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Crítica | The Boys – 2ª Temporada: Quando mais é menos

Desde 2016, a turma encabeçada por Seth Rogen e Evan Goldberg já estava mudando os rumos das adaptações de quadrinhos para a televisão com Preacher. Com quatro temporadas e um módico sucesso, a equipe conseguiu contar uma boa história inspirada no original do quadrinista irreverente Garth Ennis.

No mesmo ano do término de Preacher, os dois já se preparavam para lançar The Boys, outra adaptação de uma obra de Ennis, mas contando também com a parceria de Eric Kripke, showrunner original de Supernatural, além de contarem com um orçamento maior por conta da distribuição abrangente da Amazon que você pode conferir com a internet da SKY.

Conseguindo bons marcadores de audiência e boas críticas, The Boys garantiu com sucesso sua 2ª temporada que estreou há poucos dias na Amazon Prime, mas agora conquistando um verdadeiro posto de sucesso que não foi visto em 2019. Com a temporada finalizada, fica a questão: superou as expectativas? Definitivamente não, mas o novo ano reserva boas surpresas.

É melhor você ler, se não…

O que fez a 1ª temporada de The Boys tão boa foi a irreverência necessária para criticar e ironizar a indústria megalomaníaca que se tornou a de super-heróis. Com a ascensão absoluta da Marvel/Disney, Hollywood basicamente foi tomada por lançamentos bombardeio de obras muitas vezes medíocres, mas que conquistam marcas inacreditáveis de bilheteria.

Trazendo uma história mais “realista” exibindo as complicações de existirem super-heróis no mundo real, a série foi objetiva em mostrar o potencial de opressão, manipulação e indústria em torno dessas figuras míticas. Uma complicação que foge muito da proposta de heróis “bonzinhos” como vistos nas revistas da DC e Marvel.

A 2ª temporada recomeça em questão de poucos dias depois do final da primeira que deixou um belo gancho para ser resolvido. Implicações urgentes envolvendo Starlight, Butcher e Homelander dão a potência necessária para engatar os primeiros episódios, mas assim como toda técnica clássica de cliffhanger entre temporadas, essas questões se revelam pouco complexas de serem resolvidas.

Se antes tínhamos Hughie como o grande protagonista da série, tudo muda de cenário nessa temporada. Um problema persistente em muitos episódios é a estranha sensação de que enquanto a narrativa caminha, nada de muito significativo acontece. A narrativa simplesmente “bóia” em um mar vermelho de sangue e violência para manter o espectador acordado.

Os pilares que sustentam a temporada definitivamente são Butcher e Homelander que possuem narrativas cruzadas envolvendo Becca e o filho bastardo do super-herói, Ryan. Ambos personagem recebem maior detalhamento que os tornam mais complexos trazendo retratos de fragilidade nunca antes vistos.

Ainda que, de certa forma, o todo o trabalho em cima de Homelander para expor seu emocional e psicológico conturbados beira o clichê por não ser aprofundado de modo apropriado, é eficaz para revelar as coleiras no personagem mais perigoso até o momento de todo o seriado – fora a ameaça de outro super misterioso que explode cabeças.

Já com Butcher, o roteiro é bastante eficaz em estabelecer seu laço com Hughie e também resolver todo o arco com Becca de modo satisfatório mesmo que a direção abordada nos episódios seja bastante dramática em territórios de novela.

Com esses dois pilares, a série é segmentada em uma porção de outras subnarrativas que, embora ofereçam maior complexidade a personagens como Kimiko, Francês e Leitinho, acabam jogando Hughie, Starlight, Maeve, Profundo e Trem-Bala em um marasmo repetitivo de intrigas e chantagens infinitas para que a narrativa geral possa prosseguir definindo o tom do embate entre os Boys e a Vought.

Quem entra para quebrar um pouco o tom monótono e nada imaginativo dessas trapaças é a nova personagem Tempesta cuja participação dá os toques perfeitos da irreverência satírica que faz parte da identidade dessa história.

Através da personagem engajada com redes sociais, memes, causas sociais, da sua postura anti corporativista e rebelde contra a Vought e seu império comercial publicitário, rapidamente é possível ver como Tempesta é uma crítica muito necessária ao endeusamento insuportável que acontece hoje, no mundo real, de subcelebridades capazes de movimentar massas enormes que não conseguem pensar por si mesmas.

