Crítica | O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos - Uma experiência catastrófica
Era uma vez um imponente estúdio de Hollywood que buscava formas de se inovar nas telas. Com uma história irretocável em seu passado de animações e clássicos para a família, a Disney encontrava-se em um ponto decisivo no começo da década: prestes a dominar o mundo ao comprar as propriedades da Marvel e a alguns passos de adquirir a LucasFilm e revitalizar Star Wars para uma nova geração - essa dominação continua até hoje, com Mickey Mouse tendo comprado a Fox para expandir seu império.
Mas 2010 foi um ano de virada. Isso por conta de Tim Burton e seu improvável sucesso bilionário com Alice no País das Maravilhas, que oferecia uma continuação para um clássico animado do estúdio. Esse foi o estopim, quando Bob Iger e os executivos perceberam que - por algum motivo - as pessoas estavam interessadas em contos de fadas ganhando uma abordagem live action fantasiosa, desencadeando uma série de produções infinitas que visa replicar esse sucesso, com versões live action de Malévola, Cinderela, Mogli: O Menino Lobo e A Bela e a Fera sendo produzidas; sem falar nos vindouros Dumbo, Aladdin, O Rei Leão e Mulan.
Todos esses filmes foram bem sucedidos, na pior das hipóteses, mas finalmente temos uma evidência de algo dando terrivelmente errado. Desde a proposta bizarra até sua execução catastrófica, O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos representa tudo o que essa fase "moderna" de contos de fadas pode trazer de pior.
Leite de Pedra
A trama nos apresenta a Clara (Mackenzie Foy) a filha mais inventiva de uma família que acaba de perder a mãe, e que agora lida com um pai melancólico (Matthew Macfadyen) na Londres do século XIX. Ao receber um presente inesperado de sua mãe, ela segue pistas para acabar indo parar em um mundo mágico, onde um soldado Quebra-Nozes (Jayden Fowora-Knight) lhe apresenta aos Quatro Reinos e revela que sua mãe foi rainha daquela terra antes de desaparecer. A fim de honrá-la, ela se junta com os regentes de cada um dos reinos para se defender da misteriosa Mãe Ginger (Helen Mirren), que acabou sendo banida para os confins do local, orquestrando ataques com seu exército de ratos.
As chances de fracasso deste Quebra-Nozes eram mais altas do que as dos remakes live action da Disney. A começar pelo fato de não ter uma história já fundamentada para seguir, desajeitadamente tirando pedaços e inspirações de um conto e um ballet, que a roteirista estreante Ashleigh Powell costura no maior aglomerado de clichês e fórmulas gastas que o gênero pode trazer. Pense em todos os estereótipos e convenções do gênero de contos de fadas, mas mal escritos e movidos pela pura conveniência, e temos o roteiro de Quebra-Nozes.
A história carece de bons personagens e de um universo verdadeiramente rico, que nem chega a ser definido ou suficientemente explorado. Há uma explicação tola durante um ballet (para honrar as origens) sobre a criação dos Reinos, mas nota-se um desinteresse até mesmo dos realizadores. Tudo o que envolve Clara e as regentes, que contam com uma insuportável Keira Knightley, são ridículos, assim como o plano maléfico da antagonista - uma que parece ser uma ideia descartada por Burton, além de anacrônico com toda a "lógica" daquele universo. Raios, nem ao menos o Quebra-Nozes tem grande tempo em tela, e seu nome literalmente é o título da produção.
Quintal do Estúdio
É de conhecimento público que a produção do filme foi um desastre, com Joe Johnston (Jumanji) tendo que literalmente terminar o filme de Lasse Hallstrom, e nem quero imaginar a burocracia e os pauzinhos que a Disney deve ter puxado para manter os dois nomes creditados na direção - algo virtualmente impossível para o DGA. Esse caos dos bastidores é nítido durante toda a projeção de O Quebra-Nozes, que alterna entre o monótono e o ridículo com frequência assustadora, jamais sendo possível encontrar um balanço entre os dois diretores envolvidos.
O clímax do filme chega a ser embaraçoso, com o elenco fazendo o que pode para fazer uma coreografia péssima e sem energia funcionar, mas acaba apenas rendendo o riso involuntário. Não é sempre que vemos a imponente Helen Mirren passando tanta vergonha em cena, e fica a prova de seu talento por se esforçar durante uma cena de luta com chicote tão desprovida de adrenalina quanto Indiana Jones recorrendo a seu revolver para matar um bandido em Os Caçadores da Arca Perdida. A grande "batalha de CGI" também é muito abaixo do esperado, sendo resolvida rapidamente e sem a escala que o longa almeja. Fica a impressão de que tudo foi gravado no quintal de algum estúdio, no tempo máximo de alguns dias, com algumas das telas verdes mais horrorosas dos últimos anos.
Se há algo de realmente notável na produção é seu design, que conta com o impecável Guy Hendrix Dyas na função. Ironicamente, Dyas perdeu um merecido Oscar por A Origem para Alice no País das Maravilhas, e agora ele está aqui, trabalhando justamente com essa direção de arte mais fantasiosa. Algo que o executa com maestria, já que todos os cenários e locações apresentam um nível de detalhes considerável, desde as maquinações de relógios presentes em diversos espaços ou a abundância de elementos mais fantasiosos e excêntricos - afinal, a raiz de Tim Burton está sempre presente. Só é uma pena que sejam esforços para um produto defeituoso.
O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos : O que foi isso?
Quebra-Nozes e os Quatro Reinos representa tudo o que a Disney pode trazer de pior quando o plano falha, o que no caso vem da ideia absurda até a execução inexplicavelmente ruim. O embelezamento plástico e o carisma de Mackenzie Foy não são capazes de salvar o dia, não quando desesperadamente tenta ser Tim Burton, mais uma vez.
O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos (The Nutcracker and the Four Realms, EUA - 2018)
Direção: Lasse Hallstrom, Joe Johnston
Roteiro: Ashleigh Powell, baseado no conto de E.T.A. Hoffman e o ballet de Marius Petipa
Elenco: Mackenzie Foy, Keira Knightley, Helen Mirren, Morgan Freeman, Jayden Fowora-Knight, Eugenio Derbez, Richard E. Grant, Matthew Macfadyen
Gênero: Aventura
Duração: 99 min
https://www.youtube.com/watch?v=PIeCGD9LneU
Crítica | Seinfeld: 8ª Temporada - Yada, yada, yada
É um tempo de mudança nos estúdios da NBC. Com a saída de Larry David no final da sétima temporada, Jerry Seinfeld ficava com a responsabilidade de manter o incrível nível de qualidade da série, além de lidar com as inesperadas consequências do season finale envolvendo Susan e George. Com isso, Seinfeld retornava em Setembro de 1996 para terminar em Maio de 1997, e o resultado final, que tinha tudo para ser uma catástrofe, é mais um inacreditável ponto alto do seriado.
