Com Era Uma Vez em Hollywood, novo filme de Quentin Tarantino, chegando aos cinemas, muita gente ficará interessada sobre o fato histórico monstruoso que o filme usa como justificativa de sua narrativa.
Inspirado no assassinato cruel da atriz Sharon Tate, esposa grávida do diretor Roman Polanski, pelas mãos da “família Manson”, o longa não foca muito sobre o acontecimento e nem esclarece os fatos durante seus créditos finais.
Então, para entender o que realmente aconteceu, um pequeno resumo vem a calhar. Conhecido como o caso Tate-LaBianca, os fatos são bastante chocantes. Além do assassinato de Sharon Tate, quatro de seus amigos que estavam em sua residência foram brutalmente assassinados. No dia seguinte, a trupe de Manson também ceifou as vidas do casal LaBianca.
Já aviso que esse artigo é pesado e pode ativar gatilhos em leitores mais sensíveis.
Era uma vez em Cielo Drive…
A história dos assassinatos de Sharon Tate e seus hóspedes na madrugada de 9 de agosto de 1969 começa na primavera de 1968, quando Charles Manson, um ex-presidiário aspirante a músico e cantor vivendo como hippie e líder de uma seita de jovens que viviam de pequenos golpes nas ruas de Los Angeles, fez amizade com o cantor Dennis Wilson, dos Beach Boys.
Ele e alguns membros de sua ‘Família’, como se chamavam, passam a viver numa das casas de Wilson, em Sunset Boulevard, que apresenta Manson a Terry Melcher, produtor de discos de sucesso e filho da atriz Doris Day.
Por algum tempo Melcher ficou interessado em conhecer as músicas de Manson, assim como à “Família’, de quem teve a ideia de fazer um documentário sobre a comuna hippie em que viviam.
Ele chegou a ouvir as músicas de Manson numa apresentação particular na mansão alugada em que morava no momento, em 10050 Cielo Drive, Bel Air (guarde o endereço, esse é um fato importante), com a namorada, a atriz Candice Bergen, mas declinou de assinar um contrato com o hippie.
A idéia do documentário acabou rejeitada depois que Melcher presenciou uma briga entre Manson e um dublê bêbado em Spahn Ranch, o local onde a ‘Família’ agora vivia, de maneira quase indigente, nos subúrbios de Los Angeles – curiosamente esse fato foi adaptado no filme de Tarantino rendendo uma das cenas mais interessantes do filme.
O fato provocou um afastamento de Melcher e Wilson de Manson, que ficou raivoso e amargurado.
Pouco tempo depois, Melcher e Bergen mudaram-se de Cielo Drive e o dono do imóvel, Rudi Altobelli, alugou a mansão para o casal Roman Polanski e Sharon Tate, que passou a morar ali em 15 de fevereiro de 1969.
Manson visitou a casa em março à procura de Melcher mas foi mandado embora por um amigo de Tate, o fotógrafo Shahrokh Hatami, que lhe disse que o produtor havia se mudado. Manson voltou novamente à casa na mesma tarde e se dirigiu à casa de hóspedes, onde o proprietário, Altobelli, estava saindo do banho. Os dois conversaram e Rudi informou a Mason que Melcher havia se mudado para Malibu e que ele mesmo estava saindo do país no dia seguinte, em viagem para Roma.
Perguntado como foi parar ali, Manson respondeu que havia sido mandando até a casa auxiliar pelas pessoas da casa principal e Altobelli pediu que ele não incomodasse mais os inquilinos. Quando Rudi e Sharon Tate viajaram para a Itália no dia seguinte, a atriz lhe perguntou quem era aquele sujeito de aparência assustadora que havia aparecido na casa no dia anterior. Esse fato também é adaptado no filme.
Uma Noite Quente
A fúria de Manson contra Melcher, que ele acreditava ainda morar em Cielo Drive, transbordou em 8 de agosto, quando, reunido com seus seguidores em Spahn Ranch, ele decretou que era a hora de Helter Skelter, nome de uma música do último álbum dos Beatles e uma denominação que ele dava a uma série de acontecimentos catastróficos que acreditava provocaria uma guerra racial nos Estados Unidos, do qual ele emergiria como um líder natural.
