Escape 60 imortaliza a série 'Bates Motel' com um de seus melhores desafios já criados

Alfred Hitchcock não é considerado o mestre do suspense por qualquer razão. Suas incríveis e atemporais narrativas são relembradas até hoje e imortalizadas dos mais variados tipos, seja na literatura ou no audiovisual - incluindo o sucesso de uma das séries contemporâneas mais famosas, Bates Motel (uma prequela e sequência do clássico Psicose). O show protagonizado por Vera Farmiga e Freddie Highmore não apenas resgatou a nostalgia vista no longa-metragem, como forneceu uma perspectiva mais humanizada para os personagens, além de trazer inúmeras viradas para cada uma das tramas.

Logo, não é nenhuma surpresa que a companhia Escape 60, conhecida por criar cenários de suspense e mistério, tenha adotado a série como uma grande inspiração para a arquitetura do que pode ser considerado uma de suas obras-primas. O jogo de estratégia e resolução de pistas se assemelha um Detetive gigantesco, no qual os participantes devem descobrir quem foi o assassino - mas a concepção não para por aí: há também o adicional narrativo dentro do qual os hóspedes do quarto 01 do Motel Bates caíram numa armadilha e podem levar a culpa caso não resolvam o crime e encontrem provas para sua inocência dentro de sessenta minutos.

O cenário segue o mesmo padrão dos outros quartos - e aqui excluo os pertencentes ao Escape X-Treme, que opta por uma abordagem mais visceral e angustiante -, e a roupagem para uma das locações mais famosas da série é incrível. Os detalhes são muito bem pensados, desde o papel de parede desbotado até os adornos que compõe a identidade do quarto - a presença de pássaros nos quadros faz uma alusão no melhor estilo easter egg à paixão de Norman Bates (ao menos dentro da série) por esses animais. Dentro do cômodo, os quebra-cabeças a serem resolvidos são variados, desde os mais lógicos até simples problemas matemáticos.

Para aqueles acostumados ao jogo, garanto que o quarto não desaponta, introduzindo mais elementos à complexidade marca-registrada da empresa. Para os novatos, uma dica: nenhum elemento é descartável. Em um espaço relativamente amplo, as dicas estão espalhadas e escondidas nos objetos mais simples e mais passíveis de serem ignorados - claro, algumas pistas são bem explícitas, mas a maioria exige concentração e atiça a capacidade de transponibilidade de obstáculos por parte de seus participantes. E prepare-se para inclusive desenterrar sua bagagem cultural, visto que a simulação pode pedir suas referências audiovisuais para completar os desafios.

Sem dar spoilers significativos, posso dizer que Bates Motel é um cenário dividido em dois - mas isso não quer dizer que o acesso a todas as partes é dada de graça. Como já dito, o jogo funciona no melhor estilo de busca e recompensa, visto que cada etapa concluída coloca os integrantes mais perto de resolver o crime e de abrir a porta que lhes dará liberdade. É óbvio que, mesmo com várias cabeças pensando para conseguir resolver os desafios, alguns deles parecem impossíveis: logo no início da simulação, um dos assistentes avisa que, vez ou outra, dará uma dica para que a narrativa continue e os participantes saiam de um aparente beco sem saída.

Além da incrível história arquitetada, a atmosfera criada contribui para deixar os “hóspedes” sedentos por vencer o jogo. Uma grande televisão, fixada no centro do cenário, indica o cronômetro que, ao chegar ao “zero”, indicará o vencedor ou o perdedor da brincadeira - e não adianta o quão forte você seja: olhar para o relógio é algo inerente a qualquer um que esteja ansioso o suficiente para não ser preso pelas autoridades. E a ideia é justamente colocar trazer essas emoções à tona para trazer mais verdade à situação, nos fazendo esquecer brevemente de que estamos em um “faz-de-conta”.

Durante todo o tempo no quarto, a ambiência também é perscrutada por uma tétrica trilha sonora típica de filmes e séries de suspense - e que, no caso, contribui para nos transportar ao universo idealizado primeiramente por Hitchcock. Ainda que indiretamente, isso também ajuda os participantes a colocar o cérebro a todo vapor e concentrar-se na busca pela vitória. A atração também é equipada com papel e caneta para possíveis anotações da equipe, bem como um botão antipânico para aqueles que se sentirem muito impactados pela história ou pela atmosfera.

