Filmes sobre os bastidores do cinema sempre rendem algo, no mínimo, curioso. Já tivemos grandes clássicos do gênero nas figuras de Crepúsculo dos Deuses, O Jogador e até mesmo o subestimadíssimo Assim Estava Escrito (filme de Vincente Minelli que você precisa conhecer!), três exemplos onde acompanhamos narrativas fictícias que exploram o lado sombrio e bizarro do processo de criação cinematográfica. Mas hoje, vamos dar uma olhada no filme que é assumidamente ácido e mais direto em sua sátira: Trovão Tropical.
O longa gira em torno de uma produção caríssima de Hollywood que está em plena gravação de um épico de Guerra do Vietnã que adapta um famoso best seller de um veterano enlouquecido (Nick Nolte). Na equipe, temos o astro de ação desesperado para ser levado a sério em drama, Tugg Speedman (Ben Stiller), o comediante escrachado Jeff Portnoy (Jack Black) e um ator de método que mergulha profundamente em seus personagens, Kirk Lazarus (Robert Downey Jr). Quando a produção estoura o orçamento e causa o pânico do diretor estreante (Steve Coogler), este tem a ideia de continuar as gravações em modo guerrilha, adentrando na floresta da locação em um país asiático.
É a receita para o desastre e uma trama engraçadíssima. O choque de opiniões e estilos dos personagens torna bem claro o tipo de estereótipo que assumem, já bem definidos na brilhante abertura que simula trailers de lançamentos falsos estrelando cada um dos protagonistas (uma maneira eficiente e crível de serem apresentados, diga-se de passagem), com Stiller sendo uma clara alegoria de Sylvester Stallone, Black de Eddie Murphy e Downey Jr de Daniel Day Lewis.
Ver a interação dos três resulta em uma das experiências mais engraçadas da comédia americana dos últimos anos, com destaque absoluto para Downey Jr. Abraçando completamente o politicamente incorreto, o ator surge em uma paradoxo maluco ao interpretar um ator que se recusa a sair do papel até terminar os comentários em áudio do DVD (uma piadinha que foi mantida nos extras do home video, veja só), então o vemos fazendo um australiano que imita um sotaque africano estereotipado. É impressionante que Downey Jr tenha sido indicado ao Oscar por sua performance naquele ano, em um raro exemplo de vermos a Academia reconhecendo comédias.
Atuando também atrás das câmeras (o que não deixa de ser uma sutil piadinha com o fato de Stallone dirigir seus filmes), Stiller faz um de seus melhores trabalhos como diretor. A abertura que passeia pela gravação de uma pesada cena de batalha é ao mesmo tempo engraçada e visceral, onde essas duas características dependem uma da outra; a violência extrema chega ao ponto do absurdo, o que favorece o riso e as performances exageradas de Black, Stiller e ainda Danny McBride, Brandon T. Jackson e Jay Baruchel.
O roteiro assinado por Stiller, Justin Theroux e Ethan Cohen (com H, não é o irmão do Joel) dispara referências e situações que apelam como poucas ao nonsense. No momento em que os personagens tem uma discussão ideológica e separam-se na floresta, Tugg Speedman é raptado por um grupo de tráfico de drogas que acaba transformando-o em seu bobo da corte particular ao descobrirem se tratar do astro de seu filme preferido; que é, visto por todo o resto do mundo, uma aberração cinematográfica feita apenas para conquistar a temporada de prêmios – o tipo de produção que continua sendo feita anualmente, diga-se de passagem. E fica ainda melhor quando o grupo liderado por Lazarus arma uma bizarra operação de resgate, que inclui uma maquiagem asiática, armas na cueca e um trocadilho com Al Pacino inesquecível.
E não poderíamos nos esquecer de Tom Cruise. Na pele do asqueroso Les Grossman, o galã se perde em alguns quilos de maquiagem e muitos pelos para se transformar em um produtor de cinema caricato e boca suja, rendendo alguns dos melhores momentos do filme. Suas interações com Matthew McConaughey garantem muitas piadas e situações de nonsense, como uma inesperada chantagem ao som de “She Hit the Floor” ou a dancinha que embala os créditos finais.
Trovão Tropical é uma comédia ácida que ataca todas as convenções de Hollywood e não te medo de abraçar o grotesco ou o politicamente incorreto. Graças a um roteiro esperto e um elenco hilário, temos aqui uma das melhores comédias dos anos 2000.