Crítica | Mergulho Noturno - Um terror genérico e superficial
Se há um gênero capaz de se reinventar entre as diversas produções lançadas todos os anos, esse é, sem dúvida, o do Terror. Filmes como Corra! (2017) e Fale Comigo (2023) podem não ter uma história inovadora, mas trazem uma premissa original e de qualidade, conquistando o espectador.
Tal fato não se pode dizer de Mergulho Profundo, longa dirigido por Bryce McGuire e inspirado em seu curta-metragem “Night Swim”, de 2014. Ao contrário, apresenta um roteiro genérico, sem ter nada de brilhante ou impressionante.
A trama conta a história de uma família que se muda para uma nova casa mal-assombrada, mas, nesse caso, não é a casa em si que é amaldiçoada, e sim a piscina, ou a água que a banha. Ao longo da história, surgem espíritos à beira da água que aparecem e desaparecem com a mesma rapidez e brinquedos se movendo sem ninguém tocá-los.
Olhando rapidamente a sinopse, até dá para imaginar que possa ter um roteiro decente, mas depois dos primeiros trinta minutos assistidos, fica aquela impressão de que a produção não traria nada empolgante. Night Swim (nome original) está recheado dos mais diversos clichês do gênero, como o da casa mal-assombrada, os sustos óbvios envolvendo espíritos ou algum outro tipo de entidade, e a história da família comum que se muda para uma nova residência por qualquer motivo aleatório e se vê envolvida em uma trama intrínseca de suspense e horror.
O roteiro de Bryce McGuire e Rod Blackhurst frustra as expectativas do público em relação ao suspense, que deveria ser um elemento central da narrativa, mas se transforma em um puro tiro no vazio devido à sua concepção mal elaborada. Em nenhum momento, há uma imersão efetiva no terror, deixando a trama ainda mais vazia do que inicialmente parecia ser.
Outro problema evidente no roteiro foi a escolha de abordar o terror familiar. Muitas dessas produções do gênero optam por explorar o ciclo familiar para desenvolver sua narrativa, no entanto, ao contrário de Invocação do Mal (2013), que executou esses elementos com maestria. O longa mais se assemelha a uma versão de baixa qualidade de Terror em Amityville (1979), carente de excelência no roteiro e desprovido de momentos realmente assustadores.
O drama pessoal enfrentado por Ray Waller (interpretado por Wyatt Russell), um jogador de beisebol que sofreu uma lesão grave no joelho, depende de uma construção adequada. Ray percebe que a água da piscina começa a curá-lo e desenvolve um certo apreço pelo ambiente, a exploração desse drama específico deixa bastante a desejar. Sua esposa, Eve Waller (Kerry Condon), também tem seu papel reduzido a uma representação genérica de uma mãe de família que tenta superar o ser maligno que reside em sua casa. A falta de profundidade nesses cenários compromete ambos os enredos, impedindo que alcancem todo o seu potencial emocional e narrativo.
Mergulho Noturno decepciona que mal parece uma obra da Blumhouse, mesmo com James Wan como produtor. Nem mesmo a presença de Wan consegue resgatar a trama do completo vazio. O filme tinha potencial, como visto no primeiro ato, porém, esse potencial foi desperdiçado, e infelizmente, o diretor não soube explorar devidamente as tramas e subtramas apresentadas.
Mergulho Noturno (Night Swim, EUA – 2024)
Direção: Bryce McGuire
Roteiro: Bryce McGuire, Rod Blackhurst
Elenco: Wyatt Russell, Kerry Condon, Amélie Hoeferle, Gavin Warren, Jodi Long
Gênero: Terror, Suspense
Duração: 98 min
https://www.youtube.com/watch?v=1Nfqu19Ov88
Crítica | Vidas Passadas é uma sensível história de amizade e amor
O amor é uma emoção profunda, que surge de maneira inesperada e é expressada de diversas formas por diferentes culturas. Em obras audiovisuais, alguns gêneros exploram esse sentimento, às vezes com um excesso de clichês, às vezes surpreendendo e quebrando as expectativas em relação a determinados casais.