Na noite de 8 para 9 de agosto, uma noite quente e abafada do verão californiano, Manson enviou seus pupilos Tex Watson (23), Susan Atkins (21), Linda Kasabian (20) e Patricia Krenwinkel (21) para “aquela casa onde Melcher costumava viver” e “destruir totalmente quem estiver lá, da maneira mais cruel que puderem”, e orientou as mulheres a seguirem as instruções de Tex.
Krenwinkel era uma das mais antigas integrantes da ‘Família’ e uma das que haviam pego carona tempos atrás com Brian Wilson, o que levou o músico a conhecer Manson e todo seu grupo. Os atuais ocupantes da casa naquela noite, eram a atriz Sharon Tate, grávida de oito meses – seu marido, o diretor de cinema Roman Polanski encontrava-se na Europa – o cabeleireiro de celebridades, amigo e ex-namorado dela Jay Sebring, a milionária socialite Abigail Folger e seu namorado, o polonês Wojciech Frykowski.
Quando o grupo chegou à porta da mansão de Cielo Drive passava de meia noite. Watson, que já havia estado na casa uma vez com Manson, subiu num poste telefônico próximo ao portão e cortou as linhas da residência. Estacionando o seu carro no início da subida que dava na residência, o grupo o deixou ali e retornou à casa.
Imaginando que o portão fosse eletrificado ou tivesse um alarme, eles escalaram um pequeno barranco coberto de mato do lado direito e desceram no gramado da mansão. Naquele momento, luzes do farol de um carro vieram do caminho que saía da propriedade e ‘Tex’ mandou que as meninas se escondessem nos arbustos.
Ele então saiu do esconderijo e ordenou ao motorista, o estudante Steven Parent, de 18 anos, amigo do caseiro, que parasse. Quando Watson colocou o revólver calibre 22 na cabeça de Parent, o amedrontado adolescente começou a tremer e pediu ao assassino que não o machucasse, que ele não diria nada. A resposta de Watson foi uma facada na mão do jovem, cortando tendões e arrancando o relógio do pulso, e atirou nele quatro vezes, atingindo o peito e o abdômen.
Horas decisivas
Após cruzarem o gramado e mandar Kasabian procurar por uma janela aberta, Watson cortou a tela de uma delas e ordenou a ela que ficasse vigiando o portão. Ele então removeu a tela, entrou na casa pela janela e abriu a porta da frente para Atkins e Krenwinkel.
Quando Watson sussurrou por Atkins, Frykowski, que dormia no sofá da sala de estar acordou e levou um chute na cara de Watson. Quando o polonês lhe perguntou quem era e o que queria ali, Watson respondeu: “Eu sou o diabo e vim aqui fazer coisas do demônio”. Atkins explorou a casa, descobriu os outros três ocupantes e, com a ajuda de Krenwinkel, levou todos para a sala. Watson começou a amarrar Tate e Sebring pelo pescoço com uma corda que trouxeram a atirou-a por sobre uma viga da sala. Sebring protestou contra o tratamento a Tate, dizendo que ela estava grávida, e levou um tiro e sete facadas do psicopata.
As mãos de Frykowski tinham sido amarradas com uma toalha. Libertando-se, ele começou a lutar com Susan Atkins, que o esfaqueou nas pernas com a faca que carregava. Quando ele tentou fugir pela porta em direção à varanda, Watson juntou-se a Atkins e bateu-lhe na cabeça com a arma várias vezes – quebrando a alça do gatilho do revólver na ação – antes de esfaqueá-lo repetidamente e finalmente matá-lo com dois tiros. O polonês levou um total de 51 facadas.
Kasabian, que vigiava do lado de fora, perturbada pelos “horríveis sons” que ouvia, correu até a porta da frente e, numa tentativa de parar o massacre, disse a Atkins, falsamente, que estava vindo gente, mas isso não parou os assassinos.
Em outra parte da casa, Abigail Folger tentava escapar de Patricia Krenwinkel e fugiu do quarto de dormir em direção à piscina. Ela foi perseguida pela assassina que a derrubou e a esfaqueou. Watson juntou-se a ela e os dois esfaquearam a mulher 28 vezes.
