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Análise | Silent Hill – 20 anos de horror

Após o sucesso de franquias do gênero de horror e sobrevivência como Alone in the Dark e Resident Evil, a Konami decidiu que era hora deles criarem a sua própria. Para tal objetivo, os jovens desenvolvedores da Team Silent começou a trabalhar no que seria um dos jogos mais influentes dos videogames, Silent Hill.

Desenvolvendo uma obra prima

Um dos desafios da Konami ao desenvolver esse jogo era diferenciar-se dos demais jogos do gênero. Eles optaram por fazer do jogo um terror psicológico, ainda não experimentado nos videogames. Enquanto seus concorrentes se utilizavam da técnica de surpreender o jogador com sustos, Silent Hill se utilizaria de recursos que prendem a sua tensão até o último momento.

As mecânicas são simples. O controle do personagem é o clássico tanque. Os direcionais fazem o personagem se virar para a direção desejada e o botão para frente fazem-no se mover, para trás o faz recuar. A câmera é fixa, pode causar estranheza em jogadores atuais, mas era padrão para a época em questão. O combate é similar ao de Resident Evil, embora mais sofisticado. O personagem pode mover-se enquanto mira, que facilita bastante o jogo.
O terror é construído de maneira sutil, por meio da atmosfera. O personagem recebe um rádio que chia sempre que há um monstro por perto. O jogador fica sempre ciente de onde se encontra a ameaça, desse modo cria-se uma tensão ainda inédita nos videogames. Tudo o mais, como trilha, efeitos sonoros, cenário, realçam tal sensação.
Os desenvolvedores foram bastante criativos no uso da névoa. Com as limitações presentes no processo de desenvolvimento de jogos para o Playstation original, elementos chave como o nevoeiro e o escuro foram utilizados para disfarçar tais imperfeições. O uso da iluminação nesse jogo também foi genial, um marco para a época. O jogador precisa do uso de uma lanterna em diversos cenários ao longo do jogo, para que seja possível enxergar certos elementos. Mesmo se você enxergar objetos no escuro, o personagem só poderá pegá-los se houver alguma luz presente e também não poderá abrir portas nem observar o mapa.

O cuidado com a trilha e efeitos sonoros também chama a atenção de uma forma extremamente positiva nesse jogo. Conduzidas por Akira Yamaoka, as faixas sonoras adicionam ainda mais para a já terrível atmosfera visual do game, contribuindo para fazer com que o jogador se sinta mais amedrontado e vulnerável enquanto se aprofunda no universo da obra. Desde os passos dos personagens, sons que monstros emitem, até a música que toca durante o jogo foram todas pensadas cuidadosamente para proporcionar a melhor experiência de horror ao jogador.
Como um jogo de survival horror tradicionais fazem-se presentes diversos puzzles (quebra-cabeças) para o jogador resolver, alguns dos quais geniais (destaque para o do piano e do hospital) onde você tem que interpretar poemas para resolver. As lutas de chefes são mais que satisfatórias. Você tem que observá-los bem quando os enfrenta, cada um demanda uma estratégia diferente para que possam ser vencidos.

Uma estória familiar, entretanto peculiar

O intento da Team Silent era desenvolver uma história que apelasse para o público americano, portanto tiraram sua inspiração principalmente de obras de ficção dos Estados Unidos, entre eles notam-se elementos tirados diretamente dos livros do Stephen King, Dean Koontz e Ira Levin e também de consagrados diretores americanos como David Lynch, David Cronenberg, Adrian Lyne (especialmente o filme Alucinações do Passado) entre tantos outros. Entretanto esses elementos foram interpretados sob a ótica de desenvolvedores japoneses, que permitiram um pouco de sua própria cultura se misturar no meio deles. Tal mistura de ideias deixam toda essa familiaridade com uma cara nova. É como se eles tirassem esses elementos da cultura americana, os apropriassem e deixassem com resquícios de um filme japonês ou mangá de terror, lembrando até um filme art house. Os desenvolvedores inclusive estudaram ocultismo real para que o jogo tivesse mais propriedade.

