Escape 60 imortaliza a série 'Bates Motel' com um de seus melhores desafios já criados
Alfred Hitchcock não é considerado o mestre do suspense por qualquer razão. Suas incríveis e atemporais narrativas são relembradas até hoje e imortalizadas dos mais variados tipos, seja na literatura ou no audiovisual - incluindo o sucesso de uma das séries contemporâneas mais famosas, Bates Motel (uma prequela e sequência do clássico Psicose). O show protagonizado por Vera Farmiga e Freddie Highmore não apenas resgatou a nostalgia vista no longa-metragem, como forneceu uma perspectiva mais humanizada para os personagens, além de trazer inúmeras viradas para cada uma das tramas.
Logo, não é nenhuma surpresa que a companhia Escape 60, conhecida por criar cenários de suspense e mistério, tenha adotado a série como uma grande inspiração para a arquitetura do que pode ser considerado uma de suas obras-primas. O jogo de estratégia e resolução de pistas se assemelha um Detetive gigantesco, no qual os participantes devem descobrir quem foi o assassino - mas a concepção não para por aí: há também o adicional narrativo dentro do qual os hóspedes do quarto 01 do Motel Bates caíram numa armadilha e podem levar a culpa caso não resolvam o crime e encontrem provas para sua inocência dentro de sessenta minutos.
O cenário segue o mesmo padrão dos outros quartos - e aqui excluo os pertencentes ao Escape X-Treme, que opta por uma abordagem mais visceral e angustiante -, e a roupagem para uma das locações mais famosas da série é incrível. Os detalhes são muito bem pensados, desde o papel de parede desbotado até os adornos que compõe a identidade do quarto - a presença de pássaros nos quadros faz uma alusão no melhor estilo easter egg à paixão de Norman Bates (ao menos dentro da série) por esses animais. Dentro do cômodo, os quebra-cabeças a serem resolvidos são variados, desde os mais lógicos até simples problemas matemáticos.
Para aqueles acostumados ao jogo, garanto que o quarto não desaponta, introduzindo mais elementos à complexidade marca-registrada da empresa. Para os novatos, uma dica: nenhum elemento é descartável. Em um espaço relativamente amplo, as dicas estão espalhadas e escondidas nos objetos mais simples e mais passíveis de serem ignorados - claro, algumas pistas são bem explícitas, mas a maioria exige concentração e atiça a capacidade de transponibilidade de obstáculos por parte de seus participantes. E prepare-se para inclusive desenterrar sua bagagem cultural, visto que a simulação pode pedir suas referências audiovisuais para completar os desafios.
Sem dar spoilers significativos, posso dizer que Bates Motel é um cenário dividido em dois - mas isso não quer dizer que o acesso a todas as partes é dada de graça. Como já dito, o jogo funciona no melhor estilo de busca e recompensa, visto que cada etapa concluída coloca os integrantes mais perto de resolver o crime e de abrir a porta que lhes dará liberdade. É óbvio que, mesmo com várias cabeças pensando para conseguir resolver os desafios, alguns deles parecem impossíveis: logo no início da simulação, um dos assistentes avisa que, vez ou outra, dará uma dica para que a narrativa continue e os participantes saiam de um aparente beco sem saída.
Além da incrível história arquitetada, a atmosfera criada contribui para deixar os “hóspedes” sedentos por vencer o jogo. Uma grande televisão, fixada no centro do cenário, indica o cronômetro que, ao chegar ao “zero”, indicará o vencedor ou o perdedor da brincadeira - e não adianta o quão forte você seja: olhar para o relógio é algo inerente a qualquer um que esteja ansioso o suficiente para não ser preso pelas autoridades. E a ideia é justamente colocar trazer essas emoções à tona para trazer mais verdade à situação, nos fazendo esquecer brevemente de que estamos em um “faz-de-conta”.
Durante todo o tempo no quarto, a ambiência também é perscrutada por uma tétrica trilha sonora típica de filmes e séries de suspense - e que, no caso, contribui para nos transportar ao universo idealizado primeiramente por Hitchcock. Ainda que indiretamente, isso também ajuda os participantes a colocar o cérebro a todo vapor e concentrar-se na busca pela vitória. A atração também é equipada com papel e caneta para possíveis anotações da equipe, bem como um botão antipânico para aqueles que se sentirem muito impactados pela história ou pela atmosfera.
Escape 60: Bates Motel é, sem dúvida, uma das melhores atrações da companhia por imortalizar uma narrativa tão clássica quanto a citada acima. Além de desafios inteligentes, a atração é mais um ponto que permite e fidelidade de seus participantes para as outras histórias e futuras investidas da companhia.
Confira localização, horários e preços:
RIO DE JANEIRO - COPACABANA
Segunda à sexta-feira, das 10h30min às 23h50min.
SÃO PAULO - VILA OLÍMPIA
Segunda à sexa-feira, das 10h30min às 23h50min.
Valor fixo: R$79,00. Para mais informações, acesse o site oficial clicando aqui!
Crítica | The Mist - 1ª Temporada
Stephen King, desde o início da década de 1980, sempre foi um dos autores de maior destaque no cenário audiovisual, emergindo como um dos principais focos de adaptações cinematográficas e televisivas com suas incríveis histórias de terror, suspense, drama e fantasia. Temos, por exemplo, icônicas releituras que se tornaram clássicos da história hollywoodiana, como It - A Coisa, O Iluminado e Carrie - A Estranha, bem como longas-metragens que ultrapassaram as barreiras do gore e do macabro para entregarem uma perspectiva muito mais metafórica e sócio-antropológica, como O Nevoeiro, dirigido por Frank Darabont em 2007.
Entretanto, temos rendições um tanto quanto duvidáveis das obras do mestre do terror contemporâneo, principalmente quando falamos em suas adaptações para as telinhas. Em 2011, Brian K. Vaughan ofereceu seus melhores esforços para honrar o legado de Sob a Redoma, mas acabou criando um macrocosmos cheio de furos e de acontecimentos incabíveis, misturados a uma pretensão narrativa que a tornou uma das grandes decepções. Infelizmente, Christian Torpe conseguiu repetir o feito ao desenvolver uma nova roupagem para Nevoeiro em parceria com a emissora Spike, entregando o que podemos chamar de uma das mais monótonas séries dos últimos anos.
Não se pode dizer que o episódio piloto de The Mist é totalmente desperdiçado e não permite que o público anseie pelos próximos eventos e viradas - muito pelo contrário: nos primeiros minutos, percebemos que a ideia aqui é ir além da claustrofobia presente tanto nas páginas do material original quanto no filme de Darabont, os quais se passam estritamente em um confinamento forçado num supermercado, o qual se transforma em uma versão minimalista de uma sociedade em decadência. Os personagens agora se multiplicam, assim como os cenários - então é mais que óbvio que passemos a conhecer uma backstory, por mais ínfima possível, das relações que os unem.
A ambiência principal é a pequena cidade de Bridgeville, no estado americano do Maine, a qual é envolvida por uma misteriosa e crescente neblina que aparece do nada e traz consigo criaturas aterrorizantes e um sentimento de angústia que coloca a sanidade de todos em xeque. Porém, esse fator sobrenatural não alcança sua plenitude até os minutos finais do episódio piloto, preferindo muito mais discorrer sobre outros temas contemporâneos antes de colocar a virada catártica na monotonia do condado. Assuntos como homofobia, aceitação, renegação, divórcio, santidade e tolerância religiosa são constantes, apesar de não convergirem a todo momento: temos por exemplo a relação conturbada de Kevin (Morgan Spector) e seu filho Adrian (Russell Posner) sobre as questões de gênero e como os laços familiares podem ser levados ao extremo da resiliência quando algo balança as estruturas tradicionalistas - em outras palavras, Adrian admite sua homossexualidade para o pai e é rechaçado por seu estilo de vida.
