Crítica | La La Land: Cantando Estações
Através da Arte, é possível conhecer as pessoas, mesmo sem nunca tendo trocado uma única palavra com elas. Sua personalidade, estilo e até sonhos ficam evidentes graças a escolhas distintas na forma de expressar suas ideias, independente do meio canalizador. No cinema, isso fica claro através de posicionamentos de câmera, cores, figurinos e, principalmente, no tema de suas histórias. O pouco que conheço de Damien Chazelle por seus dois únicos filmes até então revelam uma paixão e afeto às Artes que são fortes por sua escrita e direção, primeiro em seu longa debutante Whiplash: Em Busca da Perfeição, que nos ofereceu o lado obsessivo da conquista do sucesso e seu carinho por Jazz, e agora em seu novo e grandioso musical, La La Land: Cantando Estações vai pelo caminho mais colorido e otimista para tratar de algo universal: sonhos.
A trama é ambientada na Los Angeles contemporânea, e nos apresenta à jovem Mia (Emma Stone), aspirante a atriz que passa seu tempo trabalhando no café de um estúdio e indo a diversos testes de elenco pela cidade. Paralelamente, temos o pianista Sebastian (Ryan Gosling), que retorna para L.A. a fim de alcançar o sonho de finalmente abrir um clube de jazz e manter o espírito desse gênero musical vivo. Quando o caminho dos dois se cruza, tem início uma saga romântica regada à sonhos, desilusões e muita música, claro.
Damien Chazelle é claramente um sonhador e um amante de jazz, isso fica claro aqui em La La Land. Com o sucesso inesperado de seu modesto filme anterior, evidentemente vemos um aumento na escala de produção e em virtualmente todos os aspectos técnicos. Se Whiplash tinha cara de filme indie, La La Land é a pura representação do filme de estúdio... Mas aquele comandado por um autor, e que utiliza de todos os infinitos recursos do audiovisual para uma narrativa simplesmente apaixonante e que funciona tanto como musical como filme "tradicional" - isso para minha grata surpresa, já que pessoalmente não sou grande admirador da ideia de termos a narrativa interrompida por números musicais e canções abruptas. Felizmente, Chazelle insere seus momentos de cantoria de forma orgânica e que complementem à trama central, e é até curioso observar que não temos tantas cenas do tipo como normalmente esperaríamos de uma produção do tipo.
Mas quando temos, é quando vemos toda a maestria de Damien Chazelle na cadeira de diretor. Logo na cena de abertura, apropriadamente simbólica ao trazer um engarrafamento de carros e jovens que tentam chegar em Los Angeles, somos surpreendidos pelo elaborado número de "Another Day of Sun", que envolve dançarinos subindo em carros, fechando portas e interagindo uns com os outros; tudo capturado por um plano sequência impressionante e dinâmico - ainda que tenha os cortes disfarçados pela edição - e que já dita o tom energético e vibrante da produção. Aliás, é curioso como os números musicais podem ser notavelmente old schools e remanescentes da Era de Ouro de Hollywood, em meio a um cenário contemporâneo: iphones, carros modernos e ambientes contemporâneos vão dando espaço a figurinos coloridos, cenários marcantes e alterações marcantes na iluminação e fotografia. Há também a coreografia que evoca os grandes musicas de Gene Kelly e Fred Astaire, como a já icônica sequência onde Mia e Sebastian sapateiam no observatório Griffith, com a azulada vista de Los Angeles ao fundo.
Em Busca da Perfeição
De resto, não temos tanta cantoria. É quando Chazelle retoma sua paixão por jazz ao focar-se na trama de Sebastian, que volta a falar sobre como o gênero está morrendo e dando espaço à convenções modernas concentradas apenas no dinheiro e no que é fácil - ou discos de jazz do Starbucks, como diria o Terence Fletcher de Whiplash. Isso rende excelentes diálogos entre Gosling e Stone, além de uma trilha sonora original primorosa de Justin Hurwitz, que traz belas e evocativas peças sinfônicas regadas a piano. Vale também apontar a participação do cantor John Legend, interpretando um antigo colega de Sebastian que o convida para seu novo grupo; que visa oferecer elementos modernos à linguagem tradicional do jazz, o que já embala uma discussão interessante sobre o passado e o futuro, algo muito martelado pelos outdoors de filmes clássicos pelos quais os personagens constantemente passam na frente (a grandeza do cinemascope valoriza essa imagem simbólica) ou quando o palco completamente escuro onde vemos apenas a silhueta de Sebastian ao piano é revelado pela iminência das luzes como um grande show de pop e pirotecnia.
E como falei dos aspectos técnicos serem superiores lá em cima, vamos dar a ênfase apropriada. Fica a impressão de que toda tomada do filme recebeu um tratamento detalhista e atencioso, já que a paleta de cores da fotografia de Linus Sandgren e da direção de arte de Austin Gorg é absolutamente formidável, criando uma Los Angeles colorida e paradisíaca, mas não em um nível fantasioso. A vibrância dos figurinos da premiada Mary Zophres é importante para um contraste vívido e até nos passar informações sobre os personagens, como no revelador momento onde Mia sai de um teste fracassado, usando uma camisa branca manchada de café enquanto todas as demais mulheres esperando ali usam exatamente a mesma coisa - mas com um branco limpo e impecável, já pontuando a posição de Mia em relação às concorrentes. O modo como os ternos de Sebastian evoluem de um tecido de lã mais modesto para paletós esporte fino - e todos mais escuros - também é revelador sobre o arco de seu personagem.
Então chegamos ao maravilhoso trabalho de fotografia de Linus Sandgren, nome que ficarei muito surpreso e decepcionado se não estiver entre os indicados ao Oscar da categoria no próximo ano. Abraçando os tons coloridos descritos no parágrafo acima, Sandgren é eficiente ao criar uma atmosfera palpável e dinâmica, sobressaindo-se nos momentos em que a diegese é alterada. As luzes do cenário apagam-se lentamente para que uma nova key light seja acesa em algum dos personagens (normalmente durante o início de um número musical), e o resultado é plasticamente deslumbrante; e até tematicamente, vide a cena em que as luzes centrais ficam apenas em Sebastian e Mia, durante um show lotado com diversas pessoas ao redor. A estética fica ainda mais desafiadora quando o longa assume tons mais lúdicos, como quando os personagens "levitam" sobre um estrelado planetário e protagonizam uma dança magnífica toda em contra luz. Os flares marcam presença para cenas em que vemos a luz dos projetores do cinema (em dois pontos muito específicos) e até mesmo câmeras de 16mm podem ser identificadas a olho nu para uma sequência de montagem afetiva.
Sandgren e Chazelle também sabem alterar o jogo para uma variação de ritmo, como quando um jantar caloroso entre o casal acaba tornando-se uma discussão delicada sobre as dificuldades de suas respectivas carreiras. A luz é chapada e quase sem vida, e a câmera predominantemente estática transfigura-se na estética de câmera na mão, marcando com eficiência o primeiro ponto em que a jornada dos dois toma uma lombada. Em questão de movimentação de câmera, vale mencionar como Chazelle mostra-se muito mais sofisticado aqui do que em Whiplash, apostando em diversos planos longos durante a narrativa, e até na repetição de alguns para marcar um ponto de simetria ou alternativa - como a atriz que entra no café de Mia para tomar um café, movimento que é repetido posteriormente em um contexto diferente, mas com justificativa perfeita. Gosto também de como o diretor referencia a si mesmo com a série de pans rápidas da esquerda para a direita, que ocorre quando vemos Sebastian ao piano e Mia dançando - tal como o momento em Whiplash onde Fletcher conduz e Miles Teller toca bateria.
Outro colaborador de Chazelle que é uma de suas forças mais poderosas é o montador Tom Cross, premiado por seu trabalho irretocável em Whiplash. Aqui, temos um ritmo menos insano do que o longa anterior devido ao trabalho de câmera mais complexo de Chazelle, mas Cross aqui explora muito a técnica da transição em fusão. Mas é um uso mais elegante e discreto do que o habitual, já que a transição ocorre junto com as mudanças de iluminação e ajuda a transportar a ação de um período temporal para outro - toda a narrativa se desenrola ao longo das estações do ano, e é um período de tempo bem comportado e navegado pela montagem. Temos também os habituais cortes rápidos para explorar alguma ação, como Mia preparando seu café ou o fascínio de Chazelle por instrumentos musicais, e aqui o uso delicado e bem feito de repetição de eventos sobre diferentes pontos de vista, e até uma reviravolta profundamente emocional e que pega o espectador de surpresa nos minutos finais.
Casal 20
La La Land é absolutamente irretocável em todos os seus quesitos técnicos, mas de nada adiantaria se não tivéssemos as performances magnéticas de Emma Stone e Ryan Gosling para segurar tudo. Stone já vinha demonstrando seu carisma imenso (corram para ver A Mentira) e até seu potencial dramático na performance indicada ao Oscar em Birdman. Acho que a presença da atriz na premiação do ano que vem já é garantida, tendo em vista que Stone traz tudo o que sempre fez de melhor em sua carreira para um papel só, desde seu timing cômico/irônico perfeito que é bem aproveitado nas cenas em que conhece o personagem de Gosling até sua carga emocional forte para o momento mais tenso da jornada. As cenas de canto também lhe exigem muito, com atenção especial para um momento chave que envolve um pitching de roteiro muito importante, onde também presenciamos um uso orgânico e fundamental do número musical, marcado pela lindíssima "Audition (The Fools Who Dream)" - e Stone simplesmente destrói, mesmo desarmada pela câmera em 360 ao redor de seu rosto em close.
Já tendo compartilhado a tela como amantes em Amor a Toda Prova e Caça aos Gangsteres, facilita que Stone e Ryan Gosling tenham uma química tão explosiva e apaixonante em cena, e é impossível para o espectador não torcer pelo romance principal. Gosling se sai muito bem aqui ao desenvolver detalhes sutis que compõem a persona de Sebastian. Por exemplo, sua paixão por jazz e o repúdio pelos elementos que os prejudicam são bem representados pelas pequenas variações em sua voz (como quando reage ao fato de Mia não gostar de jazz) ou sua hesitação - presente no olhar - em tocar os dedos em um teclado ao ouvir o estilo de música do qual estava fazendo parte. Gosling surpreende também por protagonizar diversas cenas em que aparentemente toca piano de verdade, além de não fazer feio durante suas cenas de canto; a performance na canção tema "City of Stars" sendo o grande destaque, tanto solo quanto o dueto com Stone.
A química e interação dos dois nos ajuda a comprar a história, que realmente não é das mais originais, mas que em hipótese alguma é falha. É praticamente uma variação da jornada do herói de Joseph Campbell (há até um personagem roteirista que casualmente menciona a fórmula em certo momento), e uma história sobre sonhadores e seus esforços. Há reviravoltas esperadas, como a "corrupção" de um deles para o lado mais corporativo, as dificuldades de outro para conseguir se inserir no meio desejado e as esperadas desistências que precedem uma grande superação. Você conhece essa história, mas poucas vezes a viu contada com tanta paixão e esmero, e diálogos inteligentes e bem colocados sobre o clássico embate entre o velho e o novo, sonho e realidade e, nas palavras da canção que abre o filme, se mergulhar nessa jornada artística é "coragem ou loucura".
Com apenas dois filmes no currículo, Damien Chazelle estabelece-se desde já como um dos nomes mais fortes do atual cinema americano. La La Land: Cantando Estações é um filme absolutamente apaixonante e otimista, servindo como uma carta de amor aos musicais da Velha Hollywood e uma ode à incrível capacidade humana de perseguir seus sonhos. Em tempos tão sombrios, filmes como são esse são a rara joia que nos motivam a seguir em frente, e eu só consigo agradecer por existir.
La La Land: Cantando Estações (La La Land, 2016 - EUA)
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Damien Chazelle
Elenco: Ryan Gosling, Emma Stone, Rosemarie DeWitt, Amiée Conn, Terry Walters, J.K. Simmons, Jason Fuchs
Gênero: Musical, Romance, Drama, Comédia
Duração: 128 min.
https://www.youtube.com/watch?v=0KpWc-cwQtY
Crítica | Desventuras em Série
É de se gerar imensa curiosidade e um divertido respeito por uma obra que constantemente clama para que seu interlocutor abandone-a, seja através de livro ou obra audiovisual. Tal niilismo em relação a si mesmo é um dos maiores charmes da série de livros Desventuras em Série de Lemony Snicket, pseudônimo de Daniel Handler, que fez um trabalho literário tão bom que seria apenas uma questão de tempo até que Hollywood tomasse nota. Com isso, em 2004 tivemos a adaptação cinematográfica de Desventuras em Série, onde Brad Silberling entregou um dos filmes mais subestimados da década passada.
A trama se concentra nos três primeiros livros da série: Mau Começo, A Sala dos Répteis e O Lago das Sanguessugas, nos apresentando aos irmãos Violet (Emilly Browning), Klaus (Liam Aiken) e Sunny (Shelby e Kara Hoffman) Baudelaire, que subitamente perdem seus pais em um misterioso incêndio que destruiu toda a sua mansão. Auxiliados pelo banqueiro Sr. Poe (Timothy Spall), as crianças são enviadas para viver com seu novo tutor legal, o maligno Conde Olaf (Jim Carrey), que secretamente planeja roubar a exorbitante fortuna que aguarda os Baudelaire em sua herança.
Ainda que a ideia de se adaptar três livros em uma narrativa de duas horas pareça insanidade, é a melhor opção possível para a história, que torna-se fluida e envolvente graças à boa adaptação do próprio Handler. É uma estrutura assumidamente episódica, onde os órfãos escapam do Conde Olaf e tentam convencer seus subsequentes tutores (aliás, que gigantesca conexão os Baudelaire tinham) de que o Conde está disfarçado de alguém próximo a eles e planeja matá-los. É algo que pode tornar-se repetitivo, mas que também sempre dá fôlego para as crianças e suas histórias, ao passo em que boa parte dos adultos são ignorantes e desacreditados, e o envolvimento com os personagens é forte o bastante para que o espectador tenha vontade de gritar em seus ouvidos para que escutem as crianças.
