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The Dropout é a melhor minissérie desconhecida do momento

Vez por outra surgem minisséries absolutamente do nada e que conseguem pegar muita gente de surpresa. Embora The Dropout não seja uma Mare of Easttown, é uma excelente adição ao subgênero they knew, integrado aos dramas focados em fraudes que prejudicaram a vida de milhões de pessoas. 

Sendo considerada a série que trouxe o melhor que Amanda Seyfried já trouxe para o audiovisual, acompanhamos a vida da infame empreendedora Elizabeth Holmes que conseguiu enganar muita gente rica e poderosa dos EUA para investir em sua startup médica especializada em exames de sangue: a Theranos. 

Já imaginou poder fazer inúmeros exames de sangue sem a necessidade de enviar diversos tubos de amostra para os laboratórios? Exames nos quais não seriam necessárias agulhas e minutos agonizantes da coleta? Um exame praticamente sem dor, no qual a coleta seria de apenas alguns poucos mililitros de sangue que seriam analisados na hora por uma pequena máquina revolucionária que traria os resultados em apenas alguns minutos somente por um pequeno custo?

A proposta soa boa demais para ser verdade e, obviamente, se tratava de uma mentira que durou demais levando à destruição de vidas, prejuízos milionários e danos psicológicos que assombram ex-funcionários da falida Theranos até hoje. 

Precisamos falar sobre Elizabeth Holmes

Elizabeth Holmes era uma completa desconhecida para mim. Não fosse The Dropout, eu provavelmente nunca teria conhecido o escândalo da Theranos que conseguiu chocar boa parte dos Estados Unidos revelando um problema, provavelmente, endêmico à mentalidade deturpada que o empreendedorismo enfrenta nas últimas décadas diante do boom crescente de startups

A estranhíssima srta. Holmes já havia sido objeto de estudo de um documentário da HBO realizado em 2019, chamado A Inventora, cujo processo de produção se transformou completamente quando toda a fraude foi exposta em uma longa matéria do jornalista do Wall Street Journal John Carreyrou

Após a empresa cair por terra em 2018, um podcast da BBC foi produzido para contar a quase inacreditável história de Elizabeth Holmes que, agora, é adaptada pela primeira vez em formato de ficção na minissérie disponível no Star+. 

Comandada por Elizabeth Meriwether, The Dropout nitidamente se trata de uma série dividida em duas partes. Cada uma consiste em quatro episódios. A primeira metade, dirigida com muito afinco por Michael Showalter, é um drama biográfico sobre a vida da protagonista Elizabeth Holmes que já prepara o terreno para a virada do clima de horror que a série toma em sua segunda metade, focada no drama empresarial e personagens coadjuvantes que vivenciaram os piores momentos de suas vidas na Theranos. 

Por conta disso, é fácil ficar confuso e crer que a série é simpática à Elizabeth Holmes que ainda não foi condenada por seus crimes – isso acontecerá somente em setembro deste ano, quando na verdade não é bem assim. 

Showalter e a equipe de roteiristas dos primeiros quatro episódios trazem uma construção sólida para mostrar como uma adolescente repleta de potencial problemático que é exposta a um ambiente que fertiliza tudo o que já está predisposto a vir à tona com comportamentos narcisistas de sociopatia. 

Pouco a pouco, em uma cadência excelente de ritmo que nunca deixa o espectador entediado, novas situações são expostas que adicionam camadas ao caráter conturbado da protagonista. Ela tem uma relação familiar bizarra, é ávida por algum carinho, mas ao mesmo tempo se refreia, tem ambições, mas muita pressa e algumas ideias um tanto quanto inviáveis. 

Quando consegue ingressar em Stanford, após conhecer Sunny Balwani, um milionário paquistanês tão problemático quanto ela em um intercâmbio na China, a obsessão pelas histórias de sucesso de empreendedores que largaram a faculdade – como Mark Zuckerberg e principalmente Steve Jobs, Holmes tenta convencer seus pais e um professor a investirem em sua startup de tecnologia cujo objetivo é revolucionar o sistema inacessível dos exames laboratoriais para grande parte da população americana. 

Com um objetivo intrinsecamente bom e altruísta acompanhado do design de um protótipo revolucionário, Holmes consegue o apoio que precisa e larga Stanford, mas a realidade dura da ciência logo começa a arruinar seus planos de se tornar uma bilionária legítima. 

Descobrindo que não entende praticamente nada de engenharia, química e biologia, rapidamente seu plano começa a dar errado e, com o objetivo fixo em mente, começa a ludibriar e usar meios cada vez mais escusos para enganar e atrair investidores para fomentar o crescimento da Theranos. 

Com diversos núcleos narrativos interessantes, Meriwether sabe que a maior força da série é sua narrativa. Bastante clássica e ordinária na apresentação, há flertes com uma narrativa não-linear ao usar o material reencenado do inquérito aberto no processo contra Holmes, instigando o espectador a sempre investir mais tempo na série. 

A recompensa para o tempo dedicado realmente existe. Particularmente, já no quarto episódio, há um ponto alto muito caprichado ao mostrar a completa transformação da Holmes normal para a Holmes “produto”. Seyfried acerta com louvor ao mudar completamente as expressões da protagonista que se torna cada vez mais uma caricatura bizarra de si mesma.