Atarefado com a produção e roteiro dos episódios (além da própria atuação, claro), Jerry abriu mão de suas apresentações de stand up, que nunca mais abriram algum episódio da série. The Foundation começa devagar para nos situar na vida de George após a morte acidental de sua noiva Susan, que agora terá um fundo monetário em sua homenagem. Temos também o colapso nervoso de J. Peterman que deixa Elaine no controle das publicações de seu periódico e Kramer sendo Kramer, dessa vez aventurando-se no karatê infantil.
Mas se há uma mudança perceptiva, é no tratamento aos coadjuvantes e ao grau surrealista da série. Por exemplo, Newman nunca teve uma participação tão ativa, rendendo momentos hilários em The Chicken Roaster e The Andrea Doria, quando forma uma frágil aliança com Jerry a fim de conseguirem um objetivo em comum. Pra não deixar batido, The Package faz uma hilária caracterização de policial malvado para o pacato carteiro, quando tenta incriminar Jerry de fraude pelo correio; pra não mencionar a bizarra subtrama na qual George se submete a um ensaio erótico…
E quando mencionei surrealismo ali no parágrafo anterior, não foi exagero. À medida em que os roteiristas mergulhavam nas ramificações do cotidiano, acabavam por descobrir petróleo na forma de eventos… extraordinários. Em The Bizarro Jerry, um dos melhores episódios de toda a série, temos nada menos do que três: a namorada de Jerry que tem mãos masculinas, o clube noturno que magicamente desaparece após um incidente com George e os Bizarros do título, uma referência ao vilão do Superman que é seu exato oposto. Esse trio de personagens rende ótimos momentos, especialmente com o conflito interno de Elaine a respeito de qual grupo escolher e as gags visuais, como o apartamento do Bizarro Jerry ser geograficamente invertido ao de Jerry, trazer um monociclo pendurado (ao invés de uma bicicleta) e até mesmo uma estátua do vilão Bizarro.
Já em The Abstinence, George resolve entrar em uma abstinência sexual, enquanto Elaine acaba na mesma situação quando seu namorado lhe despeja. Magicamente, George começa a desenvolver uma inteligência sobrehumana, fazendo-o resolver complicados cálculos de Física (“Mas é claro, Zero Absoluto!”), melhorar a performance dos jogadores dos Yankees e até rapidamente aprender Português para seduzir uma garçonete. Do outro lado, Elaine começa a sofrer o efeito reverso: curto e grosso, começa a desenvolver uma burrice sem precedentes. A explicação de Jerry é fantástica:
“Para uma mulher, sexo é como o lixeiro. Você coloca um saco de lixo pra fora e assume que alguém vai vir recolher. Mas, agora, é como uma greve de lixeiro. Os sacos estão se acumulando na sua cabeça. Calçada bloqueada. Caminhos bloqueados. Você está burra”
Esse tipo de fenômeno começa a ser cada vez mais constante sob a gestão solo de Jerry, e é algo realmente hilário.
Claro, ainda teríamos diversas neuras dignas de Larry David, que ainda voltaria para fornecer a voz de George Steinbrenner. Oras, o que é mais George Costanza do que ser ridicularizado por um colega de trabalho e pensar na resposta perfeita apenas horas depois, e quando o tal oponente agora encontra-se em outra cidade? E, claro, George é capaz de fazer a viagem, provocar o incidente que o fez ser escrutinado para receber a ofensa apenas para usar sua “brilhante” resposta? Este é The Comeback, outro excelente ponto alto da temporada. Além desse bizarro Costanzaismo, as subtramas não decepcionam: Jerry enfrenta um tenista grego charlatão em um concurso de dignidade, Elaine tem um romance platônico com o responsável por recomendar filmes em uma locadora e Kramer fica paranóico quanto a eutanásia. A forma como todos esses 4 eventos culminam no ato final é mais um exemplo da genialidade dos roteiristas da série.
Mesmo que o brilhante Larry David não estivesse mais presente, a oitava temporada de Seinfeldsegurou as pontas com habilidade ao apostar no potencial de seus coadjuvantes e no nível de surrealismo de suas desventuras niilistas.
Agora, só nos restaria uma temporada…
Melhor: The Bizarro Jerry
Piorzinho: The Summer of George
Seinfeld – 8ª Temporada (EUA, 1996-97)
Criadores: Jerry Seinfeld, Larry David
Direção: Andy Ackerman
Roteiro: Jerry Seinfeld, Larry David, Peter Mehlman, Larry Charles
Elenco Principal: Jerry Seinfeld, Jason Alexander, Michael Richards, Julia Louis-Dreyfus, Wayne Knight, Peter Crombie, Barney Martin, Liz Sheridan, Jerry Stiller, Estelle Harris
Duração: 22 min. (cada episódio)
Crítica | Seinfeld: 7ª Temporada - O Nazista da Sopa
Se por alguma circunstância bizarra e completamente hipotética eu estivesse amarrado a uma cadeira em uma armazém sujo e mal iluminado, sendo interrogado por algum tipo de sequestrador aficionado por cultura pop, e ele subitamente me apontasse um revólver e me ordenasse: “Qual a melhor temporada de Seinfeld?” eu responderia que é um empate cruel entre a 4ª temporada e a 7ª. Eu certamente sairia da tortura surreal com vida.
Exibida entre Setembro de 1995 e Maio de 1996, a sétima temporada de Seinfeld é excepcional por uma série de motivos. Não apenas pela qualidade de seus episódios, mas também pelo fato de ser o último ano de Larry David na produção criativa (seu desejo de sair já era evidente há tempos), mas também pela aposta de uma longa e inesperada trama: o casamento de George Costanza. Foi uma ideia arriscada, mas que revelou-se certeira. Em The Engagement, George reencontra a executiva da NBC Susan Ross (Heidi Swedberg) e, inspirado pelo novo relacionamento sério de Jerry, a pede em casamento repentinamente. Claro, a série nos leva a uma dicotomia na qual George no fundo não deseja se casar, algo mais do que apropriado para o neurótico alterego de Larry David. Basta observarmos o hilário desespero de Costanza ao tentar adiar a data do casamento em The Postponement, sem sombra de dúvidas um dos pontos altos da performance de Jason Alexander em toda a série.