O nevoeiro é um símbolo semiótico que indica a cegueira, e as criaturas extradimensionais, definitivamente deixadas em segundo plano, entram como catalisadores bíblicos de salvação ou de condenação. Dessa forma, o terror só deixaria de existir quando as relações humanas, passivas de erros, encontrassem uma evolução digna de “segunda chance” - ou ao menos, esse era o principal ideal arquitetado por King e por Darabont nas obras predecessoras. A relação pai-filho da série é a que passa pelas mais profundas transformações, mas mesmo assim não traz todo o brilho que poderia, por um simples motivo: a monotonia cênica.
As coisas parecem se mover em uma velocidade tão ínfima quanto uma sequência slow-motion - talvez até menor. Ao longo de dez episódios, tudo o que os personagens fazem é fugir. Correr. Proteger-se da névoa, sem ao menos ter em mente possíveis perguntas sobre sua origem, decorrência ou como puderem se salvar. Em determinas sequências, a explicação se restringe ao poder divino que enviou seus sentinelas do apocalipse para iniciar o julgamento final - buscando inspiração na obra literária, visto que, em momentos de crise, o ser humano deixa seu lado mais racional escondido e prioriza a renovação de sua fé para a eternidade. É claro que não podemos tirar crédito das pontualidades do roteiro e da condução dos fatos, incluindo a crescente rixa ideológica entre o Padre Romanov (Dan Butler) e a dissidente Nathalie Raven (Frances Conroy) que culmina na aparição nem um pouco premeditada dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse para matar o pastor - renegando o falso moralismo pregado por membros da Igreja Católica e escancarando a heresia desenfreada.
O potencial de The Mist existe. Está lá, na frente de todos. Mas é essa insuportável pontualidade que insiste em carregar os personagens, seus objetivos, seus medos e seus arcos perscrutados de furos e pontas soltas. A majestuosidade dá lugar à efemeridade simbólica e, para completar, estetizada com uma montagem sem qualquer fluxo imagético - aumentando o afastamento do público em relação à série.
Quando não estamos aguardando ansiosamente pelas ameaças sobrenaturais que povoam a névoa, nos vemos frente a frente com conflitos internos em cada um dos cenários principais. Temos a igreja e a o hospital, como supracitados, e também o shopping - funcionando mais como um campo de batalha que qualquer outra coisa. Aqui, seguimos de forma compulsória e sem qualquer saída o grupo liderado por Eve (Alyssa Sutherland), esposa de Kevin, e Alex (Gus Birney), a outra filha do casal, as quais foram separadas pelo assustador nevoeiro. Entretanto, além de monótonos, os acontecimentos dentro desse estabelecimento não seguem uma lógica própria, fincando-se muito à inverossimilhança e às frases de efeito para fornecer o mínimo de complexidade a personagens que, eventualmente, tornam-se vazios.
É claro que os pontos altos existem - e o principal deles vem na figura contraditória da renegada Mia (Danica Curcic), uma viciada em drogas que esconde segredos obscuros, revelados à medida em que enfrenta seus medos e é possuída pelos ataques psicossomáticos da névoa. Além da performance de Curcic se sobressair diversas vezes nas sequências de ação e de drama, roubando o foco dos outros protagonistas, seu arco é o mais bem delineado e o mais agradável de toda a temporada, ainda que isso não seja o suficiente para apagar deslizes imperdoáveis.
The Mist é o que podemos chamar de desperdício de potencial, apostando suas fichas em apenas uma pequena parcela do gênero que ousa explorar e afastando-se de forma inexplicável de sua fonte original. Em detrimento até mesmo de uma narrativa que tentasse escapar das convencionalidades, a série é um amontoado de investidas presunçosas e brutas - fazendo pouco jus ao seu criador original.
The Mist – 1ª Temporada (Idem, 2017 – EUA)
Criado por: Christian Torpe, baseado livremente na obra de Stephen King
Direção: Guy Ferland, Nick Murphy, Adam Bernstein, David Boyd, James Hawes, Richard Laxton, Matthew Penn, T.J. Scott
Roteiro: Christian Torpe, Amanda Segel, Andrew Wilder, Peter Biegen, Noah Griffith, Peter Macmanus, Daniel Stewart, Daniel Talbott
Elenco: Morgan Spector, Alyssa Sutherland, Gus Birney, Danica Curcic, Okezie Morro, Luke Cosgrove, Frances Conroy, Darren Pettie, Russell Posner
Emissora: Spike (EUA); Netflix (Brasil)
Gênero: Suspense, Drama
Duração: 45 minutos
Crítica | O Castelo de Vidro
Filmes baseados em histórias reais tem uma deliciosa inclinação para a ruína de qualquer almejo a se tornar uma obra-prima: os clichês de gênero. É claro que, em se tratando de acontecimentos verídicos, pouco se pode fazer para fugir desses maneirismos; entretanto, é possível sim criar maneiras de contar a mesma história de perspectivas diferentes ou com uma identidade um tanto quanto transgressora, criando uma estética original e agradável para uma audiência saturada com narrativas desse jeito. E as coisas ficam ainda mais complicadas quando, além da verossimilhança, o material original ser um romance - as saídas ficam mais apertadas, mas ainda existem.
Temos inúmeros casos em que o encontro desses mundos foi realizado de forma aplaudível, como por exemplo com a adaptação cinematográfica de O Diabo Veste Prada, de Lauren Weisberger, cuja história gira em torno de um heterônimo da autora, a qual passou pelas mesmas situações que a protagonista do filme. A franquia Invocação do Mal também segue um padrão similar de apreço crítico e público, resgatando a vida do casal Warren e relatos escritos e traduzindo-os para as telonas. E é aí que entra O Castelo de Vidro, novo longa-metragem do diretor Destin Daniel Cretton, baseado no romance autobiográfico homônimo de Jeannette Walls: a tentativa é focar em uma montagem diferenciada e paralela - e o esforço é inegável; só não é alcançado como a priori se desejava.
A releitura não se preocupa em manter as identidades das personas reais sob sigilo; desse modo, a trama principal gira em torno da própria autora, aqui interpretada pela incrível versatilidade e amadurecimento de Brie Larson (trazendo seu carisma e sua capacidade de mergulhar em um personagem de seu trabalho em O Quarto de Jack). Nos dias atuais, Walls é uma jornalista estável, pronta para contrair matrimônio com David (Max Greenfield) e fazendo de tudo para apoiá-lo em sua carreira como designer, sendo com jargões próprios de sua antiga vida ou até mesmo com o carregado sotaque sulista que não deixou de ser abandonado quando esta se mudou para os grandes centros cosmopolitas. Entretanto, desde o princípio sentimos que alguma coisa está errada: quando a conversa migra para seus parentes, ela hesita alguns momentos antes de falar dos incríveis projetos que seu pai idealizou sobre a extração de minério de ferro, ou sobre o talento artístico da mãe.
Tudo começa a adotar um tom de estranheza quando somos transportados para três décadas atrás, numa sequência durante a qual a pequena Jeannette está com fome e sua mãe está muito ocupada terminando um quadro para lhe fazer comida. Sendo “pressionada” por ela, a jovem começa a preparar sua própria refeição até que é consumida pelas chamas e levada às pressas para o hospital. A cena tem grande sucesso no quesito de emoções contraditórias, visto que não podemos encontrar qualquer naturalidade no que acabamos de ver: pais completamente irresponsáveis e excêntricos deixando seus filhos à mercê de situações perigosas e quase mortais - as queimaduras que Jeannette sofreu são carregadas por ela até mesmo quando adulta.
E então entendemos o teor da narrativa de O Castelo de Vidro que nos é apresentada: Walls é uma colunista numa revista de fofoca que, após internalizar todos os traumas de seu passado, decide desnudar sua própria história na qual teve de lutar para sobreviver à negligência dos pais disfuncionais. Tão genial quanto genioso, Rex (Woody Harrelson), o pai, vivia de acordo com regras que não seguiam o tradicionalismo das famílias do interior e, apesar de seu amor não-ortodoxo pela família, emergiu como uma figura extremamente dúbia, regida por conveniências e seu nível de embriaguez. Rose Mary (Naomi Watts), pintora e professora, renegava a escola formal por tolher a criatividade infantil e ao mesmo tempo expunha seus próprios filhos à fome e ao frio, alegando que as adversidades contribuíam para o fortalecimento físico e psicológico.
