em ,

Bastidores Indica | Deadly Premonition

Deadly Premonition (2010)

Desenvolvido por Acess Games

Você já deve ter ouvido falar de filmes, séries e músicas onde a opinião geral é “ame ou odeie”. Aquele tipo de conteúdo que apenas pessoas com um particular gosto conseguem aproveitar, alienando boa parte do público geral. E enquanto em mídias audiovisuais isso é mais subjetivo e depende de diversos fatores para o público se conectar com determinada obra, nos videogames isso também ocorre, apesar de serem raros os casos de jogos amados mesmo com suas falhas técnicas. E Deadly Premonition é um desses raros momentos na história dos videogames que o conteúdo na realidade se encaixa com suas falhas.

Aproveitando o especial de Twin Peaks do site, nós do Bastidores recomendamos para todos os aficionados pela obra de David Lynch um game que se inspira profundamente na série policial surrealista. Dirigido por Hidetaka Suehiro e lançado originalmente em 2010 para PC, Xbox 360 e PS3, Deadly Premonition tem a mesma premissa e cenário de Twin Peaks: um misterioso assassinato ocorre em um pacato vilarejo no interior dos Estados Unidos. Você, um excêntrico agente do FBI chamado Francis York Morgan chega à cidadezinha de Greenvale para investigar o caso e encontra uma trama complexa que envolve lendas urbanas, cultos macabros e muita, mas muita cafeína.

A trama mistura a clássica trama de investigação com elementos sobrenaturais e surrealistas. Tudo no mundo de Deadly Premonition passa a sensação de estranheza e peculiaridade que poucos jogos de terror psicológico conseguem. Tome de exemplo o próprio protagonista, o investigador York, que como Dale Cooper é um aficionado por café e doces em seu café da manhã. Um personagem que a primeira vista parece um estereotipado investigador acaba se mostrando único em seus detalhes, como o fato de interromper o diálogo de outros personagens e falar constantemente consigo, como se conversasse com um amigo invisível. E não só ele, mas a investigação de York o levará a conhecer personagens tão estranhos quanto o próprio protagonista, passando por policiais com traumas de infância, uma inusitada participação de Naomi Watts como uma aliada de York, além dos pacatos e misteriosos habitantes de Greenvale. É esse tipo de bizarrice que o jogador encontrará frequentemente no game, seja com seus personagens, trama e até mesmo mecânicas.

Um pouco de contexto precisa ser feito antes de mais nada. Criado pelo pequeno estúdio chamado Acess Games e com baixo orçamento, originalmente o projeto se chamaria Rainy Woods e estava sendo planejado para o Playstation 2 e Xbox 360. Porém, devido a problemas tecnológicos para o game funcionar na plataforma da Sony, o projeto foi rebootado e transferido completamente para os consoles da sétima geração, mas levando boa parte do que já tinha sido feito. Para se ter uma ideia das inspirações e ambições do projeto, Hidetaka Suehiro trabalhou junto com um diretor independente Kenji Gota, que ajudou a escrever a trama e os diálogos do protagonista com seu amigo imaginário, Zach. Juntos, criaram uma obra que, apesar de inspirada em David Lynch, tem uma natureza singular que o torna único em sua mídia.

Em seu gameplay temos uma mistura de tiro em terceira pessoa com um mapa de mundo aberto livre para ser explorado a qualquer momento por Francis, seja a pé, de carro ou via transportes. Porém, não encare a cidadezinha de Greenvale com os mesmos olhos de uma  game moderno, pois o que você encontrará é uma massiva porção de terra com pouco ou nada a ser feito. Há sim missões paralelas e coisas a serem feitas e dinheiro a ser gasto (recebido por diversas ações que o jogador cumpre, desde usar roupas limpas até atirar na cabeça dos inimigos), mas o conteúdo parece escasso em comparação com o seu tamanho. Porém tal sensação de vazio só agrega ao estranhamento do jogador à experiência toda, criando na verdade um clima que se encaixa ao seu tema e identidade.

No combate (pensado de forma tardia no desenvolvimento do jogo e colocado ali apenas para possibilitar sua venda para um público ocidental), temos algo próximo ao gênero de tiro em terceira pessoa, com a câmera no ombro do personagem, lembrando muito Resident Evil 4. Entrando em uma espécie de realidade paralela, York enfrenta criaturas parecidas com zumbis, que se comportam como nenhum outro que você já viu. Alguns se movimentam andando para trás, enquanto olham para você de ponta cabeça. E quando te alcançam? Enfiam metade do braço na boca do protagonista, algo bem…incomum. Isso sem contar o principal inimigo do jogo, o assassino serial que atormenta a cidadezinha chamado Raincoat Killer. Os momentos mais interessantes do combate é quando o jogador não deve apenas enfrentar o assassino mas fugir dele, transformando o tiroteio em uma intensa fuga por sua sobrevivência.

Como visto em seus elementos, a ambientação do jogo está mais em sua caracterização do que propriamente em sua excelência técnica, com gráficos claramente datados mesmo para a época que foi feito, remanescente de sua origem como um game para PS2 e o baixo orçamento dos desenvolvedores.. Apesar de perdoável, as quedas de framerate e mecânicas duras de tiro e movimentação acabam atrapalhando a imersão, algo que foi minimizado na versão Director’s Cut, lançada em 2013 para os mesmos consoles e que além de ter recebido um boost na sua performance, teve algumas cutscenes adicionadas, além do suporte ao Playstation Move e 3D para a versão de PS3. Recomendamos esta versão. Ainda sim é um dos jogos mais polarizados de todos os tempos, tendo um lugar no Guiness Book como o survival horror mais polarizado pela crítica (sim, esse recorde existe por alguma razão).

Bizarro, inconsistente e extremamente único, Deadly Premonition é um diamante bruto dos videogames, onde suas falhas precisam ser “perdoadas” pelo jogador para que se experimente uma das experiências mais excêntricas já produzidas na mídia. Se você é fã de Twin Peaks e das obras de David Lynch, não há recomendação maior nos videogames.

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

Perfil oficial da redação do site.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Crítica | O Círculo

Crítica | Ao Cair da Noite