Lá pelos anos 80, o terror encontrou outro desdobramento, muito diferente do slasher,trash e do recente gore porn. O horror hardcore havia surgido com maior impacto e conseguia assustar a geração que vivenciou o evento. “O Exorcista”, “Poltergeist”, “A Cidade do Horror” (mais conhecido aqui pela sua refilmagem “Horror em Amityville”), “A Casa da Colina”, “A Casa Amaldiçoada”, “A Profecia” (apesar dele ser de 1976), entre vários outros são exemplos deste sub-gênero. Eu já achava que nunca mais assistiria um filme de terror que realmente me desse medo e parece que, finalmente, encontrei o que procurava.
Josh e Ranai Lambert e seus três filhos acabaram de se mudar para uma nova casa visando uma vida de paz e sossego. Entretanto, os espíritos que residem em tal humilde morada não desejam o conforto de seus hóspedes. As coisas começam a ficar preocupantes quando um dos filhos do casal, Dalton, entra em um inexplicável coma. Josh e Ranai cansam de serem atormentados pelas almas penadas do local e chamam a psíquica Elise que promete solucionar o caso. Infelizmente, Elise nunca havia enfrentado uma força tão poderosa como esta que vive nos corredores da casa.
Ressuscitando a fórmula do medo
O roteiro é de Leigh Whannell, o mesmo de “Jogos Mortais”. Logo de inicio, ele tenta criar vínculos emocionais entre o público e seus personagens a fim de desenvolvê-los antes de tocar o terror. O filme adota uma postura bem interessante com uma proposta diferente. Ao invés de o espectador se deliciar com as traquinagens dos seres fanfarrões – como em “Atividade Paranormal” – , acompanha o drama e o terror mental que os antagonistas causam a pobre família. Esse terror psicológico desencadeia vários conflitos entre o casal como a desconfiança de Josh em relação ao que Renai alega ver ou o aparente “medo” do marido voltar para casa ficando até tarde da noite no trabalho.
Isso não quer dizer que de maneira alguma a plateia não sentirá medo durante a projeção. Fique ciente que o filme é fortíssimo e recomendado aos que se divertem em tomar vários sustos oportunistas e sentir medo. Whannell aprendeu com o passado que é muito gratificante mostrar de tempos em tempos as criaturas para a plateia. Ou seja, você verá os seres demoníacos diversas vezes que custam a desaparecer para a escuridão novamente. Ele faz uma coisa esperta para respeitar aqueles que têm o coração fraco – sempre faz uma sucinta “sugestão” de que algo vai aparecer em tela momentos antes, mas aviso que é pior ficar de olhos fechados graças à música.
O primeiro ato da película é a melhor experiência de medo artificial que tive há algum tempo. Tudo funciona a seu favor, principalmente a dosagem de situações paranormais apavorantes. Infelizmente, o terceiro ato muda completamente a atmosfera aterrorizante que o filme havia construído até então, para tornar-se um ridículo passeio freak de trem-fantasma hiperexagerado. Nele, os conflitos são esquecidos, assim como os dois outros filhos do casal, para fechá-lo rapidamente em um final clichê, previsível e desprezível já que sugere uma sequencia porca.
O segundo ato é o mais perturbador contando com um clímax soberbo digno dos filmes que listei acima. Os elementos utilizados aqui são muito mais fortes, portando-se como lembranças reais do medo no intelecto do espectador. Ou seja, o roteiro de Whannell estimula o cérebro a procurar lembranças de sua própria vida em que você se encontrava com medo de alguma coisa semelhante àquela mostrada na tela como os terríveis corredores escuros ou o suspense das portas entreabertas.
Maior orçamento, maiores créditos
As atuações não deixam a desejar. Patrick Wilson é o patriarca da família e em momento algum chega a ser memorável. Suas expressões e gestos não variam muito, assim como o afeto do público com seu personagem indiferente. Rose Byrne é o oposto de seu par romântico no set. Toda sua frágil e elegante atuação exala medo. Seus olhares amedrontados, respiração ofegante, sua fala suplicante e desesperada, seu andar desconfiado acompanhado de gestos trêmulos encantam o público com o tempo de projeção do filme.
Com pouco tempo em cena, Barbara Hershey também surpreende caindo da cadeira enquanto solta o melhor grito de pavor do filme inteiro. Lin Shaye é a melhor atriz da película provando seu aprendizado com os inúmeros filmes de terror que já participou. Sua atuação é muito intensa e determinada – é impossível não ficar intrigado e impressionado apenas com sua expressão na cena do ventilador de teto.
A dupla de caça-fantasmas Angus Sampson e Leigh Whannell (o roteirista) tenta explorar a veia humorística do filme apostando na caricatura de seus personagens, porém não conseguem já que o público está aterrorizado. Entretanto, são eficientes e aliviam um pouco o clima pesadíssimo.
Marcante até demais
A fotografia de John R. Leonetti é fantástica. Sua escolha artística é impecável. Os tons frios e pálidos tornam tudo mais aterrorizador, denso, acinzentado e pesado. Além disto, ele consegue tornar tudo sombrio e fantasmagórico com o inteligente truque de suavizar a luz exterior com várias cortinas brancas expondo um contraste do branco leve com o preto. Também utiliza múltiplos desfoques, reflexos, gelo seco e flashes de luz para o mesmo propósito. A escuridão é outra coisa trabalhada com muito cuidado por Leonetti chegando a filmar tomadas inteiras com apenas uma fonte fraca de luz.