Entre todas as situações típicas de um casamento, e fico feliz que Seinfeld e David tenham evitado clichês como a escolha de vestidos de noiva, bandas de casamento e locais de festa (você deve ter lembrado de algumas 2 milhões de séries que apostaram no formato), preferindo manter o foco em coisas simples. E há algo mais constrangedor do que um encontro entre sogros? Em The Rye, Estelle Harris e Jerry Stiller brilham como Frank e Estelle Costanza, convidados para jantar na casa dos pais de Susan. Na tentativa de impressionar seus sogros de alta classe, Frank leva um refinado pão de centeio para sobremesa, mas o leva de volta quando o casal se esquece de servir. Isso coloca George e Jerry em uma missão secreta para comprar um novo pão e plantá-lo na casa dos Ross, a fim de evitar… Bem, más aparências. Um episódio sólido que também é favorecido pela subtrama de Kramer trabalhando como cocheiro de um cavalo flatulento (fiquem calmos, não é escatologia gratuita) ou o namoro de Elaine com um saxofonista que nos dá ainda mais pano de fundo sexual com trocadilhos espertos – agora porque o sujeito é incapaz de praticar sexo oral; “Well, since you’re there…”. Mas todos nos lembraremos para sempre da antológica cena no qual Jerry toma uma decisão instintiva para conseguir um novo pão de centeio. Como tirar doce de idoso…
Não que o noivado de George roubasse a atenção. Susan passa a tornar-se uma coadjuvante recorrente, mas ainda teríamos situações geniais aqui. Vamos começar com o pé na porta e falar sobre um dos clássicos de toda a série: The Soup Nazi. A turma descobre um local que aparentemente tem a melhor e mais barata sopa de Manhattan, mas o estabelecimento é regido por um sujeito (Larry Thomas) autoritário e cruel que logo é apelidado de o Nazista da Sopa. É um dos personagens mais icônicos da série, sendo hilário ver as diferentes interações com os integrantes do grupo (irrita-se facilmente com Elaine, demonstra um lado emocional com Kramer) e a representação do tipo de pessoa que com certeza todos nós já encontramos alguma vez na vida durante nossa jornada por comida. Vale apontar também a ótima subtrama do armoire que Elaine compra numa venda de rua, nos apresentado à dupla de ladrões afetados de John Paragon e Yul Vazquez.
Outro acerto homérico é The Gum, que novamente demonstra a habilidade dos roteiristas em unir diferentes linhas narrativas. O núcleo é a reinauguração de um cinema tradicional, pelas mãos de um dos colegas de Kramer, logo atraindo a atenção da turma e de um certo Lloyd Braun (Matt McCoy), um antigo colega de George que ficou marcado por sofrer um colapso nervoso e por um apetitoso chiclete chinês. Esse é o cenário principal, e de hot-dogs estragados até óculos perdidos, o que o roteiro de Tom Gammill & Max Pross faz é certeiro. Não nos esquecendo que esta trama fornece destaque especial para Ruth Cohen, uma figurante presente em quase todos os episódios como a caixa do café do Monk’s
Então, chegamos ao… excêntrico season finale, The Invitations. Seria o último episódio da série com o envolvimento criativo de Larry David, incubido de oferecer um desfecho para a trama do casamento: George realmente se tornaria um homem casado? A solução causou polêmica na época, mas com a poeira já há muito tempo abaixada (ou seja, spoilers aqui) todos podemos concordar que a morte de Susan foi uma saída muito esperta, principalmente pela causa: envenenamento por cola estragada de convites de casamento excessivamente baratos – comprados, claro, por George.
Foi um excelente ano para a série. Definitivamente uma das melhores temporadas, o que é dizer muito para a grande comédia americana.
Agora, Jerry Seinfeld teria a árdua tarefa de tocar o barco sozinho.
Melhor: The Soup Nazi
Piorzinho: The Bottle Deposit
Seinfeld – 7ª Temporada (EUA, 1995-96)
Criadores: Jerry Seinfeld, Larry David
Direção: Andy Ackerman
Roteiro: Jerry Seinfeld, Larry David, Peter Mehlman, Larry Charles
Elenco Principal: Jerry Seinfeld, Jason Alexander, Michael Richards, Julia Louis-Dreyfus, Wayne Knight, Peter Crombie, Barney Martin, Liz Sheridan, Jerry Stiller, Estelle Harris
Duração: 22 min. (cada episódio)
Crítica | Seinfeld: 6ª Temporada - Sem Saída
Começa mais um ano para Jerry Seinfeld e Larry David. Em Setembro de 1994, a sitcom sobre o nada embarcava em seu sexto ano na NBC. Uma mudança relevante aqui é na direção dos episódios, que colocava Andy Ackerman no lugar de Tom Chaperones, que enfim descansaria após dirigir todos os episódios anteriores. E é isso. Com 6 anos sobre o cotidiano, o que Seinfeld e David têm reservado para o público? Enfim haverá um esgotamento da série? Negativo, felizmente.
A temporada começa disparada com The Chaperone, no qual vemos Jerry começando a namorar uma candidata à Miss America, para total preocupação de Kramer, revelado como um ávido fã do programa e interessado em treiná-la para assumir a coroa. Do outro lado da cidade, a Elaine Benes de Julia-Louis Dreyfous embarcaria em um novo emprego que lhe tomaria todo o tempo da temporada: assistente pessoal do excêntrico milionário Sr. Pitt (o ótimo Ian Abercrombie), que lhe incumbe de tarefas banais como comprar meias e vasculhar as ruas de Manhattan atrás de lápis. E seguindo as consequências de sua nova filosofia do contrário, encontramos George Costanza com um vantajoso emprego na manutenção dos New York Yankees, tendo em sua primeira contribuição para o time de beisebol a troca de uniformes de poliéster para de algodão; esperem muitos diálogos seinfeldianos brilhantes sobre as vantagens que um tecido tem sobre o outro.
É uma estrutura divertida e livre para a temporada: Jerry permanece nas desventuras amorosas, Elaine com as confusões do Sr. Pitt e George lidando com os Yankees. E Kramer, bem, sendo Kramer, o que é sempre algo maravilhoso e hilário. Mas, novamente, não é uma regra. Os irreverentes encontros de Elaine rendem situações impagáveis, como em The Label Maker, onde a moça tenta uma chance com o dentista Tim Whatley (vivido por um sagaz… Bryan Cranston!), apenas para descobrir que este é um “re-gifter”; aquele quem presenteia o presente recebido. Whatley felizmente torna-se um coadjuvante recorrente, marcando presença também em The Mom & Pop Store, onde é o centro da narrativa pela dúvida de Jerry se teria sido ou não convidado para sua festa de Ação de Graças (sua análise de entonação das palavras é genial, e algo que todos nós podemos levar para a vida). E por falar nesse episódio, impossível não mencionar a hilária subtrama na qual George acredita ter comprado um carro que outrora pertenceu ao ator Jon Voight, que faz uma participação especial simplesmente inacreditável com Kramer.
Por falar em Kramer, temos uma das revelações mais aguardadas pelos fãs da série: o primeiro nome do vizinho maluco vivido por Michael Richards. Graças a uma participação especial de sua mãe, Babs (Sheree North), descobrimos em The Switch que seu nome completo é Cosmo Kramer. É um daqueles nomes que simplesmente parecem bons demais para ser verdade, e a reação do grupo diante da descoberta é hilária. E já que estamos falando sobre este episódio específico, vale apontar o dilema passado por Jerry e George, que tentam dominar “um segredo que muitos homens antes de nós tentaram e falharam miseravelmente”, que consiste de uma “troca” de parceiras de um relacionamento: Jerry fica frustrado por sua namorada não rir de suas piadas, então tenta de tudo para conseguir – de maneira civilizada – trocar para a amiga desta, com quem tem uma química muito melhor. A resposta encontrada por George é… Genial, mas revela-se uma faca de dois gumes (claro) ao envolver um ménage a trois… Desafio qualquer um aí a tentar essa na vida real.
