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Análise | Assassin’s Creed: Syndicate

Após o desastre no lançamento de um jogo subestimado, a Ubisoft entrou em uma maré de incertezas por conta dos olhares desconfiados dos fiéis consumidores. Com apenas um ano de diferença, a Ubi teria que fazer bonito com o lançamento de seu principal carro chefe de IPs: Assassin’s Creed.

Syndicate foi descoberto muito cedo. Em apenas um mês do lançamento de Unity, já haviam vazado artes conceituais e imagens in game na rede. Na época, o jogo se chamava Victory revelando o local e o momento histórico que o game se passaria. Tentando reconquistar o amor dos fãs, eis que Syndicate traria uma história repleta de ação e intriga em plena Londres vitoriana no séc XIX, durante o fim da Revolução Industrial.

Double Trouble

O intuito do lançamento de Syndicate era levar a franquia para patamares jamais vistos, avançando a ambição prometida por Unity que, embora seja um game graficamente mais belo, não contava com tantas inovações de gameplay por propor esse retorno para as “origens” da franquia.

Aqui, acompanhamos a narrativa dos gêmeos Jacob e Evie Frye, os poucos remanescentes do credo dos assassinos quase dizimado da Inglaterra devido a presença massiva de templários. Ambos decidem que seu treinamento acabou e que finalmente é chegada a hora de partir para Londres e libertá-la das garras de seus arqui-inimigos que são o status quo que controla toda a infraestrutura da cidade.

Enquanto isso, o zé randômico dos tempos contemporâneos agora é um assassino iniciado. Cabe a ele encontrar a Peça do Éden em Londres a partir das memórias dos Frye que entraram em contato com o artefato – um Sudário. A corrida contra o tempo se inicia, pois os templários também trabalham para encontrar o item necessário para finalizar um plano mirabolante.

Unity trazia uma boa história de amor proibido aliada a um conto de vingança pessoal. Considero uma das mais interessantes do universo AC. Porém, com Syndicate, é um pouco mais difícil se confraternizar com a narrativa dos Frye. Não por ela ser baseada no arquétipo mais clássico de revolucionário vs. a ordem vigente, mas sim por falta de personalidade na narrativa dos heróis.

De backstory, há sempre uma inútil discussão sobre a lembrança de um pai, já morto e Assassino. É possível inferir uma enorme admiração e aversão pela figura paterna entre Evie e Jacob, respectivamente, que volta e meia causa alguns conflitos em diálogos ácidos que sugerem uma história melhor do que a que experimentamos ao decorrer dos jogos.

Os sidekicks também perdem significativo brilho. Enquanto Unity conseguiu resgatar um pouco do chame de Leonardo Da Vince com Marquês de Sade e Napoleão, Syndicate conta apenas com aliados pouco expressivos. Um dos mais legais incorporados na narrativa, Alexander Graham Bell, é logo esquecido na metade do jogo.

Incorporando o modelo de side missions, temos parceiros que oferecem missões únicas. As mais divertidas são as do clube sobrenatural de Charles Dickens. Outras figuras históricas presentes no game são Charles Darwin, Karl Marx, Rainha Vitória e Duleep Singh. Além de uma participação de Winston Churchill na missão glitch do Animus que mostra Londres em plena Primeira Guerra – essa parte do gameplay ainda é um dos maiores destaques do game, embora só exista essa ao contrário das variadas missões em Unity.

A história do game é bastante morna, mas os roteiristas trabalham com atenção para colocar os principais eventos em pontos turísticos obrigatórios na exploração da Londres vitoriana. Seguindo os passos de GTA V, a Ubisoft também delineia missões específicas para um personagem exclusivo, embora a grande maioria seja jogável tanto com Evie quanto Jacob.

O que de fato é legal na história de Syndicate é a questão da infraestrutura da cidade. Toda vez que a dupla assassina um templário importante, chefe de fase, há repercussões na cidade. O próprio roteiro frisa isso ao seguir com o clichê entre os irmãos. Um é descerebrado e inconsequente, porém muito forte. Outra é ardilosa, inteligente e se preocupa com a verdadeira missão que é encontrar o sudário, porém é mais vulnerável. Músculos vs Cérebro.