É uma história que habilidosamente balanceia sua natureza sombria com um senso de humor peculiar, o estilo difícil que Tim Burton simplesmente desaprendeu como fazer em seus últimos filmes. É preciso talento para ter, na mesma história, um adulto covardemente estapear uma criança após ela lhe preparar um jantar e uma piada recorrente com o medo irracional de corretores de imóveis; e o fato de que ambas as cenas funcionam em seus respectivos contextos é a prova de que Handler e Silberling acertaram o tom da adaptação. Ajuda também que tenhamos protagonistas absolutamente carismáticos e inteligentes, do que tipo que oferecem soluções engenhosas e evitam cair nos clichês típicos desse tipo de narrativa.
E,claro, a charmosa narração em over de Lemony Snicket, que surge com a voz e silhueta de Jude Law. Na melhor tradição desse dispositivo narrativo, temos um narrador que participa da história e oferece os melhores comentários e complementos possíveis, e é ainda mais fascinante quando temos conhecimento de que o próprio Snicket é um personagem que segue os Baudelaire e sua trágica desventura. Tal execução é tão metalinguística e segura, que o filme sofre uma brusca interrupção quando a fita do datilógrafo de Snicket emperra, tornando a imersão ainda mais verossímil e divertida.
Já para a direção de Brad Silberling, novamente trago a comparação com o estilo perdido de Tim Burton. O universo visual de Desventuras é estilístico e peculiar, ainda que mantenha um pé no realismo. Parece ser contemporâneo, mas constantemente temos influências de uma Londres vitoriana nos cenários, na paleta de cores e nos figurinos estranhamente retrógrados dos personagens. Há um aspecto gótico e sombrio que marca a fotografia espetacular de Emmanuel Lubezki, sempre mantendo a escala sombria e o céu predominantemente cinzento: mesmo quando os órfãos têm um breve momento de felicidade (marcado por um flare da luz do sol), logo são engolidos de volta às trevas quando Olaf retorna em suas vidas.
Além dos maravilhosos cenários desenhados pelo designer Rick Heinrichs, Silberling é muito eficiente na construção de sequências elaboradas que envolvem tensão. A cena em que os órfãos estão presos dentro de um carro estacionado aos trilhos de um trem que se aproxima é uma aula de enquadramento e montagem (assinada por ninguém menos do que Michael Kahn, o escudeiro de Steven Spielberg), que agilizam as tentativas dos personagens de terem uma ideia e efetuá-la antes de serem despedaçados - e a fantástica trilha sonora de Thomas Newman aumenta a percussão para deixar o espectador no limite. De maneira similar, a fuga de uma casa em colapso durante um furacão e a tentativa de resgatar um bebê de uma gaiola são igualmente intensas e bem construídas, seguindo essa brilhante combinação de direção, montagem e música.
Outro elemento acertadíssimo da produção é seu elenco. Antes de estrelar filmes como Sucker Punch: Mundo Surreal e Beleza Adormecida, Emily Browning despontou como a inteligente Violet Baudelaire, a mais madura e sensata do grupo, ao passo em que Liam Aiken acerta o tom sóbrio e quase apático de Klaus, ainda que ele perigosamente beire a inexpressividade em certos momentos - como sua reação ao quase ser atacado por uma serpente. A bebê Sunny é um alívio cômico dos mais divertidos, e o desempenho das gêmeas Kara e Shelby Hoffman é engraçadíssimo.
Mas claro, quem definitivamente rouba todas as cenas em que aparece é Jim Carrey. Raramente vemos o maior comediante da década de 90 assumindo um papel antagonista, e Carrey não se entrega completamente às sombras sob a maquiagem caricata de Olaf; o que é uma decisão sábia considerando a persona charlatona e trapaceira do personagem. Seu timing cômigo e as caretas icônicas estão ali, com o ator aproveitando os elementos teatrais do personagem e abraçando o cartunesco sem medo durante os dois disfarces de Olaf: Stefano e o Capitão Sham, onde temos expressivas mudanças no seu timbre de voz e na expressão do olhar. E ainda que seja uma figura engraçada, Carrey é eficaz ao trazer os momentos assustadores de Olaf, como a já mencionada agressão e a cena em que sussurra aceleradamente uma ameaça para os órfãos.
E com um elenco protagonista já muito forte, é de se espantar com a quantidade de talento encontrada nos papéis coadjuvantes. Meryl Streep está perfeita como a medrosa e hipocondríaca tia Josephine, enquanto Billy Connolly transforma o tio Monthy em uma figura calorosa e simpática, ao mesmo tempo em que preserva suas excentricidades (em particular o cavanhaque). Mais contido, Timothy Spall oferece ao Sr. Poe as melhores intenções do mundo, mas preserva seu caráter burocrata e robotizado, enquanto Catherine O'Hara surge excepcional na pele da bondosa juíza Strauss. E vale destacar que todos o elenco segue um método de atuação consciente de que este não é um universo realista. É a perfeita linha do cartunesco.
Desventuras em Série é um filme que implora para ser redescoberto. Seja pelos personagens inteligentes, a trama que habilidosamente escapa de clichês ou o maravilhoso universo visual criado pelos realizadores, é o tipo de aventura infanto-juvenil com o potencial de agradar a todos os públicos. Com a chegada da nova série da Netflix, espero que o filme de Brad Silberling enfim tenha o reconhecimento que merece.
Desventuras em Série (Lemony's Snicket's A Series of Unfortunate Events, EUA - 2004)
Direção: Brad Silberling
Roteiro: Robert Gordon, baseado na obra de Lemony Snicket
Elenco: Jim Carrey, Emily Browning, Liam Aiken, Kara Hoffman, Shelby Hoffman, Meryl Streep, Billy Connolly, Catherine O'Hara, Timothy Spall, Luis Guzmán, Jude Law
Gênero: Aventura
Duração: 108 min
https://www.youtube.com/watch?v=fccho1IyX8Y
Rogue One | Fã recria cena de Darth Vader em Lego
Todo mundo quem assistiu a Rogue One: Uma História Star Wars só falava de uma coisa na saída do cinema, independente se gostou ou não: aquela cena com Darth Vader, onde o maligno Lorde Sith persegue alguns rebeldes pelo corredor de uma espaçonave nos minutos finais de projeção. É uma cena tão memorável que o canal de YouTube Lego Man tratou de refazer a cena inteira, take a take, usando os icônicos bloquinhos de Lego; ainda com o aúdio captado da cena.
Um ótimo trabalho e que já nos dá vontade de ver a ira de Vader mais uma vez. Confira:
https://www.youtube.com/watch?v=VSoViykvjUg
Crítica | Sing Street: Música e Sonho
Não existe nada como a Arte. Pessoalmente, acho que as mais diversas manifestações existentes - o Cinema e a Música, em especial - têm o poder de nos transportar da névoa cizenta de um problema ou situação difícil, nos levando para um local de conforto e paz, ou até mesmo pegar essa névoa cinzenta e transformá-la em uma obra reflexiva e que impacte outros ao redor, buscando uma forma de catarse e compreensão através do processo. Esse tipo de cenário já gerou e ainda gera diversas histórias no Cinema, e acho particularmente tocante acompanhar narrativas sobre jovens sonhadores perdidos na tristeza de seu cotidiano e como farão de tudo para encontrar a luz no fim do túnel com o auxílio da Arte. Com isso tudo considerado, não é surpresa que Sing Street: Música e Sonho tenha batido tão forte.
O filme é ambientado na Irlanda de 1985, período em que o país passava por uma terrível crise econômica que forçava uma expressiva emigração de seus habitantes para a Inglaterra, ao passo em que os que ficavam ali precisavam reajustar seu orçamento e se adaptar a uma vida mais apertada e difícil. É aí que conhecemos o jovem Conor (Ferdia Walsh-Peelo), que é transferido para um colégio católico e logo começa a sofrer com a adaptação, desde o bullying sem sentido até as normas rígidas da instituição. Instantaneamente apaixonado pela misteriosa Raphina (Lucy Boynton), uma garota que ele vê do outro lado da rua da escola, Conor então resolve iniciar uma banda com alguns colegas a fim de chamar sua atenção e convidá-la para estrelar seus videoclipes.
É um filme que segue de perto os passos das obras anteriores do diretor e roteirista John Carney, responsável por Apenas Uma Vez e Mesmo se Nada der Certo, dois filmes que também trazem a música como um fator decisivo da narrativa e um trabalho excepcional com o desenvolvimento de seus personagens. Sing Street soa mais pessoal e intimista, especialmente pelo fato do próprio Carney ser irlandês e encerrar o filme com uma dedicatória "a irmãos em toda parte", tornando ainda mais emocionante as viradas da história. É uma narrativa simples e que se desenvolve de forma que vagamente nos remete a Escola de Rock, com a formação de uma banda improvisada e escondida das normas da escola, e até do subestimado Rebobine, Por Favor com a estética amadora dos primeiros videoclipes e os "cosplays" inspirados em diferentes estilos musicais. Curiosamente ambos estrelam Jack Black, mas Sing Street se diferencia pelo ritmo mais desacelarado e o olhar intimista em seus personagens.
E Conor é nosso principal parceiro nessa jornada, e confesso-me impressionado com as surpresas que o personagem tem sob a manga. Vivido com carisma e expressividade pelo ótimo Ferdia Walsh-Peelo, Conor surge nos minutos iniciais como o batido estereótipo do nerd tímido e quieto, mas ao longo da narrativa vai revelando uma coragem e ousadia notáveis (como ao tomar iniciativa para conversar com Raphina e inventar a ideia da banda) até seu talento incrível de cantar com uma força e intensidade que seu andar calmo e voz atrapalhada não nos permitiriam desconfiar. A maneira com que Carney lida com o romance entre Conor e Raphina também é interessante, com a ultra idealização da garota - sempre fortemente maquiada, elevada a alguns degraus de escada acima do protagonista - sendo lentamente convertida para um retrato mais realista e que expõe sutilmente os traumas da personagem, e a performance de Lucy Boynton é eficiente em revelar essas camadas ocultas.
Porém, o grande trunfo emocional do filme fica na relação entre Conor e seu irmão, Brendan. Vivido por Jack Reynor com uma energia vibrante e cuja postura de mentor sugere o irmão mais velho que todos queríamos ter, vemos ali exemplos de real camaradagem e ajuda, visto que Conor sempre recorre a Brendan para conselhos e opiniões, e este sempre termina com a recomendação de algum álbum ou disco - o que influencia também o estilo das roupas e penteados de Conor de maneira divertida. Além disso, o núcleo fica mais envolvente graças ao excelente roteiro de Carney e a performance estelar de Reynor, quando percebemos a frustração do personagem em ver seu irmão mais novo tentando seguir pelo caminho que este (Brendan desistiu da faculdade para se aventurar na carreira musical, sem sucesso) e se sair melhor do que ele. A conclusão dessa trama garante a catarse mais poderosa do filme, e um dos mais belos momentos que o cinema proporcionou em 2016.
O único real demérito na prosa de Sing Street é que o filme acaba deixando algumas pontas soltas para trás, especialmente em relação ao divórcio dos pais de Conor, cujas consequências não chegamos a ver por completo. Também poderia ser mais envolvente ter um pouco mais de conhecimento sobre os demais membros da banda, já que só conhecemos de fato Conor, o "empresário" Darren (Ben Carolan) e o guitarrista/compositor Eamon (o excelente Mark McKenna), que rende alguns dos mais divertidos e inspiradores momentos do filme quando o vemos escrevendo canções com Conor. A irmã de Conor e Brendan, vivida por Kelly Thornton, também acaba um pouco de escanteio na história - que acaba centrando mais nos dois irmãos -, mas ao menos ela faz parte de uma linda cena onde os três dançam ao som da coleção de discos de Brendan a fim de abafar a discussão dos pais em outro cômodo.
Carney mantém o roteiro em primeiro lugar, mas também começa a mostrar uma notável evolução em sua técnica, especialmente saído do simplíssimo Mesmo Se Nada der Certo, como a já comentada mise em scène de valorização e pedestal de Raphina nos degrais, sendo inteligente ver como isso vai se alternando através de momentos como o mergulho da personagem em um rio (onde Conor imediatamente a segue, ficando finalmente em seu nível) e até quando o protagonista se decepciona com alguma de suas ações, enfim posicionando a câmera de forma a deixá-lo mais alto do que Raphina. Seu estilo também se manifesta em elipses criativas, como a panorâmica que traz Conor e Eamon compondo uma música, apenas para o movimento então virar-se e revelar toda a banda executando dita canção.
Em quesitos técnicos, vale destacar como Carney e sua equipe recriaram os anos 80 de forma realista e sóbria. Mesmo com todas as roupas excêntricas, penteados extravagantes e a explosão dinâmica de cores e estilos, a paleta do diretor de fotografia Yaron Orbach permanece fria e sóbria durante toda a projeção, sendo eficiente ao provocar o efeito de que esta realmente é aquela década que conhecemos dos videoclipes da MTV e revistas de música, mas sob a lente melancólica de um país mergulhado na crise econômica. Confesso que essa decisão estética torna a imersão na história mais profunda e palpável, algo que não teríamos - por exemplo - em uma obra de Baz Luhrmann, que opta pela uber estilização de cores e estética; e isto não é errado, diga-se de passagem, apenas não seria a melhor escolha para esta história, que conta também com um design de produção e escolha de figurinos apropriados e verossímeis.
E, claro, sendo um filme da temática musical, é de se admirar o trabalho de Carney em trazer uma trilha incidental repleta de nomes como The Cure, Duran Duran, Motörhead e The Jam, todos bem inseridos na trama e que fazem parte das "lições de casa" de Brendan. Mas o grande destaque fica mesmo com as composições originais da banda Sing Street no filme, que vão das divertidíssimas e essencialmente oitentistas "The Riddle of the Model" e "Brown Shoes" até algo mais lento e intimista como "Up", além da bela canção original de Adam Levine para a cena final, "Go Now". A trilha sonora completa está disponível no Spotify, e é uma parada obrigatória após o término do filme.
