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Crítica | 3ª temporada de The Boys eleva padrões em todos os sentidos, mas tropeça em final de escolhas comerciais

Há leves spoilers no texto

Com os casos recentes dos claros sinais de exaustão do público com o gênero de super-heróis que infesta Hollywood desde 2010 chegando a patamares de lançamentos bombardeados o ano inteiro atualmente, a presença de The Boys é sempre bem-vinda por ajudar o gênero a ter respiros criativos muitíssimos importantes.

Desde 2019 com a sua primeira temporada, a série de sucesso da Amazon Prime Video consegue satirizar tanto o gênero saturado quanto às aberrações sociais dos tempos contemporâneos servindo tão bem como entretenimento de qualidade quanto um registro histórico bastante valioso.

Eric Kripke, o irreverente showrunner que toca o tom extremo do seriado, sabe que isso vai tornar essa grande história datada em alguns anos, mas ao mesmo tempo lapida uma bela fotografia da história recente. Com a 3ª temporada finalmente concluída, seu trabalho é ímpar, mas refém de escolhas bastante dúbias na conclusão de um ano quase perfeito. Nem mesmo The Boys consegue escapar das garras do corporativismo que tanto critica. 

Nivelando a p*rra do jogo

Com a nazista Tempesta fora do caminho, o foco dos caçadores de “supers” novamente se volta contra Homelander ainda mantido sob a coleira da Vought dominada por Stan Edgar. Agora contando com a ajuda de Maeve, Billy Bruto consegue ter em mãos o experimental V-Temporário que torna o usuário um super por 24 horas. 

Contando com esse trunfo na mão, Billy poderá enfrentar Homelander e os Sete pela primeira vez de igual para igual, mas a descoberta de uma arma fatal contra qualquer super atrai ele e sua trupe para uma jornada na Rússia para encontrar o super-trunfo definitivo e livrar o mundo de um tirano em potencial.

Como sempre, a maior força de The Boys e seu time de roteiristas é o carisma e drama pessoal de cada um de seus personagens. Ainda que a temporada tenha flutuações bruscas no desenvolvimento e uso de cada um deles, inegavelmente se trata do ponto mais alto que os rumos mais óbvios que a narrativa percorre neste ano.

Se valendo de um salto temporal notável desde os eventos que encerram a 2ª temporada, o incômodo sentimento de uma falta de urgência pauta a jornada dos personagens. Homelander está instável, como sempre foi, mas ainda muito preocupado com seus números de aprovação para conseguir conquistar o sonho de ser amado por todos, enquanto Hughie, Bruto, Leitinho, Francês e Kimiko uniram forças para trabalhar com secretamente super Victoria Neuman na fiscalização das atividades super-heróicas. 

Logo, a promessa de lançar Neuman como uma peça extremamente perigosa fica mesmo somente na promessa. Na verdade, ao longo de toda a temporada, Neuman tem sim importância, mas sob panos quentes já que todas as tramoias políticas que ela realiza acontecem fora de tela a levando novamente ao patamar de “grande ameaça” na já confirmada 4ª temporada.

Muito do desenvolvimento necessário aos protagonistas finalmente ocorre agora, causando um certo estranhamento na jornada da maioria que podia ter acontecido na temporada anterior. A busca primordial de Bruto em “ser melhor que os supers” afeta basicamente o arco de quase todo o núcleo protagonista.

Temos o melhor desenvolvimento nas mãos de Francês e Kimiko que ainda formam um par adorável. Ambos são obrigados a lidar com traumas de um passado violento que sempre retorna para assombrá-los. No caso, Francês precisa aprender a parar de ser extremamente submisso e sem voz enquanto Kimiko sofre para entender que os poderes que recebeu sem escolha não a tornaram um monstro completo, em uma busca bela pela humanidade dentro de si.

Uma pena, porém, que logo o único cerne romântico da série que chega a ser interessante, é abortado quando Kimiko sofre uma síndrome de Stitch – incluindo nessa busca em não ser vista como um monstro – e manda um ohana para o Francês, dizendo que ele é família. Familyzone é uma nova modalidade para um fora elegante, mas creio que essa decisão possa ser revertida depois. 

Já Bruto tem praticamente todo o seu desenvolvimento acontecendo no sétimo episódio, em formato de um flashback bem ordenado, que joga mais luz sobre o passado sombrio do personagem estabelecendo com mais afinco sua relação com Hughie. Ele por sua vez, assim como Bruto, tem lampejos de um arco envolvendo o vício em V-Temporário, mas os roteiristas trabalham apenas na sugestão reconhecendo a falta de tempo para desenvolver um drama mais denso. 

Para completar o grande trabalho com os protagonistas, há o melhor desenvolvimento com Leitinho, cujo TOC é explicado através de memórias extremamente pesadas revelando uma culpa profunda do personagem que só quer aproveitar seu tempo com a família e evitar criar quaisquer traumas na vida da filha pequena. Assim como os outros, ele é falho pelos rompantes de brutalidade, mas tudo é bem amarrado no final com um belo diálogo entre ele e a filha. 

