Grande Will Smith! O cara simplesmente adora melodramas quando não está metido em produções explosivas matando aliens, robôs ou vampiros-zumbis. Esses grandes dramas sempre ganham uma interpretação intensa. Seja em Sete Vidas, À Procura da Felicidade, Ali ou Lendas da Vida. Até mesmo em Eu Sou a Lenda, Smith consegue tocar em uma superfície dramática densa. Com Um Homem Entre Gigantes, o famoso Concussion, o ator e sua esposa geraram o movimento de boicote ao Oscar desse ano justificado pela polêmica do Oscar So White, mas também foi motivado pela sua ausência no rol dos indicados em Melhor Ator.
Aqui, ele uniu suas forças com o diretor/roteirista Peter Landesman para trazer mais uma história a la Davi vs Golias como você já viu em diversos outros filmes – Spotlight é um dos casos mais recentes. Smith encarna o Dr. Bennet Omalu, um imigrante nigeriano que vive nos EUA exercendo a profissão de legista no necrotério de Pittsburgh. Ao receber o cadáver de um dos mais célebres jogadores dos Steelers, time de futebol americano tradicional da cidade, Omalu resolve realizar uma autópsia completa, pois está intrigado com as evidencias inquietantes de diversos transtornos mentais que o atleta possuía – algo incomum para um homem de 50 anos. Feita a autopsia, Omalu descobre uma doença inquietante e inédita até então. As concussões sofridas nos atletas derivadas de diversos choques e colisões pode ser a causa da demência precoce. O problema é que a revelação de Omalu desagrada e muito a NFL – principal liga do esporte no país, que fará de tudo para desacreditar o médico e sua descoberta.
Vendo o único trabalho anterior como diretor de Peter Landesman, Parkland, não é de ficar impressionado como o roteiro de Concussion é irregular. Mesmo abordando uma descoberta cientifica de extrema relevância para o esporte, Landesman conduz o longa com muita calmaria quando na verdade poderia ser algo potente e forte como Uma Mente Brilhante ou Clube de Compras Dallas. Há diversos problemas que tangem o desenvolvimento de personagens secundários. Absolutamente todos são problemáticos,
A começar com o primeiro antagonista, um legista que trabalha junto com Omalu, Daniel. O roteirista força nossa antipatia com a caricatura do personagem que nunca foge da superficialidade. Ele simplesmente o usa para criar algum atrito, desnecessário, ao primeiro ato do longa. Também é inexplicável como o personagem some após um confronto, afinal Landesman investe bastante tempo nele. Os outros coadjuvantes também não fogem dessa constante unidimensionalidade que assombra o texto. Dois são personagens-muleta para auxiliar o herói em sua jornada. Com o supervisor, Cyril Wecht, Landesman consegue tatear o poder coercitivo do Estado quando o conflito principal do longa engrena – Omalu vs. NFL. Mesmo com esse item interessante, após ser apresentado, rapidamente, o roteirista desiste do tema.
O outro personagem auxiliar de Omalu é o Dr. Julian Bailes, interpretado dentro dos padrões por Alec Baldwin. Ao contrário de Cyril, boa praça e raso, Bailes sofre ainda mais com a tentativa atrapalhada do roteirista em tentar moldá-lo com mais cuidado. Há um jogo fracassado em deixar dúbias as verdadeiras intenções do personagem. Isso é apresentado praticamente na última cena que Baldwin e Smith contracenam juntos e nos pega de surpresa, pois é algo muito infundado que só reforça a preguiça de Landesman em criar situações interessantes. Já a coadjuvante mais importante, o interesse romântico de Omalu, também é jogada em meio à narrativa.
Em certo ponto, um personagem diz para Omalu que ele precisa de uma namorada, logo então, o diretor corta a cena e apresenta Prema Mutiso, também imigrante, que em poucos minutos acaba morando na casa do legista. Todas as cenas dedicadas ao desenrolar da tensão romântica entre os dois são insatisfatórias e desconexas sendo que muitas delas nem chegam a sugerir esse interesse amoroso entre eles – essa culpa pode recair também na performance pouco inspirada de Gugu Mbatha-Raw.
Além dos personagens rasos e problemáticos, uma quantidade notória dos diálogos do longa é inadequado ou soa completamente artificial, pouco críveis, perdendo a naturalidade que eles almejam. Isso recai muito no tom didático de Omalu, mas boa parte do texto ruim é centrado nos diálogos entre o protagonista e sua esposa – quase sermões, interpretações ou parábolas, ainda que seja fundamentado pelos personagens muito religiosos, não deixa de ser um trabalho piegas.
Mesmo barbarizando com esses atropelamentos bizarros no desenvolvimento dos coadjuvantes, Landesman até que acerta o tom com Omalu com seu drama relevante. Somos apresentados ao doutor em um tribunal onde ele expõe todas as suas credenciais – uso criativo da exposição narrativa, e tão logo já somos introduzidos em seu cotidiano no necrotério. Surgem suas características que denotam a paixão pela vocação, o respeito, a ética, a moral e, principalmente, a ingenuidade de um homem que não consegue ver maldade nos outros. Com forte fé e admiração pela América, o choque de realidade que ele recebe com as ameaças da NFL graças a sua descoberta, o abalam profundamente.
