No fim dos anos 90, a dupla Paul Dini e Alex Ross já tinham feito um nome, cada um em sua respectiva área. Ross começava a se consagrar como desenhista, devido ao seu estilo diferenciado, que muitos diziam ser uma mistura de Norman Rockwell, ilustrador americano que ficou famoso por retratador a vida americana em suas artes com George Perez , outro grande desenhista dos quadrinhos. Foi nesse período que fez seus dois projetos mais lembrados, a série limitada Marvels, com o escritor Kurt Busiek, e a série Reino do Amanhã, com Mark Waid. Já Dini obteve sucesso trabalhando com animações. Trabalhou no desenho Tiny Toons, e foi responsável pela criação das elogiadas sérias animadas do Batman no inicio dos anos 90.
Paul Dini começaria a se aventurar no mundo das HQs, e junto com Alex Ross, iniciaria um projeto que visava homenagear o aniversário de 60 anos dos principais personagens da editora: Superman, Mulher Maravilha, Batman e Shazam (na época conhecido como Capitão Marvel). A ideia do escritor e do desenhista era fazer uma abordagem mais realista desses personagens, e tratar sobre questões mais profundas que se relacionavam com o histórico desses heróis no quadrinho. A primeira história escrita foi Superman: Paz na Terra, lançada em 1998. Com essa história, a dupla Dini e Ross pretende responder uma pergunta que sempre circundou o mundo do Homem de Aço. Porque um ser tão poderoso não resolve todas as mazelas do planeta?
Estamos no período de festas de Natal, e o Superman como sempre está ajudando nos preparativos para a festa. Após colocar a árvore no centro da cidade, ele presencia, em meio a multidão, uma jovem totalmente fraca. Em um primeiro momento, acredita que ela pode estar em choque, mas percebe que na verdade ela está desnutrida, então decide leva-la para os cuidados em um abrigo para moradores de rua. No dia seguinte, agora como Clark Kent, o herói retorna ao abrigo e descobre a história da moça: uma moradora do interior que decidiu ir para Metropolis em busca de melhores chances de vida, mas apenas encontrou desemprego e fome. Superman fica com esse acontecido na cabeça, e começa a pesquisar nos arquivos do Planeta Diário noticias sobre a fome no mundo. Decide então ir as Nações Unidas para pedir que lhe deem permissão para entregar o máximo de alimento para povos necessitados. Seu pedido é aceito, mas uma coisa que o Filho de Krypton não imaginaria era que sua missão teria uma grande quantidade de barreiras para serem ultrapassadas
Como eu havia dito antes, a principal ideia desse quadrinho, além de trazer reflexões importantes, serviria para mostrar o porque o Superman nunca era mostrado resolvendo todas as mazelas do planeta, entre elas a fome. Mesmo com todo os poderes que têm a sua disposição, o Homem de Aço esbarra em 2 grandes muralhas. A primeira é a própria natureza humana, que é falha, o que nos leva a cometer atos de crueldade, como também sentir medo e desconfiança. A segunda barreira enfrentada pelo herói é ele mesmo. Kal-El não sente fome, e não importa qual fosse a sua situação financeira, isso seria nunca seria um mal que cairia sobre ele. Então como ele poderia ajudar a resolver algo que não entende, e nem poderia aprender sobre. E o personagem sabe disso, então com o seu ato de solidariedade, busca ao menos trazer um pouco de esperança, e fazer com que seu ato sirva de exemplo.
Paul Dini e Ross nos mostram aqui nesse quadrinho o porquê do Homem de Aço ser um herói tão importante dentro dos quadrinhos. Ele é um símbolo, um arquétipo, a máxima representação da verdade e da justiça. Ele tenta trazer ao mundo uma mensagem de esperança e de otimismo para todos aqueles que sofrem, mas que para que um futuro melhor seja possível, ele adverte que é necessário uma união dos povos, e que todos nós ajudemos, nem que seja com o mínimo possível. Ao embarcar numa odisseia que ele mesmo vê como difícil de conseguir ser bem sucedido, o Superman ao menos acredita que o seu ato pode ser um gatilho para que o mundo comece a olhar para os problemas que afetam a humanidade com outros olhos. O personagem se torna quase uma personificação do Imperativo Categórico do filósofo alemão Immanuel Kant, que segundo este, o individuo deveria agir de tal modo, que sua ação deveria servir de exemplo aos outros seres humanos.
Não apenas trazer uma mensagem positiva, Ross e Dini também não poupam a sociedade mundial com criticas. De inicio eles já abordam uma situação que acontece dentro do seu próprio país. Os Estados Unidos, o grande símbolo do capitalismo, produz muito mais alimentos do que consome, o que faz com que diversos desses produtos acabem indo para o lixo, ao invés de serem redistribuídos. A dupla também mostra as mazelas causadas pelas guerras, na qual vários ficam sem abrigos e sem casa, devido as batalhas. Vale lembrar que naquela época a Europa estava convivendo com confrontos na região do Bálcãs, e que até hoje não se resolveram. Os quadrinistas também não poupam os governos ditatoriais, mostrando que estes se beneficiam do sofrimento do seu povo, para assim conseguirem manter o controle.
A arte de Alex Ross é definitivamente um show a parte. É incrível a sua capacidade de fazer os desenhos com o máximo de detalhismo, e ajudando na finalidade da trama, que é ser o mais realista possível. Com seus traços, Ross também consegue demonstrar muito bem o sentimento das personagens da trama, o que faz com que o leitor se envolva ainda mais. É interessante perceber que o desenhista usa diversas paletas de cores nas páginas. No flashback que conta mostra a chegada do Superman na terra, ele usa um tom vermelho, mostrando a revolução do acontecimento. Para mostrar momentos de Clark com seu pai em Smallville, o desenhista usa de tons mais amarelos, uma representação do típico por do sol das cidades do interior. Mostrando a chegada do herói nos lugares em que ele tenta distribuir ajuda, Ross utiliza de cores mais frias, para mostrar a situação que de abandono da população local.
Com um roteiro simples, mas forte e profundo, e com uma arte belíssima, Superman: Paz na Terra é uma história que retrata de maneira brilhante o que é o Superman, e traz uma bela mensagem de união e solidariedade para os leitores.
Colorista: Alex Ross
Editor: Joey Cavalieri e Maurenn McTigue