Um dos clássicos da temporada é The Jimmy, onde conhecemos o tal Jimmy do título. O curioso desse personagem específico é sua mania de referir a si próprio na terceira pessoa, o que rende uma confusão muito bem explorada em alguns diálogos (“O Jimmy gosta de você”, “Jimmy está ficando com raiva”) e situações, como a desventura provocada com Elaine. Só um dos excêntricos personagens da temporada, que incluem o porteiro sarcástico de Larry Miller em The Doorman, a ginasta uncraniana em The Gymnast e um inesperado retorno de Poppie (o chef que não lava as mãos após usar o banheiro, que vimos na temporada anterior) em The Couch, com uma das mais bizarras vinganças que já vi na vida. Aliás, esse mesmo episódio traz uma das várias metáforas ocultas espalhadas pela série, na qual o restaurante de fazer a própria pizza de Poppie ganha um paralelo muito sutil com a prática do aborto (“Não é uma pizza até o momento em que você coloca no forno”). Muito esperto.
E, claro, temos The Race. É mais um daqueles episódios sensacionais em que temos uma dramatização forte do cotidiano, quando um antigo colega de colégio de Jerry retorna para assombrá-lo sobre uma corrida na qual este teria trapaceado na educação física. Mesmo recusando (“I choose not to run!”), Jerry aceita uma revanche, sobrando referências à Lois Lane e um memorável uso do tema de Superman de John Williams. Paralelamente, temos uma sátira ácida do comunismo ao termos Elaine se orgulhando de namorar “um comuna”, e este influenciando as outras narrativas ao apresentar sua visão ideológica para Kramer, recém contratado como Papei Noel de um shopping, e George, encantando com os anúncios de solteiros do jornal comunista local; no qual “aparência não importa”. Quem diria que um episódio sobre corridas terminaria com uma inesperada visita a Fidel Castro.
Uma ótima temporada, como sempre, mas o que viria a seguir representariam os anos mais importantes da série.
Melhor: The Switch
Piorzinho:
Seinfeld – 6ª Temporada (EUA, 1994-95)
Criadores: Jerry Seinfeld, Larry David
Direção: Andy Ackerman
Roteiro: Jerry Seinfeld, Larry David, Peter Mehlman, Larry Charles
Elenco Principal: Jerry Seinfeld, Jason Alexander, Michael Richards, Julia Louis-Dreyfus, Wayne Knight, Peter Crombie, Barney Martin, Liz Sheridan, Jerry Stiller, Estelle Harris
Duração: 22 min. (cada episódio)
Crítica | Seinfeld: 5ª Temporada - A Era dos Piratas
Em 1993, Seinfeld já era o rei do pedaço. Após a quarta temporada receber nada menos que doze indicações ao Emmy e sair de lá com três troféus, incluindo o de Melhor Série de Comédia, Roteiro (por The Contest) e a primeira vitória de Michael Richards como Kramer. Agora, Larry David e Jerry Seinfeld precisavam manter o nível de qualidade do programa, ao mesmo tempo em que necessitavam de novas e engraçadas histórias sobre o niilismo cotidiano.
Ao contrário da anterior, a quinta temporada descartou a ideia de construir longos arcos. Há alguns personagens que são introduzidos aqui para voltarem depois (como Poppie, apresentado em The Pie), mas a temporada segue um fluxo de histórias isoladas. Uma escolha apropriada, já que mantém a tradição original da sitcom e permite que David, Seinfeld e o roteirista Larry Charles (uma das grandes forças por trás do Writer’s Room) possam criar o mais louco tipo de situação.
Um dos grandes ícones da temporada é definitivamente The Puffy Shirt, no qual Jerry acaba concordando sem saber – ou melhor, sem ouvir – em usar uma extravagante camisa bufante projetada pela namorada de Kramer, convencida de que a nova moda dos anos 90 seria inspirada no visual de piratas. “But I don´t wanna be a pirate” transformou-se em um dos novos jargões da série, vide a situação absurda e a rejeição infantil de Jerry diante do figurino ridículo. Não é só a pirataria, esse episódio também traz uma excelente subtrama na qual a situação financeira de George força-o a voltar para a casa de seus pais (esse sim um arco que permaneceria por algumas temporadas por vir), levando-o ao inesperado emprego de modelo de mãos. A maneira como o roteiro une uma camiseta bufante com modelo de mãos é desastrosa… Para os personagens, para o espectador é um resultado hilário e surpreendente.
A estrutura de amarrar diferentes histórias acontece durante praticamente toda a série, mas para não me alongar, prefiro resumir esses exemplos a dois episódios particularmente impecáveis. Primeiro, The Marine Biologist traz Elaine servindo como editora para o livro de um excêntrico autor russo (envolvendo uma infame piada com Tolstói e o título original de Guerra e Paz), George se passando por um biólogo marinho para impressionar uma antiga paixão do colégio e Kramer com o recém-adquirido hobby de jogar golfe na praia. Todas as improváveis subtramas se encontram no hilário terceiro ato, com Jerry sendo o elo de ligação entre as três.
A outra é um de meus preferidos de toda a série: The Pie. A trama principal já é brilhante por representar perfeitamente o “niilismo” perturbado da série, que traz Jerry obcecado em descobrir porque sua namorada recusou – de forma estranha – um delicioso pedaço de torta: não estava cheia, nem de dieta e adora doces… Qual poderia ser o motivo de tamanho mistério? Agradeço até hoje por nunca saber a resposta. Mas enfim, o episódio também traz a impagável situação em que Kramer descobre um manequim idêntico a Elaine, enquanto George tenta encontrar o terno perfeito para uma entrevista de emprego. Novamente, os artifícios utilizados para unir as diferentes narrativas é trabalho de gênio, ainda mais por repetir com precisão o gesto de rejeição da torta em três situações diferentes. No mínimo, merece ser exibido em alguma masterclass de roteiro de ficção.
Mas a sitcom também não perderia a chance de tentar repetir o feito de The Contest, o premiado episódio sobre masturbação. Agora, em uma dose menor de ambição, David e Seinfeld abordam o orgasmo feminino, ao mesmo tempo em que… Bem, falam sobre frutas frescas, sempre com metáforas afiadas e associações certeiras ; além de uma elaborada forma de se apreciar o valor da vitamina B. Deixo aqui um trecho do monólogo de stand up de Jerry, com mais uma de suas comparações geniais:
“Sabe, há dois tipos de orgasmo feminino: o real e o falso. E vou te falar agora, como homem, nós não sabemos. Não sabemos, porque para um homem, sexo é como um acidente de carro e determinar o orgasmo feminino é como se perguntassem ‘o que você viu depois que o carro perdeu o controle?, ‘eu ouvi muitos arranhados, Eu lembro que estava encarando o lado errado uma hora. No final, meu corpo estava jogado no chão!”