Seus movimentos de câmera também são um espetáculo a parte. Várias vezes ele realiza o clássico e sinistro plano que captura a diagonal da casa assombrada deslizando seu equipamento. Ou quando move a imagem freneticamente de um lado para o outro acompanhando um ser na varanda da casa. Várias de suas escolhas de como filmar o que ocorre diante de seus olhos conseguem amedrontar o espectador. Aproximar/fechar a imagem no relógio de torre que fica no fundo do obscuro corredor ou em outros objetos e seres, enfiar a câmera entre as frestas de uma porta que se abre lentamente, isolar a personagem em um plano distante em cima das escadas, girar o plano na diagonal a fim de tornar a cena mais dramática e dar uma impressão de desespero ou realizar uma subjetiva que bisbilhota um tenebroso dançarino na sala de estar, são apenas meros exemplos de como suas imagens ficam na sua cabeça.
Seus belíssimos planos-detalhe também merecem um destaque, sendo que o melhor deles se encontra na tomada onde os caça-fantasmas apresentam e ajustam orgulhosamente a parafernália usada por eles.
A direção de arte mantinha um padrão muito bom durante o filme inteiro, mas no terceiro ato tudo vai de pernas pro ar em que antigos cenários acabam reciclados, mais limpos e tenebrosos. Porém, o que realmente fica fora de lugar é o confim onde Josh se enfia no clímax predominando cores quentes e uma arquitetura gótica bizarra. Os figurinos e os figurantes que os vestem também são uma bizarrice freak do clímax em que tudo parece uma cópia desgastada de um videoclipe de Michael Jackson.
Violinofobia
A música de Joseph Bishara é um ode a todos filmes hardcore de casas assombradas dos anos 80. Os acordes agudíssimos dos violinos dão a sensação de que seus tímpanos estão prestes a explodir. Todas elas contam com um ritmo viciante que deixam o espectador cada vez mais tenso.
Ela é extremamente oportunista acompanhando vários sustos que fazem seu coração saltar. Para ter uma ideia da trilha inteira, basta escutar a música da horripilante e histérica introdução que destaca com pavoroso gosto o nome INSIDIOUS. Ela também mexe com sua imaginação, ou seja, é melhor ficar de olhos abertos e encarar o terror de frente do que criar os seus próprios demônios em sua cabeça fertilizada pela trilha.
A sonoplastia é muito presente o filme inteiro. É importante citar que ele é acima de tudo uma experiência sonora, uma coisa que poucos filmes se dão o trabalho de proporcionar o espectador. Todos os barulhos são aterrorizantes, rangidos de portas são aumentados ao volume máximo, gritos, sussurros, choros que ecoam entre a casa também são inseridos com malícia nas cenas. Passos, estalos, barulhos de galhos quebrando e o tique-taque do metrônomo também são ritmados com a música. Fora o inexplicável som que se assemelha ao de uma máquina de lavar em convulsão – acredite, isto também deixará seus cabelos em pé.
A edição dos elementos sonoros é tão eficiente que quando ela resolve cortar a música e deixar a cena somente com a sonoplastia o espectador implora para que a inquieta música retorne e quando ela volta, ele suplica para que ela suma.
Jogos sobrenaturais
James Wan finalmente retornou após deixar seu legado “Jogos Mortais”. Agora, provou que consegue fazer muito mais do que sanguinolência e órgãos expostos. Wan faz o espectador sentir medo sem derrubar uma gota de sangue no solo. Isso não quer dizer, entretanto, que ele não se faz presente. Sua direção apresentou-se muito mais madura levando o medo a sério e impregnando-o no espectador trêmulo na cadeira. Se você imagina que as coisas que acontecem na primeira casa onde o casal reside são fortes demais, nem queira imaginar o que ocorre na segunda.
Wan faz referências a “Poltergeist” com os galhos nas janelas e a própria série que criou, “Jogos Mortais”, que se apresenta em um desenho na lousa enquanto Josh leciona. Ele criou uma atmosfera muito envolvente e tenebrosa utilizando com sensatez diversos elementos criativos, entre eles o principal antagonista do filme. Além de Wan, Oren Peli de “Atividade Paranormal” auxilia na produção e claro que deixa uma influencia de sua franquia no filme. Repare que a única tomada que mostra quase todos os cômodos da casa vazios a noite se assemelha com a sequencia das câmeras de segurança do segundo filme de sua franquia.
Outra moda que pegou em filmes de terror foi amaldiçoar certas músicas antigas. Em “1408”, “We’ve Only Just Begun” dos The Carpenters foi a escolhida. Na refilmagem de “A Hora do Pesadelo”, “All I Have to Do is Dream” dos Everly Brothers foi taxada de assassina. Wan selecionou a dedo a pior música possível para aterrorizar seus ouvidos por muito tempo – “Tiptoe Through the Toulips” de Tiny Tim já era sinistra por natureza e agora depois deste filme, duvido que eu tenha coragem de ouvir novamente.
Não leve a assombração para casa
“Insidious” é um filme de terror que realmente lhe proporciona horas de puro medo. Se você está procurando um ótimo filme que te assuste, ofereça uma música típica do gênero, uma sonoplastia digna de blockbusters e uma fotografia impecável, vá sem duvida alguma. Além de se divertir, ficará tenso e enervado com o artístico suspense do longa. Porém fique ciente que o último ato do filme é simplesmente deplorável e acaba totalmente com a atmosfera aterrorizante construída assemelhando-se a um filme de comédia fracassado. E lembrem-se, não façam como eu fiz. Não assistam esse filme sozinhos de forma alguma, pois a insônia te esperará de braços abertos. Ou não…
Sobrenatural (Insidious, EUA, 2010)
Direção: James Wan
Roteiro: Leigh Whannell
Elenco: Patrick Wilson, Rose Byrne, Barbara Hershey, Leigh Whannell
Duração: 102 min.