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Crítica | Rogue One: Uma História Star Wars (Sem Spoilers)

Quando George Lucas vendeu sua preciosa LucasFilm para a Disney no final de 2012, o mundo dava o primeiro passo para a criação de novos filmes de Star Wars. Não só o anúncio do aguardado Episódio VII fora uma realidade, mas também a ideia de filmes derivados que explorassem histórias diferentes dentro daquele universo, algo que a literatura do universo expandido de Timothy Zahn e as séries de animação Clone Wars e Rebels foram bem felizes em realizar. Mas o cinema é algo muito diferente, e oferece uma inifinidade de possibilidades e explorações de gêneros até então inéditos para a saga de Luke Skywalker e seus amigos.

Com isso, Kathleen Kennedy apadrinha a ideia que por muitos anos foi a premissa de uma série de televisão live action cancelada, que centrava-se em eventos entre o Episódio III e IV. Daí vem a proposta de Rogue One: Uma História Star Wars, primeiro longa dessa nova linha da Disney que parte para explorar de forma mais violenta e crua o aspecto da guerra.

Os eventos do filme acontecem pouco tempo antes do início de Uma Nova Esperança, com a galáxia em tensão com o domínio do Império e a Aliança Rebelde fortalecendo laços para enfrentá-lo. Nesse cenário, a fugitiva Jyn Erson (Felicity Jones) é resgatada pela Rebelião para que ela possa ajudar na mais importante missão do grupo: seu pai, Galen (Mads Mikkelsen), foi usado pelo Império para o desenvolvimento da superarma conhecida como Estrela da Morte. Com a ajuda de Erso, a Rebelião monta um esquadrão para localizar e encontrar os planos que expõem as falhas que possibilitam sua destruição.

É uma história que sabemos como termina antes mesmo de o filme começar, uma questão que assombra a maioria dos longas classificados na categoria prequel. Porém, esse universo fechado e coeso permite que o roteiro de Chris Weitz (depois reescrito por Tony Gilroy) explore cantos e possibilidades jamais vistos anteteriormente na franquia, e o principal deles é a atmosfera. A paranoia da guerra e a espionagem são fatores presentes desde o início, como quando Cassian Andor (Diego Luna) executa um espião que o ajudara por temer sua exposição a stormtroopers que rondam a área, em uma demonstração surpreendente do nível de perigo e desconfiança que assolam as ruas do povo comum da galáxia. A presença dos imponentes destroieres imperiais pairando sobre cidades ou até a visão aterradora da Estrela da Morte surgindo como uma Lua na atmosfera de diversos planetas coloca o Império como uma força realmente opressora e assustadora, algo também explícito no visual dos novos stormtroopers, todos com uma máscara preta aterradora.

Esse universo até elimina por completo a ingenuidade e maniqueísmo da Aliança Rebelde, que também precisa apostar no assassinato e conspiração para triunfar, o que garante diversos dilemas ao personagem tons de cinza de Cassian, que tem a real missão de elimiar Galen Erso sem que Jyn saiba disso; há segredos e segundas intenções até mesmo entre o grupo. Até mesmo a forma como Galen Erso é cooptado pelo Império remete a como o nazismo de Adolf Hitler foi atrás de cientistias (como Van Brown ou Oppenheiemer) para o desenvolvimento da bomba atômica; aliás, o raio de destruição da estação bélica agora toma influência direta de Hiroshima, prolongando o efeito da destruição e o impacto visual. Ou uma abordagem mais contemporânea, vista na figura de Saw Gerrera (vivido por Forest Whitaker), um veterano um tanto louco das Guerras Clônicas cuja reputação e a forma como permanece escondido nas cavernas do planeta Jedha e comanda pequenos grupos rebeldes na área remete bastante a Osama Bin Laden, assim como a perseguição do Império. Todo o universo de Rogue One é permeado por tons de cinza, e é um tratamento que não se torna anacrônico em relação às outras trilogias, já que simplesmente aprofunda as camadas e nos revela níveis inéditos; da mesma forma como é possível aceitar o sanguinário Demolidor no universo colorido do Homem-Formiga.

Assim, Weitz e Gilroy trazem uma trama típica do cinema de guerra e espionagem, partindo da formação do grupo que vai se aliando graças ao acaso e oportunidade da história; caso do piloto desertado Bodhi Rook (Riz Ahmed), o guerreiro espiritual Chirrut Îmwe (Donnie Yen) e seu protetor brutamontes, Baze Malbus (Wen Jiang). São engrenagens que movem-se bem durante o primeiro ato, ainda que a montagem de John Gilroy, Colin Goudie e Jabez Olssen sofra um pouco para criar um ritmo mais harmonioso à trama, que toma seu tempo para preparar os jogadores e embarcar na sucessão de tarefas e ações: até mesmo legendas de identiticação são necessárias para que o espectador não se perca diante das dezenas de novos planetas a que é apresentado ao longo da narrativa. Novamente, há um certo atraso e uma falta de fluidez entre algumas transições, algo que certamente é consequência dos reshoots que reformularam quase que o filme todo.