Vale ressaltar que o criador e diretor do jogo, Keiji Inafune afirmava ser muito medroso. É curioso notar o nível em que o produto final chegou, a despeito disso. A estória começa quando Harry Mason, acompanhado de sua filha, Cheryl Mason partem para uma viagem de carro. No caminho ele de repente se deparam com um vulto no meio da estrada e tentando desviar-se dele, um acidente de carro acontece. Quando acorda, Harry percebe que sua filha desapareceu e, desesperado passa a procura-la. Assim começa a macabra aventura na famosa cidade assombrada.
No caminho ele encontra Cybil, uma policial também presa em Silent Hill que o auxilia dando a ele o rádio e uma de suas armas. Ela não faz muita coisa importante durante o jogo e percebe-se que o principal motivo dessa personagem existir é para que Harry Mason não tenha que divagar sozinho durante todo o gameplay. Além de Cybil há outros interessantes NPCs que Harry vai encontrar. A misteriosa Dahlia Gillespie que fala por enigmas, o enigmático Dr. Michael Kaufman e Lisa, a enfermeira presa no pesadelo do hospital Alchemilla.

Em Silent Hill, pelo menos nos primeiros jogos, os monstros são aspectos da psique de um personagem especifico. No caso desse, a personagem em questão é Alessa. Ela indiretamente começou o pesadelo na cidade, quando o culto da Ordem tentou engravidá-la do demônio Samael. Alessa atrasou o nascimento do demônio dividindo sua alma. Essa divisão gerou Cheryl, filha adotiva de Harry que se perdeu em Silent Hill. Mas, mesmo assim o poder espiritual que já era existente na cidade mais os poderes psíquicos de Alessa e a influência do demônio já foram suficientes para que o pesadelo fosse criado.

Assim cada monstro é um aspecto da mente de Alessa. Os monstros pequenos que são achados na escola são representações de colegas que costumavam fazer bullying com ela. O pequeno monstro invisível e inofensivo é representação dela própria. O lagarto gigante é tirado de um conto de fadas que ela havia lido e que pode ser encontrado em um documento na escola Midwitch. Os pterodáctilos vem de seu livro favorito, O Mundo Perdido de Arthur Conan Doyle, os cachorros de um de seus maiores medos, de cães grandes. As enfermeiras e médicos do tempo que ela passou no hospital e por aí vai. Quanto ao design das criaturas, é um trabalho primoroso do Masahiro Ito (o designer de monstros do jogo) juntamente com os roteiristas do game.

Silent Hill possui cinco finais diferentes, sedo eles: Good+, Good, Bad, Bad+, Joke Ending. Há requisitos básicos para conseguir cada final. Quanto mais esforço você aplicar durante o seu gameplay, melhor o final que você receberá. O final piada, envolvendo alienígenas foi concebido em reuniões para construir a estória. A pergunta era “como Silent Hill ficou desse jeito?” e um dos envolvidos respondeu “Foram os alienígenas!”. A brincadeira rendeu algumas boas risadas e os desenvolvedores decidiram incluí-la no game. O joke ending tornou-se uma tradição dentro da série e estaria presente em todos os lançamentos posteriores da franquia. É o final que requer mais esforço para se atingir.

Conclusão

Os desenvolvedores de Silent Hill conseguiram alcançar certa originalidade, a despeito do que diziam as revistas especializadas em videogame da época, que afirmavam com todas as letras que provavelmente o jogo em questão iria ser só mais um jogo copiando Resident Evil. Entretanto, como expus durante o texto, o jogo acabou sendo diferente do seu concorrente. No aspecto que eles são mais semelhantes, a jogabilidade, Silent Hill consegue fazer uma melhora substancial.

Todos os elementos apresentados se combinam e compõem um jogo um tanto especial. A recepção de Silent Hill foi mais do que satisfatória e o jogo logo figurou na seleção Playstation Greatest Hits e teve continuações anunciadas, um sucesso mais do que merecido. Apesar do jogo ser um pouco datado e provavelmente complicado para novos jogadores, é um jogo que gosto muitíssimo e recomendo bastante aos que nunca jogaram. Os que jogaram sabem bem o valor dessa obra e poderiam aproveitar essa importante data em que a franquia completa 20 anos. Nunca é demais adentrar a cidade de Silent Hill e sentir alguns arrepios conforme avançamos. Isso é tudo, bons pesadelos e até a próxima.

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Publicado por Daniel Tanan

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