A trama inteira funciona como uma grande montanha-russa. De início, sentimos um frio na barriga, a mesma sensação que os quatro filhos da família protagonista, mas logo depois entramos em uma constância inerte de subidas e descidas que se mantém previsível até o final do segundo ato. Na maioria das vezes, o roteiro assinado tanto pelo Cretton quanto por Andrew Lanham consegue roubar essa premeditação de acontecimentos com diálogos incríveis e existencialistas que demonstram a sagacidade de Rex e como ele deseja transpassar sua sabedoria para a “filha favorita” - Jeannette. Porém, a longevidade da obra em si - que ultrapassa os cento e vinte minutos - é suficiente para tirar o brilho das viradas e torná-lo opaco o suficiente para nos distanciar dos personagens e de suas relações.
Os grandes deslizes vem com a direção. Primeiro, a alternância de narrativas não tem qualquer equilíbrio em O Castelo de Vidro: ao vez de se preocupar com a tonalidade destoante entre as duas fases da protagonista, Cretton decide jogar suas fichas na cronologia passada, permanecendo muito tempo escavando as minuciosas discussões que Jeannette e Rex tinham sobre bebedeira, relacionamentos e até mesmo futuro. Apesar de não se portarem como uma família conservadora, o personagem encarnado por Harrelson é controlador e completamente deturpado no tocante a prioridades; sua filha é o exato oposto e sempre fez de tudo para dar um pouco mais de esperança para seus irmãos e para si mesma. O problema é quando tudo se trata disso, restringindo os escapes narrativos.
Segundo, Cretton parece ter uma queda por criar momentos melodramáticos. As composições, perscrutadas com um potencial incrível, são desperdiçadas pelos clichês do gênero de drama, buscando com uma intensidade absurda as resoluções límpidas e plenas do reencontro de pai e filha, do perdão e do esquecimento dos traumas como evolução pessoal. Diferentemente de seus trabalhos anteriores, como Short Term 12 (também estrelado por Larson e funcionando como uma narrativa de superação), aqui o diretor implora para que você se emocione, saturando o público com a mesma história de sempre em detrimento do que poderia ser uma nova perspectiva para esse nicho cinematográfico.
Por fim, O Castelo de Vidro é um filme interessante por seus atores e pela química que trazem em cena - com ressalva para os maneirismos caricatos de Watts e sua dissonância em comparação com os outros personagens -, mas que peca muito na estética e na identidade fílmica. Tudo bem, esta pode não ser a história mais emocionante do ano, mas sem dúvida é capaz de nos fazer refletir, ainda que infimamente, sobre nossos próprios rancores.
O Castelo de Vidro (The Glass Castle, EUA – 2017)
Direção: Destin Daniel Cretton
Roteiro: Destin Daniel Cretton e Andrew Lanham, baseado na obra homônima de Jeannette Walls
Elenco: Brie Larson, Woody Harrelson, Naomi Watts, Max Greenfield, Josh Caras, Sarah Snook, Ella Anderson, Brigette Lundy-Paine
Gênero: Drama
Duração: 127 min.
Crítica | A Torre Negra
Há uma premissa que diz que toda história já foi contada. Desde os primórdios da humanidade, a necessidade de relatar acontecimentos reais ou fantasiosos fez parte da inerência dos indivíduos e, até os dias de hoje, as mais diversas narrativas foram criadas para satisfazer o imaginário popular ou como forma metafórica de enxergar os acontecimentos da vida. A grande maioria de tramas criadas ao longo do tempo tem profunda relação com a emergência do gênero da ficção fantástica, o qual é essencialmente fincado com a criação de mundos longínquos e inacessíveis ao mundano e ao superficial. Após uma grande saturação deste tipo de narrativa, fez-se necessário conhecer as fórmulas para quebrá-las e conseguir fornecer uma perspectiva nova para aquilo que já conhecíamos. E infelizmente não é isso o que acontece com A Torre Negra.
Apesar da épica série criada por Stephen King ser um de seus maiores sucessos críticos e comerciais, não se pode dizer o mesmo da adaptação aos cinemas. A história gira em torno de Jake (Tom Taylor), um jovem garoto atormentado por diversos pesadelos envolvendo criaturas amedrontadoras e cenários pós-apocalípticos, todos perscrutados por gigantes máquinas canalizadoras de essência e uma alterosa torre negra (cenário que empresta o nome ao título). Conhecendo o estilo de escrita do autor, poderíamos esperar uma narrativa completamente fincada no gore, no terror e nas incríveis viradas, mas, na verdade, permanecemos um pouco mais de noventa minutos observando passivamente mais uma obra extraída das páginas da Jornada do Herói, de Joseph Campbell.
Apenas com a premissa, é possível prever exatamente o que vai acontecer em cada um dos atos. Primeiro, o protagonista é bombardeado por pequenos frenesis inexplicáveis e frequentes que mostram uma tecnologia nunca antes vista, cenários desérticos e criações maniqueístas do bem e do mal que lutam pela supremacia do mundo - mais precisamente pela destruição ou proteção da Torre. Já no prólogo, percebemos que esse lugar (o qual não consegue puxar muita atenção por parte do público) é responsável pelo equilíbrio cósmico dos multiversos, servindo como fonte natural de proteção contra forças das trevas. Toda a atmosfera é construída com grande maestria, mas essa majestuosidade desvanece em um estalar dos dedos à medida em que a narrativa se torna mais e mais saturada.
Os antagonistas são claros: criaturas monstruosas disfarçadas com máscaras humanas e que trazem o “melhor” dos dois mundos - em outras palavras, tanto a tecnologia quanto a magia. Matthew McConaughey prova mais uma vez sua versatilidade em cena ao abandonar seus estereótipos sulistas e encarnar uma das figuras mais demoníacos do panteão de King, o Homem de Preto. Qual o problema então? O transporte do personagem literário para as telonas parece ter deixado de lado toda o arco construtivo, tornando-o vazio e sem quaisquer nuances aparentes. Em oposição, temos o arquétipo clássico do herói, Roland (Idris Elba), o último pistoleiro sobrevivente do constante ataque das forças do mal e que abandonou todos os seus ideais para caçar sua nêmese e varrê-lo para a inexistência.
Há algo de inebriante com a química destes dois atores em cena, visto que um traz solilóquios sobre a arte de atirar e o outro simplesmente nega esse autocontrole com um soslaio de olhos. O fato do Homem de Preto poder entrar na mente de seus adversários e obrigá-los a fazer o que quer é interessante ao extremo, porém pobremente explorado pelos inúmeros acontecimentos não finalizados em cada uma das viradas, principalmente pela necessidade do nosso protagonista atender ao chamado à aventura e iniciar sua jornada em terras desconhecidas. Desse modo, Jake ignora o fato de sua mãe, seu padrasto e até mesmo seu terapeuta o tacharem como esquizofrênico, partindo em busca de um modo para encontrar algo que tire todo o peso existencial que carrega: o do fim do mundo (uma jogada um tanto quanto cabalística e previsível, mas que funciona como blockbuster).
A construção visual segue o mesmo molde da mini franquia Percy Jackson: o herói dá adeus para uma figura muito próxima a si, vendo-a se sacrificar para que passe pelas irreversíveis transformações interiores e exteriores. É possível ver uma transposição de uma obra para outra de forma reciclada e sem qualquer originalidade - tudo bem, talvez os relances de “novo” venham com a união entre o passado e o futuro em uma concepção um tanto quanto intrigante do Mundo Médio (uma clara inclinação para a Terra-Média tão bem arquitetada por J.R.R. Tolkien em O Senhor dos Anéis). Até mesmo a montagem e a intercalação de planos gerais e fechados segue as saídas formulaicas dos épicos “pipoca” em número tão absurdo na indústria cinematográfica hollywoodiana, mas com um diferencial gritante: as cenas de batalhas praticamente não existem e, se estão lá, são mal coreografadas.
