em ,

Crítica | A Torre Negra

Há uma premissa que diz que toda história já foi contada. Desde os primórdios da humanidade, a necessidade de relatar acontecimentos reais ou fantasiosos fez parte da inerência dos indivíduos e, até os dias de hoje, as mais diversas narrativas foram criadas para satisfazer o imaginário popular ou como forma metafórica de enxergar os acontecimentos da vida. A grande maioria de tramas criadas ao longo do tempo tem profunda relação com a emergência do gênero da ficção fantástica, o qual é essencialmente fincado com a criação de mundos longínquos e inacessíveis ao mundano e ao superficial. Após uma grande saturação deste tipo de narrativa, fez-se necessário conhecer as fórmulas para quebrá-las e conseguir fornecer uma perspectiva nova para aquilo que já conhecíamos. E infelizmente não é isso o que acontece com A Torre Negra.

Apesar da épica série criada por Stephen King ser um de seus maiores sucessos críticos e comerciais, não se pode dizer o mesmo da adaptação aos cinemas. A história gira em torno de Jake (Tom Taylor), um jovem garoto atormentado por diversos pesadelos envolvendo criaturas amedrontadoras e cenários pós-apocalípticos, todos perscrutados por gigantes máquinas canalizadoras de essência e uma alterosa torre negra (cenário que empresta o nome ao título). Conhecendo o estilo de escrita do autor, poderíamos esperar uma narrativa completamente fincada no gore, no terror e nas incríveis viradas, mas, na verdade, permanecemos um pouco mais de noventa minutos observando passivamente mais uma obra extraída das páginas da Jornada do Herói, de Joseph Campbell.

Apenas com a premissa, é possível prever exatamente o que vai acontecer em cada um dos atos. Primeiro, o protagonista é bombardeado por pequenos frenesis inexplicáveis e frequentes que mostram uma tecnologia nunca antes vista, cenários desérticos e criações maniqueístas do bem e do mal que lutam pela supremacia do mundo – mais precisamente pela destruição ou proteção da Torre. Já no prólogo, percebemos que esse lugar (o qual não consegue puxar muita atenção por parte do público) é responsável pelo equilíbrio cósmico dos multiversos, servindo como fonte natural de proteção contra forças das trevas. Toda a atmosfera é construída com grande maestria, mas essa majestuosidade desvanece em um estalar dos dedos à medida em que a narrativa se torna mais e mais saturada.

Os antagonistas são claros: criaturas monstruosas disfarçadas com máscaras humanas e que trazem o “melhor” dos dois mundos – em outras palavras, tanto a tecnologia quanto a magia. Matthew McConaughey prova mais uma vez sua versatilidade em cena ao abandonar seus estereótipos sulistas e encarnar uma das figuras mais demoníacos do panteão de King, o Homem de Preto. Qual o problema então? O transporte do personagem literário para as telonas parece ter deixado de lado toda o arco construtivo, tornando-o vazio e sem quaisquer nuances aparentes. Em oposição, temos o arquétipo clássico do herói, Roland (Idris Elba), o último pistoleiro sobrevivente do constante ataque das forças do mal e que abandonou todos os seus ideais para caçar sua nêmese e varrê-lo para a inexistência.

Há algo de inebriante com a química destes dois atores em cena, visto que um traz solilóquios sobre a arte de atirar e o outro simplesmente nega esse autocontrole com um soslaio de olhos. O fato do Homem de Preto poder entrar na mente de seus adversários e obrigá-los a fazer o que quer é interessante ao extremo, porém pobremente explorado pelos inúmeros acontecimentos não finalizados em cada uma das viradas, principalmente pela necessidade do nosso protagonista atender ao chamado à aventura e iniciar sua jornada em terras desconhecidas. Desse modo, Jake ignora o fato de sua mãe, seu padrasto e até mesmo seu terapeuta o tacharem como esquizofrênico, partindo em busca de um modo para encontrar algo que tire todo o peso existencial que carrega: o do fim do mundo (uma jogada um tanto quanto cabalística e previsível, mas que funciona como blockbuster).

A construção visual segue o mesmo molde da mini franquia Percy Jackson: o herói dá adeus para uma figura muito próxima a si, vendo-a se sacrificar para que passe pelas irreversíveis transformações interiores e exteriores. É possível ver uma transposição de uma obra para outra de forma reciclada e sem qualquer originalidade – tudo bem, talvez os relances de “novo” venham com a união entre o passado e o futuro em uma concepção um tanto quanto intrigante do Mundo Médio (uma clara inclinação para a Terra-Média tão bem arquitetada por J.R.R. Tolkien em O Senhor dos Anéis). Até mesmo a montagem e a intercalação de planos gerais e fechados segue as saídas formulaicas dos épicos “pipoca” em número tão absurdo na indústria cinematográfica hollywoodiana, mas com um diferencial gritante: as cenas de batalhas praticamente não existem e, se estão lá, são mal coreografadas.

Em determinada sequência, perto do desfecho do terceiro ato, temos a tão aguardada batalha entre as duas maiores forças do filme. Jake já havia se revelado a criança-chave para destruir a Torre e permitir que a escuridão se alastrasse pelos mundos e utilizava o restante de suas forças para manter o contato entre o Homem de Preto e Roland, incitando-os a lutar pela salvação ou pela destruição de tudo aquilo que conheciam. O confronto é tão vazio quanto o próprio conceito da obra cinematográfica, e os personagens, para completar, estão engolfados em um cenário puramente escuro, tornando ainda mais difícil diferenciar quem faz o quê. O cúmulo dessa pretensão vem com a morte do antagonista – uma das menos digeríveis do ano.

Personagens previsíveis, uma história já conhecida e cenários destruídos que puxam uma inspiração falha das distopias futurísticas e deixam pontas soltas e várias explicações sem pé nem cabeça ao longo da narrativa. Os protagonistas, sejam vilões ou heróis, funcionam isoladamente como análise para um potencial perdido; mas eles não trazem a conexão necessário para deleite do público. Eles estão apenas jogados em cena, e são reconstruções de outras montagens muito mais superiores de obras similares.

A Torre Negra funciona para aqueles que não esperam nada além de uma infinitesimal diversão com bons atores e uma mitologia superficial. Mas em termos cinematográficos, essa é apenas mais uma adaptação de um romance de Stephen King que deixa a desejar – e muito.

A Torre Negra (The Dark Tower, EUA – 2017)

Direção: Nikolaj Arcel
Roteiro: Akiva Goldsman e Jeff Pinkner, baseado na obra de Stephen King
Elenco: Idris Elba, Matthew McConaughey, Tom Taylor, Dennis Haysbert, Claudia Kim, Abbey Lee, Katheryn Winnick, Nicholas Pauling
Gênero: Drama, Fantasia
Duração: 95 min.

Avatar

Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Game of Thrones | Entenda como o Rei da Noite tramou a Armadilha para Jon Snow

Estúdio | Paramount Pictures