Um ponto alto que definitivamente não pode ser esquecido é o season finale, The Opposite. Sempre uma ideia divertida quando os produtores flertam com elementos mais “sobrenaturais”, aqui vemos George no fundo do poço de sua vida. Quando começa a tomar absolutamente o contrário de todas as decisões que normalmente faria, sua vida começa a melhorar assombrosamente. O mais engraçado é que, com isso, a vida de Elaine começa a ir ladeira abaixo em relação a namoro e carreira, enquanto Jerry se beneficia de “se neutro” – como na cena em que Elaine pega 20 dólares de Jerry e joga pela janela, apenas para que a nota surja nas mãos de George e que o comediante encontre outra nota em seu casaco.
Ultrapassando a metade de sua vida útil, Seinfeld ainda se prova uma série hilária e surpreendentemente inventiva, seja em seu método narrativo quanto de situações cotidianas. Com as novas mudanças profissionais de George e Elaine, fica lançado um gancho muito interessante para a sexta temporada.
Melhor: The Pie
Piorzinho: The Bris
Seinfeld – 5ª Temporada (EUA, 1993-94)
Criadores: Jerry Seinfeld, Larry David
Direção: Tom Cherones
Roteiro: Jerry Seinfeld, Larry David, Peter Mehlman, Larry Charles
Elenco Principal: Jerry Seinfeld, Jason Alexander, Michael Richards, Julia Louis-Dreyfus, Wayne Knight, Peter Crombie, Barney Martin, Liz Sheridan, Jerry Stiller, Estelle Harris
Duração: 22 min. (cada episódio)
Crítica | Operação Overlord - J.J. Abrams coloca zumbis na Segunda Guerra Mundial
Poucos nomes são tão poderosos na Hollywood contemporânea quanto o de J.J. Abrams, que colocou sua marca na TV ao dirigir o piloto de Lost e atualmente é o homem que revitalizou Jornada nas Estrelas e Star Wars nos cinemas. Além de suas empreitadas como diretor, sua produtora Bad Robot tornou-se uma fábrica de ideias interessantes e projetos fascinantes, com destaque para a antologia Cloverfield, que recentemente sofreu um golpe duro com o péssimo The Cloverfield Paradox.
Porém, a Bad Robot ainda não havia colocado seu selo em uma produção original, que não viesse com o acompanhamento de franquias da Paramount Pictures (Star Trek) ou Disney (O Despertar da Força), e que também não fossem um projeto passional de Abrams movido a nostalgia, como foi o caso de Super 8. Anteriormente concebido como um filme do universo Cloverfield, Operação Overlord traz esse marco para a Bad Robot, sendo uma produção original de gênero e que segue os moldes do estúdio. E ainda que longe de ser brilhante, não deixa de ser um entretenimento eficiente.
A trama é situada em plena Segunda Guerra Mundial, com os Aliados aproximando-se de uma invasão na Europa de Hitler, apresentando-nos a um grupo de soldados. Encarregados de explodir uma torre que permita a chegada das tropas pela praia da Normandia, o pelotão é abatido e cai em uma vila francesa ocupada pelos nazistas, onde encontram uma forma de executor a missão. Mas tudo se complica quando o grupo descobre que os nazistas estão realizando experimentos grotescos na vila, onde tentam atingir a imortalidade ao ressuscitar seus mortos.
Ficção Pulp
É uma combinação muito conhecida pelos fãs de games e filmes trash: zumbis com nazistas (ou nazombies, como gosto de apelidar), uma premissa que por si só já nos remete a algo B. Operação Overlord tem ciência do tipo de filme que está fazendo, mas felizmente não descamba completamente para um festival de paródia trash, como produções da SYFY ou os Sharknados da vida; se leva a sério na medida certa, mas abraça os elementos B com sabedoria para fazer uma mistura de gêneros eficiente, tal como um filme de guerra sci-fi com o toque pseudo-Spielbergiano de Abrams.
Temos a clássica dinâmica de um filme de equipe, mesmo que não sendo o mais brilhante dos roteiros ou o mais empolgante. Porém, Billy Ray e Mark L. Smith conseguem trazer o mínimo de arcos possível, sendo um bom trabalho ao desenvolver a jornada de seus personagens - especialmente o protagonista, que passa de um pacifista para uma figura que vai sujando as mãos com a incidência de horrores - e suas relações, bastando um diálogo descontraído sobre um soldado comentando sua intenção de escrever um livro sobre os eventos. É mais do que muitos filmes de gênero têm por aí, e somos capazes de nos investir nesses personagens.
E muito disso se deve ao eficiente elenco, liderado pelo carismático Jovan Adepo. Surgindo como uma mistura entre Will Smith e John Boyega, Adepo consegue fornecer apego e charme a Boyce, sendo um personagem extremamente fácil de se apegar, com o ator sempre mantendo a bússola moral do personagem em norte. Filho do grande Kurt Russell, Wyatt Russell mostra que tem o mesmo carisma e pose de badass do pai, e faz um bom trabalho com um cabo mais silencioso, mostrando que já é hora de Wyatt ter seu próprio filme para protagonizar. Como nazistas são sempre papéis que rendem bons trabalhos de atuação, Pilou Asbæk também surge memorável, trazendo as boas características de um bom vilão, sempre maléfico e cartunesco, sendo a figura mais confortável para uma obra B.
Condução Eficiente em Operação Overlord
Na direção, Julius Avery mostra-se um talento a ser desenvolvido. As cenas de tensão e atmosfera garantem boa construção, graças a sua boa noção de mise en scene e quando cortar para um close, ao mesmo tempo em que sua câmera surpreende pela ambição. É uma faca de dois gumes, já que em duas cenas específicas, Avery aposta no famoso plano sequência para retratar uma ação, em ambas mantendo Boyce em primeiro plano. O problema é que o óbvio CGI de tela verde atrapalha o resultado, destruindo uma ideia boa em sua concepção, especialmente o criativo plano onde o protagonista está rodopiando no ar após saltar de um avião.
Em seu desejo de ser um pouco mais sério, também fica decepcionante quando finalmente temos os prometidos zumbis, que não aparecem tanto quanto gostaríamos, tampouco impressionam em seu retrato visual - onde temos um bom trabalho de maquiagem sendo ofuscado por um uso de CGI notável, mas pelos motivos errados. Se há algo capaz de provocar algum impacto, é a trilha sonora de Jed Kurzel, que traz os acordes abstratos de Alien: Covenant (literalmente) para algumas das sequências mais tensas, ainda que seja um uso um tanto exagerado.
No fim, Operação Overlord é exatamente aquilo que alguém poderia esperar de um filme "sério" de Segunda Guerra Mundial com zumbis, onde Julius Avery anda pela beirada do que pode ser considerado um filme B. Traz bons momentos de direção mesmo com um roteiro básico, sendo o bastante para servir como entretenimento passageiro.