Em determinada sequência, perto do desfecho do terceiro ato, temos a tão aguardada batalha entre as duas maiores forças do filme. Jake já havia se revelado a criança-chave para destruir a Torre e permitir que a escuridão se alastrasse pelos mundos e utilizava o restante de suas forças para manter o contato entre o Homem de Preto e Roland, incitando-os a lutar pela salvação ou pela destruição de tudo aquilo que conheciam. O confronto é tão vazio quanto o próprio conceito da obra cinematográfica, e os personagens, para completar, estão engolfados em um cenário puramente escuro, tornando ainda mais difícil diferenciar quem faz o quê. O cúmulo dessa pretensão vem com a morte do antagonista - uma das menos digeríveis do ano.
Personagens previsíveis, uma história já conhecida e cenários destruídos que puxam uma inspiração falha das distopias futurísticas e deixam pontas soltas e várias explicações sem pé nem cabeça ao longo da narrativa. Os protagonistas, sejam vilões ou heróis, funcionam isoladamente como análise para um potencial perdido; mas eles não trazem a conexão necessário para deleite do público. Eles estão apenas jogados em cena, e são reconstruções de outras montagens muito mais superiores de obras similares.
A Torre Negra funciona para aqueles que não esperam nada além de uma infinitesimal diversão com bons atores e uma mitologia superficial. Mas em termos cinematográficos, essa é apenas mais uma adaptação de um romance de Stephen King que deixa a desejar - e muito.
A Torre Negra (The Dark Tower, EUA – 2017)
Direção: Nikolaj Arcel
Roteiro: Akiva Goldsman e Jeff Pinkner, baseado na obra de Stephen King
Elenco: Idris Elba, Matthew McConaughey, Tom Taylor, Dennis Haysbert, Claudia Kim, Abbey Lee, Katheryn Winnick, Nicholas Pauling
Gênero: Drama, Fantasia
Duração: 95 min.
Crítica | Descendentes 2
O trabalho de Kenny Ortega com filmes de baixo orçamento já é bem conhecido na indústria cinematográfica, ainda que seu currículo não seja um dos mais extensos. Seus toques sutis de comédia constantemente encontram personagens icônicos e até mesmo milenares, com perspectivas únicas e contemporâneas para histórias clássicas. Temos, por exemplo, um dos longas-metragens mais divertidos dos estúdios Disney, Abracadabra, recontando as narrativas esotéricas das Bruxas de Salem, ou até mesmo a franquia musical High School Musical, provendo ao público uma diversão um tanto quanto satisfatória com os melhores toques do teatro musical da Broadway. Entretanto, ao embarcar em mais um de seus projetos, Descendentes, não podemos deixar de perceber a falta do toque mágico para suas leituras modernas para os contos de fada - dependendo muito da nostalgia para que sua mensagem seja entregue.
É claro que, na indústria cinematográfica atual, as atemporais histórias que endossaram o nome de Disney como um dos maiores impérios audiovisuais de todos os tempos, como Branca de Neve, A Bela e a Fera e A Pequena Sereia, seriam passíveis de diversas releituras literárias e audiovisuais. Once Upon a Time, série da emissora ABC, fornece uma distorção sombria sobre os marcantes personagens, descontruindo a visão estereotipada dos príncipes, princesas e vilões desse panteão; Grimm mergulha de cabeça na mitologia germânica, misturando-a às narrativas metafóricas dos Irmãos Grimm; e onde isso deixa Descendentes? Em algum lugar inesperado, trazendo à vida os filhos dos vilões e heróis que tanto adoramos.
Enquanto o longa original teve como tema-base questões como ambição, perdão e confiança, a segunda iteração da nova franquia de Ortega entra como uma análise de como o encontro do bem e do mal tem suas consequências, negando o conceito maniqueísta e fechado de “felizes para sempre”. A trama principal gira em torno do relacionamento aparentemente pacífico, porém envolto em infelicidades e conturbações, entre Mal (Dove Cameron), filha de Malévola, e Ben (Mitchell Hope), filho de Bela, cujo futuro está claro: a sucessão ao trono e a soberania total de Auradon e da Ilha dos Perdidos - e a distinção óbvia já está nos nomes dos dois territórios (um indicando a luz, e o outro a escuridão).
Entretanto, Mal não se sente nem um pouco confortável com a nova vida, sendo obrigada a mudar de aparência e até mesmo de personalidade, tentando agradar tanto aos futuros sogros quanto aos seus conterrâneos em detrimento de aceitar quem realmente é. Os primeiros indícios de que essa internalização definitivamente não lhe está fazendo bem vêm com o prólogo musical, intitulado Ways to be Wicked (Maneiras de ser Mal, em tradução livre), uma das melhores peças de toda a franquia. A mistura do estilo clássico das trilhas sonoras das animações da Disney com a baque da guitarra elétrica é arranjado de forma harmônica ao mesmo tempo em que expressa, por meio da cantoria e da dança, o que ela realmente quer: equilibrar seu lado bom e ruim sem ter que abandonar um promissor futuro.
Não é de se esperar que a protagonista tenha um breakdown e decida abandonar tudo para voltar à sua antiga vida na Ilha, de onde saiu a mando dos planos maléficos da mãe e acabou se entregando ao amor verdadeiro. Ao perceber que a tão sonhada vida de princesa na verdade não era tudo aquilo, refugiar-se em seu antigo lar parece a melhor das opções, utilizando-se da nostalgia para abandonar as máscaras que vinha colocando e poder ser exatamente quem ela é. Tudo estaria bem - exceto por alguns corações partidos - caso seu território não houvesse sido tomado por uma força inesperada: Uma (China Anne McClain), filha de Úrsula, depois de se sentir abandonada pelo quarteto de descendentes que conseguiu uma nova vida em Auradon, canaliza todo o ódio e toda a frustração para espalhar seu reinado de medo e desbancar o antigo império de Mal, sua arqui-inimiga.
O resto da história é previsível: alguns arcos de redenção e de superação permeando uma narrativa um tanto quanto saturada, mas adornada com alguns números musicais interessantes e satisfatórios. Afinal, Ortega sempre teve uma grande capacidade para criar coreografias complexas e que utilizassem um ensemble numeroso como forma de endossar as relações entre os personagens em cena. Até mesmo em Abracadabra ele não abre mão de maneirismos teatrais - e isso geralmente funciona. Talvez os deslizes não importem muito, visto que esta é uma obra voltada especificamente para o público infantil contemporâneo, o qual consome um diferente tipo de produto baseado na sociedade em que se encontram - vemos o encontro do medieval com o moderno em Descendentes 2, seja na caracterização dos figurinos (peças de couro coloridas seguindo o mesmo padrão barroco dos contos originais) ou na presença de elementos extradiegéticos (latas de spray, automóveis e scanners 3D).
O longa não brilha, mas também não desaponta - principalmente para aqueles que já não tinham muitas expectativas. Como supracitado, os números de dança e as músicas híbridas conseguem ofuscar o pobre roteiro, o qual se inclina muito para os clichês românticos, ou a psicodélica e incomodante direção de arte. Porém, não podemos tirar o crédito de alguns pontos altos, principalmente na parte da criação de personagens: Evie (Sofia Carson), filha da Rainha Má, entra como arquétipo do guardião e do conselheiro, mostrando uma significante maturação do filme anterior para este. Diferentemente de Mal, sua melhor amiga, a qual não encontra lugar em Auradon, ela começou por conta própria um pequeno negócio de personal designer e pela primeira vez sente-se capaz de mudar o mundo - e isso inclui mudar a vida das centenas de crianças que carregam o fardo de serem filhos de vilões e vilãs.
Enquanto isso, os antagonistas Uma e Harry (Thomas Doherty), filho do Capitão Gancho, roubam a cena com suas personalidades cruéis e perversas. Harry merece uma citação especial por conseguir trazer os trejeitos de seu pai ao mesmo tempo em que nos entrega uma perspectiva original para a caracterização de um pirata - incluindo charme, ironia e sarcasmo constantes.