De tradição, mantendo o ótimo trabalho com novos personagens, os roteiristas apresentam Soldier Boy, interpretado maravilhosamente bem por Jensen Ackles que rouba todas as suas cenas, como o novo antagonista-aliado de Bruto e os garotos. A jornada de vingança é bem amarrada, funcionando de modo clássico e eficiente, sem reservar grandes surpresas, rendendo ótimos clímaces como todo o evento envolvendo a supersuruba. 

A pose abjeta da personalidade do personagem em contraste com toda imagem midiática que ele possui funciona bem, além das interações a la Crocodilo Dundee de peixe fora d’água envolvendo as mudanças no mundo contemporâneo com Hughie e Bruto. Pena que o personagem é introduzido muito tardiamente na história e a pressa em fazer a narrativa avançar limita essas trocas impagáveis entre os personagens elevando o bom nível da comédia tosca da série. 

Malvados, mas nem tanto

Entretanto, nem tudo são flores com os personagens e narrativa deste 3º ano. The Boys finalmente começou a derrapar com o desgaste de temas já martelados à exaustão. Isso atinge em cheio o núcleo dos Sete e a Vought. 

Por uma decisão equivocada, Stan Edgar, do ótimo Giancarlo Esposito, é posto em escanteio rapidamente, não permitindo o personagem ter nenhum grande momento, ainda mais depois de um flashback importante o ligando ao evento definitivo do passado de Soldier Boy. 

Muito tempo também é perdido com as novas/antigas malandragens “malvadonas” de Homelander contra os integrantes dos Sete. O pior trabalho com certeza está com Profundo que não serve para absolutamente nada na temporada inteira, além de render algumas cenas traumatizantes. 

Com Trem-Bala, a história não difere muito, com o personagem sobrevivendo mais uma vez a um evento que traria uma bela redenção para o arco de reparação social e racial que é trabalhado na temporada. 

Prometendo demais com Homelander, o resultado é misto. O personagem sempre conta com muita presença em cena graças ao trabalho magistral de Antony Starr que consegue provar certa empatia do público em suas cenas patéticas de monólogo sobre ter o amor dos outros, mas nunca conseguir por agir como um perfeito babaca. Aliás, se inspirando em Peter Jackson com O Senhor dos Anéis: As Duas Torres, a direção tem um ponto muito alto em um diálogo entre Homelander e sua personalidade esquizóide que ainda será melhor estabelecida na próxima temporada. 

Enquanto o personagem ainda funciona e começa a sentir mais medo do que nunca, principalmente ao se ver ameaçado pela existência de Soldier Boy, já há um certo desgaste nas suas ações. As maldades e torturas psicológicas que ele perpetra já não atingem com a mesma eficiência e colocá-lo à frente da Vought vira uma ideia desperdiçada pela fraca sátira política mirando Donald Trump e seus discursos no começo da pandemia. Aliás, é uma pena que a sátira política esteja fraca, pois colocar frases infames já conhecidas na boca de personagens diegéticos inescrupulosos não torna a crítica lá muito inteligente.

Outra boa ideia que acaba não rendendo nada memorável é a história do namoro falso entre Starlight e Homelander. Embora isso renda catarses boas para Starlight evoluir e finalmente começar a sabotar os Sete com eficácia, havia espaço para algo mais chocante, digno da brutalidade que The Boys gosta tanto de ser reconhecida. 

Por sinal, enquanto Starlight consegue finalmente sair de um ponto de congelamento, é triste notar como a personagem não tem poderes relevantes para ajudar a balancear o jogo durante o clímax da temporada. Até há a tentativa da direção em realizar um “grande momento” para ela, mas que acaba virando uma piada involuntária pelo consequência light que gera.

Do núcleo antagonista, quem realmente se sobressai é mesmo Black Noir que ganha excelente relação com Soldier Boy, levando o personagem a agir de modo totalmente inesperado. A ideia de trazer o ponto de vista dele sobre a realidade com a introdução de desenhos animados ao traço dos anos 1950-60 para contar um flashback bem-vindo é genial, pois além de versatilizar ainda mais o rico visual da série, ilustra nas sequelas mentais de regressão que ele enfrenta oriundas da batalha mais brutal de sua vida. Uma pena, porém, é o desfecho do personagem que torço para não ser definitivo. 

Outro ponto alto de eficácia narrativa em que “menos é mais” está com Maeve que não sofre quebras narrativas e de lógica em nenhuma de suas ações, mas que infelizmente os roteiristas acabam perdendo uma oportunidade perfeita em fazer a redenção dela ter um peso muito maior. 

Oportunidades Perdidas

É fato que The Boys se tornou um dos principais produtos da Prime Video. Sabendo da importância da marca, nada mais natural que a Amazon ter elevado o orçamento da produção que, apesar de ainda contar com sua boa parcela de cenários recorrentes, possui uma expansão considerável de design de produção.