Sing Street: Música e Sonho é um filme adorável e sincero, que infelizmente não encontrou espaço no circuito comercial do Brasil, estando disponível agora no catálogo da Netflix. É o tipo de história que deve agradar a todos que veem na Arte uma forma de refúgio, além de certamente divertir os fãs de música em geral. E, acima de tudo, de uma boa história.
Crítica | Rogue One: Uma História Star Wars (Sem Spoilers)
Quando George Lucas vendeu sua preciosa LucasFilm para a Disney no final de 2012, o mundo dava o primeiro passo para a criação de novos filmes de Star Wars. Não só o anúncio do aguardado Episódio VII fora uma realidade, mas também a ideia de filmes derivados que explorassem histórias diferentes dentro daquele universo, algo que a literatura do universo expandido de Timothy Zahn e as séries de animação Clone Wars e Rebels foram bem felizes em realizar. Mas o cinema é algo muito diferente, e oferece uma inifinidade de possibilidades e explorações de gêneros até então inéditos para a saga de Luke Skywalker e seus amigos.
Com isso, Kathleen Kennedy apadrinha a ideia que por muitos anos foi a premissa de uma série de televisão live action cancelada, que centrava-se em eventos entre o Episódio III e IV. Daí vem a proposta de Rogue One: Uma História Star Wars, primeiro longa dessa nova linha da Disney que parte para explorar de forma mais violenta e crua o aspecto da guerra.
Os eventos do filme acontecem pouco tempo antes do início de Uma Nova Esperança, com a galáxia em tensão com o domínio do Império e a Aliança Rebelde fortalecendo laços para enfrentá-lo. Nesse cenário, a fugitiva Jyn Erson (Felicity Jones) é resgatada pela Rebelião para que ela possa ajudar na mais importante missão do grupo: seu pai, Galen (Mads Mikkelsen), foi usado pelo Império para o desenvolvimento da superarma conhecida como Estrela da Morte. Com a ajuda de Erso, a Rebelião monta um esquadrão para localizar e encontrar os planos que expõem as falhas que possibilitam sua destruição.
É uma história que sabemos como termina antes mesmo de o filme começar, uma questão que assombra a maioria dos longas classificados na categoria prequel. Porém, esse universo fechado e coeso permite que o roteiro de Chris Weitz (depois reescrito por Tony Gilroy) explore cantos e possibilidades jamais vistos anteteriormente na franquia, e o principal deles é a atmosfera. A paranoia da guerra e a espionagem são fatores presentes desde o início, como quando Cassian Andor (Diego Luna) executa um espião que o ajudara por temer sua exposição a stormtroopers que rondam a área, em uma demonstração surpreendente do nível de perigo e desconfiança que assolam as ruas do povo comum da galáxia. A presença dos imponentes destroieres imperiais pairando sobre cidades ou até a visão aterradora da Estrela da Morte surgindo como uma Lua na atmosfera de diversos planetas coloca o Império como uma força realmente opressora e assustadora, algo também explícito no visual dos novos stormtroopers, todos com uma máscara preta aterradora.
Esse universo até elimina por completo a ingenuidade e maniqueísmo da Aliança Rebelde, que também precisa apostar no assassinato e conspiração para triunfar, o que garante diversos dilemas ao personagem tons de cinza de Cassian, que tem a real missão de elimiar Galen Erso sem que Jyn saiba disso; há segredos e segundas intenções até mesmo entre o grupo. Até mesmo a forma como Galen Erso é cooptado pelo Império remete a como o nazismo de Adolf Hitler foi atrás de cientistias (como Van Brown ou Oppenheiemer) para o desenvolvimento da bomba atômica; aliás, o raio de destruição da estação bélica agora toma influência direta de Hiroshima, prolongando o efeito da destruição e o impacto visual. Ou uma abordagem mais contemporânea, vista na figura de Saw Gerrera (vivido por Forest Whitaker), um veterano um tanto louco das Guerras Clônicas cuja reputação e a forma como permanece escondido nas cavernas do planeta Jedha e comanda pequenos grupos rebeldes na área remete bastante a Osama Bin Laden, assim como a perseguição do Império. Todo o universo de Rogue One é permeado por tons de cinza, e é um tratamento que não se torna anacrônico em relação às outras trilogias, já que simplesmente aprofunda as camadas e nos revela níveis inéditos; da mesma forma como é possível aceitar o sanguinário Demolidor no universo colorido do Homem-Formiga.
Assim, Weitz e Gilroy trazem uma trama típica do cinema de guerra e espionagem, partindo da formação do grupo que vai se aliando graças ao acaso e oportunidade da história; caso do piloto desertado Bodhi Rook (Riz Ahmed), o guerreiro espiritual Chirrut Îmwe (Donnie Yen) e seu protetor brutamontes, Baze Malbus (Wen Jiang). São engrenagens que movem-se bem durante o primeiro ato, ainda que a montagem de John Gilroy, Colin Goudie e Jabez Olssen sofra um pouco para criar um ritmo mais harmonioso à trama, que toma seu tempo para preparar os jogadores e embarcar na sucessão de tarefas e ações: até mesmo legendas de identiticação são necessárias para que o espectador não se perca diante das dezenas de novos planetas a que é apresentado ao longo da narrativa. Novamente, há um certo atraso e uma falta de fluidez entre algumas transições, algo que certamente é consequência dos reshoots que reformularam quase que o filme todo.
O trabalho com os personagens também acaba um pouco raso. A Jyn Erso de Felicity Jones é quem ganha um arco mais forte e desenvolvido, graças aos flashbacks e a introdução digna de Bastardos Inglórios na qual somos apresentados à sua figura criança. O carisma da atriz é forte e rende mais uma grande personagem feminina à saga, enquanto Diego Luna se sai bem ao apresentar uma figura dividida e conflituada para Cassian. Porém, todos os demais membros do esquadrão surgem como arquétipos, que só se destacam mesmo graças ao talento do elenco - especialmente o incrível Donnie Yen, que faz muito com pouco. Temos também o dróide K-2S0, que Alan Tudyk preenche com muita ironia e rende um bom alívio cômico, mas talvez o grande destaque venha do ótimo vilão vivido por Ben Mendehlson, que precisa ser ameaçador não só para os heróis da Rebelião, mas também mostrar poder à seus superiores.
Mas como todo bom filme de guerra, o brilho está justamente na direção, e não no texto. Felizmente, Gareth Edwards melhora muito desde sua investida nos tentpoles hollywoodianos com o mediano Godzilla, e traz à Rogue One o realismo e crueza da guerra que a proposta tanto requeria. Isso já vem da fotografia de Greig Fraser, que aposta pela primeira vez em cores mais frias e dessaturadas para a saga, onde o cinza e o grão da textura predominam além de tudo. Aliado à condução "documental" de Edwards, que opta por boa parte das sequências de ação no estilo câmera na mão, temos um tipo de espetáculo mais urgente e violento do que aqueles que marcaram a aventura leve dos anteriores. Edwards assume riscos reais ao apostar em personagens sendo mortos no canto da tela, explosões súbitas que fazem stormtroopers sair voando e trocas de tiro que nos fazem temer pela segurança dos personagens - sem os poderosos sabres de luz para protegê-los.
Edwards acerta nessa condução ao longo de sequências isoladas, mas é mesmo no excelente clímax que envolve o famigerado roubo dos planos em uma base num planeta tropical. O próprio ambiente de uma praia e coqueiros é algo que não esperaríamos ver na saga, e Edwards explora bem os elementos desse espaço e brinca com as possibilidades, como a imagem imponente de um AT-AT imperial surgindo por trás das árvores. A distribuição dos personagens durante a sequência é outro acerto, e Edwards eleva os riscos que comentei no parágrafo anterior a um nível dramático surpreendente. Mesmo que não tenha sido possível um apego tão grande aos personagens envolvidos ali, a beleza das imagens de Edward faz o serviço e é eficaz em envolver emocionalmente o espectador.
Como produção técnica, é praticamente irretocável. O design de produção de Doug Chiang e Neil Lamont é eficaz ao explorar o lado mais sujo e desgastado da galáxia, criando uma conexão visual forte com Uma Nova Esperança, seja nas ruas apertadas da cidade sagrada em Jedha, o interior luxuoso dos destroieres imperiais ou a sala de reuniões da Aliança em Yavin 4. Os efeitos visuais aqui também merecem aplausos intensos, não só pela competência ao criar ambientes digitais, naves, explosões e personagens verossímeis (com o próprio K-2SO), mas pelo trabalho sobrenatural em... Bem, não quero estragar surpresas, mas digamos que em um período tão próximo do Episódio IV, veremos rostos conhecidos da trilogia original aqui, e o trabalho de CGI para garantir suas aparências é um dos exemplares mais perfeitos de computação gráfica que já vi na vida. Vale mencionar também que este é o primeiro filme da saga a não contar a trilha sonora de John Williams, tarefa que Michael Giacchino assume bem ao manter os temas fortes e aventurescos dos anteriores.
Por falar em rostos conhecidos, esperem para ver Darth Vader de uma forma como nunca o vimos antes no cinema... Um primor de atmosfera e terror (sim, terror) da direção de Gareth Edwards. Aguardem, fãs hardcore, isso vai valer muito a pena.
Rogue One: Uma História Star Wars é uma boa expansão do universo de George Lucas, levando a saga para um canto mais realista e violento e aproveitando todos os elementos que o gênero de guerra pode oferecer. Pode carecer de personagens carismáticos ou de um ritmo melhor, mas definitivamente é um experimento bem-sucedido e que pode render frutos e rumos promissores para as guerras estelares...
Rogue One: Uma História Star Wars (Rogue One: A Star Wars Story, 2016 - EUA)
Direção: Gareth Edwards
Roteiro: Chris Weitz, Tony Gilroy
Elenco: Felicity Jones, Diego Luna, Alan Tudyk, Donnie Yen, Wen Jiang, Ben Mendelsohn, Forest Whitaker, Riz Ahmed, Mads Mikkelsen, Jimmy Smits, Alistair Petrie, Genevieve O’Reilly
Gênero: Ação, Ficção Científica
Duração: 134 min
https://www.youtube.com/watch?v=ySVDUw-c3PU
Crítica | Star Wars: O Despertar da Força
Quando foi anunciada a compra da LucasFilms pela Disney, lá em Dezembro de 2012, vinha também a notícia de que teríamos o sétimo episódio da franquia Star Wars. Nove após o fim da trilogia prequel com Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith e três décadas após o desfecho da trilogia original com O Retorno de Jedi, em 1983. Por uma quantia bilionária, George Lucas entregava as chaves do reino para Kathleen Kennedy, que logo iniciaria uma busca para encontrar a história certa e o diretor certo para reacender a chama desta galáxia muito, muito distante.
Depois de muitos possíveis candidatos e uma inacabável lista de rumores e teorias, J.J. Abrams foi o escolhido para assumir a direção, já tendo sido bem sucedido ao revitalizar a franquia de espionagem de Tom Cruise com Missão: Impossível 3, dar vida nova à tripulação da USS Enterprise com seu reboot de Star Trek e praticamente mudar a forma de se fazer televisão com a badalada série Lost. E, ainda por cima, Abrams é um fã assumido da série. A escolha perfeita.
O que se seguiu foi uma campanha de marketing sem precedentes. Só sabíamos que teríamos o elenco original de volta em uma história nova que ignoraria o longo cânone de livros e HQs criado após o sucesso da primeira trilogia. A trama permanecera fechada a sete chaves até o dia do lançamento, sem termos nem uma sinopse oficial liberada, trailers primorosos que escondiam detalhes da história e personagens - mas que ainda eram capazes de brincar com a nostalgia e manipular emoções com um mistério atordoante - e uma expectativa gigantesca que só aumentava. Pode-se dizer, sem medo da hipérbole, que Star Wars: O Despertar da Força foi o filme mais aguardado de todos os tempos.
E diante de tudo isso, aliado à responsabilidade de continuar uma franquia com uma das fanbases mais calorosas e ainda introduzir o universo galáctico de Jedi, stormtroopers e a Força para uma nova geração, acho que Abrams não poderia ter se saído melhor.
Uma Nova História Conhecida
Assinada por Abrams, Lawrence Kasdan e com ideias de Michael Arndt, a trama de O Despertar da Força se desenrola 30 anos após os eventos de O Retorno de Jedi, deixando aí uma longa lacuna que aos poucos vai se preenchendo com livros, games e outros materiais que a Disney quiser aproveitar (ver Marcas da Guerra, Bloodline e até a DLC de Star Wars: Battlefront), e nos apresenta a um período estranho na galáxia. A Nova República é estabelecida, mas uma organização sombria conhecida como Primeira Ordem deseja seguir o legado o Império caído e reestabelecer um novo governo. Nesse cenário, um stormtrooper desertor, Finn (John Boyega), acaba cruzando caminho com uma jovem sucateira chamada Rey (Daisy Ridley) e os dois se veem na missão de entregar o dróide BB-8, do piloto Poe Dameron (Oscar Isaac), para a base da Resistência, liderada pela General Leia (Carrie Fisher), enquanto se aliam ao aposentado Han Solo (Harrison Ford) e fogem do maligno Kylo Ren (Adam Driver), um dos comandantes da Primeira Ordem.
É uma premissa que segue exatamente os mesmos passos do primeiro filme da saga, Uma Nova Esperança. A Jornada do Herói de Joseph Campbell encontra mais um exemplar digno na figura de Rey, temos novamente um dróide que carrega um arquivo importante (dessa vez, um mapa para o desaparecido Luke Skywalker) e uma estação bélica de proporções monstruosas que deve ser destruída a todo custo. Uns até dizem que é um "remake disfarçado" do original, e, de fato, é em muitos aspectos. Até defendo os polêmicos filmes da trilogia prequel nesse caso, já que - mesmo problemáticos em roteiro e direção de elenco - apresentavam uma trama política forte e expandiam os horizontes da franquia a níveis impressionantes, enquanto Abrams se apega demais ao passado e à nostalgia.