Nisso, o texto desenvolve um pouco Jacob. Ele sempre é confrontado pelas consequências de suas ações impensadas, é manipulado e mais atrapalha do que ajuda. Com o orgulho do personagem, nada é catártico para ele, mesmo que haja certo arrependimento. Mesmo sendo um desenvolvimento pobre, é suficiente para um personagem que seja tão mala.

Com Evie, pouca coisa realmente acontece, já que ela uma personagem a la Ezio Auditore no sentido de ser poderosa e simples. A mulher já sabe definir o certo e o errado. Há somente aquele conflito paterno tedioso e uma ponta de romance muito mal desenvolvido com outro personagem pálido chamado Henry Green.

Já o antagonista, Starrick, recebe o mesmo tratamento de sempre, embora sofra a morte de alguns aliados. O problema grave mesmo do roteiro é sua conclusão. Não por ser anticlimática, mas por revelar um conceito bizarro que deverá guiar os próximos jogos, além de receber um design de batalha terrivelmente chato. Não é um desastre, é inesperado, mas só o tempo dirá se é uma boa ideia cair nesse terrível clichê.

As Engrenagens de Londres

Como dito, a Ubisoft propõe algumas mudanças na jogabilidade de Syndicate. Esse é o primeiro Assassin’s que se aproxima do método de exploração de GTA por conta do tamanho assustador de seu sandbox, forçando o uso de veículos: no caso, as carroças e carruagens. Este é um ponto deve ser elogiadíssimo pela riqueza física, de colisões, variedades e texturas entre os diversos veículos disponíveis. Há bondes, brigadas de incêndio, carroças simples, de passeio até as mais pomposas utilizadas pela realeza, além da variedade de cavalos que puxam a diligência.

Mesmo que o controle seja totalmente árcade para facilitar o uso, é uma alegria passear pelas ruas londrinas com os veículos. Realmente há um impacto visível na velocidade de exploração ao usarmos eles, pois a mobilidade na cidade é algo já diferenciado. É importante lembrar que, por vezes, nos deparamos com alguns congestionamentos em pontos centrais da cidade – algo apurado historicamente.

Como havia dito, a exploração mudou bastante. Primeiro, os edifícios estão ainda mais altos do que em Unity e contam com MUITAS chaminés. Um porre ficar pulando de telhado a telhada com essas coisas no meio. Então já é algo desencorajador. Dessa vez, praticamente não há nenhum inimigo em telhados, apenas atiradores em território blighter. Com essas novas dificuldades, mesmo com a velocidade de escalada já aprimorada, navegar nos telhados torna-se tedioso em pouco tempo.

Já no começo do game, há uma solução para isso: o gancho mecânico. O gancho funciona assim como na série Batman Arkham. Atingimos o telhado em poucos segundos e é possível lançar o instrumento em edifícios distantes criando pontes entre eles abrindo novas possibilidades de assassinatos. Como as ruas estão bem mais largas, é um instrumento que facilita bastante a exploração vertical.

Outro ponto novo de gameplay que pode conquistar os jogadores é a disputa pelos distritos com guerras de gangues. Jacob assim que chega a Londres já decide que terá uma gangue que lutará contra os blighter, a organização criminosa que trabalha com os templários. Para liberar os distritos, segue-se a fórmula de sempre com variações: sequestre tal inimigo, mate tal inimigo, roube tal inimigo, além das novas missões da libertação das crianças que exercem trabalho infantil. Como geralmente cada distrito é composto por nove atividades para então desbloquearmos a luta contra o capanga chefe e liberarmos o território, é algo que se torna enfadonho rapidamente. Mas rende muitas horas extras de gameplay. Repetitivo, mas longo. Há quem valorize.

Nesse trecho de lutas de gangue, também é possível aprimorar as habilidades da sua própria gangue no trem que funciona como QG dos assassinos. Certamente fará impacto na sua experiência caso tenha interesse em recrutar os integrantes para cumprir missões ao seu lado. É uma opção boa, mas totalmente opcional.