Um bom drama que é encarnado por um Will Smith muito, mas muito inspirado. Percebe-se como ele estava obstinado em ser indicado ao Oscar, porém, diante a outras performances que foram esnobadas, acho difícil crer que até mesmo em um universo paralelo ele foi indicado na categoria. Smith vira Omalu. É fácil esquecer que estamos vendo ele atuar ao comprar essa personificação assombrosa que ele constrói para Omalu. Muito contido, entusiasmado, apaixonado e acompanhado de sotaque nigeriano que não nos distrai, mas agrega bastante ao personagem. Na verdade, Smith carrega o filme nas costas o tornando uma experiência agradável e leve. Fácil de ser digerido.
Fora isso, ele consegue suplementar as deficiências do roteiro quando finalmente Landesman aborda o conflito principal na luta do homem contra os gigantes. Seu trabalho crescente na desilusão do sonho americano é louvável, pois pouco a pouco o personagem perde o sorriso de outrora. Fosse uma atuação menos inspirada, a falta de resolução do conflito, os clichês mal utilizados, as reviravoltas jogadas ao final e a previsibilidade do longa, seriam problemas ainda mais graves do que já são. O drama principal também não escapa da mediocridade já que não há um conflito direto, mas sim uma guerra fria e a imaginação do roteirista para tornar o real, fantástico é fraca. Não temos aqui um Aaron Sorkin em O Homem que Mudou o Jogo, infelizmente. Landesman frisa a todo momento que Omalu corre sério risco, porém há pouca exibição desse perigo. Somente a menção não basta para nos provocar este senso de urgência.
Ao menos, na direção, ele erra menos, consideravelmente menos. Tirando as barbaridades vindas de uma experimentação tosca na variação de jump cuts no áudio durante a apresentação de Omalu, Landesman consegue conduzir uma linguagem visual adequada assim como o ritmo da obra. Ele opta, em maioria, por planos bem próximos do rosto do ator chegando a criar muitas cenas somente com essa decupagem proveniente do videoclipe dos anos 1990. Mas em diversas sequências, ele constrói uma gama bem variada e rica na linguagem visual – mesmo que durante as cenas dedicadas às autópsias, ele arrisque uma linguagem televisiva de seriados, um risco desnecessário.
Os momentos inspirados existem até, mesmo que raramente. Durante o filme inteiro, Landesman não arrisca muito, mas também não prejudica seu filme com caprichos de ego. Em uma das boas cenas, ele usa a frequente interpolação de imagens para criar um contraste entre a celebração e o terror e psicose dos jogadores aposentados provocados pela demência da doença. Aliás, seu trabalho em dedicar diversos minutos para os ex-atletas adoecidos é bem feito, inclusive o ato de censurar a tortura física que eles se auto impõem durante suas alucinações, afinal é um filme PG-13. Porém, acredito que a baixa classificação etária, tenha prejudicado um pouco o drama do estado deplorável que os jogadores se encontram, afinal tudo fica oculto ou meio perdido dentro do filme também por conta de elipses mal inseridas na montagem. A denúncia só tem essa força graças a atuação desesperadora de David Morse ao encarnar o insano Mike Webster. Morse eclipsa todos os outros atores que encarnam o restante dos atletas doentes. Landesman parece tentar provocar uma emoção forte, mas logo depois de uma boa cena, ele já insere panos quentes para não ofender os figurões do esporte.
Também é incomodo a falta de imaginação do diretor em criar conflitos envolventes. Repare quantas vezes tentam desacreditar o protagonista na base da carteirada. A falta de atrito de Omalu com o antagonista fantasma NFL também é certamente algo que deveria ser melhor trabalhado – ao menos, há uma problematização da figura da liga dentro do longa, a tornando mais complexa. Boa parte do terceiro ato e suas muitas reviravoltas jogadas ao léo vem de seu roteiro anterior, O Mensageiro. Até mesmo o desfecho com um discurso medíocre diante uma plateia comportada é copiado do outro filme. Aliás, essa constante da falta de imaginação é presente na obra inteira. Até mesmo o design de produção da casa do personagem falha em nos transmitir mais informações, de modo sutil, do modo de vida do protagonista. Muito é trazido apenas pelo texto que já é fraco.
Um Homem Entre Gigantes é um longa que trata com panos quentes sobre um tema muito espinhoso. Em meio a um melodrama mal estabelecido, a confusão da vontade em fazer uma cinebiografia, a falta de audácia em diversas cenas, as constantes trapalhadas do roteiro, a construção inevocada de diversos personagens, a falta de um conflito mais intenso, uma direção comportada aliada de foto e trilha adequadas com uma montagem que erra bastante, torna-se um longa medíocre que bebe em uma fonte cheia de potencial.
Porém, o tema interessante, a excelente performance de Will Smith, a condução das cenas das autópsias, além do despertar do nosso interesse em descobrir o desfecho disso tudo, tornam a experiência bastante agradável. Creio que é um ótimo longa para se ver em casa, pois ele funciona bem em uma tela menor. É sim um bom drama verídico e, por vezes, delicado e apaixonado, ainda que me incomode muito o tom conformista que o cineasta assume ao fechar a obra com final tão anticlimático e fraco. No fim, a história do imigrante africano que denunciou o altíssimo grau de periculosidade, até então desconhecido, de uma das profissões mais tradicionais dos Estados Unidos, tornou-se algo supérfluo e fraco quando deveria ressuscitar o debate desse notório problema, além de assombrar novamente a NFL. Uma pena.