Porém, se Abrams mostra-se limitado no quesito de expandir a mitologia como um todo, ele se sai muito bem na confecção de um filme que é impecável em muitos quesitos. Foi sábio de sua parte dedicar o protagonismo aos novos personagens, Rey, Finn e Kylo Ren, enquanto mantém a trinca sagrada da trilogia original em um saudoso papel coadjuvante. O Han Solo de Harrison Ford é quem tem o melhor papel definido nessa proposta, trazendo uma excelente performance que serve para passar o bastão para a nova geração enquanto os guia na jornada para entregar BB-8 à resistência. Ford dá a Solo uma ótima despedida (já que é improvável que o ator volte a encarnar o personagem) e o roteiro de Abrams e Kasdan sabe como posicioná-lo dentro dos eventos do longa.
Já a General Leia acaba um pouco desfalcada, o que pode ser explicado pelo fato de Carrie Fisher... Bem, não ser mais a atriz competente que foi no passado. Não que a performance de Fisher seja ruim, mas merecia um aprofundamento melhor, tanto da atriz quanto do roteiro, diante da gigantesca descarga emocional que a performance sofre durante os eventos do filme. Já seu irmão gêmeo Luke, bem, todos já vimos o filme e todos os memes que a reviravolta gerou, e a presença de Mark Hamill aqui serve mais como o MacGuffin a ser encontrado e que deverá mostrar a que veio nos próximos capítulos.
O Despertar de uma Geração
Mas é mesmo com os novos jogadores que o filme decola. A começar pelo jovem John Boyega, que despontou no indie Ataque ao Prédio, de Joe Cornish, e oferece o único personagem do filme que não traz um arquétipo repetido da franquia (Rey é o novo Luke, Kylo Ren é o novo Anakin, Poe Dameron é o novo Han Solo). A ideia de humanizar um soldado stormtrooper é genial, e Abrams trabalha visualmente com isso muitíssimo bem ao destacá-lo dos outros com uma mancha de sangue em seu capacete. E o que vemos Finn se tornar é simplesmente incrível, já que o personagem é ao mesmo tempo um divertido alívio cômico e um cara normal em busca de redenção, todos esses traços muitíssimos bem explorados pela explosão de carisma que é Boyega.
Sem dever em nada à seu colega de cena, Daisy Ridley faz sua estreia como atriz nos cinemas de forma inesquecível como a jovem heroína Rey. Com um charmoso sotaque britânico, a atriz se mostra igualmente carismática ao fazer uma sucateira solitária e que sonha com uma vida melhor, ao mesmo tempo em que demonstra intensidade nas muitas cenas de ação que protagoniza ao longo da projeção. Claro, há uma reclamação acerca do fato de Rey ser uma personagem poderosa demais e que parece ter incrível facilidade com conceitos complexos em relação à Força, mas a performance de Ridley compensa isso, pelo fato de sempre vermos uma reação espantada e surpresa da mesma a cada revelação que faz acerca de suas capacidades. Além disso, a história deixa bem claro que há muito mais a ser explorado em relação a Rey, e sua paternidade.
Mesmo que não seja uma interpretação de carne osso, é incrível como o dróide BB-8 consegue ser carismático. Criado a partir de controle remoto e modelagens em CGI, o robô em forma de dróide garante os melhores momentos de humor do longa, cativando por sua ingenuidade e os movimentos capazes de expressar respostas e emoções. O trabalho de Ben Burtt no design sonoro (que contou com consultoria vocal do ator Bill Hader) é digno de nota e garante a BB-8 uma personalidade única.
E, claro, Star Wars só é tão bom quanto seu vilão (vale lembrar que até A Ameaça Fantasma tinha um excelente vilão que infelizmente foi mal aproveitado), e o novo filme está muito bem garantido nas mãos do Kylo Ren de Adam Driver. É inteligente que, se Finn e Rey ainda são heróis em desenvolvimento, Ren também seja um sujeito "no processo" de se tornar um grande vilão, citando constantemente a figura de Darth Vader como sua grande inspiração. Dessa premissa temos também um personagem que usa a raiva e excessos de violência para mascarar uma gigantesca insegurança, um traço que o intenso Adam Driver consegue transmitir muito bem. No primeiro momento em que vemos Ren remover a ameaçadora máscara que lhe confere imponência e uma voz profunda, encontramos ali uma figura triste e que sugere um menino homem, algo que se confirma ao termos revelado o passado do vilão e sua relação com os demais personagens.
J.J. Abrams Contra-Ataca
Com todos esses personagens carismáticos e bem escritos, a experiência deste Episódio VII só fica mais agradável. A condução da trama durante o primeiro ato é algo sobrenatural, contendo um ritmo incrível que jamais empalidece graças à montagem ágil de Maryann Brandon e Mary Jo Markey (merecidamente indicadas ao Oscar na categoria), que mantém a fluidez das cenas de ação e trazem de volta as saudosas transições de cena dinâmicas que marcaram os filmes anteriores. A forma como se dá o encontro dos personagens e o desenrolar das ações também é muito bem pensada, tendo a jaqueta de Poe Dameron como um indicador importante para o encontro de Finn com Rey (além de ser uma ação sutil que representa a mudança de hábito do personagem) e a já mencionada mancha de sangue no capacete que torna possível a identificação de Kylo Ren a respeito do stormtrooper desertor.
Sendo um dos grandes motivos de orgulho durante entrevistas e vídeos publicitários, O Despertar da Força utilizou muitos efeitos práticos e locações reais para suas filmagens em película 35 mm. Vemos esse esforço bem presente em cena durante o núcleo ambientado em Jakku, onde o vasto deserto da Tunísia preenche a tela com belíssimas imagens e garante uma imersão maior dentro da ação, muito bem orquestrada pela câmera criativa de Abrams. Temos travellings longos que exploram diferentes ações dentro de uma batalha, uma corrida com explosões reais ao fundo e um lindíssimo duelo de sabres de luz em uma floresta escura preenchida de neve; onde o diretor de fotografia Daniel Mindel cria um equilíbrio de azul e vermelho de encher os olhos, valendo apontar o cuidado com detalhes belos como o gelo vaporizar ao contato da lâmina quente dos sabres. Vale apontar que Abrams enfim largou a mania das luzes de flare, com exceção do fato de o raio da Base Starkiller ser uma luz de flare gigante...
Claro que ainda temos muitos efeitos visuais aqui, e estes em maioria funcionam. Os modelos digitais da Millennium Falcon, X-Wings e TIE Fighters convencem pela física de seus movimentos nas cenas de batalha, que podem tornar-se um tanto genéricas e não tão memoráveis como as saudosas miniaturas da trilogia original (um exemplo disso é a invasão à Starkiller, que empalidece diante de tantas outras batalhas de naves da franquia), mas nunca chegam ao ponto de incomodar pelo excesso; já que em diversos casos a uma referência real para auxiliar na criação digital. Por exemplo: par a perseguição da Millennium Falcon em Jakku, muitos movimentos de câmera foram de fato captados no deserto da Tunísia para que depois pudessem se preenchidos com a ação em CGI das naves.
Do ponto de vista de direção de arte, o sempre infalível Rick Carter acerta na escala dos cenários e o design que recupera o aspecto sujo e desgastado da galáxia, como podemos observar na própria Millennium Falcon ou em como as bases da Primeira Ordem recriam o visual Imperial dos filmes anteriores. Só fico triste em ver uma falta de imaginação na criação dos planetas. Todos podem facilmente ser resumidos em deserto, floresta e neve, não tendo nada que se equipare a visão incrível de George Lucas que nos trouxe cidades nas nuvens, plataformas flutuantes e um planeta todo feito de lava. A única exceção é a cena final, rodada na impressionante Ilha de Skye, na Escócia, que oferece uma paisagem verdadeiramente deslumbrante e digna da vasta mitologia.
E não poderia deixar de falar da lenda viva que é John Williams, retornando aqui pela sétima vez para compor a trilha sonora original. Sendo bem sincero, não é o trabalho mais inspirado do veterano compositor, que reaproveita diversos dos temas consagrados da saga para os momentos mais memoráveis. Mas Williams garante ao menos um belo novo tema aventureiro para Rey e uma marcha heróica para os pilotos da Resistência, enquanto Kylo Ren nem de perto tem um tema maléfico tão icônico quanto a "Imperial March" de Darth Vader, mas ganha uma melodia sombria que, assim como sua própria personalidade, sugere um trabalho em andamento.
Não era tarefa fácil entregar um novo Star Wars para o mundo de hoje. É certo que J.J. Abrams manteu um jogo muito seguro ao apostar na fórmula vencedora do filme original, mas é inegável que O Despertar da Força seja um filme de aventura impecável, com um elenco fantástico e a promessa de levar a franquia a novos e mais interessantes rumos. Só falta um pouco mais de coragem, mas todos os ingredientes certos estão lá.
Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens, EUA - 2015)
Direção: J.J. Abrams
Roteiro: J.J. Abrams e Lawrence Kasdan
Elenco: Harrison Ford, Mark Hamill, Carrie Fisher, Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac, Adam Driver, Lupita Nyong'o, Domhnall Gleeson, Gwendoline Christie, Andy Serkis
Gênero: Aventura, Ficção Científica, Space Opera
Duração: 136 min
https://www.youtube.com/watch?v=4r0287tUEgk
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MELHOR FILME
Até o Último Homem
A Chegada
Fences
La La Land: Cantando Estações
Lion
Loving
Manchester à Beira Mar
A Qualquer Custo
Sully: O Herói do Rio Hudson
MELHOR ATOR
Casey Affleck | Manchester À Beira Mar
Joel Edgerton | Loving
Andrew Garfield | Até o Último Homem
Ryan Gosling | La La Land: Cantando Estações
Tom Hanks | Sully: O Herói do Rio Hudson
Denzel Washington | Fences
MELHOR ATRIZ
Amy Adams | A Chegada
Annette Bening | 20th Century Women
Isabelle Huppert | Elle
Ruth Negga | Loving
Natalie Portman | Jackie
Emma Stone | La La Land: Cantando Estações
MELHOR ATOR COADJUVANTE
Mahershala Ali | Moonlight
Jeff Bridges | A Qualquer Custo
Ben Foster | A Qualquer Custo
Lucas Hedges | Manchester à Beira Mar
Dev Patel | Lion
Michael Shannon | Animais Noturnos
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Viola Davis | Fences
Greta Gerwig | 20th Century Women
Naomie Harris | Moonlight
Nicole Kidman | Lion
Janelle Monáe | Estrelas Além do Tempo
Michelle Williams | Manchester à Beira Mar
MELHOR JOVEM ATOR/ATRIZ
Lucas Hedges | Manchester à Beira Mar
Alex R. Hibbert | Moonlight
Lewis MacDougall | Sete Minutos Depois da Meia Noite
Madina Nalwanga | Rainha de Katwe
Sunny Pawar | Lion
Hailee Steinfeld | The Edge of Seventeen
MELHOR ELENCO
20th Century Women
Fences
Estrelas Além do Tempo
Manchester à Beira Mar
Moonlight
A Qualquer Custo
MELHOR DIRETOR
Damien Chazelle | La La Land: Cantando Estações
Mel Gibson | Até o Último Homem
Barry Jenkins | Moonlight
Kenneth Lonergan | Manchester à Beira Mar
David Mackenzie | A Qualquer Custo
Denis Villeneuve | A Chegada
Denzel Washington | Fences
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
Damien Chazelle | La La Land: Cantando Estações
Barry Jenkins | Moonlight
Yorgos Lanthimos e Efthimis Filippou | The Lobster
Kenneth Lonergan | Manchester à Beira Mar
Jeff Nichols | Loving
Taylor Sheridan | A Qualquer Custo
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
Luke Davies | Lion
Tom Ford | Animais Noturnos
Eric Heisserer | A Chegada
Todd Komarnicki | Sully: O Herói do Rio Hudson
Allison Schroeder e Theodore Melfi | Estrelas Além do Tempo
August Wilson | Fences
MELHOR FOTOGRAFIA
Stéphane Fontaine | Jackie
James Laxton | Moonlight
Seamus McGarvey | Animais Noturnos
Linus Sandgren | La La Land: Cantando Estações
Bradford Young | A Chegada
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO
Animais Fantásticos e Onde Habitam
A Chegada
Jackie
La La Land: Cantando Estações
A Lei da Noite
MELHOR MONTAGEM
Até o Último Homem
A Chegada
La La Land: Cantando Estações
Moonlight
Sully: O Herói do Rio Hudson
MELHOR FIGURINO
Aliados
Amor & Amizade
Animais Fantásticos e Onde Habitam
Florence: Quem é essa Mulher?
Jackie
La La Land: Cantando Estações
MELHOR CABELO & MAQUIAGEM
Animais Fantásticos e Onde Habitam
Até o Último Homem
Doutor Estranho
Jackie
Star Trek: Sem Fronteiras
MELHORES EFEITOS VISUAIS
Animais Fantásticos e Onde Habitam
A Chegada
Doutor Estranho
Mogli - O Menino Lobo
Sete Minutos Depois da Meia Noite
MELHOR ANIMAÇÃO
Kubo e a Espada Mágica
Moana
Procurando Dory
The Red Turtle
Trolls
Zootopia
MELHOR FILME DE AÇÃO
Até o Último Homem
Capitão América: Guerra Civil
Deadpool
Doutor Estranho
Jason Bourne
MELHOR ATOR EM FILME DE AÇÃO
Benedict Cumberbatch | Doutor Estranho
Matt Damon | Jason Bourne
Chris Evans | Capitão América: Guerra Civil
Andrew Garfield | Até o Último Homem
Ryan Reynolds | Deadpool
MELHOR ATRIZ EM FILME DE AÇÃO
Gal Gadot | Batman vs Superman: A Origem da Justiça
Scarlett Johansson | Capitão América: Guerra Civil
Margot Robbie | Esquadrão Suicida
Tilda Swinton | Doutor Estranho
MELHOR FILME DE COMÉDIA
Ave, César!
Deadpool
Dois Caras Legais
Don't Think Twice
Quase 18
Um Espião e Meio
MELHOR ATOR EM FILME DE COMÉDIA
Ryan Gosling | Dois Caras Legais
Hugh Grant | Florence: Quem é essa Mulher?
