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Crítica | Lego Batman: O Filme

O plano de dominação de mercado da LEGO é invejável. Com ótimo olho para negócios com licenciamentos, a empresa dinamarquesa já dava passos certeiros em apostar nos videogames ao trazer marcas como Star Wars e Indiana Jones para adaptação em games LEGO. A expansão de multimídia que a fabricante investiu consolidou um império de negócios especializados em séries de televisão e filmes animados, além dos jogos. A única coisa que faltava era uma expansão em longas metragem blockbusters de Hollywood. Bom, isso até 2014 quando Uma Aventura LEGO surgiu e surpreendeu muita gente com sua qualidade e humor refinados.

Porém, é justamente aqui que entra o olhar empreendedor atento às demandas do mercado. Com o teste da inserção do Batman como um personagem marcante da aventura anterior, a empresa se preocupou em reconhecer a repercussão entre o público para encaminhar um filme exclusivo para o personagem. Dito e feito. Três anos depois, temos a primeira aventura LEGO Batman para os cinemas que prova ser o melhor filme Batman desde a trilogia Nolan.

Meu Super Ex-Arqui-Inimigo

A narrativa de LEGO Batman é bastante interessante por se nortear através de um fiapo de história. Porém o insight do roteiro capitaneado por Seth Grahame-Smith, toca um cerne extremamente profundo da filosofia e psicologia por trás das histórias consagradas do Batman. Na história, acompanhamos Batman prendendo novamente todo seu grande rol de inimigos psicopatas. Porém, no desfecho de uma perseguição, Batman e Coringa discutem por conta das tentativas do vilão convencer o herói de ele é o seu arqui-inimigo mortal, o maior de todos os bandidos criminosos.

Com as negações de Batman, Coringa fica magoado e arquiteta um plano perverso para que o herói se dê conta que, sem ele e os outros vilões, ele não teria propósito em existir. Além de ter que enfrentar uma crise existencial provocada por um Coringa ciumento, Batman adota por acidente um garoto muito entusiasmado chamado Dick Grayson que em pouco tempo vira seu novo aliado, Robin.

Essa breve sinopse é o máximo que é possível revelar sobre a história do filme, pois se encaixasse mais algum detalhe do plano do Coringa, já teríamos chegado na metade da narrativa. Grahame-Smith é um autor muito famoso por suas paródias como Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros. Visto que o trabalho muitas vezes é medíocre, seu roteiro em Lego Batman surpreende muito justamente por captar tão bem a essência e o principal conflito do herói que com certeza ofereceria margem para um filme mais adulto do vigilante.

Mesmo com muita simplicidade e diversas esquetes cômicas que justificam os mais de 4 nomes que assinam o roteiro, Grahame-Smith oferece insights valiosos sobre família, solidão e propósito. Como esperado, o Batman é o melhor personagem do filme que percorre uma ótima narrativa baseada em contrastes. Como muito do desenvolvimento ser dá através de jogadas visuais inteligentes criados pelo diretor Chris McKay, o texto é focado em trabalhar com ironias e tiradas que moldam a personalidade narcisista, niilista e egoísta do protagonista. Em pouquíssimo tempo, vemos que o Batman desse universo Lego é um personagem escapista que mais trabalha como vigilante para atender suas necessidades de ego do que realmente salvar a cidade, fazer bem ao próximo.

O drama e o conflito aparecem com passagens bonitas sobre a memória do casal Wayne e alguns outros diálogos com o mordomo Alfred. Dick Grayson/Robin também é outra pérola cheia de bons significados disfarçada pelo humor excepcional trazido pelo roteiro. Smith praticamente transporta toda a excitação que uma criança teria em trabalhar com o Batman nessa versão do Robin apresentada aqui. O desenvolvimento não é tão elaborado quanto o do protagonista, mas é impossível ficar indiferente com a fofura atrapalhada do garoto-maravilha que busca apenas a aprovação de seu pai adotivo. A relação tragicômica que dá margem para abusos non-sense entre os dois é extremamente engraçada marcando um dos pontos mais altos do filme.

Porém, o que faz o trabalho de Grahame-Smith com essa história ser tão bom vai além do tratamento dos personagens e das parcelas iniciais do filme que acompanham o peculiar cotidiano do Batman. Assim como em Uma Aventura Lego, Lego Batman tem plena consciência de que sua narrativa se trata de um filme. Mas aqui, tudo é superdimensionado e mais explícito e, portanto, muitas vezes o filme não se leva a sério inventando algumas saídas de roteiro absurdas, mas que sempre elevam a criatividade do texto.

Amarelo e Preto

E é justamente no quesito criatividade que Lego Batman estoura a mente do espectador. Se você achou Uma Aventura Lego um filme divertido e corajoso, espere para ver o que apresentaram aqui. Já em primeiro momento, o diretor Chris McKay organiza uma enorme sequência de ação que define o tom do filme inteiro: muito barulho, muita ação e muita comédia. Nesse primeiro momento, o festival de referências tem seu início, além de uma ótima quebra de quarta parede. Toda a sequência com Coringa parece flertar diretamente com os minutos iniciais de O Cavaleiro das Trevas Ressurge.

Para reparar quantas referências há nesse filme, garanto que será preciso assistir diversas e diversas vezes, pois o design de produção encaixa desde referências ao seriado de 1966 com Adam West, aos filmes de Christopher Nolan até ao filme do Esquadrão Suicida lançado no ano passado. A Batcaverna é um dos cenários mais repletos dessas pequenas homenagens.