Em Vidas Passadas, longa de estreia da diretora Celine Song, que também assina o roteiro, conta a história de dois amigos, Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo). Quando jovens, eram grandes amigos na Coreia do Sul, até que Nora se muda com sua família para os EUA e passa a residir ali desde então. Decorrem inicialmente 12 anos até que voltem a se comunicar, para, posteriormente, ocorrer outro hiato de 12 anos, até que finalmente se reencontram, desta vez pessoalmente.
Os percalços enfrentados pelos amigos constituem o mote da trama, com o roteiro destacando o arco narrativo de Nora. As conversas quase sempre são apresentadas com uma ênfase maior no que é dito pela protagonista, abordando seus dramas pessoais, a saudade de uma época que se passou, e seu ponto de vista sobre relacionamentos, com foco no discurso de vidas passadas.
É uma obra cinematográfica repleta de emoção, capaz de dilacerar o coração do espectador, ao trazer uma história melancólica de encontros através do tempo. Além disso, é uma produção que aborda profundamente as questões de escolhas e destino, destacando o paradoxo de estarem juntos, mas separados.
Nora e Hae Sung nutrem sentimentos de amizade e paixão um pelo outro, mas devido aos acasos que surgem em suas vidas, acabam trilhando caminhos distintos. No entanto, mesmo após 12 anos, permanecem conectados ao passado, e após outra pausa nos encontros virtuais, mais 12 anos se passam. Hae Sung, durante seu serviço militar na Coreia do Sul, experimenta uma sensação de infelicidade, enquanto Nora aspira tornar-se uma dramaturga de sucesso nos EUA. No entanto, ao longo dos anos em que ela reside em Nova York, esse sonho vai gradualmente sendo abandonado.
O roteiro de Celine aborda de forma acertada o contexto utilizado por Nora, o In-Yun, que seria uma espécie de mecanismo pelo qual o universo une pessoas que compartilharam alguma conexão em outras vidas. É uma excelente maneira de apresentar ao público ocidental um conceito que pode não ser familiar, sendo trabalhado de forma belíssima pela cineasta.
Os diálogos são fascinantes, destacando-se a conversa no bar que abre a produção e cujo desfecho é apresentado no último ato. Nora e Sung refletem sobre a vida, imaginando como seria se tivessem se encontrado antes ou se tivessem ficado juntos. Em contrapartida, ao bate-papo do casal, é possível presenciar que no balcão está Arthur (John Magaro), marido de Nora, que está ali como alguém que percebe a profundidade da conexão entre os dois amigos. Essa cena proporciona algumas risadas devido à situação retratada, já que Arthur não sabe falar coreano e percebe o quão deixado de lado está naquela circunstância.
Apesar do roteiro brilhante e da direção sensível de Song, não podemos ignorar que a obra, em contrapartida, se torna maçante em vários momentos, chegando a ser cansativa de acompanhar, especialmente devido aos longos diálogos, que, embora profundos, acabam por se tornar um tanto monótonos.
O apelo emocional que a cineasta transmite em Vidas Passadas, particularmente na cena final no bar, reflete sua intenção de retratar as barreiras culturais e linguísticas que a protagonista enfrenta, posicionada entre dois homens que a amam. A narrativa é uma exploração profunda de temas como amizade, amor, arrependimento pessoal, e a verdadeira essência da vida, destacando a importância de se viver o presente e deixar o passado para trás.
Vidas Passadas (Past Lives, EUA – 2023)
Direção: Celine Song
Roteiro: Celine Song
Elenco: Greta Lee, Teo Yoo, John Magaro, Moon Seung-ah
Gênero: Drama, Romance
Duração: 105 min
https://www.youtube.com/watch?v=pK73iGzO6jE
Crítica | Segredos de um Escândalo é uma sátira da família perfeita
Passaram-se 20 anos desde que Gracie (Julianne Moore) esteve no centro de um escândalo de proporções nacionais, envolvendo-se em um caso com Joe, quando ele ainda estava na sétima série. O incidente foi amplamente divulgado nos tabloides de todo o país, resultando na prisão de Gracie. Elizabeth (Natalie Portman) está passando alguns dias na residência de Gracie para entrevistar pessoas próximas a ela e entender melhor sobre o caso para seu próximo papel nos cinemas, que será interpretar a própria Gracie.