Dwayne Johnson | Um Espião e Meio
Viggo Mortensen | Capitão Fantástico
Ryan Reynolds | Deadpool
MELHOR ATRIZ EM FILME DE COMÉDIA
Kate Beckinsale | Amor & Amizade
Sally Field | Hello, My Name Is Doris
Kate McKinnon | Caça-Fantasmas
Hailee Steinfeld – Quase 18
Meryl Streep | Florence: Quem é essa Mulher?
MELHOR FILME DE SCI-FI/TERROR
A Bruxa
A Chegada
Doutor Estranho
O Homem nas Trevas
Rua Cloverfield, 10
Star Trek: Sem Fronteiras
MELHOR FILME ESTRANGEIRO
A Criada
Elle
Julieta
Neruda
The Salesman
Toni Erdmann
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
“Audition (The Fools Who Dream)” | La La Land: Cantando Estações
“Can’t Stop the Feeling” | Trolls
“City of Stars” | La La Land: Cantando Estações
“Drive It Like You Stole It” | Sing Street
“How Far I’ll Go” | Moana
“The Rules Don’t Apply” | Rules Don’t Apply
MELHOR TRILHA SONORA
Nicholas Britell | Moonlight
Jóhann Jóhannsson | A Chegada
Justin Hurwitz | La La Land: Cantando Estações
Mica Levi | Jackie
Dustin O’Halloran, Hauschka | Lion
TELEVISÃO
MELHOR SÉRIE DE DRAMA
Better Call Saul
Game of Thrones
Mr. Robot
Stranger Things
The Crown
This Is Us
Westworld
MELHOR ATOR EM SÉRIE DE DRAMA
Sam Heughan | Outlander
Rami Malek | Mr. Robot
Bob Odenkirk | Better Call Saul
Matthew Rhys | The Americans
Liev Schreiber | Ray Donovan
Kevin Spacey | House of Cards
MELHOR ATRIZ EM SÉRIE DE DRAMA
Caitriona Balfe | Outlander
Viola Davis | How to Get Away with Murder
Tatiana Maslany | Orphan Black
Keri Russell | The Americans
Evan Rachel Wood | Westworld
Robin Wright | House of Cards
MELHOR ATOR COADJUVANTE EM SÉRIE DE DRAMA
Peter Dinklage | Game of Thrones
Kit Harington | Game of Thrones
John Lithgow | The Crown
Mandy Patinkin | Homeland
Christian Slater | Mr. Robot
Jon Voight | Ray Donovan
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE EM SÉRIE DE DRAMA
Christine Baranski | The Good Wife
Emilia Clarke | Game of Thrones
Lena Headey | Game of Thrones
Thandie Newton | Westworld
Maura Tierney | The Affair
Constance Zimmer | UnREAL
MELHOR ATOR/ATRIZ CONVIDADO EM SÉRIE DE DRAMA
Mahershala Ali | House of Cards
Lisa Bonet | Ray Donovan
Ellen Burstyn | House of Cards
Michael J. Fox | The Good Wife
Jared Harris | The Crown
Jeffrey Dean Morgan | The Walking Dead
MELHOR SÉRIE DE COMÉDIA
Atlanta
Black-ish
Fleabag
Modern Family
Silicon Valley
Unbreakable Kimmy Schmidt
Veep
MELHOR ATOR EM SÉRIE DE COMÉDIA
Anthony Anderson | Black-ish
Will Forte | The Last Man on Earth
Donald Glover | Atlanta
Bill Hader | Documentary Now!
Patrick Stewart | Blunt Talk
Jeffrey Tambor | Transparent
MELHOR ATRIZ EM SÉRIE DE COMÉDIA
Ellie Kemper | Unbreakable Kimmy Schmidt
Julia Louis-Dreyfus | Veep
Kate McKinnon | Saturday Night Live
Tracee Ellis Ross | Black-ish
Phoebe Waller-Bridge | Fleabag
Constance Wu | Fresh Off the Boat
MELHOR ATOR COADJUVANTE EM SÉRIE DE COMÉDIA
Louie Anderson | Baskets
Andre Braugher | Brooklyn Nine-Nine
Tituss Burgess | Unbreakable Kimmy Schmidt
Ty Burrell | Modern Family
Tony Hale | Veep
T.J. Miller | Silicon Valley
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE EM SÉRIE DE COMÉDIA
Julie Bowen | Modern Family
Anna Chlumsky | Veep
Allison Janney | Mom
Jane Krakowski | Unbreakable Kimmy Schmidt
Judith Light | Transparent
Allison Williams | Girls
MELHOR ATOR/ATRIZ CONVIDADO EM SÉRIE DE COMÉDIA
Alec Baldwin | Saturday Night Live
Christine Baranski | The Big Bang Theory
Larry David | Saturday Night Live
Lisa Kudrow | Unbreakable Kimmy Schmidt
Liam Neeson | Inside Amy Schumer
MELHOR MINISSÉRIE OU TELEFILME
All the Way
Confirmation
Killing Reagan
Roots
The Night Manager
O Povo contra O.J. Simpson: American Crime Story
MELHOR ATOR EM MINISSÉRIE OU TELEFILME
Bryan Cranston | All the Way
Benedict Cumberbatch | Sherlock: A Noiva Abominável
Cuba Gooding Jr. | O Povo contra O.J. Simpson: American Crime Story
Tom Hiddleston | The Night Manager
Tim Matheson | Killing Reagan
Courtney B. Vance | O Povo contra O.J. Simpson: American Crime Story
MELHOR ATRIZ EM MINISSÉRIE OU TELEFILME
Olivia Colman | The Night Manager
Felicity Huffman | American Crime
Cynthia Nixon | Killing Reagan
Sarah Paulson | O Povo contra O.J. Simpson: American Crime Story
Lili Taylor | American Crime
Kerry Washington | Confirmation
MELHOR ATOR COADJUVANTE EM MINISSÉRIE OU TELEFILME
Sterling K. Brown | O Povo contra O.J. Simpson: American Crime Story
Lane Garrison | Roots
Frank Langella | All the Way
Hugh Laurie – The Night Manager
John Travolta | O Povo contra O.J. Simpson: American Crime Story
Forest Whitaker | Roots
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE EM MINISSÉRIE OU TELEFILME
Elizabeth Debicki | The Night Manager
Regina King | American Crime
Sarah Lancashire | The Dresser
Melissa Leo | All the Way
Anna Paquin | Roots
Emily Watson | The Dresser
MELHOR SÉRIE DE ANIMAÇÃO
Archer
Bob’s Burgers
BoJack Horseman
Os Simpsons
Son of Zorn
South Park
MELHOR REALITY SHOW DE COMPETIÇÃO
America’s Got Talent
MasterChef Junior
RuPaul’s Drag Race
Skin Wars
The Amazing Race
The Voice
MELHOR REALITY SHOW ESTRUTURADO
Chopped
Inside The Actors Studio
Penn & Teller: Fool Us
Project Runway
Shark Tank
Undercover Boss
MELHOR REALITY SHOW NÃO-ESTRUTURADO
Anthony Bourdain: Parts Unknown
Chrisley Knows Best
Deadliest Catch
Ice Road Truckers
Intervention
Naked and Afraid
MELHOR TALK SHOW
Full Frontal with Samantha Bee
Jimmy Kimmel Live!
Last Week Tonight with John Oliver
The Daily Show with Trevor Noah
The Late Late Show with James Corden
The Tonight Show Starring Jimmy Fallon
MELHOR APRESENTADOR DE REALITY SHOW
Ted Allen | Chopped
Tom Bergeron | Dancing with the Stars
Anthony Bourdain | Anthony Bourdain: Parts Unknown
Nick Cannon | America’s Got Talent
Carson Daly | The Voice
RuPaul | RuPaul’s Drag Race
Crítica | A Rede Social - A Obra-prima de uma geração
Muitos spoilers.
É incrível como muitas vezes, aquilo que pode não fazer o menor sentido de início acaba revelando-se, na verdade, a melhor decisão possível no final. Digam que Heath Ledger será o novo Coringa dos cinemas em Batman - O Cavaleiro das Trevas, passe pela inevitável sombra de desconfiança pela performance de Jack Nicholson, e temos um dos melhores vilões da História do Cinema. Diga que Quentin Tarantino dirigirá um filme ambientado na Segunda Guerra Mundial, e temos o neo clássico Bastardos Inglórios. Diga que David Fincher, mestre dos filmes de suspense e serial killers dirigirá um filme sobre a história e fundação do Facebook... E temos uma das melhores obras de arte do Século XXI com A Rede Social.
O roteirista Aaron Sorkin dramatiza aqui os eventos que levaram Mark Zuckerberg (vivido por Jesse Eisenberg) a criar aquela que atualmente é a maior rede social do planeta, e talvez o site mais acessado da internet depois do Google. Somos jogados em 2004, na faculdade de Harvard, onde Zuckerberg acaba de tomar um pé na bunda de sua namorada, Erica (Rooney Mara), que simplesmente não aguenta mais sua arrogâncai e temperamento difícil. O término leva Zuckerberg a encher a cara e se distrair com algum experimento de internet, onde hackeia todos os servidores da faculdade para criar um jogo de classificação dos alunos, algo que em poucas horas derruba o sistema e coloca Mark na diretoria. Isso também atrai a a atenção dos gêmeos Tyler e Cameron Winklevoss (ambos vividos por Armie Hammer) e de seu sócio Divya Narendra (Max Minghella) que o convidam para ajudar a criar uma rede social exclusiva para a faculdade de Harvard.
Porém, Mark acaba pegando o conceito e desenvolvendo-o para algo mais complexo, saindo na frente com o lançamento de seu The Facebook, que rapidamente torna-se a grande sensação no campus e vai expandindo-se para demais universidades, escolas e até países. Com a ajuda de seu melhor amigo, Eduardo Saverin (Andrew Garfield) Mark segue monetizando o site e iniciando sua própria empresa, o que provoca a ira dos gêmeos Winklevoss, que partem para confrontá-lo nos tribunais, e também do olho gordo do ambicioso empreendedor Sean Parker (Justin Timberlake). Todos esses acontecimentos colocarão Mark em um turbilhão de negócios, conflitos e inimizades, ao mesmo tempo em que vamos tentando entender o que é mais importante para ele.
Pela sinopse, já fica claro que é uma premissa um tanto mais complexa do que a mera criação de um site, então isso definitivamente nos livra da errônea primeira impressão de este ser "Facebook: O Filme". O que temos no lugar é uma obra inteligente que é muito eficiente em sua proposta de analisar as relações humanas no século XXI, marcadas pela interatividade virtual, as táticas agressivas do business empreendedor e o desejo de ser aceito que assola o protagonista da história. São temas importantes que facilmente se perderiam em um roteiro desconcentrado, mas felizmente o genial Aaron Sorkin acabou responsável pelo texto, partindo do livro Bilionários por Acaso, de Ben Mezriech.
O Gênio de Aaron Sorkin
Conhecedores do roteirista sabem que a verborragia é sua marca absoluta, e que dizer algo de maneira direta e objetiva está longe de suas ambições artísticas, que estão mais interessadas no comentário, no sarcasmo e na ironia; características que tornam seus diálogos tão deliciosos de se ouvir e tão ricos em detalhes - algo que infelizmente é perdido até mesmo na tradução em português. Logo na cena que abre o filme, vemos uma conversa entre Mark e sua namorada Erica (pode-se dizer que é a primeira vez em que Mara realmente chamou nossas atenções), e é um diálogo longo e robusto que dura uns bons 6 minutos com apenas o básico plano/contraplano de Fincher para retratar a ação.
É praticamente contra a premissa do próprio Cinema, que clama para que "mostre ao invés de contar", mas as imagens facilmente se formam graças à escrita impecável de Sorkin e as performances espetaculares de Jesse Eisenberg e Mara na cena em questão - cena que foi rodada nada menos do que 99 vezes, dado o perfeccionismo absurdo de Fincher. É também a cena que perfeitamente nos introduz a TUDO o que viria a seguir, desde a personalidade difícil de Mark e sua mania de manter diálogos paralelos (que veríamos na montagem simultânea de passado e presente), nos apresenta de nome à Eduardo Saverin, ao universo do remo acadêmico, o desejo de ser parte de uma fraternidade da universidade e à neura que assombrará o protagonista até o segundo final de projeção: se é, ou não, um cuzão.
É essa jornada de Mark onde reside o grande núcleo do filme, e a maestria na forma com que é narrada é um dos motivos pelo qual o longa foi comparado a Cidadão Kane na época de seu lançamento - uma comparação temática longe de ser exagero, se me perguntarem. Ainda na fantástica primeira cena, não só Sorkin apresenta todos os temas e elementos da história, mas também deixa claro nos primeiros segundos de diálogo as intenções de Mark: como se destacar em uma sociedade repleta de gênios e pessoas talentosas, como Mark precisa "fazer algo substancial" para receber a atenção dos Final Clubs, que ele considera como a porta para uma vida melhor onde ele talvez encontre essa forma de se destacar - chegando até a usar a eleição de Teddy Roosevelt como um argumento positivo às fraternidades. Isso praticamente nos justifica tudo o que o protagonista quer: ser especial. Mesmo sendo uma figura difícil e que muitas vezes tomará ações hediondas, é facilmente compreensível entender o que move Zuckerberg ao longo de sua história.
Isso fica ainda mais complexo quando Eduardo vai chegando cada vez mais próximo de se tornar parte de um dos Final Clubs, o que claramente provoca um sentimento de inveja por parte de Mark - não só por ver o amigo alcançando justamente aquilo que ele queria desde a abertura do filme, mas também pelo ciúmes pela ideia de perder seu grande companheiro para algo maior; as sutilezas na performance de Eisenberg são eficientes em indicar isso. A subsequente traição que o personagem sofre após a entrada de Sean Parker no jogo é até descrita pelo próprio Saverin como uma forma de Mark "se vingar" pelo fato de ele ter conseguido a tão sonhada participação na fraternidade, que somada ao fato de Mark ter tornado-se ambicioso demais em busca de seu próprio sonho e aliado-se a Parker, denotaram em sua expulsão da empresa. Só mesmo na vida real para termos a gigantesca ironia do fundador da maior rede social no planeta perder sua única amizade real no processo.