Descendentes 2 é, sem sobra de dúvida, superior ao seu confuso predecessor, e pode significar mais uma franquia de filmes originais Disney Channel. Apesar da previsibilidade narrativa, esta é uma obra direcionada para as crianças, as quais ficarão muito satisfeitas em perceber que as animações que seus pais assistiam ainda conseguem ser resgatas para sua infância - ainda que não com a mesma força ou a mesma grandiosidade.
Descendentes 2 (Descendants 2, Estados Unidos – 2017)
Direção: Kenny Ortega
Roteiro: Sara Parriott, Josann McGibbon
Elenco: Dove Cameron, Sofia Carson, Cameron Boyce, Booboo Stewart, Mitchell Hope, Thomas Doherty, China Anne McClain
Gênero: Infantil, Musical
Duração: 111 min
Meninas Malvadas | Confira quem é quem no novo musical da Broadway
Os produtores Lorne Michaels e Stuart Thompson anunciaram ontem à tarde o elenco oficial do novo musical da Broadway, Meninas Malvadas. A peça é baseada no livro homônimo da vencedora do Emmy Awards, Tina Fey, responsável também pelo roteiro do longa-metragem de 2004; a trilha sonora será composta por Jeff Richmond, em conjunto com o letrista Nell Benjamin, vencedor do Tony Award. Casey Nicholaw entra como diretor e coreógrafo.
Erika Henningsen será a protagonista Cady Heron; Taylor Louderman encarna a icônica e eterna vilã Regina George; Ashley Park será Gretchen Wieners, Kate Rockwell interpretará Karen Smith, Barrett Wilbert Weed será Janis Sakisian e Grey Henson entra como Damian Hubbard. Kerry Butler, Kyle Selig, Cheech Manohar, Rick Younger e outros também completam o elenco.
A sinopse segue a mesma história do longa: após anos vivendo com seus pais zoólogos na África, Cady se muda para Illinois e deve encontrar seu lugar na hierarquia social de sua nova escola. Sendo uma doce e por vezes inocente novata, Cady logo atrai a atenção das Plásticas, um trio de garotas super populares liderado pela calculista e vilanesca Regina George. Quando Cady arquiteta um plano para acabar com seu reinado, ela descobre que não consegue atravessar o caminho de uma Abelha Rainha sem ser picada.
Meninas Malvadas tornou-se uma das comédias românticas adolescentes mais rentáveis e mais relembradas de todos os tempos. A iteração foi protagonizada por Lindsay Lohan como Cady, Rachel McAdams como Regina, Amanda Seyfried como Karen e Lacey Chabert como Gretchen. A peça tem previsão de estreia em 2019.
Crítica | Diário de um Banana 4: Caindo na Estrada
A franquia Diário de um Banana talvez seja uma das mais indecifráveis da história do cinema hollywoodiana - mas não, não estou falando de um plot complexo ou de personagens bem construídos, e sim da necessidade dos produtores executivos em continuar o legado do protagonista Greg Heffley para iterações e mais iterações. Na quarta “odisseia” de um garoto constantemente bombardeado pelos obstáculos da infância - incluindo uma família desequilibrada e uma sequência de reviravoltas impossíveis -, o diretor David Bowers, por incrível que pareça, nos entrega um produto essencialmente infantil e que, apesar do desnecessário excesso escatológico, consegue arrancar algumas risadas.
O filme é baseado na série de livros assinado por Jeff Kinney, e está passando por seu primeiro reboot. A decisão dos estúdios 20th Century Fox em trocar o elenco completo vem em boa hora, considerando que os personagens principais estão presos em um microcosmos e precisam manter as mesmas características físicas e psicológicas através dos inúmeros romances. Jason Drucker encarna Greg e consegue entregar, ainda com sua inexperiência cinematográfica, uma perspectiva própria do universo pueril - a pseudo-maturidade da transição para a adolescência, a qual cega a criança perante à realidade em que vive e à sua idade, colocando-o num patamar de pura crença adulta e negação de sua posição. Apesar da coerência em relação ao público-alvo, esse fator restringe-se à superficialidade e não precisa de aprofundamento. Afinal, este não é o ponto da obra.
Ele, sendo o herói da narrativa e um símbolo de perseverança, tem o objetivo claro de conseguir viajar até a convenção de videogames, tirar uma foto com seu ídolo youtuber e conseguir livrar sua reputação de “mão de fralda”, a qual viralizou através da internet, deixando-o conhecido por motivos embaraçosos. Já conseguimos perceber mais uma conexão feita por Bowers e pelo co-roteirista Adam Sztykiel, os quais conseguem estabelecer um paralelismo cronológico entre a obra de Kinney e a contemporaneidade, adicionando elementos da cultura do agora (como “memes”, o exponencial crescimento das redes sociais e a efemeridade da internet) e ainda mantendo uma relação sólida com sua audiência: as crianças, que já nascem inseridas em um mundo materialista e tecnológico.
Como este é um filme voltado para uma parcela específica, não espere que tudo siga uma lógica pura. Há elementos do fantástico disfarçados pelas saídas formulaicas do acaso - e a primeira delas é a estranha coincidência entre o desejo de Greg e o fato da família estar saindo em uma viagem que tem como parada momentânea a mesma cidade da convenção. A trama principal é uma grande road trip; desse modo, seguindo os padrões do gênero, temos a comédia escrachada como o principal ingrediente para a sucessão de eventos, a resolução de arcos e o crescimento dos personagens. À medida em que Greg narra a partir de sua visão o que aconteceu, somos apresentados às particularidades de sua família, dentro da qual cada integrante emerge na forma de um estereótipo diferente.
O choque entre idades, por exemplo, vem entre o personagem principal e seu irmão Rodrick (aqui interpretado por Charlie Wright). Um se encontra na fase de transição, enquanto outro mergulha de cabeça em seu momento rebelde e de constante desaprovação por parte dos pais. O principal problema é a falta de química entre os atores. Wright permanece em nuances exageradas, enquanto Drucker tenta manter a sanidade de cada uma das sequências montadas. É claro que, no fundo, os dois se amam: mas isso pode ser premeditado ao extremo, e os diálogos de superação, perdão e até mesmo vingança são extremamente previsíveis, até mesmo para as crianças - transformando Diário de um Banana em um desperdício em live-action e que repete o mesmo erro de outras narrativas semelhantes.
Talvez Alicia Silverstone seja a que encontra seu melhor lugar dentro do universo do filme. Encarnando a mãe Susan, ela consegue parecer o mais transtornada possível, utilizando-se de trejeitos pessoais como suas múltiplas expressões exageradas para colocar em tela a personificação de uma mãe superprotetora que constantemente tenta manter sua família unida. Mais uma vez, o ínfimo brilho é ofuscado pela falta de química com seu principal parceiro de cena, Tom Everett Scott (interpretando o patriarca Frank) que traz qualquer coisa, exceto uma boa performance. É claro que o casal funciona como paródia para os inúmeros pais que são vistos como vilões na perspectiva dos filhos e, apesar de algumas risadas espontâneas, eles simplesmente não funcionam.
A nova continuação dessa franquia é, como supracitado, estritamente infantil. Logo, não espere profundidade em seus temas principais, mas sim algo que permita às crianças uma perspectiva própria de seu mundo. O grande problema é estrutural e finca-se ao roteiro: cada virada é, por falta de outro adjetivo, estúpida, e se vale muito de elementos crus e escatológicos para fornecer o mínimo de movimento a uma viagem tão monótona quanto um passeio à igreja.
Mais uma vez, a previsibilidade de resoluções fala mais alto. Os problemas se resolvem; os personagens encontram uma maturidade emocional suficientemente convincente para reestruturar o equilíbrio familiar; todos encontram um final feliz. Nada de novo no front. Mas posso garantir uma coisa: o clã Heffley não teve sua última história contada - e podem ter certeza de que a longa lista de obras de seu criador original ainda vai ter adaptações únicas para o cinema. Infelizmente.
