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Toy Story 4 | Entenda como Garfinho representa deprimidos e ansiosos na arte

Há spoilers no texto!

Não é de hoje que a Pixar aborda temáticas complexas sobre transtornos psicológicos em suas obras incrivelmente criativas. De certo modo, a paranoia, crise de identidade e obsessão já estavam presentes em Toy Story de 1995, para então partirmos a diversas abordagens sobre abandono e depressão. Pode-se afirmar com muita precisão que Procurando Dory era um dos longas mais carregados sobre esses temas difíceis.

Agora, em Toy Story 4, último filme da consagrada produtora, há uma abordagem bastante adulta sobre depressão e ansiedade, além da busca constante por propósito na vida. Essas temáticas afetam ao menos três personagens com toda a certeza: Woody e os novos brinquedos da casa, a “vilã” Gabby Gabby, Duke Kaboom e Garfinho.

Conversando com amigos e pelas opiniões expressadas na internet sobre o filme, percebi que muita gente se identifica com os dilemas existenciais que Garfinho lida ao longo da vida, descobrindo que ele não é “lixo”, mas sim algo diferente, algo bom, algo transformador.

Mesmo que o arco dramático de Garfinho seja concluído com certa pressa, digo o desenvolvimento é nada menos que brilhante, apesar de simples. Se torna brilhante por ser real. Me vendo em alguns momentos regressos da minha vida no personagem, passei a ficar totalmente fascinado pelo trabalho da Pixar em tratar esse tema com delicadeza exemplar.

Através dos questionamentos de Garfinho para Woody que a depressão começa a ser abordada de modo significativo e bastante leve, cheio de humor e piadas fofas. A obsessão de Garfinho pelo lixo envolve a projeção da percepção que tem sobre si mesmo, afinal ele é feito de materiais recicláveis.

Porém, mesmo assim, a busca de Woody em tentar fazê-lo ver um novo propósito de sua existência, Garfinho ignora em sua maioria, já que o lixo representa sua completa zona de conforto, se recusando a traçar uma revolução na sua vida. Infelizmente, o retrato da depressão é assim, mas muito pior.

A doença te desmotiva ao máximo, blinda as coisas boas da vida e te faz ficar preso em um confinamento solitário no qual a depressão ilustra como se fosse a melhor coisa do mundo, quando na verdade isso só te puxa para o buraco. A dimensão do arco do Garfinho se dá também pelo clímax de Toy Story 3, no qual todos os brinquedos acabam caindo em um lixão que parece também ser uma usina de compostagem.

Logo, caso garfinho seguisse no caminho que optava por ser o melhor para si, acabaria encontrando um final bastante trágico, ignorando o valor que sua vida tem para todos e também para si. Entretanto, outro lado da depressão é abordado aqui e dessa vez digo por minha experiência e sei que isso talvez não reflita a maioria dos espectadores que se identificaram com Garfinho.

No caso, com a obsessão de Gabby Gabby em conseguir de todas as formas a caixa de voz de Woody, temos o arquétipo de uma personagem disposta a todos os métodos para atingir seus  objetivos. Porém, quando Garfinho fica sozinho com a vilã repleta de tons de cinza em sua moralidade, vemos que não há quaisquer julgamentos sobre as ações da personagem ou de seu passado. Como ajudado e “curado”, de certa forma, Garfinho se sente confortável em tentar ajudar sua nova amiga e mostrar o lado bom da vida com a história de Woody e Andy.

Com a melhor das intenções, por sua ingenuidade, Garfinho acaba alimentando a obsessão de Gabby Gabby como dentro da mania de conseguir ser a mais perfeita imagem idealizada para a menina/pessoa que ela desejava, aprende brutalmente que todo seu esforço não foi para nada. Sendo brutalmente descartada e logo decidindo ficar abandonada e solitária na primeira rejeição que encontra na vida. Isso até Woody retornar.

Em poucas cenas, a Pixar mostra o fato e consequência com tonalidades diferentes. Infelizmente, o caso de Garfinho para por aí, afinal o personagem está resolvido e suas crises depressivas e de ansiedade são solucionadas – até mesmo sua tentativa de suicídio frustrada. 

Já com Duke Kaboom, a abordagem é muito mais direta, afinal o personagem possui menor tempo de tela. Aqui há o transtorno de ansiedade da forma mais bruta possível, trazendo um personagem confiante que consegue levar um cotidiano normal, mas que quando precisa realizar tal ação – no caso, uma manobra de dublê, acaba totalmente congelado e apavorado, sentindo-se impotente. A cabeça e seu trauma com o antigo dono simplesmente desarmam Duke a quase todo momento.

E a solução para todos os casos é a mesma: amparo, compreensão e perdão. Isso tudo vem através de Woody e por isso esse filme se trata tanto sobre a evolução do personagem ao decorrer dos longas.

Woody em Toy Story 4 também pode ser considerado um deprimido bastante frustrado. Já não é mais o brinquedo favorito, não possui Andy e está desesperado para encontrar um propósito por sua existência. Em essência, o personagem está completamente perdido. Colocando Toy Story em contraste com Toy Story 4, vemos o quanto Woody amadureceu, agora abandonando de vez seu egocentrismo quase assassino para finalmente ajudar a manter as melhores coisas possíveis para Bonnie.

Tanto que é ele quem oferece os materiais necessários para que Garfinho seja criado. De certa forma, Woody criou, literalmente, um propósito para continuar existindo. Ele se prende nisso e torna o objetivo de sua vida por um tempo tanto que está disposto a tudo para garantir a segurança de Garfinho ainda que arrisque até mesmo a vida de amigos preciosos.

A compulsão de Woody serve mais para salvá-lo do que garantir o melhor para Garfinho, afinal o personagem não é tratado com crueldade por Gabby Gabby em todo o tempo de “cativeiro”.

No fim, já conseguindo ajudar plenamente Gabby Gabby e Garfinho, garantindo um futuro melhor para ambos, Woody tem a chance de voltar para Bonnie e seus amigos, mas enfrentar novamente uma realidade desgostosa e talvez vazia, ou ficar com Betty, o amor de sua vida, em uma nova jornada recompensadora.

Mesmo com um doloroso adeus, a catarse de Woody acontece. Se enxerga e opta pela cura do seu mal, agora finalmente replicando o bem para diversos outros brinquedos que estavam perdidos assim como ele estava. Isso acontece no filme e acontece na vida. No estado de cura, estendemos a mão para ajudar aqueles que precisam. Um novo propósito é criado e a existência passa a ser um prazer e não uma condenação.

Em apenas poucos minutos, Toy Story 4 traz a doença e a cura. Solidão e companhia. Aprisionamento e liberdade. Então, quando assistir a esse filme ou se já assistiu, espero que aprenda algo com sua mensagem tão dignificante que conclui uma saga com sagacidade ímpar. Aplique seu aprendizado, pois isso pode salvar vidas.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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