Mas, ainda falando sobre o arco de Mark, nenhum deles é mais importante e crucial do que o de Erica Albright. Se mencionei Cidadão Kane ali em cima, Erica é o Rosebud de Mark, o elemento por trás da história que acaba definindo a grande motivação emocional do protagonista. É Erica quem provoca todos os eventos do primeiro ato, ao terminar com o protagonista, lhe jogar na crise emocional que provoca a ideia do Facemash e o resto é História. Quando temos o segundo encontro entre os personagens no filme, Mark já lançou o Facebook e começa a ficar notório pelo sucesso do site, sendo essa a primeira pergunta que lhe dirige quando se esbarram em um restaurante. Mesmo com o sucesso do site e o fato de ter começado a sair com garotas graças a ele, quando Erica simplesmente não faz ideia do que é o site ("Boa sorte com o seu videogame") e o repreende por te-la xingado virtualmente em seu blog após o incidente do Facemash, Erica o destrói por completo e acaba despertando ali mais uma motivação ao personagem: expandir.
A motivação inicial de Mark no início era claramente tornar-se especial, mas aos poucos vamos tomando nota de que sua motivação realmente é ganhar a atenção de Erica, algo que fica mais nítido quando se interessa na história (falsa) de Sean Parker sobre como ele tentara impressionar uma ex-namorada do colegial ou na reveladora cena final, encontra Erica no Facebook e a adiciona. E percebam a elegante rima entre a primeira cena e a última, onde Mark e Erica estão juntos de frente para o outro num bar lotado de pessoas, enquanto o final nos mostra Mark sozinho a observando pela tela de um computador.
Nunca poderia imaginar que adicionar alguém no Face seria algo tão simbólico.
Então somos apresentados à sofisticada estrutura narrativa do filme, que constantemente intercalará as ações de Mark dando início ao Facebook com os dois processos legais que se seguiram após o lançamento e popularização do site. Tal decisão exige muita atenção do espectador, já que uma pequena informação pode ser entregue com um corte rápido; se flashbacks geralmente rendem sequências mais longas, a técnica de Sorkin - aliada ao perfeito trabalho de montagem de Kirk Baxter e Angus Wall - muitas vezes nos leva de volta no tempo apenas para que possamos ouvir um único comentário de algum dos personagens. É um estilo radical e que garante uma linguagem ainda mais frenética e dinâmica ao texto fluido de Sorkin, jamais deixando o espectador cansado e nos dando a experiência virtual de como é se estar dentro da cabeça de Mark Zuckerberg, que desde a primeira cena inferniza sua namorada por estar sempre mantendo assuntos paralelos dentro do mesmo diálogo. E ainda que não goste totalmente da ideia, não nego que os saltos temporais representem uma eficiente versão do efeito zapping que realizamos ao surfar por diferentes sites na internet e absorver diversos conteúdos ao mesmo tempo, mas mergulharemos nisso mais à frente.
A maestria de Sorkin estende-se também à criação dos personagens que, mesmo tratando-se de figuras reais, ganham uma dramatização necessária para torná-los figuras mais caativantes; então uma necessidade de ser fiel à vida real não é exatamente uma necessidade, o próprio Sean Parker real afirmou que não era nada bad boy como o filme o retrata, por exemplo. Veracidade à parte, todos os personagens de Sorkin ganham um tratamento impecável e diálogos fervorosos que são capazes de nos diferenciar suas personalidades: a arrogância de Mark, a fala mansa de Sean e a lealdade de Eduardo são características fortes ali, e Sorkin é bem sucedido em escrever diálogos que reforçam a amizade dos protagonistas de forma natural, levando para o momento da destruição algo muito poderoso e triste. A forma como apresenta o empreendedor vivido por Justin Timberlake também é uma aula de roteiro e introdução, já que - assim como o diálogo inicial entre Mark e Erica - nos diz tudo o que precisamos saber sobre o personagem: acorda sem roupa na cama de uma universitária (vivida pela Dakota Johnson pré-Cinquenta Tons de Cinza) sem lembrar-se de seu nome ou contexto da situação, apenas para em questão de minutos reverter a situação através de sua fala e inteligência.
Parker é quase como o lado sombrio do filme, da maneira como convence Mark a abrir os olhos para o mercado empreendedor e deixar a visão ingênua e amadora de Eduardo para trás. Os exemplos perfeitos dessa sedução encontram-se no diálogo entre Sean, Mark, Eduardo e a namorada, Christy (Brenda Song), onde Mark enfim é apresentado à Parker, e tanto o texto de Sorkin quanto a direção de Fincher são cirúrgicos em captar as diferentes ideias que circulam a mesa de jantar, fazendo isso até na distribuição dos personagens: na ponta direita da mesa, Eduardo e seu terno esporte preto está irritado pelo atraso de Parker - já reforçando sua descrença no sujeito - enquanto no outro extremo, Mark e suas roupas coloridas e suaves mal conseguem conter sua empolgação pelo encontro, enquanto Christy apropriadamente senta-se entre os dois, de forma a manter o meio-termo. Do outro lado da mesa, Parker facilmente ganha o "confronto", e começa justamente ao ganhar a afeição do "meio-termo Christy" ao lhe perguntar qual bebida gostaria de tomar e imediatamente pedir ao garçom a mesma bebida para todos ali - e é genial o pequeno jesto de Eduardo logo depois do pedido, quando rapidamente coloca seu braço ao redor de Christy, já temendo que Parker roube até mesmo sua namorada.
Essa antítese entre Sean e Eduardo é algo muito interessante de se analisar, até porque Sean surge quase como uma versão espelhada melhorada do jovem brasileiro. Ainda na cena do jantar, repare como o figurino de Eduardo e Sean são muito parecidos, com a gritante diferença de que o terno esporte de Sean parece muito mais justo e à vontade, além de trazer uma camiseta por baixo; ao passo em que o de Eduardo é um terno consideravelmente mais largo e com uma indiscreta gravata branca. Em outro momento, vemos Eduardo com o mesmíssmo terno enquanto Sean usa uma peça parecida, mas com um paletó que traz um hoodie acoplado: Sean é o lado cool, moderno e descolado do jovem empreendedorismo, enquanto Eduardo representa o lado mais retrógrado, que veste ternos grandes demais para suas próprias ambições. Detalhe sutil e genial da figurinista Jacqueline West.
Esse diálogo no jantar fora apenas o início da sedução de Mark por Sean, e é algo que concretizado de forma memorável durante a conversa entre os dois em uma balada de San Francisco. Com uma música altíssima de fundo, vemos um clássico exemplo de Aaron Sorkin: Mark comenta que as duas acompanhantes de Sean lhe parecem familiares, pois descobrimos depois que são modelos da Victoria's Secret, mas Sean não limita-se a dizer "são modelos da Victoria's Secret", embalando aí um longo monólogo onde conta a história do fundador da marca de lingerie, assim como sua ascensão e queda do poder. Não só é uma estratégia de escrita muito elegante, como também nos mostra como Sean vai sutilmente puxando as cordinhas em Mark, contando a história da Victoria's Secret para fazer o jovem enxergar o potencial de sua empresa e confiar em sua visão. É nesse ponto em que Mark se perde totalmente à Sean, em uma maravilhosa aula de roteiro.
É facilmente um dos melhores roteiros já escritos.
500 Milhões de Amigos
A começar com Jesse Eisenberg, que parece ter nascido para interpretar esse tipo de pessoa socialmente defeituosa e neurótica, algo que o texto de Sorkin e a direção de Fincher exploram muito bem. A fala acelarada do jovem ator dá fôlego às palavras de Sorkin, assim como a proposital sensação de confusão pela velocidade de seu discurso, transformando esse retrato de Zuckerberg em algo calculista e que parece estar quilômetros à frente de qualquer outra pessoa na sala. A raiva e a tristeza de Mark facilmente se misturam na ótima performance de Eisenberg, como na cena em que discute com Eduardo por telefone quando a conta da empresa é congelada; e facilmente vemos o medo do jovem de retornar à sua vida solitária por trás de seu discurso raivoso. É belo também ver os pequenos momentos de vulnerabilidade de Mark, seja em sua "oração" após finalmente publicar o Facebook ou sua completa confusão mental ao ser despejado por Erica, assim como os lampejos de felicidade, geralmente provocados pelo discurso persuasivo de Sean.
Certamente a especialidade de Eisenberg, o sarcasmo é uma dos traços mais fortes e divertidos do personagem, que é capaz de tornar-se malicioso e o líder da situação com facilidade. Reparem durante uma das cenas de depoimentos, onde Mark repentinamente vira-se para a janela a fim de observar a chuva - completamente ignorando as perguntas do advogado dos Winklevoss -, retornando para o diálogo com a expressão e a voz cansadas, como se simplesmente não aguentasse mais ouvir tudo isso, até o momento em que sua persona vai crescendo e crescendo e Eisenberg entrega um monólogo ameaçador e genioso sobre como seu tempo poderia estar sendo melhor gasto; em um contraste impressionante com como havia iniciado o diálogo. Ainda que o Mark real possa não ser assim, acho indiscutível que o Zuckerberg criado por Eisenberg é um dos personagens mais icônicos e únicos que o Cinema recente foi capaz de oferecer até agora.
O calculismo e dicção robótica de Zuckerberg são balanceados pela performance mais emotiva de Andrew Garfield como Eduardo, eficiente em construir uma relação de amizade verdadeira e que funciona ao longo da narrativa. Através de pequenas nuances, como sorrisos de canto ou olhares baixos, percebemos que Eduardo aceita todas as imperfeições e até a grosseria de Mark, como quando ele responde secamente que "não deveria ficar triste se não conseguir passar" quando este euforicamente lhe informa sobre seu processo de aceitação no final club da Phoenix; e o olhar de Garfield durante essa cena é capaz não só de resistir ao insulto discreto, mas enxergar a nítida camada de inveja do amigo. A destruição da amizade garante os melhores momentos do ator, especialmente na excruciante cena em que Eduardo descobre sua remoção como CFO do Facebook e confronta Mark cara a cara, espatifando seu notebook no processo. Os olhos de Garfield ficam vermelhos enquanto este segura as lágrimas durante seu discurso raivoso, e temos aí uma das cenas mais poderosas e impactantes do filme.
A grande surpresa fica por conta de Justin Timberlake, que jamais havia se mostrado como um ator promissor até então. Pra começar que é muito irônico o casting de um artista do meio musical para interpretar um sujeito que acabou encrencado justamente por burlar direitos autorais de cantores e artistas do meio - o próprio Timberlake já tendo contato com Parker antes mesmo de se aventurar no cinema. Dito isso, Timberlake está excelente na pele de Parker, sendo capaz de capturar a persona moderna e visionária do empreendedor, assim como é intensamente sedutor e sensato na forma como convence os demais personagens; sempre carismático e sorridente. Justamente por isso, a cena em que ele e Eduardo têm o único diálogo sozinhos revela um Sean muito mais aberto: sem gracinhas ou máscaras para esconder suas intenções, Timberlake diminui o volume de sua dicção e entrega uma performance fria e quase ameaçadora, ainda que mantenha seu sarcasmo tradicional: "Sabe o que eu li sobre você? Nada."
Se o elenco sofreu nas mãos de Fincher com suas múltiplas tomadas, eu nem consigo imaginar a dor de cabeça que Armie Hammer deve ter passado, já que acabou com a difícil responsabilidade de interpretar dois personagens. Não só isso, dois personagens geneticamente idênticos e com personalidades distintas, aumentando ainda mais o desafio de criar figuras opostas.... Tendo a mesma aparência. Os Gêmeos Winklevoss foram criados a partir de um elaborado jogo de câmera e montagem que nos permite ter uma tela dividida - gravando a mesma cena duas vezes, mas com o ator "duplicado" atuando como um diferente personagem a cada tomada - e também através de um sofisticado efeito visual de substituição de cabeça, onde o dublê de corpo Josh Pence tinha sua cabeça digitalmente substituída pela de Hammer, que atuava em uma câmara de captura de performance. Fincher dirigindo uma captura de performance, imaginem só o trabalho...
Mas felizmente Hammer é um ator fantástico e se sai muito bem na criação de Tyler e Cameron, e fico triste que o ator ainda não tenha conquistado um nome de destaque em Hollywood. É uma performance muito funcional, com Cameron sendo o gêmeo mais racional e calmo, até propondo a seu irmão e Divya que uma abordagem pacífica e sem holofotes à situação de Mark seria a melhor escolha - mesmo que a voz do ator seja grave, é possível notar a linha suave na dicção do ator. Já Tyler é o mais explosivo e imediato, algo que Hammer consegue transmitir muito bem através da postura do irmão - também é esperto que Tyler muitas vezes use um protetor de orelha ou óculos de natação, já mostrando a preocupação do personagem com sua segurança, justificando também seu anseio em proteger sua propriedade intelectual.
Então temos duas personagens femininas que, apesar de terem pouco tempo de cena, são de extrema importância para a trama. A primeira, obviamente, é a que vemos interagir com Mark na cena de abertura, a Erica Albright de Rooney Mara. Lembro-me de, no mesmo ano, ter visto a atriz protagonizando o remake de A Hora do Pesadelo, e mesmo sofrendo com uma direção ruim e um material podre, ficou nítido ali um talento notável na moça, que realmente mostra a que veio em sua performance estelar durante o primeiro diálogo. Vemos como o interesse de Erica na primeira informação de Mark vai lentamente se convergindo a tédio e confusão, e Mara tem ótimas nuances na expressão quando - por exemplo - tenta fugir de um assunto no qual Mark está claramente obsessivo ao sorrir e tentar retomar a conversa, mantendo a educação e segurando a explosão do pavio já aceso. Quando ela enfim resolve acabar o relacionamento, Mara é determinada e nervosa, e acaba marcando uma forte presença durante seu monólogo final, quando pela primeira vez no filme, vemos alguém chamar Mark de cuzão.