Escape 60: Bates Motel é, sem dúvida, uma das melhores atrações da companhia por imortalizar uma narrativa tão clássica quanto a citada acima. Além de desafios inteligentes, a atração é mais um ponto que permite e fidelidade de seus participantes para as outras histórias e futuras investidas da companhia.

Confira localização, horários e preços:

RIO DE JANEIRO - COPACABANA

Segunda à sexta-feira, das 10h30min às 23h50min.

SÃO PAULO - VILA OLÍMPIA

Segunda à sexa-feira, das 10h30min às 23h50min.

Valor fixo: R$79,00. Para mais informações, acesse o site oficial clicando aqui!


Crítica | The Mist - 1ª Temporada

Crítica | The Mist - 1ª Temporada

Stephen King, desde o início da década de 1980, sempre foi um dos autores de maior destaque no cenário audiovisual, emergindo como um dos principais focos de adaptações cinematográficas e televisivas com suas incríveis histórias de terror, suspense, drama e fantasia. Temos, por exemplo, icônicas releituras que se tornaram clássicos da história hollywoodiana, como It - A Coisa, O Iluminado e Carrie - A Estranha, bem como longas-metragens que ultrapassaram as barreiras do gore e do macabro para entregarem uma perspectiva muito mais metafórica e sócio-antropológica, como O Nevoeiro, dirigido por Frank Darabont em 2007.

Entretanto, temos rendições um tanto quanto duvidáveis das obras do mestre do terror contemporâneo, principalmente quando falamos em suas adaptações para as telinhas. Em 2011, Brian K. Vaughan ofereceu seus melhores esforços para honrar o legado de Sob a Redoma, mas acabou criando um macrocosmos cheio de furos e de acontecimentos incabíveis, misturados a uma pretensão narrativa que a tornou uma das grandes decepções. Infelizmente, Christian Torpe conseguiu repetir o feito ao desenvolver uma nova roupagem para Nevoeiro em parceria com a emissora Spike, entregando o que podemos chamar de uma das mais monótonas séries dos últimos anos.

Não se pode dizer que o episódio piloto de The Mist é totalmente desperdiçado e não permite que o público anseie pelos próximos eventos e viradas - muito pelo contrário: nos primeiros minutos, percebemos que a ideia aqui é ir além da claustrofobia presente tanto nas páginas do material original quanto no filme de Darabont, os quais se passam estritamente em um confinamento forçado num supermercado, o qual se transforma em uma versão minimalista de uma sociedade em decadência. Os personagens agora se multiplicam, assim como os cenários - então é mais que óbvio que passemos a conhecer uma backstory, por mais ínfima possível, das relações que os unem.

A ambiência principal é a pequena cidade de Bridgeville, no estado americano do Maine, a qual é envolvida por uma misteriosa e crescente neblina que aparece do nada e traz consigo criaturas aterrorizantes e um sentimento de angústia que coloca a sanidade de todos em xeque. Porém, esse fator sobrenatural não alcança sua plenitude até os minutos finais do episódio piloto, preferindo muito mais discorrer sobre outros temas contemporâneos antes de colocar a virada catártica na monotonia do condado. Assuntos como homofobia, aceitação, renegação, divórcio, santidade e tolerância religiosa são constantes, apesar de não convergirem a todo momento: temos por exemplo a relação conturbada de Kevin (Morgan Spector) e seu filho Adrian (Russell Posner) sobre as questões de gênero e como os laços familiares podem ser levados ao extremo da resiliência quando algo balança as estruturas tradicionalistas - em outras palavras, Adrian admite sua homossexualidade para o pai e é rechaçado por seu estilo de vida.

O nevoeiro é um símbolo semiótico que indica a cegueira, e as criaturas extradimensionais, definitivamente deixadas em segundo plano, entram como catalisadores bíblicos de salvação ou de condenação. Dessa forma, o terror só deixaria de existir quando as relações humanas, passivas de erros, encontrassem uma evolução digna de “segunda chance” - ou ao menos, esse era o principal ideal arquitetado por King e por Darabont nas obras predecessoras. A relação pai-filho da série é a que passa pelas mais profundas transformações, mas mesmo assim não traz todo o brilho que poderia, por um simples motivo: a monotonia cênica.

