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Netflix aposta alto em Sandman que consegue satisfazer alguns sonhos exigentes dos fãs

Não é segredo para mais ninguém que a Netflix começa a entrar em um cenário relativamente grave. Lançando filmes originais aos montes que não conseguem atrair elogios – com exceção daqueles criados visando o Oscar -,, e muitas séries que não emplacam sofrendo cancelamentos repentinos, a base de assinantes começou a entrar em queda. 

Mais de 1 milhão de assinantes já se despediram da Netflix e a empresa sabe que esse sinal é um aviso importante de que mudanças são necessárias. Sofrendo em encontrar uma nova franquia que emplaque tão bem quanto Stranger Things que já está na reta final, muitas apostas da empresa estão com Sandman que estreou hoje, dia 5, em todo o mundo. 

A obra de quadrinhos de Neil Gaiman, massiva, densa e complicada, era vista como “inadaptável”. Por anos a Warner batalhou ao lado de Joseph Gordon-Levitt em uma adaptação que nunca saiu do papel. 

Percebendo que as histórias dos quadrinhos se comportariam melhor como uma série, a Netflix teve a brilhante ideia de adaptar Sandman em uma aventura seriada, trazendo o próprio Gaiman em parceria com David Goyer para trabalhar nessa adaptação. 

Com o afinco do criador e a paixão de um time inteiro de bons profissionais em um trabalho de planejamento que levou anos – ainda mais com os contratos complexos envolvendo os direitos do personagem que estão com a Warner, finalmente Sandman será apresentado a uma vasta gama de espectadores, podendo se tornar uma das maiores conquistas da Netflix.

A plataforma nos enviou os três primeiros episódios da temporada e felizmente posso afirmar que a série não decepciona e que torço para a qualidade se estender aos outros sete episódios desse primeiro ano. 

Dream a little dream of me

A série, em geral, tenta seguir os quadrinhos originais à risca. O roteiro de Gaiman, Goyer e Allan Heinberg já traz os arcos Prelúdios e Noturnos nos primeiros episódios da temporada. 

Visando trazer seu filho favorito morto na Primeira Guerra Mundial, na campanha de Galipoli, Roderick Burgess (Charles Dance) realiza um ritual sombrio para tentar aprisionar a Morte. Entretanto, por um erro bizarro, quem acaba aprisionado é Morfeus (Tom Sturridge), ou Sonho, o senhor do Sonhar. 

Se recusando a falar com seu captor e seus acólitos, Morfeus não negocia sua liberdade e acaba preso por mais de um século. Escapando na primeira oportunidade, ele encontra diversos desafios: restaurar a ordem no Sonhar, devolver os sonhos e pesadelos para a humanidade e encontrar seus três artefatos místicos que foram roubados durante o cativeiro. 

Gaiman havia dito muitas vezes que pretendia trazer Sandman para um mundo contemporâneo, realizando mudanças bem-vindas, além de ajeitar a narrativa para um melhor formato cinematográfico. 

Quem leu as HQs, logo vai perceber uma miríade de pequenas mudanças que fazem sentido e são bem-vindas. Por exemplo, Coríntio (Boyd Holbrook, sempre excelente), tem um papel muito mais importante no contexto geral da desventura de Sonho. O pesadelo foragido do Sonhar é arquitetado como o grande antagonista da temporada, culminando em um desfecho na conclusão do segundo arco que será adaptado nessa temporada: A Casa de Bonecas

Há sim as famigeradas mudanças visando atender uma agenda de diversidade que a Netflix gosta muito de pautar em suas obras, mas elas não trazem nenhum malefício à adaptação – afinal Sandman desde sempre foi uma obra muito diversificada. Na verdade, há detalhes interessantes como o fato de Johanna Constantine (Jena Coleman) substituir John Constantine em uma aventura com Sonho. 

A personagem herda as características descoladas de John e Coleman faz um ótimo trabalho em acertar uma verve ousada e trágica, muito similar até mesmo a Karl Urban e seu Billy Bruto em The Boys

Em geral, a série assume mais acertos do que falhas nos primeiros episódios. O trabalho de elenco é ótimo e o casting é bastante refinado com bons atores surgindo a cada novo episódio. Muito do excelente texto original é preservado trazendo diferentes tragédias humanas, tão pequenas, em contraste com a presença eterna de Sonho.

