantes também são jogadas no lixo sem que se pense duas vezes: a Rainha Helena (Alice Krige), que representava um pivô conservador, porém aberto a mudanças nos filmes predecessores, alcança uma presença descartável; a rebeldia bem-vinda da jovem Princesa Emily (Honor Kneafsey) trilha o mesmo caminho, enquanto o vilanesco Simon (Theo Devaney) embarca num arco de redenção sem qualquer solidez e inexplicavelmente forçado – além de nutrir de um ridículo e conturbado romance com Melissa (Tahirah Sharif).
O Príncipe do Natal: O Bebê Real é o término (ou assim esperamos) de uma trilogia que, para início de conversa, nem ao menos deveria existir. É claro que o primeiro capítulo, ainda que longe de ser perfeito, foi relativamente satisfatório – e poderia ter continuado dessa forma. Porém, ao se estender para mais duas episódicas e canastronas partes, a Netflix mostra que o Natal não é mágico o suficiente para livrar algo de ser extremamente ruim.
O Príncipe do Natal: O Bebê Real (A Christmas Prince: The Royal Baby – EUA, 2019)
Direção: John Schultz
Roteiro: Karen Schaler, Nate Atkins
Elenco: Rose McIver, Ben Lamb, Alice Krige, Honor Kneafsey, Kevin Shen, Momo Yeung, Sarah Douglas, Theo Devaney, Richard Ashton, Raj Bajaj, Crystal Yu, Tahirah Sharif
Duração: 84 min.