As coisas parecem se mover em uma velocidade tão ínfima quanto uma sequência slow-motion - talvez até menor. Ao longo de dez episódios, tudo o que os personagens fazem é fugir. Correr. Proteger-se da névoa, sem ao menos ter em mente possíveis perguntas sobre sua origem, decorrência ou como puderem se salvar. Em determinas sequências, a explicação se restringe ao poder divino que enviou seus sentinelas do apocalipse para iniciar o julgamento final - buscando inspiração na obra literária, visto que, em momentos de crise, o ser humano deixa seu lado mais racional escondido e prioriza a renovação de sua fé para a eternidade. É claro que não podemos tirar crédito das pontualidades do roteiro e da condução dos fatos, incluindo a crescente rixa ideológica entre o Padre Romanov (Dan Butler) e a dissidente Nathalie Raven (Frances Conroy) que culmina na aparição nem um pouco premeditada dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse para matar o pastor - renegando o falso moralismo pregado por membros da Igreja Católica e escancarando a heresia desenfreada.

O potencial de The Mist existe. Está lá, na frente de todos. Mas é essa insuportável pontualidade que insiste em carregar os personagens, seus objetivos, seus medos e seus arcos perscrutados de furos e pontas soltas. A majestuosidade dá lugar à efemeridade simbólica e, para completar, estetizada com uma montagem sem qualquer fluxo imagético - aumentando o afastamento do público em relação à série.

Quando não estamos aguardando ansiosamente pelas ameaças sobrenaturais que povoam a névoa, nos vemos frente a frente com conflitos internos em cada um dos cenários principais. Temos a igreja e a o hospital, como supracitados, e também o shopping - funcionando mais como um campo de batalha que qualquer outra coisa. Aqui, seguimos de forma compulsória e sem qualquer saída o grupo liderado por Eve (Alyssa Sutherland), esposa de Kevin, e Alex (Gus Birney), a outra filha do casal, as quais foram separadas pelo assustador nevoeiro. Entretanto, além de monótonos, os acontecimentos dentro desse estabelecimento não seguem uma lógica própria, fincando-se muito à inverossimilhança e às frases de efeito para fornecer o mínimo de complexidade a personagens que, eventualmente, tornam-se vazios.

É claro que os pontos altos existem - e o principal deles vem na figura contraditória da renegada Mia (Danica Curcic), uma viciada em drogas que esconde segredos obscuros, revelados à medida em que enfrenta seus medos e é possuída pelos ataques psicossomáticos da névoa. Além da performance de Curcic se sobressair diversas vezes nas sequências de ação e de drama, roubando o foco dos outros protagonistas, seu arco é o mais bem delineado e o mais agradável de toda a temporada, ainda que isso não seja o suficiente para apagar deslizes imperdoáveis.

The Mist é o que podemos chamar de desperdício de potencial, apostando suas fichas em apenas uma pequena parcela do gênero que ousa explorar e afastando-se de forma inexplicável de sua fonte original. Em detrimento até mesmo de uma narrativa que tentasse escapar das convencionalidades, a série é um amontoado de investidas presunçosas e brutas - fazendo pouco jus ao seu criador original.

The Mist – 1ª Temporada (Idem, 2017 – EUA)

Criado por: Christian Torpe, baseado livremente na obra de Stephen King
Direção: Guy Ferland, Nick Murphy, Adam Bernstein, David Boyd, James Hawes, Richard Laxton, Matthew Penn, T.J. Scott
Roteiro: Christian Torpe, Amanda Segel, Andrew Wilder, Peter Biegen, Noah Griffith, Peter Macmanus, Daniel Stewart, Daniel Talbott
Elenco: Morgan Spector, Alyssa Sutherland, Gus Birney, Danica Curcic, Okezie Morro, Luke Cosgrove, Frances Conroy, Darren Pettie, Russell Posner
Emissora: Spike (EUA); Netflix (Brasil)
Gênero: Suspense, Drama
Duração: 45 minutos