O trabalho com os personagens também acaba um pouco raso. A Jyn Erso de Felicity Jones é quem ganha um arco mais forte e desenvolvido, graças aos flashbacks e a introdução digna de Bastardos Inglórios na qual somos apresentados à sua figura criança. O carisma da atriz é forte e rende mais uma grande personagem feminina à saga, enquanto Diego Luna se sai bem ao apresentar uma figura dividida e conflituada para Cassian. Porém, todos os demais membros do esquadrão surgem como arquétipos, que só se destacam mesmo graças ao talento do elenco – especialmente o incrível Donnie Yen, que faz muito com pouco. Temos também o dróide K-2S0, que Alan Tudyk preenche com muita ironia e rende um bom alívio cômico, mas talvez o grande destaque venha do ótimo vilão vivido por Ben Mendehlson, que precisa ser ameaçador não só para os heróis da Rebelião, mas também mostrar poder à seus superiores.

Mas como todo bom filme de guerra, o brilho está justamente na direção, e não no texto. Felizmente, Gareth Edwards melhora muito desde sua investida nos tentpoles hollywoodianos com o mediano Godzilla, e traz à Rogue One o realismo e crueza da guerra que a proposta tanto requeria. Isso já vem da fotografia de Greig Fraser, que aposta pela primeira vez em cores mais frias e dessaturadas para a saga, onde o cinza e o grão da textura predominam além de tudo. Aliado à condução “documental” de Edwards, que opta por boa parte das sequências de ação no estilo câmera na mão, temos um tipo de espetáculo mais urgente e violento do que aqueles que marcaram a aventura leve dos anteriores. Edwards assume riscos reais ao apostar em personagens sendo mortos no canto da tela, explosões súbitas que fazem stormtroopers sair voando e trocas de tiro que nos fazem temer pela segurança dos personagens – sem os poderosos sabres de luz para protegê-los.

Edwards acerta nessa condução ao longo de sequências isoladas, mas é mesmo no excelente clímax que envolve o famigerado roubo dos planos em uma base num planeta tropical. O próprio ambiente de uma praia e coqueiros é algo que não esperaríamos ver na saga, e Edwards explora bem os elementos desse espaço e brinca com as possibilidades, como a imagem imponente de um AT-AT imperial surgindo por trás das árvores. A distribuição dos personagens durante a sequência é outro acerto, e Edwards eleva os riscos que comentei no parágrafo anterior a um nível dramático surpreendente. Mesmo que não tenha sido possível um apego tão grande aos personagens envolvidos ali, a beleza das imagens de Edward faz o serviço e é eficaz em envolver emocionalmente o espectador.

Como produção técnica, é praticamente irretocável. O design de produção de Doug Chiang e Neil Lamont é eficaz ao explorar o lado mais sujo e desgastado da galáxia, criando uma conexão visual forte com Uma Nova Esperança, seja nas ruas apertadas da cidade sagrada em Jedha, o interior luxuoso dos destroieres imperiais ou a sala de reuniões da Aliança em Yavin 4. Os efeitos visuais aqui também merecem aplausos intensos, não só pela competência ao criar ambientes digitais, naves, explosões e personagens verossímeis (com o próprio K-2SO), mas pelo trabalho sobrenatural em… Bem, não quero estragar surpresas, mas digamos que em um período tão próximo do Episódio IV, veremos rostos conhecidos da trilogia original aqui, e o trabalho de CGI para garantir suas aparências é um dos exemplares mais perfeitos de computação gráfica que já vi na vida. Vale mencionar também que este é o primeiro filme da saga a não contar a trilha sonora de John Williams, tarefa que Michael Giacchino assume bem ao manter os temas fortes e aventurescos dos anteriores.

Por falar em rostos conhecidos, esperem para ver Darth Vader de uma forma como nunca o vimos antes no cinema… Um primor de atmosfera e terror (sim, terror) da direção de Gareth Edwards. Aguardem, fãs hardcore, isso vai valer muito a pena.

Rogue One: Uma História Star Wars é uma boa expansão do universo de George Lucas, levando a saga para um canto mais realista e violento e aproveitando todos os elementos que o gênero de guerra pode oferecer. Pode carecer de personagens carismáticos ou de um ritmo melhor, mas definitivamente é um experimento bem-sucedido e que pode render frutos e rumos promissores para as guerras estelares…

Rogue One: Uma História Star Wars (Rogue One: A Star Wars Story, 2016 – EUA)

Direção:
 Gareth Edwards

Roteiro: Chris Weitz, Tony Gilroy
Elenco: Felicity Jones, Diego Luna, Alan Tudyk, Donnie Yen, Wen Jiang, Ben Mendelsohn, Forest Whitaker, Riz Ahmed, Mads Mikkelsen,  Jimmy Smits, Alistair Petrie, Genevieve O’Reilly
Gênero: Ação, Ficção Científica

Duração: 134 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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