Aliás, saliento que Tom Sturridge tem o físico e a voz certa para o papel – profunda e grave -, provando que o casting foi mesmo criterioso. Ele segue às vezes até demais a obra original, deixando Sonho por vezes um pouco insípido com seus muitos biquinhos de insatisfação, mas é compreensível já que faz parte de um arco maior de desenvolvimento do personagem.

Se o ator não evoluir ao longo das histórias, nitidamente há um problema, mas como só vi três episódios, é injusto categorizar o trabalho de Sturridge vendo tão pouco.

O design de produção também dá muita personalidade com cenários bonitos, principalmente para a mansão Burgess e do cativeiro de Sonho, trazendo o ar gótico necessário para a obra. Infelizmente, essa é uma característica que destaca mesmo o primeiro episódio, centrado no começo do século XX.

Assim que a narrativa é transportada para os tempos contemporâneos, muito da identidade visual sofre e cai em um genérico esquecível. Já com o Sonhar, terra mística onde Sonho vive, praticamente tudo é feito em computação gráfica. 

Como já sabemos, a qualidade desses efeitos visuais é irregular, variando bastante ao longo dos episódios, além de limitar bastante a direção na construção da linguagem cinematográfica da obra, afinal não é possível ficar recortando os cenários virtuais da mesma forma que se pode fazer com um cenário físico, construído. 

De certo modo, o mesmo ocorre com a direção dos episódios. A qualidade varia bastante, mas há um certo cuidado em recriar algumas das ilustrações mais icônicas dos quadrinhos de modo bastante eficiente. Em geral, quando se trata de apresentar um fator original, algo próprio da série, o resultado é um tanto decepcionante, pois há escolhas genéricas, se não preguiçosas. 

Para começar, visualmente não há distinção entre o mundo real e o Sonhar. O que é um desperdício de linguagem por si só. Para piorar a situação, a série sofre com uma escolha um tanto bizarra nas objetivas usadas nas gravações. Todas dão um efeito curioso de “espichar” os personagens, todos esquálidos e compridos, causando um estranhamento visual imediato. 

Ao longo dos episódios, o espectador se acostuma com o efeito, mas ele não deixa de intrigar. O traço das HQs realmente apresenta personagens magricelas e esquálidos em geral, mas isso ser traduzido visualmente não foi uma das melhores escolhas. Há muita predileção também por grandes angulares e efeitos de tilt focus para criar vinhetas borradas nas bordas da tela.

É uma apresentação visual que torna sim a série distinta, mas é difícil acreditar que de todas as opções, essas escolhas seriam as mais interessantes. Quando deixa de incomodar ou chamar demais a atenção, quebrando a imersão do espectador, é suportável pela qualidade da narrativa que fisga rápido. 

Aliás, é curioso a série ter recebido censura alta sendo que é muito mais branda na violência e na abordagem visual de vários eventos que os próprios quadrinhos.

Por fim, há o destaque para o trabalho musical. Em Prelúdios e Noturnos, Gaiman menciona frequentemente as músicas que os personagens estão escutando, todas envolvendo o tema de sonhar. Infelizmente, a série não traz nenhuma das canções licenciadas e aposta somente na trilha original que traz até um bom tema principal, mas nada que ultrapasse a marca da funcionalidade. 

Mr. Sandman

Sandman tem um bom começo de primeira temporada que deve agradar os fãs mais exigentes. Há bastante esmero na criação da série e na adaptação das excelentes histórias criadas por Gaiman. 

A qualidade varia bastante pelos motivos já mencionados, com bons acertos, alguns erros e escolhas dúbias, mas o resultado final é positivo. 

Fica a esperança de que Sandman se afaste o máximo possível dos tropeços vistos que lembram bastante algumas obras medíocres da CW e se firme com eficácia em algo ótimo que poderá render novos assinantes ávidos por mais desse universo fantástico.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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