Meninas Malvadas | Confira quem é quem no novo musical da Broadway

Os produtores Lorne MichaelsStuart Thompson anunciaram ontem à tarde o elenco oficial do novo musical da BroadwayMeninas Malvadas. A peça é baseada no livro homônimo da vencedora do Emmy Awards, Tina Fey, responsável também pelo roteiro do longa-metragem de 2004; a trilha sonora será composta por Jeff Richmond, em conjunto com o letrista Nell Benjamin, vencedor do Tony Award. Casey Nicholaw entra como diretor e coreógrafo.

Erika Henningsen será a protagonista Cady Heron; Taylor Louderman encarna a icônica e eterna vilã Regina George; Ashley Park será Gretchen Wieners, Kate Rockwell interpretará Karen Smith, Barrett Wilbert Weed será Janis Sakisian e Grey Henson entra como Damian Hubbard. Kerry Butler, Kyle Selig, Cheech Manohar, Rick Younger e outros também completam o elenco.

A sinopse segue a mesma história do longa: após anos vivendo com seus pais zoólogos na África, Cady se muda para Illinois e deve encontrar seu lugar na hierarquia social de sua nova escola. Sendo uma doce e por vezes inocente novata, Cady logo atrai a atenção das Plásticas, um trio de garotas super populares liderado pela calculista e vilanesca Regina George. Quando Cady arquiteta um plano para acabar com seu reinado, ela descobre que não consegue atravessar o caminho de uma Abelha Rainha sem ser picada.

Meninas Malvadas tornou-se uma das comédias românticas adolescentes mais rentáveis e mais relembradas de todos os tempos. A iteração foi protagonizada por Lindsay Lohan como Cady, Rachel McAdams como Regina, Amanda Seyfried como Karen e Lacey Chabert como Gretchen. A peça tem previsão de estreia em 2019.


Artigo | A Teoria do Universo Compartilhado Pixar

É quase uma obviedade dizer que os fãs dos estúdios Pixar já estão familiarizados com a teoria do universo compartilhado entre todas as animações da companhia. Criada pelo jornalista Jon Negroni e postada em seu blog pessoal em 2013, a teoria analisa as diversas conexões e easter eggs entre as obras audiovisuais, negando sua aleatoriedade e endossando a capacidade idealística de um microcosmos único e incomparável. É interessante afirmar que o próprio estúdio confirmou a existência das correlações narrativas entre seus filmes e que pretende expandi-las.

De acordo com Negroni, o ponto principal para deixar a teoria crível é sua tendência ao naturalismo. Em outras palavras, a ideia é se divertir, exercitando a imaginação ao mesmo tempo em que procura por conexões interessantes entre essas fantásticas obras-primas.

Tudo se inicia com Valente (2012). A animação é a primeira e a última a fechar o círculo Pixar. Como é bem claro, a narrativa em si entrega uma atmosfera centrada na Escócia medieval, buscando referências nos séculos XIV e XV para a emersão de Merida, uma garota lutando pela constante liberdade e que eventualmente descobre que a “magia” pode resolver seus problemas – apesar de inadvertidamente transformar sua mãe em uma ursa. Descobrimos também que essa força inexplicável está diretamente relacionada a uma bruxa sem nome que tem a capacidade de controlar a magia de forma inenarrável – e aqui nós não apenas vamos animais se comportando com humanos, mas também objetos inanimados com características individualistas, como a vassoura da casa da feiticeira, a qual também tem a habilidade de desaparecer através de portas de madeira.

A constante evolução dessa magia culminaria, pois, no nascimento de super-heróis – pessoas com habilidade sobre-humanas, provindas de algum fator genético sem embasamento científico que ocasionou uma mutação evolutiva. Esta classe de humanos, vista com bastante profundidade em Os Incríveis (2004), mantinham a ordem no mundo até que Buddy, um pseudo-herói, criou duas coisas para sua decadência: robôs de inteligência artificial chamados de Omnidroids e a alta-tecnologia Zero Point Energy (uma energia eletromagnética existente no vácuo). Este é o acontecimento principal a partir do qual vemos as máquinas erradicarem seus inimigos e, conforme ZPE é espalhada devido às inúmeras batalhas, outros objetos inanimados começam a absorvê-la e a criar vida própria – como brinquedos.