Diário de um Banana 4: Caindo na Estrada (Diary of a Wimpy Kid: The Long Haul, EUA – 2017)
Direção: David Bowers
Roteiro: David Bowers e Adam Sztykiel, baseado na obra de Jeff Kinney
Elenco: Jason Drucker, Alicia Silverstone, Tom Everett Scott, Charlie Wright, Owen Azstalos
Gênero: Comédia, Infantil
Duração: 91 min.
Artigo | A Teoria do Universo Compartilhado Pixar
É quase uma obviedade dizer que os fãs dos estúdios Pixar já estão familiarizados com a teoria do universo compartilhado entre todas as animações da companhia. Criada pelo jornalista Jon Negroni e postada em seu blog pessoal em 2013, a teoria analisa as diversas conexões e easter eggs entre as obras audiovisuais, negando sua aleatoriedade e endossando a capacidade idealística de um microcosmos único e incomparável. É interessante afirmar que o próprio estúdio confirmou a existência das correlações narrativas entre seus filmes e que pretende expandi-las.
De acordo com Negroni, o ponto principal para deixar a teoria crível é sua tendência ao naturalismo. Em outras palavras, a ideia é se divertir, exercitando a imaginação ao mesmo tempo em que procura por conexões interessantes entre essas fantásticas obras-primas.
Tudo se inicia com Valente (2012). A animação é a primeira e a última a fechar o círculo Pixar. Como é bem claro, a narrativa em si entrega uma atmosfera centrada na Escócia medieval, buscando referências nos séculos XIV e XV para a emersão de Merida, uma garota lutando pela constante liberdade e que eventualmente descobre que a “magia” pode resolver seus problemas – apesar de inadvertidamente transformar sua mãe em uma ursa. Descobrimos também que essa força inexplicável está diretamente relacionada a uma bruxa sem nome que tem a capacidade de controlar a magia de forma inenarrável – e aqui nós não apenas vamos animais se comportando com humanos, mas também objetos inanimados com características individualistas, como a vassoura da casa da feiticeira, a qual também tem a habilidade de desaparecer através de portas de madeira.
A constante evolução dessa magia culminaria, pois, no nascimento de super-heróis – pessoas com habilidade sobre-humanas, provindas de algum fator genético sem embasamento científico que ocasionou uma mutação evolutiva. Esta classe de humanos, vista com bastante profundidade em Os Incríveis (2004), mantinham a ordem no mundo até que Buddy, um pseudo-herói, criou duas coisas para sua decadência: robôs de inteligência artificial chamados de Omnidroids e a alta-tecnologia Zero Point Energy (uma energia eletromagnética existente no vácuo). Este é o acontecimento principal a partir do qual vemos as máquinas erradicarem seus inimigos e, conforme ZPE é espalhada devido às inúmeras batalhas, outros objetos inanimados começam a absorvê-la e a criar vida própria – como brinquedos.
Os primeiros sinais de vida desses brinquedos vêm em Toy Story (1995). Tal “família” cria um código de regras e valores e descobrem que o amor dos humanos é outra fonte de energia, passando a utilizá-la para sobreviverem e não caírem em sua forma mais crua. Na continuação da franquia, percebemos que o grau de evolução atingiu níveis altíssimos, visto que esses objetos descobrem que o isolamento é um fato de risco. Brinquedos antes inanimados começam a questionar seu propósito em vida – Jesse, por exemplo, tem ressentimento de sua antiga dona, Emily, por abandoná-la, cultivando um ódio disfarçado de tristeza e arrependimento, transformando-a em um ser tão complexo quanto os humanos. E essa patologia darwiniana logo começa a se espalhar não apenas para coisas, mas também para os animais.
Em Procurando Nemo (2003), é possível perceber que, no oceano, as criaturas marinhas são extremamente avançadas: possuem escolas, um sistema de navegação e até mesmo de comunicação. Descobrimos também que os humanos estão poluindo o planeta e realizando experimentos em peixes e outros animais, possivelmente indicando que esta é a causa do esquecimento de Dory – e não podemos deixar de citar que os sinais de ressentimento permanecem existindo e crescendo, tornando os animais mais curiosos e carregados de características humanas. Ratatouille (2007) entra como uma análise do mundo humano em fusão com o animalesco. Remy, o protagonista da narrativa, acha uma paixão em cozinhar e é perscrutado por características antropomórficas, como andar em duas patas, lavar as mãos, ler e criar.
É nesse longa que vemos a primeira interação real entre humano e animal, mas com o propósito de subjugação daquele. Remy controla Linguini porque ele não consegue fazer absolutamente nada em termos culinários, ao mesmo tempo em que o clã de roedores não aprova um de sua espécie no mundo daqueles que os matam. Em Toy Story 3 (2010), temos a perspectiva dos brinquedos novamente, mostrando que eles já passaram por poucas e boas com os humanos. Se você já assistiu aos filmes, pode entender o quão cansados eles estão, sendo abusados física e psicologicamente por seus “donos”.
Lotso é o terceiro indicativo de que a conturbada vivência entre opressor e oprimido está com seus dias contados. Através de uma evolução incrível que inclusive impactou no amadurecimento dos personagens, o ódio contra humanos tornou-se o principal pano de fundo para o futuro do planeta. O “Urso Carinhoso” revela ser um antagonista às avessas da narrativa, ao começar a demonstrar um cuidado especial com sua raça, para protegê-los e mantê-los a salvo, ainda que tenha que transformado em um tirano megalomaníaco. Isso também nos fornece mais embasamento para a razão da gradativa conquista de máquinas e objetos sobre os humanos. Andy, então, é alertado para se desfazer de seus brinquedos, seguindo as inventivas idealizações de um casal que planeja viver em solidão durante a iminente batalha – Carl e Ellie, de Up – Altas Aventuras (2009).
Carl é forçado a vender sua casa para uma corporação intitulada BnL (Buy-and-Large), a qual está expandindo a cidade. Isso premedita uma futura corrida tecnológica que culmina tanto na superpopulação e na poluição exacerbada dos ecossistemas. Entretanto, o foco aqui é no senhorzinho que descobre que os animais conseguem se comunicar com os humanos, compartilhando de sua amargura. Charles Muntz, o vilão do filme, consegue com bastante sucesso traduzir esses sentimentos através de coleiras eletrônicas, além de treinar um exército de cães, marco da batalha entre animais e humanos. Anos depois, a guerra acontece – e as máquinas acabaram vencendo-a para seus idealizadores, alterando o equilíbrio da Terra, ainda que acidentalmente. Para que o balanço fosse recuperado, a BnL mandou a raça humana remanescente para o espaço dentro de uma nave chamada Axiom; todo o restante da maquinaria foi mantido para repopular o mundo e controlar as coisas.
É aí que entramos na era Carros (2006, 2011 e 2017). À essa época - que dentro da cronologia Pixar se passa entre os anos 2100 e 2200 -, percebe-se que não há pessoas em nenhuma parte do mundo, e que, desta vez, a crise mundial dá-se pelo fato do óleo ser usado como fonte única de energia para as máquinas. A corporação Allinol (Carros 2) estava utilizando fontes renováveis como catalisador para um combustível alternativo. Entretanto, como bem sabemos, tal substância estava sendo utilizada para varrer os carros do mundo. Com o uso exacerbado do óleo, a poluição no planeta tornou-se inevitável e, como consequência, irremediavelmente inapto para a preservação da vida natural.
A Terra tornou-se inabitável durante vários séculos devido à BnL. Tal corporação comandava as grandes empresas multinacionais desde a década de 1950. Wall-E (2008) emerge como o único “sobrevivente” após a escassez de recursos, e só conseguiu permanecer funcionando por ser fascinado pela cultura humana, além de ter um relacionamento nada convencional com uma barata - o qual mantém sua personalidade e realização pessoal. Além disso, toda a maquinaria existente na Axiom mostrou-se capaz de desenvolver um senso de propósito a partir da dependência dos humanos. Wall-E é a personificação de Adão, e ele e seu par romântico, apropriadamente nomeado de Eva, salvam a raça humana ao tornar o planeta um lugar benéfico para um novo começo.