O jogo começa muito bem com as missões mais roteirizadas. Essas, infelizmente, surgem aos poucos oferecendo chances de assassinatos únicos, além de opções interessantes para cumprir os objetivos como visto no game anterior. Também, mesmo que haja essa ênfase, é perfeitamente possível cumprir o objetivo das missões do modo que quiser no estilo rambo ou no stealth.

Aliás, o stealth certamente foi aprimorado por conta da opção de “esgueirar-se“, deixando o personagem agachado emitindo menos ruídos. Como a inteligência virtual continua bem estúpida, é um bom incentivo abordar o game no stealth para evitar as longas sessões de luta corporal. No começo, a mecânica de contra-ataque e desarme certamente é divertida, mas as lutas demoram tanto que cansam rápido, fora as animações de finalização que são enormes estendendo ainda mais esse tempo.

Com o progresso do game, esses problemas são resolvidos através do level up e da árvore de habilidades que deixa seu personagem mais forte capaz de criar combos matando oponentes com apenas um golpe. Mas até chegar lá… prepare-se para horas tediosas de combate. As armas também são mais diversificadas com kukris, bengalas falsas e socos ingleses. Até o vestuário é aprimorado para conter pontos bônus de certas habilidades dos personagens.

O Regresso

Algo que a Ubisoft sempre terá para se orgulhar do impecável time da desenvolvedora é a recriação das cidades apresentadas na franquia. Com Unity vimos uma Paris, embora quebrada, efervescente, pulsando vida e caos.

Londres é bem diferente de Paris e aqui, a Publisher acertou em cheio. Seja na arquitetura, no mapa planejado, na reconstrução dos marcos da cidade. Londres de Syndicate é uma cidade viva e muito bem organizada. Ainda há a diferenciação acertada na paleta de cores entre os diversos bairros, mais nobres e outros populares. Os bairros industriais com a carga verde tóxica, quase sempre sombria e nublada, sem pavimentação, são um espetáculo a parte. Há indústrias diversas desde têxteis a até refinarias de carvão. É tudo muito bem apresentado em geral.

O capricho com a população merece destaque. A variedade é tremenda, seja nas atividades ou dos trajes. Se pararmos em um parque é possível ouvir histórias inteiras de damas fofocando ou de uma vendedora implorando que compremos um sorvete. Cada NPC tem um destino diferenciado para realizar alguma atividade tornando a cidade muito viva. Não há aquele mar de gente de Unity, porém é uma quantidade mais adequada de gente nas ruas.

Sindicato dos assassinos

Syndicate tenta bastante tirar a lembrança marga do lançamento quebrado do Unity. É uma tarefa inglória, mas consegue surpreender com as novidades apresentadas. Os defeitos de lei, permanecem, porém grave apontar a chatice que o combate se torna depois de um bom tempo jogando. Maior variedade de inimigos e skins talvez resolveriam em parte esse problema.

A abordagem encorajada ao stealth fora todas as opções que o game fornece para te ocupar são bem-vindas. Para quem nunca jogou Assassin’s na vida, pode ser um ótimo jogo. Para os veteranos, a impressão de reciclagem ainda resiste e como a história não é grandes coisas, realmente fica difícil apontar o game como ótimo. As poucas novidades não são tão sofisticadas a ponto de provocar um efeito Black Flag ou Unity. Falta mais substância nessas side quests ordinárias de liberação de distrito. Até mesmo as destinadas aos aliados já perdem um pouco o brilho, apesar de mais diversificadas.

Com as DLCs, Syndicate mostra facetas mais interessantes como uma caçada a Jack, o Estripador e uma série de assassinatos Dreadful com Conan Doyle. Talvez tenha faltado essas facetas mais inspiradas no jogo base que, embora muito bom e visualmente belo, se torna tedioso aos poucos conforme percebemos que não há nada de novo no front. O momento das grandes cidades já passou e fomos bem servidos. Resta agora torcer para que a Ubisoft explore caminhos cada vez mais exóticos para explorarmos em Assassin’s Creed.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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