Os primeiros sinais de vida desses brinquedos vêm em Toy Story (1995). Tal “família” cria um código de regras e valores e descobrem que o amor dos humanos é outra fonte de energia, passando a utilizá-la para sobreviverem e não caírem em sua forma mais crua. Na continuação da franquia, percebemos que o grau de evolução atingiu níveis altíssimos, visto que esses objetos descobrem que o isolamento é um fato de risco. Brinquedos antes inanimados começam a questionar seu propósito em vida – Jesse, por exemplo, tem ressentimento de sua antiga dona, Emily, por abandoná-la, cultivando um ódio disfarçado de tristeza e arrependimento, transformando-a em um ser tão complexo quanto os humanos. E essa patologia darwiniana logo começa a se espalhar não apenas para coisas, mas também para os animais.

Em Procurando Nemo (2003), é possível perceber que, no oceano, as criaturas marinhas são extremamente avançadas: possuem escolas, um sistema de navegação e até mesmo de comunicação. Descobrimos também que os humanos estão poluindo o planeta e realizando experimentos em peixes e outros animais, possivelmente indicando que esta é a causa do esquecimento de Dory – e não podemos deixar de citar que os sinais de ressentimento permanecem existindo e crescendo, tornando os animais mais curiosos e carregados de características humanas. Ratatouille (2007) entra como uma análise do mundo humano em fusão com o animalesco. Remy, o protagonista da narrativa, acha uma paixão em cozinhar e é perscrutado por características antropomórficas, como andar em duas patas, lavar as mãos, ler e criar.

É nesse longa que vemos a primeira interação real entre humano e animal, mas com o propósito de subjugação daquele. Remy controla Linguini porque ele não consegue fazer absolutamente nada em termos culinários, ao mesmo tempo em que o clã de roedores não aprova um de sua espécie no mundo daqueles que os matam. Em Toy Story 3 (2010), temos a perspectiva dos brinquedos novamente, mostrando que eles já passaram por poucas e boas com os humanos. Se você já assistiu aos filmes, pode entender o quão cansados eles estão, sendo abusados física e psicologicamente por seus “donos”.

Lotso é o terceiro indicativo de que a conturbada vivência entre opressor e oprimido está com seus dias contados. Através de uma evolução incrível que inclusive impactou no amadurecimento dos personagens, o ódio contra humanos tornou-se o principal pano de fundo para o futuro do planeta. O “Urso Carinhoso” revela ser um antagonista às avessas da narrativa, ao começar a demonstrar um cuidado especial com sua raça, para protegê-los e mantê-los a salvo, ainda que tenha que transformado em um tirano megalomaníaco. Isso também nos fornece mais embasamento para a razão da gradativa conquista de máquinas e objetos sobre os humanos. Andy, então, é alertado para se desfazer de seus brinquedos, seguindo as inventivas idealizações de um casal que planeja viver em solidão durante a iminente batalha – Carl e Ellie, de Up – Altas Aventuras (2009).

Carl é forçado a vender sua casa para uma corporação intitulada BnL (Buy-and-Large), a qual está expandindo a cidade. Isso premedita uma futura corrida tecnológica que culmina tanto na superpopulação e na poluição exacerbada dos ecossistemas. Entretanto, o foco aqui é no senhorzinho que descobre que os animais conseguem se comunicar com os humanos, compartilhando de sua amargura. Charles Muntz, o vilão do filme, consegue com bastante sucesso traduzir esses sentimentos através de coleiras eletrônicas, além de treinar um exército de cães, marco da batalha entre animais e humanos. Anos depois, a guerra acontece – e as máquinas acabaram vencendo-a para seus idealizadores, alterando o equilíbrio da Terra, ainda que acidentalmente. Para que o balanço fosse recuperado, a BnL mandou a raça humana remanescente para o espaço dentro de uma nave chamada Axiom; todo o restante da maquinaria foi mantido para repopular o mundo e controlar as coisas.

