A jornada do herói é o conceito narrativo que move a maioria das histórias. Seja na literatura, no cinema, no teatro ou até mesmo na música, é possível traçar um paralelo sobre as inúmeras produções artísticas com o eu lírico, o qual sempre busca por um objetivo, uma ambição, e passa por obstáculos para conseguir alcançá-lo e finalmente concluir seu arco. É claro que, dependendo do teor da obra, essa características se mostra mais escancarada – como Star Wars e Harry Potter -, e em outras, mantém-se em um nível de sutileza – Réquiem para um Sonho. De qualquer maneira, os passos a serem seguidos pelos personagens seguem um padrão formulaico que, para entrar em um patamar de considerável notoriedade, deve ser visto, revisto e reformulado em novas perspectivas e com uma irreversibilidade psíquica ainda mais envolvente que a normal.
Talvez a vertente mais explorada acerca da jornada do herói seja a aventura mística. Criando um escopo fantástico e que transcende os conceitos de palpabilidade e verossimilhança, esse tipo de trama normalmente coloca personagens humanos dentro de uma viagem épica de autodescobrimento mascarada com a ideia de “salvação mundial” ou “busca pelo equilíbrio universal”. A franquia Indiana Jones talvez seja o melhor representante do que estamos falando aqui, trazendo o personagem-título em missões quase impossíveis que conversam com inúmeras mitologias milenares e até mesmo extraterrestres. E é a partir dessa premissa que As Aventuras de Tadeo 2: O Segredo do Rei Midas se constrói – não que isso tenha funcionado muito bem, infelizmente.
Tadeo Jones (Óscar Barberán) é um engenheiro aspirante a explorador. Após suas aventuras no primeiro filme, que incluíram uma visita a Macchu Picchu e o retorno de um rei múmia para seu povo, ele finalmente entrou para a faculdade de arqueologia de Chicago e tem como principal inspiração uma antiga colega, Sara Lavroff (Michelle Jenner), cujo sucesso iminente a deixou um tanto quanto inacessível. Logo a princípio, percebemos que a dupla possui uma história passada, um possível arco romântico que terá uma conclusão ou uma freada brusca com o passar do tempo. Como já podemos imaginar, essa distância entre os dois é uma das principais barreiras enfrentadas pela personalidade do protagonista, que não é lá grandes coisas, mantendo-se em uma superficialidade condescendente.
Agora mudemos para a trama mítica: Sara, em uma de suas expedições, parece ter encontrado o pergaminho para o Colar de Midas, um artefato divino concedido ao Rei que o permitia transformar tudo o que tocasse em ouro. Entretanto, esse dom desejado por muitos logo se mostrou uma maldição, visto que ele transformou sua própria filha numa estátua dourada e teve de abdicar de seus poderes espalhando os componentes do objeto em três templos distintos, para recuperar a criança. É claro que toda essa lenda é uma realidade cobiçada pelas mentes mais ambiciosas do mundo, incluindo a soturna figura de Jack Rackham (Miguel Ángel Jenner), que corrobora um plano com seus comparsas para raptar a exploradora e obrigá-la a achar o colar perdido.
O escopo formado é bem conhecido pelo público, incluindo o herói e sua ajudante, que emerge na dúbia e um tanto quanto irritante construção da assistente Tiffany (Adriana Ugarte). O vilão, uma encarnação de todos os antagonistas já vistos no cinema e na televisão – e caracterizado como tal, com uma expressão franzina e amedrontadora, um corpo robusto e uma voz tenebrosa -, a “donzela em perigo”, que no caso é a personagem mais inteligente e logo mostra-se muito mais forte que qualquer um ali e, como desfecho, não poderíamos nos esquecer do escape cômico. Teoricamente, esse arquétipo de quebra de tensão insurge com o retorno de um rosto conhecido, a Múmia (Luis Posada), cuja construção consegue arrancar risadas em diversos momentos, seja por sua falta de noção ou por sua irreverência histórica.
A priori, As Aventuras de Tadeo não parece ser um filme pretensioso, mas sim com o intuito de divertir satisfatoriamente um público infantil que se relaciona com um outcast e que se vê na possibilidade fazer aquilo que bem entender. Entretanto, após entrarmos na segunda metade da história, toda a história começa a se levar a sério demais – e isso não seria um problema caso houvesse uma mensagem a ser passada. Entretanto, como comentei no início do texto, sua inclinação e sua clara homenagem a outras obras do gênero transformam uma aventura com potencial para ser agradável em um simulacro adornado com diálogos autoexplicativos, uma fotografia redundante e pequenas resoluções que parecem cair do céu.
Como se não bastasse a amálgama desequilibrada de saídas ocasionais, o filme também peca no quesito identidade. Por vezes, a estética, que poderia muito bem se aproximar com As Aventuras de Tintin, de Steven Spielberg, abandona trejeitos clássicos e até mesmo algumas investidas originais para se firmar no panfletarismo. Os personagens viajam ao redor do mundo buscando as peças do colar perdido, isso é um fato; mas analisando mais de perto, estamos, na verdade, sendo expostos àquilo que já conhecemos.
Em suma, a nova animação da Paramount é esquecível. Uma reciclagem de obras de ação e de aventura que, em sua essência, não agrega em nada e chega a satisfazer bem pouco seu público-alvo – que definitivamente pode encontrar uma alternativa muito melhor se procurar com um pouco mais de atenção.
As Aventuras de Tadeo 2: O Segredo do Rei Midas (Tadeo Jones 2: El Secreto del Rey Midas, Espanha – 2017)
Direção: David Alonso, Enrique Gato
Roteiro: Jordi Gasull, Neil Landau, Javier López Barreira, Paco Sáez
Elenco: Óscar Barberán, Michelle Jenner, Adriana Ugarte, Luis Posada, Miguel Ánger Jenner
Gênero: Animação, Aventura
Duração: 96 min.