As séries animadas originais da Netflix parecem seguir um padrão bastante estruturado que, por enquanto, tem funcionado em sua completude: em 2016, tivemos o lançamento do aclamado Caçadores de Trolls, cuja parceria com Guillermo del Toro provou ser um deleite para os olhos e até mesmo deu origem a um spin-off intitulado Os 3 Lá Embaixo e, mais ainda, a uma franquia chamada Contos da Arcádia. Pouco depois, a aventura intergaláctica jovem-adulta Final Space chegou ao serviço de streaming, acompanhada da divertida minissérie The Hollow, que mais funcionava como uma tradução inusitada dos populares jogos de RPG online que caem nas graças do público. O principal ponto em comum entre essas produções é que, como forma de envolver os espectadores, partiram da simples ideia de transgredir as barreira clássica da “jornada do herói” e imprimir uma perspectiva interessante ao que planejavam contar.
Bom, foi isso que aconteceu com O Príncipe Dragão: a trilogia da plataforma é o que podemos apenas encarar como uma das séries mais bem elaboradas dos últimos anos que, devido à enorme quantidade de produtos audiovisuais lançados por semana no mundo inteiro, passou despercebida pelos radares mais mainstreams e acabou se escondendo ofuscada pelo gigantesco marketing de suas conterrâneas. Porém, não se enganem com a falta de popularidade dessa narrativa, pois a história de Callum, Rayla, Ezra e do poderoso bebê-dragão Azymondias é muito mais obscura e profunda do que imaginávamos – e essa incrível habilidade de nos encantar do começo ao fim é mais uma vez explorada na terceira temporada.
Retornando para a Netflix poucos meses depois de seu último season finale, o show continua exatamente de onde parou: Callum (Jack De Sena) e Rayla (Paula Burrows) estão prestes a chegar a Xadia para devolver Zym à sua mãe, mas percebem que o breve caminho é recheado dos mais diversos obstáculos – incluindo um encontro de quase morte com o mortal Sol Regem (Adrian Hough), um poderoso dragão que foi cegado pelas forças das trevas e agora guarda a travessia do reino humano para o reino mágico. Do outro lado, o jovem Ezran (Sasha Rojen) retorna para Katolis e ascende ao trono apenas para descobrir que seus inimigos estão mais próximos do que pensava – e, entre poucos aliados que ainda se postam ao seu lado e uma legião de cidadãos e soldados sedentos por vingança pela morte do antigo rei, ele é obrigado a tomar medidas drásticas para sobreviver.
Se a primeira temporada trouxe iterações delineadas para nos apresentar a um fantástico mundo onde as aparências enganam e as criaturas mais contraditórias entre si poderiam se unir, e a segunda funcionou como um amadurecimento de figuras tão ecléticas, mas tão brutas (no tocante à personalidade), o novo ciclo de fato funciona como uma mescla eximiamente equilibrada entre esses dois aspectos, oscilando entre reviravoltas chocantes, conluios macabros e uma última jogada que pode colocar em xeque o futuro de todos os Reinos.
Mais uma vez, Aaron Ehasz e Justin Richmond supervisionam o roteiro e fazem questão de construir um enredo que seja bem fechado e sem muitas pontas soltas – por mais que os personagens coadjuvantes se tornem uma peça essencial para o seguimento da trama. Mesmo os deslizes contribuem para que compreendamos algo sutil demais para ser trazido por meio de ambivalências cênicas, sendo transpostas para flashbacks que, ainda que em excesso, explicam os grandes segredos que se escondem no remoto passado de Katolis, Xadia, e as outras províncias. Rayla, por exemplo, confronta as consequências de ter abandonado sua missão e ter se juntado a Callum e Ezran para um bem maior – e é enxergada como uma pária para sua comunidade da mesma forma que seus pais.
Enquanto o jovem trio desenvolve uma orgânica harmonia que inclusive evolui para um breve arco romântico entre os personagens de De Sena e Burrows, o grande vilão da série, Viren (Jason Simpson) também insurge de sua forçada reclusão para liderar um exército de monstros para capturarem Azymondias e restaurarem a glória e o futuro humanos – os quais já estavam condenados há vários anos por intervenção sobrenatural. Viren, acompanhado da filha Claudia (Racquel Belmonte), que revela ser uma espécie de agente dupla medieval, ele instaura um reino de terror que quase vê a luz do dia, mas é impedido por aqueles que ainda buscam por justiça, como Soren (Jesse Inocalla), o filho rebelde do antagonista que decide virar as costas para o pai e lutar do lado certo do campo de guerra.
Mais uma vez, o time criativo alça voo com a estética clássica que imprime para os breve nove episódios: a nostalgia bidimensional tanto vista e reformulada nas décadas anteriores ganha uma roupagem diferenciada, que brinca tanto com a nostalgia cênica quanto com sutis elementos de contemporaneidade, seja no tratamento performático dado aos personagens, seja no dinamismo que exala dos diálogos. Com exceção talvez da sequência de reencontro entre Zym e sua mãe, cujo peso catártico é jogado fora e transformado em uma apressada conclusão, os capítulos caminham para um ponto em comum, convergindo em uma fluidez chocante para mais um cliffhanger que promete mudar a atmosfera da série de uma vez por todas.
O Príncipe Dragão retorna para mais uma temporada com um frenético ritmo que nunca perde a mão – nem mesmo em seus momentos reflexivos ou dramáticos. Mais uma vez, Ehasz e Richmond provam que são alguns dos nomes mais prolíficos da indústria animada atual e que, mesmo dentro de uma esfera borbulhando com releituras e readaptações, conseguem entregar uma obra saudosista e original.
O Príncipe Dragão – 3ª Temporada (Idem, EUA – 2019)
Criado por: Aaron Ehasz, Justin Richmond
Direção: Villads Spangsberg
Roteiro: Aaron Ehasz, Justin Richmond, Devon Giehl, Iain Hendry, Neil Mukhopadbyay
Elenco: Jack De Sena, Paula Burrows, Sasha Rojen, Racquel Belmonte, Jason Simpson, Jesse Inocalla, Jonathan Holmes, Luc Roderique, Adrian Petriw
Emissora: Netflix
Episódios: 09
Gênero: Animação, Fantasia, Aventura
Duração: 25 min. aprox.