A outra personagem é a advogada Marilyn Delpy, vivida por Rashida Jones em um papel limitado. É a última pessoa com quem Mark interage no filme, quando resume para Mark - e o espectador - o que acontecerá ao final de ambos os julgamentos, e mais importante, talvez seja a única pessoa de todo o filme que consegue penetrar a bolha protetora de Mark sem intenções maliciosas. Pontualmente vemos Jones reagindo de diferentes formas à algumas informações da história, na medida em que a narrativa avança nas duas linhas temporais, mas é só no final que realmente vemos sua importância. Não só servindo como o coro grego da história, Delpy diz a coisa mais importante de todo filme para Mark: "Você não é um cuzão, mas se esforça demais pra ser um", o que culmina na catarse mais significativa do personagem, além de imeditamente o levar a procurar Erica no Facebook. Mesmo que seja uma curta participação, Jones está ótima.
Nada Fincher, mas totalmente Fincher
Finalmente, sobre a direção de David Fincher. Depois de tantos suspenses e filmes de serial killers, é muito improvável que este filme tão verborrágico e que dependesse de um diretor contido ganharia a assinatura de Fincher. Ironicamente, este é um daqueles casos em que roteirista e diretor completam-se em uma perfeita simbiose onde cada um eleva o trabalho do outro simultaneamente: é o filme mais contido de Fincher, e também o melhor de sua carreira, mas não é por não termos alguns de seus maneirismos habituais que este filme torna-se "menos Fincher". Sua presença é sentida na fluidez perfeita das cenas, que atingem um nível de perfeição estético e dramatúrgico sem precedentes, em parte às repetidas vezes que o diretor grava uma tomada, o que resulta no aprimoramento cirúrgico de cada ação, toque ou fala.
Em nenhum momento temos um embate entre Fincher e Sorkin, algo que nitidamente ocorreu em Steve Jobs; e o fato de Danny Boyle constantemente procurar formas de traduzir visualmente o texto detalhista de Sorkin é o principal motivo para que o biopic do fundador da Apple não tenha sido uma nova obra-prima. Aqui, Fincher mantém sua condução discreta e elegante sem ofuscar o roteiro, optando por algo mais requintado no visual obscuro, contendo luzes amareladas e sombras dignas de um noir que a fotografia de Jeff Cronenweth ilustra tão bem, e acaba fornecendo um toque de thriller para A Rede Social; como na ótima sequência em que vemos Mark hackeando o sistema de Harvard com a mesma tensão e determinação de um assalto a banco ou no aterrador diálogo entre Mark e Sean em uma balada com música eletrônica altíssima, marcada pela mistura de luzes roxas e vermelhas que piscam sobre o rosto dos personagens e conferem um caráter ainda mais ameaçador ao fundador do Napster.
As sutilezas do diretor também se manifestam através de planos e movimentos de câmera elaborados. Por exemplo, o tilt onde vemos os chinelos de Mark em meio aos sapatos dos engravatados, o discreto plano sequência que acompanha Mark conversando no carro com Sean, saindo para a continuação dessa conversa e então subindo as escadas de pijama para uma reunião de investidores ou como mantém a câmera estática, sem cortes, durante a primeira discussão tensa entre Mark e Eduardo - apropriadamente encurralando-os no canto de uma parede chapada e amarelada. Há ainda um jogo mais complexo e que pode passar completamente batido pelo espectador durante uma das cenas finais, quando Mark e Sean conversam ao telefone após a prisão deste: na delegacia, Sean encontra-se no canto esquerdo do quadro, enquanto Mark está sentado no QG do Facebook no canto direito do quadro. Quando Sean move-se para o canto direito, o corte volta para Mark e o vemos deslizando com a cadeira para o canto esquerdo, quase como se - através desse jogo dessa mise em scène - o personagem estivesse evitando a todo custo ficar "ao lado" de seu sócio, repudiando suas ações.
A lógica dos enquadramentos é outro quesito sutil e poderoso aqui, especialmente na forma em que Fincher lida com os conflitos. Por exemplo, a conversa de telefone entre Mark e Eduardo já é um momento esquentado por natureza (dado o contexto de que Eduardo acabara de congelar a conta bancária da empresa) e o diretor usa novamente a estética de deixar cada personagem em um canto da tela durante os planos - reforçando o antagonismo - mas o interessante é que Eduardo claramente tenta apagar o fogo que é o nervosismo de Mark e sua posição no Facebook, até o momento em que sua namorada enciumada ateia fogo em um de seus presentes, e Fincher habilidosamente coloca o ato ocorrendo fora de foco, atrás de Eduardo; a perfeita síntese da situação pela qual o personagem se encontra no momento, agora tendo que apagar um fogo não só figurativamente, mas literalmente. E seguindo a mesma lógica, o que ocorre no plano detrás de Mark também é uma perfeita representação não só de seu estado, mas de seu personagem como um todo: Sean e um grupo de adolescentes farreando e comemorando dentro de uma sala, enquanto ele resolve problemas da empresa. Quando Mark enfim vira-se para observar a festa, uma rajada de champanhe é despejada pela janela de vidro, com o plano de Fincher lindamente representando a barreira invisível entre Mark e as outras pessoas, mostrando uma vida que ele parece ser incapaz de ter.
Felizmente, Fincher só deixa seu lado mais megalomaníaco ressurgir nos momentos certos, onde o texto realmente não é o elemento mais importante - algo muito raro nos roteiros de Aaron Sorkin. O grande exemplo aqui obviamente é a sequência da Henley Royal Regatta, onde a equipe de remo dos gêmeos Winklevoss sofre uma derrota apertada de seus concorrentes em uma corrida. Aqui, Fincher realmente conta tudo com apenas imagens, tomando como grande parceiro o fantástico eletrônico cover que Trent Reznor e Atticus Ross oferecem para "In the Hall of the Mountain King", criando uma sequência eletrizante e que funciona sem qualquer tipo de som, tanto pela beleza estética da profundidade de campo reduzida ou pela alegoria de que os Winklevoss perdem a corrida - assim como perderam o Facebook - por muito, muito pouco. A sequência quase robótica é magistralmente montada de forma a sincronizar os movimentos de ambas as equipes de remo com as batidas da música, e é o tipo de cena que ao assistirmos já sabemos que se tornará clássica.
Sol Pintado em Abstrato
Constantemente vemos esse Fincher mais elegante, com extrema ajuda da trilha de Reznor e Ross, uma das mais originais e empolgantes daquele ano; se hoje ouvimos tanta eletrônica e "ambiência" em trilhas sonoras, pode apostar que tudo se deu à investida da dupla aqui, que saiu com a merecida estatueta do Oscar pelo excelente trabalho. O tema principal do filme, "Hand Covers Bruise", é uma síntese perfeita do personagem de Mark Zuckerberg: solitárias notas de piano que repetem-se eternamente, tendo em fundo o efeito sonoro característico de um computador (similar àquele arcaico barulho da internet discada) e um aparelho conhecido como swarmatron, que emite um som contínuo similar a uma vibração/distorção, fornecendo o clima de suspense e inquietação essencial à história - até mesmo o nome, "mão cobre machucado", é assustadoramente relevante aos temas do filme. É uma música icônica e que inteligentemente é usada apenas três vezes no filme: a cena de abertura com Mark correndo no campus (apresentação da história e do universo, pontuando a solidão de Mark), durante o insulto de Mark no depoimento (o lado sombrio do personagem emergindo) e no confronto verbal entre Mark e Eduardo no clímax (o efeito mais dramático e que marca o fim da amizade dos dois).
É uma trilha atmosférica e que funciona perfeitamente bem durante todos os momentos, seja para pontuar a dramaticidade, vide o uso do piano na faixa "Penetration" para as reuniões tediosas de Mark e Eduardo com anunciantes ou para salientar sentimentos abstratos, como o som distorcido de "The Gentle Hum of Anxiety" durante a prisão de Sean ou as batidas animalescas de "Magnetic" para a cena do jantar com o mesmo. Aliás, é genial como Reznor e Ross reaproveitam uma de suas faixas durante a fase do Nine Inch Nails para a cena em que Eduardo escreve o algoritmo na janela e a sequência do Facemash se espalhando, com "A Familiar Taste". Não só a guitarra pontua bem o aspecto "radical" da ação de Mark, mas traz um efeito sonoro que se assemelha muito com a ponta de uma caneta esferográfica sendo deslizada por uma superfície plana, e podemos facilmente fazer a conexão com a caneta de Eduardo na janela. De certa forma, a música pontua como essa caneta na janela se ramificou assustadoramente.
E já que falamos sobre efeitos sonoros, uma das áreas mais subestimadas do filme - e que provocou muitas dúvidas durante sua indicação ao Oscar - é a mixagem de som chefiada por Ren Klyce, um dos leais parceiros de Fincher. Sendo um filme que traz uma quantidade enorme de diálogos, e muitos deles acontecendo simultaneamente, é necessário um tratamento de som com muito cuidado e sutileza, setor no qual Klyce é excepcional. A primeira cena, por exemplo, é um perfeito exemplo de como se construir uma boa ambiência, com o diálogo de Mark e Erica quase sendo ofuscado pelas conversas paralelas no bar, além da música "Ball & Biscuit" do White Stripes estar perfeitamente reverberizada ao fundo. Um exemplo mais dramático é a cena da balada, onde as caixas de som explodem com a música eletrônica "Sound of Violence", de Dennis De Laat, fazendo com que Timberlake e Eisenberg praticamente gritem suas falas enquanto a música literalmente nos coloca no lugar. O melhor é ver como a faixa original foi editada e remixada para pontuar melhor trechos específicos do discurso de Sean, como a explosão do refrão da música quando o empreendedor grita "This is a once in a generation holy shit idea!" ou a diminuída no volume da música quando enuncia "I'm CEO, bitch".
O que nos leva, enfim, ao processo de montagem. Outra categoria vitoriosa do filme no Oscar, a montagem da dupla Kirk Baxter e Angus Wall é uma dos aspectos mais fortes do filme, que majestosamente dão conta da direção minuciosa de Fincher e da narrativa entrecortada de Sorkin. Logo na primeira cena (já perceberam que essa cena é perfeita, certo?), a ordem dos cortes obedece a uma direção certeira para criar efeitos diferentes, como o plano aberto que apresenta a cena, o corte para um plano mais central de Erica quando ela menciona Final Clubs ou a velocidade do vai e vem aumentando à medida em que Mark acelera seu discurso, deixando tanto Erica quanto o espectador num estado confuso.
A sequência do hacking de Harvard é um dos grandes exemplos de como a velocidade melhora uma cena, e Baxter e Wall lidam com diversas ações paralelas ao mesmo tempo: a festa no Final Club de Phoenix, a tela do computador enquanto Mark hackeia, a página do blog e o próprio Mark interagindo com seus amigos - além dos planos de apoio que incluem o teclado e o mouse. Os cortes são eficientes na forma com que organizam a ação de escrever no blog com a de digitar um código, além da maneira como as imagens da festa do Phoenix se inserem sugerirem algo quase onírico, como se Mark estivesse sonhando com aquilo.
Essa organização de linhas temporais e vai e vem de personagens e ações é algo executado com precisão impressionante, e eu realmente não preciso discorrer muito sobre esse incrível trabalho, que é um curso gratuito para muitos editores por aí. Outro aspecto que merece atenção é aquele que passa despercebido, que pode ser realizado com alguns cortes e elipses muito sutis - a dupla se especializou nisso com dois cortes muito específicos em Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres e Garota Exemplar. Por exemplo, quando os Winklevoss e Divya discutem sobre o fato de Mark querer expandir o site para a universidade de Stanford, imediatamente somos levados para um quarto em Stanford - algo que só descobrimos quando vemos o nome escrito na calcinha de uma das alunas -, onde o Facebook já é popular. Uma elipse perfeita que se manifesta de forma similar na cena da balada, onde Sean promete a Mark levar o Facebook para outro continente. Alguns segundos depois, um fade to black nos leva diretamente para Henley, Inglaterra, onde temos a sequência da Royal Regatta. E, claro, o Facebook já está popular ali. Dessa forma, mesmo que constantemente voltando no tempo, a narrativa de A Rede Social está sempre avançando.
A Once in a Generation
A Rede Social talvez seja o exemplo perfeito de como um filme pode subverter expectativas. É um estudo de personagem poderoso, movido pelo roteiro absolutamente perfeito de Aaron Sorkin a direção magnífica de David Fincher, que entende suas sutilezas e leva seu talentoso elenco a explorar áreas cheias de nuances e detalhes ocultos. A saga de Mark Zuckerberg e a criação de seu revolucionário Facebook pode desde já ter seu espaço certificado na História, dado o domínio da linguagem cinematográfica e a eficiência com que conta uma história que, à primeira vista, pode parecer banal e sem muito espaço para reflexões. Na verdade, estamos diante (ainda) do melhor filme da década.
Como o próprio Sean Parker atesta em certo momento, é um evento que só aparece uma vez a cada geração.
A Rede Social (The Social Network, EUA - 2010)
Direção: David Fincher
Roteiro: Aaron Sorkin
Elenco: Jesse Eisenberg, Andrew Garfield, Justin Timberlake, Armie Hammer, Max Minghella, Rooney Mara, Rashida Jones, Brenda Song, Joseph Mazzello, John Getz, David Selby, Denise Grayson, Josh Pence
Gênero: Drama
Duração: 120 min
https://www.youtube.com/watch?v=lB95KLmpLR4
Leia mais sobre David Fincher
Crítica | Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1
Desde que o cineasta David Yates assumiu o comando da saga Harry Potter, acrescentou a ela um toque político, sombrio e muito mais adulto do que seus antecessores. Finalizar a franquia é uma tarefa tão complexa que o último filme teve de ser dividido em duas partes - o que também duplicou os lucros exorbitantes da Warner Bros e iniciou a terrível mania de dividir adaptações literárias em dois. Todas as coisas consideradas, Harry Potter e as Relíquias da Morte Parte 1 traz um pouco de tudo o que Yates foi capaz de trazer à saga durante suas incursões, aprimorado em praticamente todos os aspectos.