Como se sabe, a única fonte de vida natural estava contida dentro de uma bota desgastada. A última planta sobrevivente do desastre ambiental é a primeira a ser cultivada pelos humanos; devido à alta radiação, ela se torna uma gigantesca árvore, lar dos adoráveis personagens vistos em Vida de Inseto (1998). Em pleno século XXXI, seguindo ainda a cronologia futurista, as formigas desenvolveram mutações genéticas que as permitiram viver por um tempo muito mais longo e, nessa nova era, os animais remanescentes não precisam se preocupar com a presença amedrontadora de humanos e acabam se transformando na espécie dominante. Em outras palavras, a radiação não apenas afeta o senso de comunidade dessas espécies, mas permite que entrem em um ciclo evolutivo culminando em seu ápice de desenvolvimento como monstros.
Em Universidade Monstros (2013), sabemos que essa nova raça acidentalmente varreu os humanos da face da Terra. O complexo educacional foi fundado em 1313, mas essa data se baseia num calendário monstro, não humano, nos levando a acreditar que tais eventos ocorreram quase 1400 anos depois de Vida de Inseto. Dentro das instalações, os personagens aprendem equivocadamente que os antigos habitantes do planeta eram tóxicos e de outra dimensão, levando-os a crer piamente que poderiam ser extinguidos caso se encontrassem com uma ameaça daquele nível. Entretanto, é apenas em Monstros S.A. (2001) que a espécie dominante percebe seu erro: os humanos são responsáveis pela fonte primária de energia. Portanto, utilizando as máquinas remanescentes e a magia bruta originária da incrível árvore imortal, eles conseguem utilizar portas feitas de madeira para viajar no tempo - mais precisamente, para gerações antecessoras.
E isso nos leva ao ponto-chave da cronologia Pixar: Boo.
A pequena Boo - a garotinha de vestido rosa que aterrorizou e encantou as vidas dos monstros no longa de 2001 - nunca superou seu guardião Sulley e tornou-se obcecada em descobrir o que aconteceu a ele. Ela se recordava de que as portas eram os símbolos materializados para encontrá-lo e, quando cresceu, descobriu como utilizar a viagem no tempo - utilizando portais de madeira - para retornar à fonte primária de toda a magia (a mesma encontrada por Merida em Valente). Boo deixa evidências na narrativa escocesa: duas esculturas em troncos de árvore: uma representado Sulley e outra um caminhão de pizza - duas das coisas que ela mais amava na vida. E apesar de ter sabedoria o suficiente para manipular essa força cósmica, não consegue determinar o período em que vai parar. Portanto, especula-se que os easter eggs presentes em cada uma das animações são ocasionados pela constante busca da garota por seu melhor amigo, acidentalmente pulando de época em época até conseguir encontrá-lo.
Crítica | Meu Malvado Favorito 2
Em 2010, a DreamWorks lançava a primeira iteração de sua mais nova franquia animada, intitulada Meu Malvado Favorito, contando a história de Gru (Steve Carell), um supervilão que acabou sendo tocado pela doçura e pela inocência de três garotinhas órfãs e decidiu dar uma completa mudada em sua vida antagonista para se tornar um anti-herói. E apesar do grande sucesso de bilheteria, sua narrativa previsível foi um dos primeiros indicadores de que os estúdios haviam perdido a mão para criar universos satisfatórios o suficiente para conquistar o coração do público.
Com a compra dos direitos de imagem dos personagens pelos estúdios Universal Pictures, o cenário idealizado teria chances de proporcionar uma suave mudança na narrativa – e infelizmente, as coisas pareceram descarrilhar ainda mais. Meu Malvado Favorito 2, sequência do filme homônimo, não simplesmente se sustenta na improbabilidade de fatos, mas também se firma na comédia pastelão para disfarçar a falta de endossamento criativo e a discrepância tonal entre todos os seus atos.
Mais uma vez, o longa-metragem se inicia com um breve prólogo mostrando a premissa principal da arquitrama: um novo e desconhecido vilão roubou uma estação de pesquisa científica do golfo ártico, o qual era responsável pelo desenvolvimento de uma composição química capaz de transformar qualquer ser vivo em uma arma mortal e indestrutível. E para impedir que tal mal se espalhe pelo mundo, a Liga Anti-Vilões (conhecida como AVL) resolve recrutar Gru, um ex-vilão e agora pai das garotinhas supracitadas, para seguir os passos desta mente distorcida e salvar a tudo e a todos.
O primeiro ato talvez seja o mais agradável, em termos estéticos e narrativos. Diferentemente da iteração inicial, o segundo filme opta por transparecer o sentimento paternalista do personagem principal, deixando até mesmo sua caracterização um pouco menos cartunesca e mais realista. Na primeira sequência em que realmente aparece, ele está terminando os detalhes finais da festa de Agnes (Elsie Fisher) – e não posso negar que os eventos ocorridos a partir disso conseguem arrancar algumas risadas do público. Afinal, em que outro lugar armas mortíferas como foices, martelos e machados serviriam como decorações kitsch para o aniversário de uma garotinha?
Mas toda essa compreensão passível de engajamento logo desaparece quando os trejeitos inverossímeis dos personagens vêm à tona, seja na expressão de raiva/êxtase de Agnes, na ácida ironia de Gru ou nas breves aparições desajeitadas de Jillian (Nasim Pedrad), uma adição desnecessária para as subtramas dos protagonistas. Tudo parece seguir um ciclo sem fim e, sem qualquer explicação aparece, a “ordem natural das coisas” se desmantela em uma virada inesperada, porém cheia de furos.
O “herói” é raptado por uma das agentes da AVL, chamada Lucy (Kristen Wiig), a personagem cinematográfica animada mais irritante de todos os tempos. Seu arco é bem delineado desde o começo do filme, mas sua caracterização está inexoravelmente truncada com gestos bruscos, lentos e desarmônicos com o tom das cenas em que protagoniza. Nem mesmo em momentos de tensão ela consegue transpassar aquilo que precisávamos para criar laços com os superficiais arquétipos que emergem com as viradas – sua expressão quase única se restringe a meio-sorrisos de desconforto e a tiques no olho.
Após levar Gru para o quartel-general da organização, o roteiro assinado mais uma vez pela dupla Cinco Paul e Ken Daurio parece se esquecer de que tem uma história a ser contada, com um começo interessante, mas um meio e um final praticamente inexistentes. A estrutura narrativa migra de uma cronologia compreensível para ramificações iguais em termo de peso: não temos apenas Gru e Lucy lutando para encontrar o responsável pelo roubo do soro, mas também temos os minions, criaturas amarelas, asseclas de Gru, sendo raptados um a um – e afastando-se da linearidade de serem só um “escape cômico” distorcido para o longa -, a implausível descoberta de sentimentos amorosos de Margo (Miranda Cosgrove) por um jovem rapaz, e como essas múltiplas relações conversam entre si.
Se colocarmos tudo em uma balança, cada fatia do filme tem quinze minutos – e isso provavelmente premedita o grande deslize: a falta de desenvolvimento e de resolução para cada uma delas. É de se esperar que Gru e Lucy desenvolvam laços românticos, mas ambos têm alguns traumas passados que os impedem de firmar qualquer coisa. Entretanto, esse passado não é explorado de modo satisfatório para dar margem aos fillers cômicos dos minions, os quais estão sendo também raptados e transformados em criaturas assassinas pelo real antagonista da história – Eduardo (Benjamin Bratt), conhecido por sua alcunha vilanesca El Macho. Tudo se desenvolve em um ritmo frenético, ignorando alguns pontos-chave em detrimento do favoritismo cênico – e o resultado final pode ser descrito como uma mixórdia caótica.
