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Crítica | Perry Mason – 1ª Temporada – A origem dark de um ícone da TV

Sendo bem sincero, Perry Mason nunca foi algo que esteve tão inserido no meu imaginário popular; e acredito que o da maioria dos consumidores de cultura deste século, excluindo aquela piada do “Pede Mais Um” vista na sitcom Chaves. O personagem foi criado por Erie Stanley Gardner para uma série de livros que iniciaram-se na década de 30, com O Caso das Garras de Veludo, centrando-se nos diferentes casos defendidos por um advogado criminal.

Na televisão, o personagem foi popularizado pelo ator Raymond Burr em uma série bem-sucedida da CBS, que rendeu 9 temporadas de 1957 a 1966, e tornaram o personagem um marco naquela época. Mas ainda assim, Perry Mason não é tão bem lembrado como outros clássicos do período. Por isso, nada melhor do que um reboot dark e soturno pelas mãos de uma emissora ousada como a HBO, que coloca o advogado em uma versão moderna e sofisticada que você pode ver na SKY TV.

A nova versão da HBO coloca a história em um universo mais sujo e palpável: a década de 30 dos Estados Unidos, quando o país estava mergulhado na miséria e desespero da Grande Depressão, onde encontramos Perry Mason (Matthew Rhys) não como advogado, mas sim como um detetive particular. Em meio a essa atmosfera, ele aceita trabalhar em um caso que mexe com o país inteiro, que envolve o sequestro e assassinato de um bebê cujos pais são membros de uma igreja poderosa – além de principais suspeitos do crime bárbaro.

Não tendo o conhecimento prévio sobre o personagem, já é uma surpresa quando o primeiro episódio de Perry Mason começa e encontramos o personagem-título não com um terno impecável ou dentro de um tribunal, mas sim literalmente sujo, com olheiras e se afundando no mundo perigoso da investigação particular (“um termo chique para ‘enxerido'”” como o próprio denomina em certo momento). É a perfeita reinvenção de se colocar os dois pés de uma figura elevada e perfeita bem no chão, tal como o James Bond de Daniel Craig fez no bem sucedido 007 – Cassino Royale.

O grande diferencial da série, que conta com idealização de Ron Fitzgerald e Rolin Jones (além de produção de Robert Downey Jr., que originalmente faria o papel principal), é justamente mostrar o processo que leva Mason até sua posição mais famosa. Quando lá para metade da temporada temos a ideia do sujeito se tornar um advogado, é uma grande reviravolta – mas também uma piscadela para os fãs que já conhecem a história do personagem, além de seus personagens coadjuvantes; Della Street (Juliet Rylance) e Paul Drake (Chris Chalk) são alguns dos escudeiros de Mason que ganham reinvenções inventivas.

A performance de Matthew Rhys, premiado por seu trabalho na ótima de The Americans, é o que garante todo o envolvimento, já que seu Mason é vulnerável, agressivo e, quando supera esses traços, extremamente brilhante. Ver a composição de Rhys se transformar para algo que tenta se encaixar em um padrão mais elevado ao vestir o terno, fazer a barba e pentear o cabelo (sem falar nas tentativas em decorar leis e termos de tribunal) garantem uma admirável experiência de construção de personagem. Rhys está em ótima companhia com os já citados Rylance e Chalk, que não só são figuras cativantes por si só, mas acrescentam arcos inclusivos de racismo e LGBTQ+ que se desenrolam de forma natural e relevante.

E não poderia deixar de mencionar o trabalho de dois coadjuvantes essenciais na vida de Mason. Primeiro, o parceiro Pete Strickland vivido por Shea Whigham (que está virando especialista nesse tipo de papel), que traz o contrabalanço sisudo e mais sério para as interações mais sarcásticas de Mason. Segundo, John Lithgow como E.B., o advogado “mentor” de Mason, que se destaca como uma das figuras mais honradas e complexas de toda a série – e que arrancam um ou dois momentos que podem se destacar como alguns dos mais emocionantes da carreira do ator veterano.

Abraçando o gênero noir de forma pesada, com direito a chapéus fedora e uma trilha deliciosamente atmosférica de Terence Blanchard, uma série de cunho policial e investigativo não é nada sem o grande mistério, e Perry Mason faz um bom balanço disso. Apesar de colocar o público na expectativa de descobrir o culpado, a maquinação de Mason e sua luta contra o “sistema” passam a ser mais interessantes graças à força do roteiro – que entrega o grande culpado antes do final, e então dedica esforços a um mistério ainda mais instigante: se Mason será capaz de, mesmo ciente da informação certa, provar sua veracidade em meio a um sistema quebrado.

A narrativa fica ainda mais fascinante quando Fitzgerald e Jones incluem um expressivo segmento acompanhando a igreja que move elementos daquele universo, destacando a figura carismática da Irmã Alice (a excelente e radiante Tatiana Maslany) e sua mãe, vivida por Lili Taylor. Na metade da temporada, o roteiro promove uma possibilidade muito improvável envolvendo Alice e o mistério do bebê, mas graças à força da narrativa e os diálogos daqueles personagens, o espectador começa a se questionar sobre o que realmente é possível em Perry Mason.

Em 8 episódios de ritmo equlibrado e uma atmosfera fortíssima, Perry Mason se firma como uma das novas e promissoras apostas da HBO. Certamente vai impressionar fãs da versão clássica com suas reinvenções mais sombrias e modernas, e deve garantir mais admiradores sedentos por uma boa história detetivesca. 

Pra encerrar com um trocadilho infame, “Pede Mais Uma Temporada”.

Perry Mason – 1ª temporada (EUA, 2020)

Criado por: Ron Fitzgerald e Rolin Jones, baseado nos personagens de Erie Stanley Gardner
Elenco: Matthew Rhys, Tatiana Maslany, Lili Taylor, Shea Whigham, Juliet Rylance, Chris Chalk, John Lithgow, Robert Patrick, Gayle Rankin
Emissora: HBO
Episódios: 8
Gênero: Drama
Duração: 50 min, aproximadamente

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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