A trama é ambientada logo após o desfecho de O Enigma do Príncipe. Alvo Dumbledore (Michael Gambon) está morto, e as forças de Voldemort (Ralph Fiennes) vão se fortalecendo e espalhando-se pelo mundo Bruxo e Trouxa de forma avassaladora, com o Lord agora tomando posse do Ministério da Magia. Deixado com a responsabilidade de concluir a missão de seu falecido professor, Harry (Daniel Radcliffe) precisa encontrar as últimas Horcruxes remanescentes, objetos que contém pedaços da alma de Voldemort e que precisam ser destruídos para garantir o fim definitivo do bruxo das trevas. Junto com os inseparáveis Rony (Rupert Grint) e Hermione (Emma Watson), Potter literalmente viajará o planeta para encontrar os objetos misteriosos e garantir paz à seu mundo.
A começar pelo tom, da atmosfera cinematográfica. Dessa vez Hogwarts nem está presente na trama, o que já incomoda pela sensação de insegurança pelos três protagonistas; não mais jovens estudantes de magia, Harry, Rony e Hermione são adultos lançados em mundo perigoso sem qualquer tipo de proteção – além da magia, claro – e sobrevivendo às custas uns dos outros. Há sempre uma aura de perigo, que Yates cria a equilibra muito bem, sobrando espaço para muitos toques de humor também.
O tom obscuro é fruto do favorável roteiro de Steve Kloves, que agora com mais tempo de projeção pode dar atenção à eventos secundários e desenvolver as situações com mais suspense e emoção. Assim, é comum que tenhamos sequências aqui que não avançam necessariamente a história, mas que são importantes para criarem um atmosfera de perigo palpável; um exemplo é a visita de Harry e Hermione ao povoado de Godric's Hollow durante uma noite de Natal, cena que poderia muito bem ser descartada de uma versão única de Relíquias da Morte, mas que enriquece tanto o longa com o sentimento de isolamento dos personagens (a cena é ambientada durante o Natal) e um clima de suspense incomparável quando a dupla se depara com uma armadilha de Voldemort.
É um filme lento, sem dúvida., ainda mais quando comparamos ao festival de pirotecnia e ação da Parte 2, mas é um ritmo devagar que realmente contribui para a experiência do espectador. A montagem de Mark Day é chave nesse quesito, já que mantém considerável tempo em determinados planos e deixa ação fluir naturalmente. Claro, isso muda quando somos jogados nas excelentes sequências de ação, sendo notável como a montagem torna-se frenética durante a selvagem perseguição em uma floresta dominada por sequestradores de Voldemort - ou como poderíamos chamar, Paul Greengrass' Harry Potter.
A fotografia cada vez mais escura é o outro grande acerto técnico da produção. Sai o ótimo Bruno Delbonnel, entra o competente Eduardo Serra com uma paleta de cores frias, predominantemente cinza – que, claro, alterna em alguns cenários – e paisagens belíssimas de montanhas, rochedos e florestas retratadas de maneira artística, assemelhando-se com pinturas góticas. Visualmente, nunca vimos um filme de Potter como esse, ambientado muito mais em locações externas do que internas - a ausência de Hogwarts também garante isso, já que não temos mais o aconchego e conforto do castelo para segurar os personagens. Outro quesito visual importante e inédito é a inesperada sequência de animação que nos explica a história das Relíquias da Morte do título, utilizando uma técnica gótica e deslumbrante, que nos remete bastante a O Estranho Mundo de Jack.
Mostrando-se ainda mais seguro do que nos anteriores, Yates continua impressionando cada vez mais com sua dinâmica direção. É de se admirar seu vasto leque de ferramentas narrativas, passando por seus enquadramentos, rotações (a panorâmica que revela a transformação das cópias de Potter é de uma elegância ímpar) e pela primeira vez aqui, um uso intenso da técnica da câmera na mão. Esse recurso ganha força durante as sequências mais intensas do longa, especialmente a já comentada perseguição na floresta e a armadilha em Godric's Hollow. A câmera digital de Yates também garante um dinanimso vibrante ao apostar em travellings impossíveis e transições literalmente mágicas em cenas como a perseguição aérea dos Comensais da Morte e a conexão priori incantatem ntre Harry e Voldemort, onde a câmera virtual acompanha o faixo de magia até uma rachadura se formar em uma das varinhas.
Depois de um amadurecimento de 8 anos e 7 filmes, o elenco acompanha e preenche bem esse cenário de trevas. Daniel Radcliffe continua o bom trabalho com Harry, acrescentando mais insegurança ao jovem e o peso cada vez maior das responsabilidades em suas costas. Emma Watson apresenta pela primeira vez uma carga dramática relevante e crível à sua Hermione, já levando a personagem a cantos sombrios quando ela é forçada a apagar sua existência da memória de seus pais, a fim de protegê-los. Mas quem é a grande revelação aqui é Rupert Grint, que finalmente transmite a angústia e o sacrifico que Rony sente em relação a ser apenas “o amigo do Eleito”, resultando em uma pesada discussão entre os dois e um arco dramático mais intenso para o jovem Weasley. E novamente, é um arco que é resolvido dentro do próprio filme e que não machucaria o caminhar da história se fosse simplesmente dissolvido, mas o espectador e os personagens só ganham mais com esses desvios dramáticos.
Apresentando-se mais do que um mero prelúdio e indo além do que apenas preparar o espectador para o último filme, Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1 impressiona pela maturidade e a beleza visual comandada por seu diretor, que conduz a trama magistralmente até terminar em um gancho digno para a conclusão de uma das maiores sagas da História do Cinema.
Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte I (Harry Potter and the Deathly Hallows: Part I, UK, EUA, 2010)
Direção: David Yates
Roteiro: Steve Kloves (adaptação da obra de J.K. Rowling)
Elenco: Daniel Radcliffe, Emma Watson, Rupert Grint, Helena Bonham Carter, Ralph Fiennes, Alan Rickman, Bonnie Wright, Tom Felton
Duração: 146 Min.
Crítica | Harry Potter e o Enigma do Príncipe
Na época de seu lançamento nos cinemas, era o maior clichê e redundância do mundo atestar como Harry Potter estava cada vez mais sombrio e adulto a cada filme. Até virou uma piadinha com o logo da Warner, que surgia cada vez mais decrépito e sem vida a cada novo longa, desde seu lançamento ensolarado em A Pedra Filosofal até o nevoeiro gélido onde o encontramos em Harry Potter e o Enigma do Príncipe. E sim, caio na redundância ao dizer que o sexto filme da saga é um filme consideravelmente mais sombrio que os demais em muitos aspectos, mas que também surpreende por sua inesperada camada de ternura em tempos tão trevosos.
A trama começa com o mundo bruxo enfim aceitando o fato de que Lord Voldemort (Ralph Fiennes) realmente voltou ao poder, colocando toda a sociedade mágica em alerta e paranóia. Harry Potter (Daniel Radcliffe) ganhou a nova reputação de Eleito para destruir o poder de Voldemort, o que também o coloca em uma posição social diferente ao iniciar seu sexto ano em Hogwarts ao lado de Rony Weasley (Rupert Grint) e Hermione Granger (Emma Watson). Enquanto lidam com os dilemas da adolescência e o aparecimento deu um misterioso livro que ajuda Harry em suas aulas de poções e feitiços, o protagonista deve ajudar Alvo Dumbledore (Michael Gambon) a encontrar pistas no passado de Voldemort que enfim revelem a natureza das horcruxes, objetos que podem finalmente destruí-lo.
O sexto filme da saga traz as obrigações da história de transição. Na realidade, é a transição para a transição, já que haveríamos ainda duas partes para a adaptação de Harry Potter e as Relíquias da Morte, o que inevitavelmente transformaria O Enigma do Príncipe em um filme de ponte. Porém, sob o comando do diretor David Yates - retornando à função após seu trabalho eficiente em A Ordem da Fênix - o longa transforma-se em algo muito mais especial. A atmosfera de perigo iminente e ameaças invisíveis acaba por gerar um ritmo mais lento e tenso por boa parte da narrativa, mas que é engenhosamente equilibrada por momentos mais bem humorados e intimistas dos personagens.
A fotografia brilhante de Bruno Delbonnel é essencial nessa mistura. Apostando em um filtro embaçado e em cores que variam entre o quente e o cinzento, é uma atmosfera completamente imersiva e palpável. Ainda que estejamos vendo uma cena engraçada com os Gêmeos Weasley, retornando aos animados jogos de quadribol ou ouvindo a harmoniosa trilha sonora de Nicholas Hopper, Delbonnel mantém o filtro gélido, já estabelecendo através da imagem que - mesmo diante da diversão - os personagens encontram-se em um contexto perigoso, até mesmo pelos corredores de Hogwarts, aqui muito mais carregados e preenchidos por sombras.
Essa lógica visual ajuda muito o trabalho de David Yates e sua composição. Por exemplo, é revelador como Harry e Rony estão rindo à toa em um degrau acima de todos os outros estudantes em um corredor lotado, já nos demonstrando a "superioridade" dos dois no início do ano letivo ou como Draco Malfoy (Tom Felton) constantemente surge nos cantos da tela ou indo para caminhos opostos aos do demais personagens, ilustrando com perfeição o caráter irreversível de sua jornada sombria. A segurança ameaçada também ganha lindos e significativos retratos, como aquele em que vemos o caloroso Grande Salão do lado de fora, com dois seguranças postos em cada canto da tela para protegê-lo nas trevas. É um filme plasticamente perfeito e sem dúvida o mais bonito da saga, fazendo jus à sua merecida indicação ao Oscar de Melhor Fotografia.
E Yates também acerta quando somos surpreendidos por momentos mais tensos. A cena de abertura já merece aplausos pelo dinamismo e qualidade de efeitos visuais durante o ataque dos Comensais da Morte em Londres, passando pela repentina invasão de Bellatrix Lestrange (Helena Bonham Carter, deliciosamente maligna) na casa dos Weasleys ou quando uma aluna é possuída por um objeto amaldiçoado; fazendo à levitar em forma de cruz no melhor estilo Exorcista. Vale notar também a frieza e o realismo do duelo entre Harry e Draco em um banheiro deserto e cinzento. A ausência de música e o uso de câmera na mão trazem muito mais violência para a cena, algo que Yates exploraria ao máximo no filme seguinte.
Porém, os grandes momentos ficam para o terceiro ato, quando Harry e Dumbledore adentram a uma caverna puro breu para encontrar uma das horcruxes de Voldemort, rendendo uma sequência tensa e digna do cinema de terror bem feito; mérito também de Delbonnel, do trabalho de som e o design das criaturas que atacam a dupla. A outra sequência é logo em seguida, quando testemunhamos o chocante assassinato de Alvo Dumbledore pelas mãos de Severo Snape (Alan Rickman, sempre excelente). É uma cena difícil e que Yates acerta ao mantê-la tensa e silenciosa, sem a presença de música ou muitos diálogos (a edição de som aqui é vital para passar a impressão de algo escondido, na calada da noite), e pelas nuvens negras que circundam o cenário.
É inevitável que em algum momento Harry, Rony e Hermione teriam seus hormônios à flor da pele, e o roteiro de Steve Kloves acerta ao torná-los elementos que servem à trama e não soem como uma distração tola. Ver o início da paixão entre Rony e Hermione é um arco divertido e que contrapõem-se à toda a escuridão, além de render ótimas performances de Rupert Grint e Emma Watson, cada vez mais à vontades em seus papéis. Até mesmo Daniel Radcliffe tem um ano mais leve, sem a pressão de ser chamado de mentiroso no longa anterior ou as ameaças à sua vida em Cálice de Fogo e Prisioneiro de Azkaban, chegando até mesmo no ponto em que brinca com seu status de "Eleito", revelando um lado muito curioso do personagem.
O elenco de apoio continua eficiente como sempre, mas temos um destaque maior do Dumbledore de Michael Gambon e um lado surpreendentemente vulnerável de Tom Felton. Sempre orgulhoso e malicioso como Draco Malfoy, vemos o medo e insegurança do personagem pela primeira vez, à medida em que tenta realizar a missão imposta por Voldemort. A principal adição ao time fica na forma de Jim Broadent como o professor Horácio Slughorn, um antigo colega de Dumbledore que substitui Severo Snape no cargo de Mestre de Poções. Broadent traz uma estranheza e ironia divertidas para o personagem, principalmente quando vamos descobrindo sua conexão com Voldemort e as horcruxes.
Talvez o único demérito do filme encontre-se justamente em seu elemento-título. Não só é completamente descartável para o andamento da trama, o Príncipe Mestiço e seu Enigma ganham um tratamento regular e um desfecho igualmente decepcionante, e confesso que essa falha já estava presente no livro de J.K. Rowling. Aliás, considerando a identidade do tal Príncipe, é decepcionante que tenhamos tão pouco de Alan Rickman no filme, ainda que eu compreenda que seu passado seria melhor explorado nos capítulos seguintes da saga. De qualquer forma, um grande exagero nomear a história por um elemento tão superficial à narrativa.
Harry Potter e o Enigma do Príncipe é um dos mais satisfatórios exemplares da saga, tanto em narrativa quanto em quesitos técnicos. Consegue a difícil tarefa de equilibrar seu clima cada vez mais sombrio com uma camada de ternura ao explorar os trancos e barrancos da adolescência dos protagonistas. É uma eficiente preparação de terreno para o grandioso final e um eficiente estudo de personagens com o melhor cuidado audiovisual possível.
Harry Potter e o Enigma do Príncipe (Harry Potter and the Half-Blood Prince, EUA/UK - 2009)
Direção: David Yates
Roteiro: Steve Kloves, baseado na obra de J.K. Rowling
Elenco: Daniel Radcliffe, Emma Watson, Rupert Grint, Michael Gambon, Alan Rickman, Tom Felton, Bonnie Wright, Jim Broadbent, Helena Bonham Carter, Robbie Coltrane, David Thewlis
Gênero: Aventura
Duração: 154 min
https://www.youtube.com/watch?v=tAiy66Xrsz4