El Macho é, sem sombra de dúvida, o personagem que “salva” o longa-metragem. Seu carisma em cena é notável desde a primeira aparição, e suas sequências conseguem trazer o montante necessário de drama e de comédia para torná-lo uma caricatura bem desenvolvida, própria das produções audiovisuais da década de 1970 que utilizavam lutadores como heróis ou anti-heróis. Sua caracterização é essencialmente vermelha, buscando uma significância na sede pelo poder e pela dominação, contrastando com seu corpo avantajado e seu jeito “despojado” de ser na vida real. Apesar disso, ele é ofuscado pelo pálido brilho do casal principal, cuja falta de química é o suprassumo da incompetência narrativa.
Meu Malvado Favorito 2 é uma entrada mais fraca para a franquia. O sucesso massivo é algo a ser ovacionado, principalmente se levarmos em consideração que o lucro do longa-metragem ultrapassou os novecentos milhões de dólares. Entretanto, a história cheia de furos e os personagens monótonos são o bastante para mostrar o desgaste das animações provenientes dos estúdios DreamWorks – e, bom, dizer com todas as palavras que já cansamos dos minions.
Meu Malvado Favorito 2 (Despicable Me 2, EUA – 2013)
Direção: Pierre Coffin, Chris Renaud
Roteiro: Cinco Paul, Ken Daurio
Elenco: Steve Carell, Miranda Cosgrove, Kristen Wiig, Benjamin Bratt, Dana Gaier, Elsie Fisher, Russell Brand, Nasim Pedrad, Ken Jeong, Steve Coogan
Gênero: Animação, Comédia
Duração: 98 min.
Crítica | Meu Malvado Favorito
Em 2010, a DreamWorks, em conjunto com a Illumination Entertainment, resolveu lançar uma nova franquia para seu catálogo de animações, buscando algumas inspirações em Shrek - cujas iterações se tornaram um sucesso de público e de crítica - para criar mais um microcosmos fundado na comédia, no sarcasmo e na tentativa de arquitetura de personagens engraçados o suficiente para nos divertir e nos emocionar. Infelizmente, não foi exatamente isso o que aconteceu.
A história começa com um prólogo relativamente bem estruturado e permeado por uma identidade criativa que dá nome às cartas do jogo. Temos uma família turista chegando às Pirâmides do Egito e descobrindo, da forma mais improvável possível, que uma delas foi roubada e substituída por uma réplica inflável. Logo depois da notícia se espalhar pelo mundo inteiro, somos transportados para uma cena cotidiana, durante a qual é-nos apresentado o protagonista da história, Gru (Steve Carell), um personagem extraído de histórias em quadrinhos dos anos 1970 e adornado com um figurino tão taciturno quanto seu porte. Durante o início do primeiro ato, não sabemos exatamente se ele será uma criação cartunesca - levando em consideração que suas ações e reações são exageradas e desprovidas de diálogo - ou uma multidimensional.
Entretanto, temos certeza de uma coisa: ele é mau. Um vilão andando livremente pelas ruas de sua cidade, buscando mostrar-se superior a todos. Desde o princípio, percebemos que sua presença chama a atenção, principalmente se levarmos em consideração sua paleta de cores extremamente neutra contrastando com a miscelânea de tons vivos dos personagens secundários, os quais formam uma massa amorfa até mesmo no tocante às suas residências. Gru, fugindo da normalidade, tem uma mansão imponente que se assemelha às construções de A Família Addams, por sua estética expressionista, curvilínea e suntuosa - ora, até mesmo seu gramado permanece o longa-metragem inteiro imerso em tons amarronzados.
O protagonista encontra seu primeiro obstáculo com a emergência vilanesca e quase estúpida do antagonista da narrativa, Vector (Jason Segel), um aspirante à “mente maligna” que foi o real responsável por roubar a Pirâmide do Egito, deixando Gru para trás na corrida pelo mal e colocando-o numa jornada para sequestrar a Lua - sim, exatamente isso. Ele deseja alcançar o astro e provar para todos que consegue ser a própria essência dos vilões contemporâneos. Para isso, ele precisa recuperar uma arma de encolhimento - cuja propriedade está nas mãos de seu adversário - e, para tal, encontra ajuda no último lugar em que pensaria encontrar: num orfanato.
Abrindo um breve parêntese aqui, devo dizer que as três meninas órfãs adotadas por um dos canastrões personagens encarnados por Gru talvez sejam as criações mais insuportáveis e sem qualquer arco complexo da história das animações. Margo (Miranda Cosgrove), Edith (Dana Gaier) e Agnes (Elsie Fisher) são irmãs, e basicamente saem de um determinado ponto para voltar à linha de partida: elas entram aqui como suportes e entremeios para que o protagonista encontre seu arco de redenção, mas a falta de personalidade e a linearidade de sua narrativa em nada contribui para o endossamento ou a negação da trama principal.
Gru percebe que consegue utilizar a inocência pueril para resgatar a arma, mas acaba deixando que seu lado paternal e acolhedor, escondido em meio a uma brusca feição e a constante procura pela solidão, emerja e as coloque em perigo, iniciando uma perseguição ao melhor estilo “gato e rato” - mas pobremente resolvida com viradas previsíveis e insatisfatórias.
Pierre Coffin e Chris Renaud, responsáveis pela direção do longa, não sabem por qual caminho seguir e optam por mesclar diversos estilos de montagem em um só lugar. Como já citado anteriormente, a premeditação cartunesca de Gru é construída a partir de duas vertentes básicas: a opção pelo plano sequência se iniciando em close e depois abrindo para o geral, pegando referências de filmes de Charles Chaplin; e a trilha sonora tonal idealizada por Pharrell Williams e Heitor Pereira, a qual nos relembra das primeiras animações dos estúdios Walt Disney, perscrutadas pelos famosos mickey-mousings.
Entretanto, conforme a história se desenrola, o roteiro também opta por uma perspectiva mais verborrágica e a própria montagem se transforma em uma justaposição de enquadramentos rápidos e dinâmicos que tentem harmonizar com aquilo que sucede em determinada sequência. Mas a concepção multi-identitária fica tão saturada na tela, que não podemos deixar de nos sentir desconfortáveis com tanta informação.
Outro ponto a ser analisado é a presença dos minions, criaturinhas amarelas que se parecem com feijões supercrescidos e que têm uma linguagem própria - e que, além disso, são apaixonados por banana. Apesar do semblante apaziguador e terna, eles são asseclas do mal que seguem cegamente Gru, tornando-se os principais ajudantes para que seus planos atinjam o sucesso. Podemos até traçar algumas comparações entre eles e os extraterrestres verde-limão da franquia Toy Story, mas garanto que os minions são insuportavelmente esdrúxulos. Apesar da comicidade e da leveza características de sua significação para a história, eles ocupam mais da metade do tempo de cena e entram em um looping eterno de ação e reação, permanecendo dentro de uma bolha individualista e desnecessária para o entendimento dos eventos principais.
Um dos grandes momentos de glória é a presença da eterna Julie Andrews como a Sra. Gru. Suas aparições são pontuais, mas trazem uma sutileza tragicômica que adiciona camadas de complexidade para a backstory do protagonista e mostra as relações conturbadas entre mãe e filho, além de possibilitar a existência de um arco de redenção mais sólido - tudo permeado com ironia, sarcasmo e acidez.
Meu Malvado Favorito não é um filme essencialmente satisfatório. Com sua história saturada e suas resoluções pobres, fica claro que a DreamWorks não sabe muito bem por qual caminho seguir. Mas não podemos negar seus escassos momentos de brilho - e o alívio quando os créditos finalmente começam a subir na tela.
Meu Malvado Favorito (Despicable Me, EUA – 2010)
Direção: Pierre Coffin, Chris Renaud
Roteiro: Sergio Pablos (argumento), Cinco Paul, Ken Daurio (roteiro)
Elenco: Steve Carell, Jason Segel, Miranda Cosgrove, Kristen Wiig, Julie Walters, Will Arnett, Dana Gaier, Elsie Fisher, Russell Brand
Gênero: Animação, Comédia
Duração: 96 min.