A crítica social está ali, mas ao mesmo tempo que consegue atingir diversas camadas da histeria social promovida nas redes, o roteiro automaticamente invalida as críticas representadas pela personagem por uma característica final apresentada no terço final da temporada. Embora seja a clássica mensagem do lobo em pele de cordeiro, parece que os roteiristas decidem desvalidar as outras críticas da personagem direcionadas principalmente aos internautas modernos por conta dessa “transformação”.

De toda a forma, Tempesta é uma adição muito bem-vinda ao rol de personagens e consegue mudar o jogo da relação de todos entre si enquanto grupo de super-heróis. É apenas decepcionante que até mesmo para conter a personagem, o recurso de chantagem é utilizado. A interação entre os Sete nessa temporada inteira pode ser resumida em chantagem e danos de imagem.

Maeve é engolida por completo em outra subnarrativa tediosa envolvendo Elena e seu romance homossexual – no qual a equipe de roteiristas consegue injetar outras boas críticas às práticas de pink money que tantas empresas multibilionárias recorrem anualmente para reforçar imagem amistosa a consumidores homossexuais. O conflito é resolvido de modo rasteiro recorrendo à conveniências narrativas tão implausíveis que se tornam ridículas para o espectador atento. Fora isso, a personagem ainda é amaldiçoada pelo vício em se teletransportar para situações de extrema importância e resolver embates com verdadeiros deus ex machinas – Maeve não tem o poder do teleporte e ela também não sabe voar na diegese da série.

Já Profundo e Trem-Bala se comportam como personagens peões que só giram e praticamente não saem do mesmo lugar. Usando o ponto de partida de ambos no começo da temporada, nada difere de suas posições no término dela. Os dois orbitam uma subnarrativa criada apenas para satirizar e criticar a igreja da Cientologia que é rebatizada de igreja do Coletivo na série. Rende algumas piadas eficazes, mas nada além disso.

O ponto alto de toda a 2ª temporada reside em um episódio redondo, emocionante e que evolui os personagens de modo significativo ao trazer alguns segredos do passado que são revelados para o espectador, além de compreender as melhores sequências de ação e humor negro da temporada até então. Situado em um manicômio secreto da Vought, o episódio traz muito frescor necessário que remete à ousadia da 1ª temporada. Uma pena que a qualidade apresentada neste episódio falha em aparecer nos últimos.

Aliás, eis um belo entrave agora para que o time criativo de The Boys resolva nessa 3ª temporada, pois há um clima firme de resolução para inúmeros personagens que com certeza terão que voltar a trabalhar juntos diante de novas ameaças que estão por vir.

Menos recheio, por favor

Assim como Francês fala em ocasião, o “segredo são os ingredientes”. A 2ª temporada de The Boys ainda mantém sua originalidade, tom brutal e violência explícita, porém perde bastante qualidade por não saber dosar corretamente o que tornou a 1ª temporada tão boa e marcante.

Enaltecendo suas qualidades, é preciso apontar que a direção segue firme em geral, o elenco está melhor do que nunca e os efeitos visuais não deixam a desejar em nada – uma característica muito importante quando se trata de uma série com essa temática fantástica.

Porém, os tropeços são significativamente maiores, principalmente no que tange ao clímax da temporada que exibe os clichês mais presentes no gênero de super-herói que a série antes visava tanto criticar como plot armor, deus ex machinas e conveniências narrativas risíveis.

Ainda que valha a pena ser vista e acompanhada, a 2ª temporada da série não deixa de ser preocupante, pois se esse for o caminho escolhido para os próximos anos com a mentalidade de “mais ser muito melhor”, é capaz que cause uma verdadeira indigestão. É preciso reconquistar a criatividade no texto e encontrar mais soluções para os problemas e conflitos imensos que estão por vir.

Afinal, resolver tudo na base da chantagem com certeza uma hora não vai mais funcionar. Dentro e fora das telas.

The Boys – 2ª Temporada

Criado por: Eric Kripke
Elenco: Karl Urban, Jack Quaid, Antony Starr, Erin Moriarty, Dominique McEligott, Aya Cash, Karen Fukuhara, Laz Alonso, Tomer Capon
Emissora: Amazon Prime
Episódios: 08
Gênero: Ação, Drama
Duração: 60 min. aproximadamente

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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