Adotando um tom de voz muito mais grave – para impor maior respeito em meio ao ambiente corporativo, das vestes pretas e gola rulê tiradas diretamente do visual de Steve Jobs, e o olhar vidrado sobrenatural ausente de naturalidade, Seyfried se torna a cópia exata de Holmes – basta procurar no YouTube alguns vídeos sobre a mulher para ver que não se trata de um exagero da artista. A mulher é mesmo bizarra.

Nesse ponto de virada, com a personagem assumindo todos os traços de sociopatia e uma negação completa da realidade, os roteiristas notam que ela se torna uma deficiência na série, afinal todas as respostas são programadas e repetitivas – assim como acontecia na vida real.

Para contornar o problema, mais foco é dado para o núcleo de alguns dos trabalhadores da Theranos como Erika Cheung e Tyler Schultz, dois dos principais responsáveis pelas denúncias feitas à Carreyou para o artigo matador do Wall Street Journal. 

Schultz por si só tem um enorme arco dramático envolvendo a relação com seu poderoso avô George Schultz que é um membro da diretoria da Theranos e vê Holmes como membro da família. Logo, com o neto tentando expor os absurdos que acontecem nos laboratórios, o texto enriquece em um drama familiar excelente, principalmente quando os advogados da empresa surgem para aterrorizar Tyler. 

Pactos Sinistros

Há, obviamente, outros arcos muito bons que sustentam a série com proeza destacando sempre a temática da escolha. O dilema moral e o peso das escolhas são os temas mais presentes em The Dropout para elaborar os contrastes entre a perversão de Holmes e Sunny contra a coragem desesperadora adotada por Schultz e Cheung, por exemplo. 

Dois outros bons arcos focam em temas mais delicados. O que acompanha a figura trágica de Ian Gibbons, químico-chefe da Theranos que tenta encontrar soluções para fazer a bendita máquina impossível de Holmes funcionar, e o outro focado no processo de patente repleto de recalque obsessivo de Richard Fuisz com um Willam H. Macy muito inspirado. 

Ambos refletem a terceira idade e a busca por um objetivo, norte, direcionamento para uma velhice tranquila. Enquanto Gibbons sofre com a ruptura completa da persona de Holmes, sendo abandonado na empresa e envolvido no processo com Fuisz, sendo levado a tomar medidas drásticas sobre seu próprio futuro, temos o contraste com Fuisz, um inventor que já é milionário por anos muito bem sucedidos na venda de produtos. 

O arco de Fuisz, que perdura por toda a série, é interessante por trazer uma motivação claramente egóica e recalcada que se transforma em uma obsessão a ponto de eclipsar todas as outras coisas da vida dele. Entretanto, não fosse a loucura individual de Fuisz, muito provavelmente todo o esquema fraudulento da Theranos poderia ter durado muito mais tempo. 

São nesses núcleos secundários que a direção toma ares mais ousados e firmes, flertando até mesmo com outros gêneros como o terror na intensa cena na qual Cheung investiga o laboratório secreto da Theranos nos quais os exames alterados eram realizados. O mesmo segue com a relação afetiva aos moldes de Garota Exemplar ao acompanharmos a vida íntima de Sunny e Holmes.

No quarto episódio, também refletindo muito o tema da auto insuficiência e temor da falta de novas conquistas, temos o ponto mais alto da série com as jogadas psicológicas angustiantes que Holmes realiza contra os executivos da rede farmacêutica Walgreens.

Entretanto, ao mesmo tempo que há muitos mais acertos do que erros, há uma séria falha em preencher algumas lacunas importantes. Há o sumiço de personagens expressivos como Don Lucas tão presente no começo da narrativa como também uma falta de transparência em detalhar melhor o método de persuasão que Holmes usava ao conseguir enganar tantas pessoas ricas e importantes da alta sociedade americana.

Claro que falta material de fonte para isso, afinal os enganados por Holmes evitam falar do assunto enquanto entrevistar a própria empreendedora é algo fora de questão pela mitomania tão característica em seus discursos. Entretanto, é mesmo inacreditável que alguém tão bizarro e sem traquejo social como Holmes tenha persuadido tantas pessoas. 

Aos poucos, as elipses temporais também não facilitam o espectador se situar dentro do progresso caótico da construção da Edison – a máquina de testes revolucionária, assim como a evolução do ambiente empresarial da Theranos. 

Mesmo que não seja uma obra-prima, The Dropout é uma série bastante eficaz em trazer a história de Elizabeth Holmes e seus artifícios para enganar milhões de pessoas. Como disse um bom amigo meu, se você gosta de “passar nervoso” enquanto acompanha uma narrativa, não há uma história melhor para conhecer. 

The Dropout (The Dropout, EUA – 2022)

Showrunner: Elizabeth Meriwether
Direção: Michael Showalter, Francesca Gregorini, Erica Watson
Roteiro: Elizabeth Meriwether, Wei-Ning Yu, Hilary Bettis
Elenco: Amanda Seyfried, Naveen Andrews, William H. Macy, Dylan Minette, Stephen Fry, Michaela Watkins, Sam Waterston, Kurtwood Smith
Gênero: Drama, Suspense
Streaming: Star+
Duração: 40-50 min
Episódios: 8

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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