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Crítica | Batman: A Piada Mortal (2016)

Em diversas obras já conceituadas, rasgar elogios à toa é uma grande redundância. Esse é o caso claro para A Piada Mortal, uma das HQs mais icônicas do Batman, resultado de uma parceria de Alan Moore – que não estava muito a fim de escrever, segundo ele – e do desenhista Brian Bolland – explodindo de ansiedade por trabalhar com um gênio dos quadrinhos, segundo ele.

É difícil descrever a sensação de ler pela primeira vez essa história poderosíssima. O nível de maestria na construção visual e narrativa é raro de se ver. Através de um trabalho puramente cinematográfico da diagramação acertada de Bolland, nos horrorizamos, surpreendemos, lamentamos e nos amarguramos graças ao fim ambíguo da obra. Inegável que se trata de trabalho de mestre.

Logo, é difícil segurar a ansiedade e expectativa a respeito do novo filme da Dc Animated que adapta a clássica história. No caso de uma história tão querida, era bastante óbvio que o estúdio precisava fazer seu filme de ouro, de qualidade inquestionável. Uma pena que isso não acontece.

O filme conta com um grande nome dos roteiros das HQs, Brian Azzarello, que foi o responsável por tornar a história mais, digamos, cinematográfica. Para isso, temos dois filmes em um como foi amplamente divulgado em tantas notícias. Como a própria Barbara Gordon conta em voz over, o filme não começa do modo que você espera.

No primeiro segmento de quase quarenta minutos, acompanhamos uma história original que tenta aprofundar a relação entre Batman e Batgirl e os impulsos sexuais que surgem durante as cruzadas noturnas. Importante citar que esse mythos que tange uma relação amorosa entre os dois encapuzados vem diretamente dos trabalhos realizados em Batman: A Série Animada. Porém aqui, Azzarello tenta levar para outro nível mais complexo arranhando a psicologia freudiana.

Em meio a tudo isso, surge um vilão extremamente genérico chamado Paris Franz. Através dele, Azzarello tenta (e falha) em criar uma espécie de Coringa para a Batgirl. Ou seja, um antagonista narcisista extremamente fissurado na moça. Com poucos personagens, a história até que se sustenta por ser divertida, mas não deixa de ser extremamente simplória. Há novamente o discurso sobre o abismo que separa a figura do vigilante do criminoso ordinário e da tentação assassina que há sobre as ações do Batman.

Para quem já leu muito sobre o Cruzado Encapuzado, o primeiro segmento realmente não oferece muita coisa nova. Mas o talento da voz de Tara Strong que dubla Batgirl aliada à algumas boas cenas cômicas, além desse olhar particularmente interessante, embora repetitivo, sobre a relação dos dois render um bom divertimento.

Então, sem qualquer transição orgânica, somos jogados para a linha clássica da comic de Alan Moore. Como muita gente sabe, o one-shot trata-se de uma história de origem para o Coringa enquanto mostra um dos lados mais cruéis e dementes do vilão. O arqui-inimigo do Batman tenta provar que a loucura pode acometer a qualquer pessoa que encarar um péssimo dia – assim como aconteceu com ele.

Muito do texto do Azzarello trata-se de uma enorme transcrição. Ipsis Literis. Então, obviamente, nessas partes os diálogos são brilhantes. Onde o roteirista adiciona elementos, acaba tornando diversas situações muito piegas como um breve diálogo entre Coringa e Jim Gordon antes do detetive entrar no trem dos horrores. Ao menos, uma alteração positiva se encontra na adição da investigação do Batman para descobrir onde Coringa se meteu – ainda que se trate de uma sequência filler que praticamente arruína a sagacidade da escrita de Moore sobre a ação do Coringa durante a sessão de fotos com Barbara Gordon.

Particularmente, para mim, não funciona, pois isso foge muito dos métodos de terror do vilão. Piorando a situação, há o dedo de produtores que parecem não compreender bem o público alvo do longa. Isso também inclui o trabalho medíocre de Sam Liu na direção.

É bizarro notar como tentam inserir sequências de ação com frequência nessa segunda parte da adaptação quando era para o trabalho ser mais introspectivo e cerebral. Temos lutas relativamente longas entre Batman e as aberrações de circo que Coringa contrata como capangas. Na HQ, os personagens eram apenas alegóricos para contextualizar o tema circense.

O diretor mais erra do que acerta, na verdade. A começar, é realmente inacreditável que a Warner Animation tenha tratado essa adaptação apenas como mais um novo desenho de sua série de filmes. Ou seja, a animação segue o exato mesmo padrão reciclado de todos os outros filmes como as duas partes de Cavaleiro das Trevas, Ponto de Ignição, Liga da Justiça: Guerra, entre outros.

Então a animação principal é até que razoável, porém os cenários são totalmente simplórios, sem graça, vida ou cor, o trabalho de iluminação é péssimo – um tiro na obra de sombreamento de Bolland na HQ – e, por fim, a animação de personagens em segundo plano é abissal, inexistente. Repare no flashback de Coringa na cena do bar com os dois criminosos, é absolutamente surreal como os demais personagens se comportam como estátuas – até a diagramação de arte sequenciada de Bolland tem mais animação que nesse filme.

Até mesmo há deslizes imperdoáveis de reciclagem de animações dentro da mesma sequência. No caso, na chata cantoria do número musical de Coringa com seus capangas bizarros. Ao menos, o traço foge um pouco daquele estilo anime que marca outros filmes animados. Claro que nada próximo do trabalho de Brian Bolland, mas uma mistura de características clássicas dos desenhos de Bruce Timm que ele injetou em tantos seriados da DC nos anos 1990.

Enquanto o diretor acerta ao copiar os enquadramentos de Bolland e Moore da HQ, é impressionante como consegue falhar miseravelmente nos raccords visuais tão presentes na obra original para viajarmos entre os flashbacks e a linha do tempo normal. Mesmo estando todos absolutamente prontos, o diretor apenas insere um, o mais sutil deles, da “mulher gorda para a grávida”. Sinceramente, fico estarrecido quanto a isso já que o trabalho de enquadramentos está absolutamente pronto porque a arte que Bolland fez é cinematográfica por si só. Era melhor ter apenas copiado e pronto.

O desfecho antológico da HQ também perde força e sua ambiguidade. Quando Coringa enfim conta a tal Piada Mortal, em mais um erro na direção de vozes – infelizmente, não é Andrea Romano quem cuida da dublagem desse longa – temos risadas tímidas de Batman e Coringa. Ou seja, aquele momento brilhante de insanidade compartilhada, de histeria cômica, é inexistente.

Chegando aos cinemas Cinemark apenas no dia 25 desse mês, o longa de A Piada Mortal é mesmo um telefilme com direito a todas as limitações da técnica de animação da Dc Animated. Obviamente, não há o que reclamar da história já que é praticamente a mesma com apenas algumas adições filler medíocres. Para Kevin Conroy e Mark Hamill só restam elogios. Impecáveis como sempre.

Apesar de todos os seus defeitos, não deixa de ser uma ótima oportunidade de atrair um punhado de novos leitores para uma história tão clássica e inesquecível. Para os fãs mais fervorosos, talvez não haja tanta graça para a mesma piada.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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