Na sala da mansão, Sharon Tate implorava para ser deixada viva para ter seu bebê e ofereceu-se como refém ao grupo em troca da vida da criança. Atkins e Watson não lhe deram ouvidos e a esfaquearam 16 vezes, várias das facadas na barriga. Anos depois, na prisão, ‘Tex’ Watson escreveu que Tate gritava “Mãe..mãe…!”, à medida que ia sendo assassinada.
Mais cedo, quando o grupo ainda estava no Spahn Ranch, Charles Manson havia dito às mulheres que deixassem um sinal de sua passagem pela casa após os crimes, algo ligado “à bruxaria”. Usando a toalha com que tinha amarrado as mãos de Frykowski, Susan Atkins escreveu com o sangue de Tate a palavra “PIG” (porco) na porta da frente da casa. Depois dos assassinatos e voltando para o rancho, o grupo trocou as roupas ensanguentadas e as jogou fora junto com as armas nas colinas pelo caminho.
Os LaBianca
No início da madrugada seguinte, 10 de agosto, seis membros da ‘família’, os quatro da noite anterior mais a jovem Leslie Van Houten, de 19 anos e Steve Grogan, liderados por Manson, rodaram a esmo pelos subúrbios de Los Angeles.
Exasperado pelo relatado pânico das vítimas de Cielo Drive, ele resolveu liderar o grupo em mais uma incursão letal do “Helter Skelter” para “mostrá-los como se devia fazer”.
Depois de rodarem por horas, em que consideraram alguns crimes, o grupo chegou a 3301 Waverly Drive, no subúrbio de Los Feliz. O endereço, pertencente ao dono de supermercado Leno LaBianca e sua mulher Rosemary, sócia de uma boutique, era vizinho a uma casa onde Manson e sua trupe tinham ido a uma festa no ano anterior.
Manson desapareceu pela entrada e voltou logo depois chamando Watson. Os dois entraram na casa, que tinha as portas destrancadas, e com uma arma renderam o homem que dormia na sala. Watson o amarrou com uma tira de couro. A mulher que ali se encontrava foi levada rapidamente da sala para o quarto e Watson seguiu as orientações de Manson de cobrir a cabeça dos dois com travesseiros.
Manson então saiu da casa e mandou Krenwinkel e Van Houten entrarem, com ordens para matar o casal. Mandando as duas mulheres para o quarto onde estava Rosemary, Tex Watson, portando nesta noite uma baioneta, começou a esfaquear Leno LaBianca, dando a primeira facada direto na garganta do homem.
Depois de matá-lo, ele escreveu “War” (guerra) no peito nu do homem com a baioneta. Voltando ao quarto, ele viu Krenwinkel esfaqueando Rosemary com uma faca apanhada na cozinha da casa. Seguindo as instruções de Manson de fazer com que cada mulher fizesse uma parte, Watson disse a Van Houten para esfaquear Rosemary também, o que ela fez, terminado de esfaquear a mulher por 16 vezes nas costas e nas nádegas.
Em seu julgamento, Van Houten clamaria que Rosemary LaBianca já estava morta quando a esfaqueou. A perícia confirmou que muitas das 41 facadas levadas pela mulher foram dadas post mortem.
Enquanto Watson limpava a baioneta e tomava banho para limpar o sangue, Patricia Krenwinkel escrevia, com o sangue de Leno, “Rise” (Nascer), “Death to Pigs” (Morte aos porcos) nas paredes da sala e “Healter Skelter” na porta da geladeira da cozinha do casal. Com um garfo com cabo de marfim, ela continuou a esfaquear o homem por 14 vezes e deixou uma faca de churrasco enfiada em sua garganta.
Depois de um tempo, em uma condução bastante atrapalhada na investigação dos assassinatos que inclusive o pai de Sharon Tate participou, já suspeitando de grupos hippies, a polícia chegou nos culpados por mero acidente, envolvendo a apreensão de diversos fuscas roubados nos arredores de onde a família Manson morava. Ali, os assassinos foram presos e denunciados por Linda Kasabian, a única integrante do grupo que não cometeu os assassinatos, ficando de vigia e que se arrependeu de toda a monstruosidade que fizeram.
Com exceção de Kasabian, todos os outros integrantes foram condenados à prisões perpétuas sem a chance de condicional. Charles Manson morreu no cárcere no final de 2017 ainda acreditando ser algo “enviado” do demônio e teve todos os pedidos de condicional negados. Ele morreu por causas naturais.