Operação Overlord (Overlord, EUA - 2018)
Direção: Julius Avery
Roteiro: Billy Ray e Mark L. Smith
Elenco: Jovan Adepo, Wyatt Russell, Bookeem Woodbine, Pilou Asbæk, John Magaro, Mathilde Olivier, Jacob Anderson, Dominic Applewhite, Iain De Caestecker
Gênero: Ação, Ficção Científica
Duração: 109 min
https://www.youtube.com/watch?v=K4ATj5tkoHM
Crítica | Seinfeld: 4ª Temporada - Mestre de tudo
Acho que chega um ponto em toda série em que ela finalmente descobre quem é de verdade. Com Seinfeld, isso aconteceu na terceira temporada, mas seria só agora, no ano que começaria em agosto de 1992 e concluiria em maio de 1993 que essa identidade chegaria. Foi com a quarta temporada que Jerry Seinfeld e Larry David enfim puderam ser realmente dignos daquela que é uma das mais abusadas palavras do vocabulário: gênio.
A temporada já começa de maneira inesperada, e algo que os roteiristas tentariam explorar aqui: arcos de história maiores. Temos o primeiro episódio gravado quase que totalmente em externas, The Trip, que leva duas partes para explorar a busca de Jerry e George (Jason Alexander) por Kramer (Michael Richards), confundido com um serial killer em Los Angeles. É um episódio divertido e que sabe explorar muito bem o louco mundo de Hollywood e as infinitas possibilidades que Kramer poderia trazer.
Já chegando em Nova York, começaria um dos mais marcantes arcos da série, que escancararia sua metalinguagem de uma vez por todas: em The Pitch, Jerry e George têm a ideia de escrever uma sitcom sobre o “nada”, tendo personagens inspirados neles mesmos, situações de cotidianas… Enfim, praticamente tudo o que é Seinfeld; só que com o título alterado para “Jerry” e a inclusão de um mordomo empregado. É um arco que começa no terceiro episódio e só acaba no season finale da temporada, rendendo situações hilárias como a tentativa de George de usar o fato de ser roteirista de televisão para ser atrair mulheres ou a antológica cena em que os personagens precisam escalar o elenco para interpretar a eles mesmos.
Mas se você tinha medo que a série se converteria para algo mais seriado, fique tranquilo. Seinfeld e David estão no ápice de sua imaginação perturbada. Para citar alguns exemplos notáveis, The Bubble Boy consegue divertir pela simples repetição constante da palavra “bubble” (“He lives in a bubble?”, “A bubble!”, “He’s a bubble boy”), no episódio em que a turma planeja ir para o chalé do sogro de George, com a obrigatório visita a um garoto com uma doença rara que o obriga a viver em uma bolha de plástico. Em outro, as clássicas situações de desencontros se manifestam de forma divertida com The Airport e The Movie; no primeiro, Kramer e George estudam a melhor maneira de buscar Jerry e Elaine no aeroporto, enquanto os outros dois enfrentam dificuldades para embarcar em um voo de volta para casa. Já no segundo, o grupo simplesmente não consegue curtir um cinema em decorrência a uma série de pequenas desventuras. Um dos pontos altos do episódio, porém, é a introdução do clássico filme fake da série: Rochelle, Rochelle – Uma estranha jornada erótica de Milão à Minsk.
E, claro, eu deixei o melhor para o final. Temos na quarta temporada aquele que é considerado por muitos como o episódio supremo da série: o clássico The Contest. Aqui, os quatro amigos resolvem fazer uma infame aposta de abstinência de masturbação, depois que George jura nunca mais fazer o ato novamente. E a grande sacada, que revela o excepcional talento de Larry David como roteirista, é que a palavra “masturbação” não é usada uma única vez, sendo apenas sugerida através de trocadilhos como “ser mestre de seu domínio” ou “eu estava sozinho…”, revelando também uma maneira inteligente de driblar a censura. O episódio também traz excelentes “obstáculos” para tentar os personagens: Jerry namorando uma mulher virgem, Kramer tentado com uma vizinha nudista, Elaine (claro que ela está na aposta, e aposto que teria sido um tabu nos anos 90) paquerando um dos membros da família Kennedy na academia e George… Bem, George fica encantado por uma enfermeira que cuida de sua mãe no hospital. É um episódio brilhante, e que termina de uma forma amarrada e enigmática… Quem realmente ganhou a aposta? Só os mais atentos teriam a resposta. Na última temporada…
Essa situação da aposta ainda dá a deixa para uma inversão de fatores sensacional em The Outing, no qual Jerry e George são confudidos com um casal gay por uma jornalista. Não só diversos eventos de The Contest são alterados aqui, como os personagens constantemente repetem a frase “Não que tenha algo de errado com isso”, de forma a deixar bem claro que os roteiristas respeitam a comunidade gay, mesmo fazendo piada. Em outras palavras, é um deboche diretamente ao politicamente correto.
E eu não ousaria deixar este texto sem a menção ao Crazy Joe Davola, um psicopata que é brilhantemente retratado por Peter Crombie em alguns episódios. Sem um motivo claro, ele começa uma doentia obsessão por Jerry, culminando no hilário The Opera, em que o sujeito revela-se um fã devoto de Pagliacci e acaba por sair com Elaine, apenas para descobrirmos ser uma relação igualmente obsessiva:
– Joe, você me assustou!
– Ótimo. Medo é a nossa reação mais espontânea.
Em um longa de suspense, essa seria uma declaração que certamente deixaria o espectador preocupado, e até tenso. Em uma comédia assim, é apenas mais um motivo para soltar uma risada diante do absurdo da situação, já que a série realmente atinge outro nível quando nos apresenta a personagens que tem um apelo para o dramático.
A quarta temporada de Seinfeld talvez, talvez seja a melhor fase da série. Além de faturar Emmys e enfim fincar a bandeira de mestre de seu domínio, iniciaria o período em que teríamos os melhores e mais engraçados episódios. A era de ouro seinfeldiana se inicia.
Melhor: The Contest
Piorzinho: The Old Man
Seinfeld – 4ª Temporada (EUA, 1992-93)
Criadores: Jerry Seinfeld, Larry David
Direção: Tom Cherones
Roteiro: Jerry Seinfeld, Larry David, Peter Mehlman, Larry Charles
Elenco Principal: Jerry Seinfeld, Jason Alexander, Michael Richards, Julia Louis-Dreyfus, Wayne Knight, Peter Crombie, Barney Martin, Liz Sheridan, Jerry Stiller, Estelle Harris
Duração: 22 min. (cada episódio)
Crítica | Seinfeld: 3ª Temporada - Definindo a Forma
Com a estreia em setembro de 1991, a terceira temporada de Seinfeld é a que enfim estabelece todos os elementos principais da série. Finalmente temos uma temporada completa com 23 episódios, o destaque para Cosmo Kramer e sua saída para o exterior era uma realidade e tinha início a vinda dos coadjuvantes clássicos, como veríamos em The Library. Mais uma vez sob a cunha de Jerry Seinfeld e Larry David, fortalecendo também a posição do roteirista Larry Charles como uma das grandes mentes da série. Aliás, esta foi a primeira temporada que rendeu um Emmy de Melhor Roteiro à equipe, pelo episódio The Fix-Up.