Esbanjando um trabalho precioso pela riqueza visual e do dinamismo das sequências de ação eletrizantes, a especialidade de McKay é o timing impecável. O diretor é veterano de uma das produções mais engraçadas da televisão americana: o seriado Frango Robô que até foi exibido aqui no Brasil pelo curto período de tempo que o Adult Swim ficou no ar na grade do Cartoon Network. Como o seriado se valia de diversos esquetes paródicos elaborados através da animação em stop motion, a experiência que McKay adquiriu foi um grande diferencial.

Trabalhando um humor que consegue divertir tanto adultos quando crianças, McKay trabalha consideravelmente com o slapstick aliado ao non sense principalmente entre os esquetes protagonizadas por Batman e Robin. Porém, mesmo seguindo com o exagero típico da comédia e das cenas barulhentas, McKay constrói um discurso de contraste temático exemplar e bastante óbvio. Dentre a quantidade considerável desse jogo de opostos os que mais se destacam estão a celebração de mais uma noite de sucesso no combate ao crime vs. a solidão pacata da mansão Wayne e, a segunda, um discurso sobre papéis de heróis e vilões. São jogos simples, mas de mensagens edificantes para as crianças.

Com o destaque da proeza técnica tanto do roteiro e direção, Grahame-Smith e McKay praticamente transformam o filme a partir de uma reviravolta nada previsível. Entrar nesse mérito é revelar um pouco das características surpresa do filme, mas vou me ater a poucos elementos, pois é injusto tirar a grata surpresa que tudo isso proporciona. Há participações muito especiais que aumentam o rol e possibilidades de humor. Pela magia do licenciamento da LEGO, temos uma segunda metade inteira transformada em uma aventura perto do que é proporcionado pelo jogo de sucesso, LEGO Dimensions.

É um humor muito inteligente que consegue casar características únicas daquelas participações com a mitologia Batman em geral. Aliás, é preciso enaltecer o trabalho estupendo da dublagem e localização do texto para o Brasil. Muitas piadas são originais para o nosso país, seja com gírias perenes que fazer parte da nossa identidade como cidadãos até encaixando com os costumes de treinamento pesado do Batman.

E a animação? Bom, assim como em Uma Aventura LEGO, a tecnologia empregada pelos animadores se vale do mesmo software que simula a técnica do stop motion. A justificativa da ausência da técnica real é a enorme dificuldade que seria trabalhar, criar e produzir todos os cenários e movimentos com as pecinhas de brinquedo levando a produção a custos exorbitantes, além de prolongar o processo de criação do filme em anos.

Entretanto, isso nada desmerece o estupendo trabalho apresentado aqui. O software ainda constrói digitalmente os cenários com pecinhas de LEGO existentes e graças ao ótimo trabalho de texturas, a animação realmente parece ter sido fotografada e não construída digitalmente em sua totalidade. O lado positivo disso tudo pode ser testemunhado com as enormes e complexas sequências de ação ao fim do longa no qual o humor beira o absurdo. O trabalho de cores e fotografia digital se vale muito de tons quentes, mesmo que haja uma clara predominância de paleta amarelada e alaranjada no decorrer do filme.

Já em termos de design de produção, há outro espetáculo na confecção de cenários em sua riqueza de detalhes, texturas e acessórios, além dos designs únicos criados para os gadgets e veículos do herói com destaque para o Scuttler, um meca em formato de morcego que se transforma no batwing. Com os personagens, há pouco para comentar. Muitos vestem trajes inspirados em outras diversas obras e quadrinhos do Batman, porém Robin e Coringa ganharam um toque de fofura essencial para a natureza de seus personagens nesse universo.

Não somente a condução visual e narrativa é primorosa: a trilha licenciada e original também brilham. A licenciada é funcional e conversa a todo momento com as cenas encaixadas sendo utilizadas como escapes de humor muitas vezes. Já o trabalho composto por Lorne Balfe também assume o tom de referências que predomina no filme.

Suas músicas possuem diversos compassos originais, mas em momentos-chave, sempre há algumas melodias de sucesso consagradas pelas trilhas de Hans Zimmer e Danny Elfman ou até mesmo da música tema do seriado de 1966. O trabalho de Balfe é muito rico e ao aliar suas composições com as outras de modo tão orgânico, tudo fica ainda melhor. Aliás, até mesmo o departamento de edição de som consegue arrancar umas risadas com os barulhinhos infantis que as armas fazem ao disparar projéteis. Torna toda a experiência em uma grande brincadeira animada.

A Casa que o Batman Também Erguerá

Até aqui, só descasquei elogios para a produção que finalmente pode ajudar um pouco o saldo da Warner nesse começo de ano (ou do biênio). Afinal, há alguma coisa desagradável em LEGO Batman? Bom, sim, elementos que certamente retiraram a possibilidade de o filme conquistar a nota máxima. Por vezes, devido ao ritmo muito acelerado, ele se torna um tanto cansativo. Também há um exagera na quantidade de vezes nas quais Batman começa a cantar seus raps.

Tirando isso, estamos diante de uma obra inesquecível que marca um renascimento leve e divertido que o herói tanto merece. Uma obra capaz de marcar desde a infância o quão incrível e rico esse personagem é, em sua máxima versatilidade de conseguir ilustrar histórias tão densas e depressivas quanto narrativas fofas e divertidas para todas as idades.

LEGO Batman: O Filme (The LEGO Batman Movie, EUA, Dinamarca – 2017)
Direção: Chris McKay

Roteiro: Seth Grahame-Smith, Chris McKenna, Erik Sommers, Jared Stern, John Whittington
Vozes originais: Will Arnett, Michael Cera, Zach Galifianakis, Ralph Fiennes, Channing Tatum, Jonnah Hill, Rosario Dawson, Jemaine Clement, Seth Green
Gênero: Comédia, Animação Infantil, Aventura
Duração: 104 minutos

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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