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Crítica | Os 3 Lá Embaixo: 2ª Temporada – Dos Desejos Mais Profundos

Seguindo os passos de sua série predecessora, Guillermo Del Toro resolveu que estava na hora de amarrar as pontas soltas e finalizar mais um capítulo situado na icônica e estranha cidadezinha de Arcadia. Foi com uma inesperada surpresa que o criador da homônima produção Contos da Arcádia retornou pela quinta vez ao sobrenatural cenário para focar na última aventura dos irmãos reais Aja (Tatiana Maslany) e Krel (Diego Luna), enquanto decidem não fugir mais da mortal perseguição na qual se engajaram há pouco tempo e enfrentar o temido e tirano General Morando (Alon Aboutboul) – cujo principal objetivo é se tornar o único governante de todas as galáxias.

Entretanto, diferente das outras iterações que compõe essa mística antologia, a segunda temporada de Os 3 Lá Embaixo carece do mesmo brilho da nostálgica originalidade que fez com que nos apaixonássemos à primeira vista: em outras palavras, se Del Toro e sua equipe criativa tangenciou a perfeição com Caçadores de Trolls e abriu portas para mais uma memorável aventura, o time parece perder a mão por breves momentos antes de engatar um enérgico e dinâmico desenlace que culmina em um incrível season finale. Na verdade, boa parte dos episódios insurge como fillers que, apesar de ganharem pontos pela cautela artística e identitária, são desnecessários quando analisados mais a fundo.

De fato, a hora e a vez dos Irmãos Tarron se afasta da desejada conclusão épica, ainda que faça bom uso de certos convencionalismos narrativos – empregados com precisão para que o público se conecte com o escopo saudosista a que se propõe seguir. Aqui, Aja e Krel lidam com diversos obstáculos, incluindo a inesperada traição de seu protetor Varvatos Vex (Nick Offerman) e a quase destruição da nave-mãe, também conhecida como Mãe (Glenn Close). Em companhia da poderosa mercenária Zadra (Hayley Atwell) e do adorável cãozinho alienígena Luug, a dupla agora se vê sozinha para enfrentar as ameaças do espaço, devendo se organizar o mais rápido possível antes que Morando invada a Terra e dê um fim à linhagem real.

Todavia, nem tudo está perdido: felizmente, os irmãos contam com a ajuda de um irreverente e nem um pouco ortodoxo grupo de amigos que revelam suas habilidades bélicas para auxiliá-los nessa complicada jornada. Dentre eles, Toby (Charlie Saxton) retorna para mais um cross-over entre as duas séries complementares e ganha um protagonismo interessante que faz um ótimo uso de sua experiência beligerante; o valentão Steve (Steven Yeun) abandona sua personalidade evasiva e odiosa e se vê num enlace romântico com Aja, enquanto desenvolve uma agradável e surpreendente amizade com Eli (Cole Sand), auxiliando os extraterrestres nos mortais perigos que enfrentam do começo ao fim.

Ainda que a temporada se perca em tantas micronarrativas excessivas, Del Toro, em colaboração com seus usuais roteiristas, busca referências no próprio universo que criou e resolve fornecer um necessário amadurecimento para os dois protagonistas: afinal, Aja e Krel, ainda que inteligentes e sagazes, sempre tiveram tudo entregue de bandeja até fugirem para a Terra, exilando-se enquanto tramavam um plano ao lado da resistência para reclamar o trono que lhes pertencia por direito. Em um cenário caótico, suas personalidades crescem e atingem uma deliciosa independência que, assim como tudo na vida, vem com certo custo: é óbvio, pois, que a história se valesse de diversos sacrifícios e viradas incríveis, transformando inimigos em aliados e vice-versa.

Além da ameaça natal, o grupo enfrenta a constante necessidade de proteção desenfreada da Coronel Kubritz (Uzo Aduba), funcionária de alto escalação da área 49-B cuja principal missão é interceptar as atividades alienígenas e investigar tal tecnologia para uso próprio – ou seja, utilizar armas de fogo não existentes em solo terrestre para proteger nosso mundo de perigos cósmicos. Porém, Kubritz também é dotada de uma delineação corruptível e egocêntrica que não pensaria duas vezes em trabalhar ao lado daqueles que jurou exterminar para conseguir o que quer (nesse caso, Aja, Krel e a aparelhagem akaridiana). É interessante, dessa forma, observar como a Coronel se arrepende tarde demais, mergulhando num arco de redenção até esbarrar em uma trágica e chocante ruína.

Apesar da sutileza e da preocupação estética-narrativa, certos elementos de dinamização da iteração se valem muito das ocorrências eventuais, respaldando nos incríveis deus ex machina que tanto habitam as produções hollywoodianas. Num escopo geral, tais sequências ocasionais são pontuais, mas desenvolvem-se numa duração forte o suficiente para desconstruir a relação de causa e consequência entre os atos – isso sem falar que certas construções emocionais são falsas demais até para os telespectadores mais jovens.

Mesmo com deslizes perceptíveis, a segunda e última temporada de Os 3 Lá Embaixo é uma boa e aprazível aventura que termina de forma interessante, não se valendo de fórmulas para fornecer a resolução dos Irmãos Tarron. E, como se não bastasse, o novo ano também abre portas para a terceira parte dessa ótima antologia – cujo foco nos convidará mais uma vez a visitar os ocultos becos de Arcadia.

Os 3 Lá Embaixo: Contos da Arcadia – 2ª Temporada (3Below: Tales of Arcadia, EUA – 2019)

Criado por: Guillermo del Toro
Direção: Guillermo del Toro, Rodrigo Blaas, Johane Matte, Elaine Bogan, Andrew L. Schmidt
Roteiro: Guillermo del Toro, Aaron Eisenberg, Lila Scott
Elenco: Tatiana Maslany, Diego Luna, Nick Offerman, Glenn Close, Alon Aboutboul, Hayley Atwell, Uzo Aduba, Steven Yeun, Charlie Saxton, Cole Sand
Emissora: Netflix
Episódios: 13
Gênero: Animação, Aventura
Duração: 23 min. aprox.

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Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

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