De cara, já temos uma curiosidade interessante no episódio de estreia, The Note. É o único de toda a série que traz uma leve variação no tema musical de Jonathan Wolff, que apostou em um coral feminino para acompanhar suas notas polifônicas. Felizmente, o resultado brega foi rejeitado pelos produtores. Enfim, é já no quinto episódio – The Library – que Larry Charles nos apresenta ao impagável “Library Cop”, o Sr. Bookman (vivido por Philip Baker Hall), que surge para infernizar a vida de Jerry e cobrar um livro perdido há vinte anos. A inteligência do texto de Charles consiste em adequar o clichê discursos do investigador policial para uma situação absolutamente banal, residindo aí o espírito niilista de Seinfeld e sua supervalorização do cotidiano. No mesmo episódio, temos também a única vez na série que temos um flashback dos personagens em seus tempos de colégio (um recurso utilizado com exaustão por praticamente todas as outras sitcoms), tornando-se um divertido e especial momento justamente pela exclusividade. Seinfeld e David apostam apenas uma vez no clichê do “passado brega”, mantendo os olhos para o futuro bizarro.
Este que agora incluiria tramas mais elaboradas, mas ainda pautadas no “nada”. The Subway é o primeiro episódio que traz quatro subtramas, um para cada um dos personagens que se aventuram pelo metrô de Nova York: Jerry conhecendo uma nudista, Kramer apostando em corridas de cavalo, George se envolvendo com uma bela e misteriosa mulher, e Elaine fazendo de tudo para não perder um casamento lésbico (Como esquecer “Odeio homens, mas não sou lésbica”?). A reviravolta envolvendo George ajuda a criar um universo povoado por figuras insanas, o que acontece também no excelente The Limo, onde a clássica troca de papéis coloca Jerry e George como dois líderes de um movimento neo-nazista. E assim como The Chinese Restaurant na segunda temporada, Seinfeld e David apostam novamente em um episódio centrado inteiramente em um cenário/situação, com os protagonistas sofrendo para lembrar onde estacionaram o carro em The Parking Garage.
As inovações também surgem no primeiro episódio em duas partes da série, trazendo a recorrente participação do (agora) ex-jogador de beisebol Keith Hernandez, em The Boyfriend. Não só o texto acerta em cheio no contexto e inversões de papel de uma pseudo relação homoafetiva, já que Hernandez é o novo namorado de Elaine, o que provoca um ciúmes curioso em Jerry – obcecado pelo jogador. Também temos uma daquelas que é considerada uma das melhores cenas da série, quando George tenta se passar como vendedor de látex no telefone, a fim de trapacear o seguro desemprego, culminando em uma desesperada e frustrada ação quando Kramer atende o tal telefone. É realmente hilário, representando também um excelente uso de comédia física.
Em seu terceiro ano, Seinfeld enfim definiu a estrutura e todos os padrões que só viriam a se fortalecer daqui para frente. A era de ouro da série estava para começar.
Melhor: The Library
Piorzinho: The Dog
Seinfeld – 3ª Temporada (EUA, 1991-92)
Criadores: Jerry Seinfeld, Larry David
Direção: Tom Cherones
Roteiro: Jerry Seinfeld, Larry David, Peter Mehlman, Larry Charles
Elenco Principal: Jerry Seinfeld, Jason Alexander, Michael Richards, Julia Louis-Dreyfus, Wayne Knight, Barney Martin, Liz Sheridan, Jerry Stiller, Estelle Harris
Duração: 22 minutos (cada episódio)
Crítica | Seinfeld: 2ª Temporada - O segundo passo para a sitcom definitiva
Após a bem-sucedida exibição de sua compacta primeira temporada, Seinfeld agora embarcava em sua segunda temporada, agora com 12 episódios; para a alegria dos fãs e o desespero do co-criador Larry David, que acreditava que suas ideias tinham esgotado-se no ano de estreia. E como o neurótico alter ego de George Costanza estava enganado! É justamente na segunda temporada que a série começaria a se encorpar e continuar sua metamorfose na sitcom definitiva.
A segunda temporada mantém a tradição de trazer episódios desconectados, que não seguem uma longa história que necessite de algo além dos 22 minutos de duração. A atenção aos detalhezinhos neuróticos começa a se destacar mais, como visto nos excelentes The Pony Remark, no qual Jerry desencadeia uma série de eventos catastróficos por simplesmente não gostar de pôneis, ou em The Phone Message, onde George se encontra na clássica situação de querer deletar uma mensagem raivosa da caixa postal de sua namorada (“Eu parecia o Mussolini.”). Ou meu preferido, em The Baby Shower, no qual George faz questão de se vingar de uma ex-namorada por ter sujado sua blusa com chocolate, aparecendo em seu chá de bebê com a tal blusa – ainda suja, claro.
Relacionamentos também passaram a se tornar um tema recorrente, com The Ex-Girlfriend dando um ar fresco à batida situação de “atração pela ex-namorada do melhor amigo” ao simplesmente brincar com a metalinguagem em The Deal, no qual Jerry e Elaine tentam manter uma delicada amizade colorida – sendo um dos poucos episódios que analisa tão de perto a antiga relação dos dois, e felizmente os roteiristas são sábios em não desenvolverem um romance real entre Jerry e Elaine, um dos elementos que diferencia Seinfeld de todas as outras sitcoms (sim, Friends e How I Met your Mother, estou olhando pra vocês).
Mas o ápice fica com o primeiro de muitos “episódios clássicos”, que é The Chinese Restaurant. Escrito por David e Seinfeld, ele simboliza a gênese do seriado sobre o “nada”, ao trazer Jerry, Elaine e George esperando uma mesa de um restaurante chinês. É a premissa aparentemente vazia, mas que se revela um verdadeiro cardápio de possibilidades para os personagens, especialmente pelas subtramas: George aguardando impaciente pela ligação de sua namorada, Jerry empolgadíssimo para uma sessão de Plano 9 do Espaço Sideral e Elaine tentando fazer de tudo para acelerar o processo, incluindo até mesmo uma pequena aposta. E não poderia deixar de mencionar, mas este episódio todo se desenrola em tempo real. Mas… E quanto a Kramer? Exato. O impagável Michael Richards infelizmente encontra-se ausente deste que seria um cenário maravilhoso para seus tiques faciais e comentários curiosos, mas a decisão veio diretamente de Seinfeld e David, que acreditavam que o personagem deveria ser um ermitão excêntrico que jamais sairia de seu apartamento – com a popularidade de Kramer aumentando no futuro, não é surpresa que isso mudaria muito em breve.