Setpieces envolvendo a supersuruba e o flashback explosivo de Soldier Boy são evidências disso, além do número musical muito bem conduzido em um hospital delineando visualmente toda a pureza que Kimiko possui internamente. As boas idéias técnico-artísticas permeiam a temporada inteira.

Os efeitos visuais foram aprimorados, ainda que tropecem com os efeitos gore de desmembramentos que ainda possuem uma textura artificial digna de games feitos na Unreal Engine 3. 

No departamento de foto, The Boys se distingue da maioria das produções atuais por felizmente apostar em altos contrastes, mesmo que haja um exagero em evidenciar o bem vindo grão do filme cinematográfico através de um filtro pós-processado. Mas é um pequeno incômodo dada a variedade excelente de imagens, enquadramentos cinematográficos, variedade de lentes e uso inteligente da montagem.

O mérito é todo da equipe criativa da série e de Kripke por conseguir colocar o talento de tanta gente em evidência, mas isso tem um custo e o custo foi sentido por muita gente no decepcionante episódio final que nitidamente escancara duas coisas terríveis: o corporativismo da Amazon meteu a mão com força na condução da história ou os roteiristas sofrem da síndrome de preguiça aguda que o Deadpool adora tanto mencionar. 

Em qualquer possibilidade, o resultado é pavoroso e quebra narrativamente as regras estabelecidas em episódios anteriores e o desenvolvimento inteiro de personagens importantes como Bruto. No caso, a virada de comportamento de Bruto no embate final é completamente insana, já que a explosão de Soldier Boy não mataria de fato nenhum dos envolvidos na cena, afinal Kimiko, muito menos poderosa, sobreviveu ao golpe e se recuperou.

Dali em diante, novas decisões ruins são tomadas, trazendo novamente a figura de Homelander como grande vilão na 4ª temporada quando todo o conflito já está mais que esgotado. A brilhante cena final que encerra a temporada, porém, pode dar mais gás ao personagem, mas o mesmo havia acontecido com Neuman na conclusão da 2ª temporada e todos puderam ver a “ameaça” que ela representou no novo ano. 

O fato parece ser o seguinte: a Amazon deseja dilatar o seu maior sucesso comercial de streaming o máximo possível, apostando no seguro. Acontece que nunca ótimas histórias apostam na caçada ou duelo em um único antagonista. Geralmente, ocorre um rodízio de ameaças, com os protagonistas resolvendo um embate e se lançando em um desafio ainda maior. 

Isso é storytelling básico já estabelecido há anos na televisão, desde The Wire ou até mesmo antes disso. Já imaginou a chatice que seria ver Walter White perseguindo Gus Fring até a conclusão de Breaking Bad? Ou aturar Joffrey Baratheon até a 8ª temporada de Game of Thrones?

O mais deprimente disso tudo é que esta temporada apresenta o substituto perfeito de Homelander com Soldier Boy. Um sacrifício melhor orquestrado até mesmo prometeria evoluções acentuadas em Homelander e Bruto, mas não é o que acontece, pois a série agora se encaminha para uma narrativa com potencial de ser um desperdício como Brightburn acabou sendo.

À Estaca Zero

Em geral, o saldo da 3ª temporada de The Boys é muito positivo. A série exibiu alguns dos seus melhores episódios aqui, trazendo a supersuruba como seu grande destaque tanto em termos de irreverência quanto em narrativa. A série segue um deleite de ser assistida, o ritmo é nada menos que perfeito, e seus personagens seguem interessantes de acompanhar.

Entretanto, a trapaça do último episódio suja muito do longo caminho percorrido ao longo dos outros sete capítulos. As peças do jogo se movimentaram tanto que, no final, o jogo voltou à sua configuração inicial. Assim, o arco da presidência será adaptado e, pelo tom da cena que encerra tudo, fica a esperança de um excelente 4º ano, pois Kripke nos relembra que o Fascismo é atemporal e sempre será louvado por uma parcela significativa da população.

Agora, não há mais qualquer desculpa para não avançar de vez com a história, pois praticamente todos os personagens já foram desenvolvidos com louvor com as duas partes principais dos núcleos já não tendo mais nada a perder para agir com tudo.

The Boys – 3ª Temporada (Idem, EUA – 2022)

Showrunner: Eric Kripke
Direção: Nelson Cragg, Julian Holmes, Sarah Boyd, Philip Sgriccia
Roteiro: Garth Ennis, Eric Kripke, Ellie Monahan, David Reed, Craig Rosenberg
Elenco: Karl Urban, Jack Quaid, Anthony Starr, Erin Moriarty, Jessie T. Usher, Karen Fukuhara, Laz Alonso, Chace Crawford, Tomer Capone, Claudia Doumit, Colby Minifie, Giancarlo Esposito
Streaming: Amazon Prime Video
Episódios: 8

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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