É aí que entramos na era Carros (2006, 2011 e 2017). À essa época - que dentro da cronologia Pixar se passa entre os anos 2100 e 2200 -, percebe-se que não há pessoas em nenhuma parte do mundo, e que, desta vez, a crise mundial dá-se pelo fato do óleo ser usado como fonte única de energia para as máquinas. A corporação Allinol (Carros 2) estava utilizando fontes renováveis como catalisador para um combustível alternativo. Entretanto, como bem sabemos, tal substância estava sendo utilizada para varrer os carros do mundo. Com o uso exacerbado do óleo, a poluição no planeta tornou-se inevitável e, como consequência, irremediavelmente inapto para a preservação da vida natural.

A Terra tornou-se inabitável durante vários séculos devido à BnL. Tal corporação comandava as grandes empresas multinacionais desde a década de 1950. Wall-E (2008) emerge como o único “sobrevivente” após a escassez de recursos, e só conseguiu permanecer funcionando por ser fascinado pela cultura humana, além de ter um relacionamento nada convencional com uma barata - o qual mantém sua personalidade e realização pessoal. Além disso, toda a maquinaria existente na Axiom mostrou-se capaz de desenvolver um senso de propósito a partir da dependência dos humanos. Wall-E é a personificação de Adão, e ele e seu par romântico, apropriadamente nomeado de Eva, salvam a raça humana ao tornar o planeta um lugar benéfico para um novo começo.

Como se sabe, a única fonte de vida natural estava contida dentro de uma bota desgastada. A última planta sobrevivente do desastre ambiental é a primeira a ser cultivada pelos humanos; devido à alta radiação, ela se torna uma gigantesca árvore, lar dos adoráveis personagens vistos em Vida de Inseto (1998). Em pleno século XXXI, seguindo ainda a cronologia futurista, as formigas desenvolveram mutações genéticas que as permitiram viver por um tempo muito mais longo e, nessa nova era, os animais remanescentes não precisam se preocupar com a presença amedrontadora de humanos e acabam se transformando na espécie dominante. Em outras palavras, a radiação não apenas afeta o senso de comunidade dessas espécies, mas permite que entrem em um ciclo evolutivo culminando em seu ápice de desenvolvimento como monstros.

Em Universidade Monstros (2013), sabemos que essa nova raça acidentalmente varreu os humanos da face da Terra. O complexo educacional foi fundado em 1313, mas essa data se baseia num calendário monstro, não humano, nos levando a acreditar que tais eventos ocorreram quase 1400 anos depois de Vida de Inseto. Dentro das instalações, os personagens aprendem equivocadamente que os antigos habitantes do planeta eram tóxicos e de outra dimensão, levando-os a crer piamente que poderiam ser extinguidos caso se encontrassem com uma ameaça daquele nível. Entretanto, é apenas em Monstros S.A. (2001) que a espécie dominante percebe seu erro: os humanos são responsáveis pela fonte primária de energia. Portanto, utilizando as máquinas remanescentes e a magia bruta originária da incrível árvore imortal, eles conseguem utilizar portas feitas de madeira para viajar no tempo - mais precisamente, para gerações antecessoras.

E isso nos leva ao ponto-chave da cronologia Pixar: Boo.

A pequena Boo - a garotinha de vestido rosa que aterrorizou e encantou as vidas dos monstros no longa de 2001 - nunca superou seu guardião Sulley e tornou-se obcecada em descobrir o que aconteceu a ele. Ela se recordava de que as portas eram os símbolos materializados para encontrá-lo e, quando cresceu, descobriu como utilizar a viagem no tempo - utilizando portais de madeira - para retornar à fonte primária de toda a magia (a mesma encontrada por Merida em Valente). Boo deixa evidências na narrativa escocesa: duas esculturas em troncos de árvore: uma representado Sulley e outra um caminhão de pizza - duas das coisas que ela mais amava na vida. E apesar de ter sabedoria o suficiente para manipular essa força cósmica, não consegue determinar o período em que vai parar. Portanto, especula-se que os easter eggs presentes em cada uma das animações são ocasionados pela constante busca da garota por seu melhor amigo, acidentalmente pulando de época em época até conseguir encontrá-lo.