A segunda temporada de Seinfeld é um nítido aprimoramento da primeira, contando com um humor inteligente e melhor desenvolvido, além de situações mais criativas e que desafiavam a própria estética da sitcom. E era só o começo.
Melhor: The Chinese Restaurant
Piorzinho: The Statue
Seinfeld – 2ª Temporada (EUA, 1991)
Criadores: Jerry Seinfeld, Larry David
Direção: Tom Cherones
Roteiro: Jerry Seinfeld, Larry David, Peter Mehlman, Larry Charles
Elenco Principal: Jerry Seinfeld, Jason Alexander, Michael Richards, Julia Louis-Dreyfus, Wayne Knight, Barney Martin, Liz Sheridan, Jerry Stiller, Estelle Harris
Duração: 22 minutos (cada episódio)
Crítica | O Doutrinador - Um Justiceiro nacional com abordagem imatura
Sempre fui a favor do cinema de gênero no audiovisual brasileiro, que raramente flerta com produções populares que não sejam comédias de um nível bem baixo - ver as franquias De Pernas pro Ar, Até que a Sorte nos Separe e outras produções com o selo da Globo Filmes. Dito isso, sou a primeira pessoa a se empolgar quando anunciam que teremos um "filme de super-herói" brasileiro com O Doutrinador, lançando convenientemente em um período de eleições presidenciais no país.
A história também é situada em um ano eleitoral, nos apresentando a Miguel (Kiko Pissolato), membro do D.E.A., divisão mais avançada da polícia militar no país. Quando sua filha é morta por uma bala perdida e falece pela falta de apoio de um hospital público, prejudicado pelo desvio de dinheiro de um governador local, Miguel faz justiça com as próprias mãos e assume a identidade do Doutrinador. Agindo como vigilante pela cidade, a figura mascarada persegue políticos corruptos que sejam responsáveis pelo colapso interno do Brasil, contando com a ajuda da hacker Nina (Tainá Medina) ao mesmo tempo em que passa a ser perseguido pelas autoridades do qual ele mesmo faz parte.
É a premissa básica de um filme do Justiceiro, com Miguel adotando a persona de vigilante violento e que pretendo triunfar sobre as amarras da corrupção, com uma moralidade duvidosa e muita violência. O problema é que falta à equipe de O Doutrinador, tanto no roteiro quanto na direção, maturidade e foco para lidar com sua temática, que parece essencialmente focada em um público mais adolescente. Ao passo em que tenta abordar a situação política do país, O Doutrinador também tenta oferecer entretenimento do nível de séries de TV de heróis - onde acaba soando mais como um Titans do como Justiceiro ou Demolidor, no que diz respeito a valor de choque.
O roteiro assinado pelo batalhão de Mirna Nogueira, L.G. Bayão, Rodrigo Lagos, Denis Nielsen, Guilherme Siman e Gabriel Wainers egue de perto a fórmula desse tipo de narrativa, com a perda do protagonista afetando suas ações subsequentes. Nada de errado com a fórmula, mas é executada através de diálogos tão artificiais e capengas, onde claramente nota-se que os roteiristas pensavam em determinadas frases em inglês (por trazer jargões típicos de blockbusters americanos) e que soam risíveis quando ditos em voz alta no bom e velho português, com "Sou hacker, caralho" sendo um de meus exemplos favoritos.
O longa também nunca sabe onde se encontra em relação a seu protagonista, tentando oferecer uma mensagem sobre a corrupção, mas tudo soa como um adolescente de 12 anos que acaba de assistir a O Cavaleiro das Trevas e Tropa de Elite 2, sendo a versão mais reduzida e genérica desses dois filmes. A moralidade de Miguel raramente é discutida, com o texto retratando o policial de forma séria e dramática, enquanto todos os políticos são - literalmente - personagens de quadrinhos altamente cartunescos e exagerados. São dois filmes conflitantes que não parecem entrar em sintonia, e que se perdem na cronologia acelerada do filme, que pula semanas em questões de minutos de forma abrupta.
Dirigido por Gustavo Bonafé - que contou com Fábio Mendonça na co-direção -, é um trabalho que, na maioria do tempo, não prejudica, mas é genérico demais. No pior dos casos, é desesperado para causar um impacto, como a pavorosa sequência da morte da filha do protagonista, que é dramatizada ao extremo com câmera lenta, desfoques de lente e todo o tipo de artifício barato usado para exacerbar um sentimento - algo que acontece com frequência em outros momentos mais dramáticos, que só ficam pior com a trilha sonora óbvia do Instituto.
As cenas de ação até que são competentes, com Bonafé e Mendonça tendo uma boa noção da espacialidade dos eventos e também da urgência com seus personagens, mas não temos nada de verdadeiramente imaginativo ou inovador aqui, até porque temos poucas cenas de lutas corporais que tragam alguma coreografia elaborada. A sequência em que o Doutrinador invade uma cobertura, sendo auxiliado por Nina através de uma escuta, porém, representa o ponto alto do longa, por finalmente vermos a ideia de um super-herói no Brasil sendo bem executada. Algo bem distante do vício da dupla em tomadas de helicóptero onde o vigilante aparece parado em uma pose dramática no topo de um telhado, que soa artificial demais - e o letreiro em neon do Rei do Mate escancarado só reforça isso.
No setor do elenco, a situação não melhora. Com um texto raso em mãos, não há muito o que Kiko Pissolato possa fazer para aprofundar Miguel, ainda que o ator seja nitidamente esforçado em seu campo dramático, o efeito cômico da entrega das falas claramente afetadas por estrangeirismos são inevitáveis. O mesmo acontece com Tainá Medina como Nina, ainda que a atriz consiga arrancar momentos mais inspirados graças à natureza mais "descolada" de sua hacker, mas que também sofre do problema de superficialidade - com uma subtrama envolvendo sua mãe na prisão jamais dizendo a que veio. No campo coadjuvante, Carlos Betão faz um antagonista minimamente carismático na figura do principal político corrupto da trama.
No fim, o grande mérito que O Doutrinador merece é o de existir. Finalmente temos uma produção nacional que tenta brincar com a fórmula de um gênero essencialmente enraizado na cultura americana, mas que infelizmente não atinge o potencial de sua ideia promissora, faltando um trabalho melhor de roteiro, elenco e exatamente o tipo de filme que quer ser.
O Doutrinador (Brasil), 2018
Direção: Gustavo Bonafé, Fábio Mendonça (co-direção)
Roteiro: Mirna Nogueira, L.G. Bayão, Rodrigo Lagos, Denis Nielsen, Guilherme Siman, Gabriel Wainer, baseado na obra de Luciano Cunha
Elenco: Kiko Pissolato, Tainá Medina, Eduardo Moscovis, Carlos Betão, Eduardo Chagas, Marília Gabriela, Tuca Andrada, Natália Lage, Eucir de Souza, Gustavo Vaz
Gênero: Ação
Duração:
https://www.youtube.com/watch?v=KIxUQch9los