Todd Haynes realiza com maestria em Segredos de um Escândalo o que já havia feito em Carol, explorando o mundo das aparências e como uma pessoa se molda atrás de uma imagem construída para deixar - ou tentar deixar - no passado algo doloroso.
A ideia de retratar a família americana como perfeita, vivendo o sonho americano, é algo que já foi belamente mostrado em Beleza Americana (1999) e que permanece relevante nas produções do gênero. No caso de Gracie, ela reside em Savannah, levando uma vida tranquila como se nada tivesse acontecido, embora a família tenha que lidar às vezes com "presentes" inesperados, como uma caixa com fezes deixada em sua porta.
Com roteiro de Alex Mechanik e da estreante Samy Burch, o filme adapta vagamente a personagem Gracie em Mary Kay Letourneau, uma professora que, em 1997, foi presa por ter relações sexuais com um aluno do sexto ano. O abuso começou quando ele tinha apenas 12 anos, resultando em seus dois primeiros filhos durante esse período, com eventual casamento entre eles.
Um dos pontos destacados na trama, sob a habilidosa direção de Todd, é a maneira como Elizabeth é desenvolvida como Gracie. Elizabeth efetivamente assume a identidade de Gracie, gradualmente incorporando seus trejeitos e até mesmo adotando um estilo de vestir semelhante, criando uma espécie de duplicidade que Todd explora de forma intrigante.
É interessante observar como Haynes brinca com as convenções de gênero, criando expectativas no público. Às vezes parece ser uma narrativa criminal, em outros momentos parece que vai desenvolver algum suspense, com o uso de uma trilha sonora exuberante. Todos esses elementos estão presentes na trama, mas são trabalhados de uma maneira que o espectador não está acostumado a presenciar.
O foco do filme está na vida cotidiana e nos dilemas morais de Gracie, Elizabeth e Joe, este último ganhando mais destaque a partir do terceiro ato. As indicações ao Oscar da dupla de roteiristas na categoria de Roteiro Original são acertadas e premiam a eficiência narrativa proporcionada por Alex e Samy.
É conhecido o fascínio humano por tramas envolvendo criminalidade e tragédias, como exemplificado pela expressiva audiência de programas de grande apelo popular, como as produções criminais da Netflix, Mindhunter e Conversations with a Killer: The Ted Bundy Tapes. Segredos de um Escândalo segue essa mesma linha ao inserir na trama uma atriz que busca literalmente se transformar em outra pessoa para interpretá-la com eficácia. No entanto, surge o questionamento: até que ponto há diferença entre parecer ser alguém e verdadeiramente interpretar esse alguém?
E sim, é inacreditável a ausência de Julianne Moore e nem Natalie Portman nas indicações ao Oscar de Melhor Atriz e Atriz Coadjuvante. Ambas as atrizes entregam performances excepcionais, com Julianne retratando de maneira convincente a mulher que cometeu o abuso e busca uma vida comum, enquanto Natalie brilha ao interpretar a mulher que busca se transformar em outra. Ambas mereciam um reconhecimento maior pela Academia e a falta de suas indicações é, de fato, surpreendente.
Segredos de um Escândalo é uma comédia dramática que aborda um tema crucial sem romantizá-lo, aliviando o peso de um assunto tão sério. Algumas situações lembram mais uma sátira do que um drama convencional, proporcionando uma abordagem única e cativante. Indiscutivelmente, é uma obra marcante e um acerto significativo por parte de Todd Haynes.
Segredos de um Escândalo (May December, EUA – 2023)
Direção: Todd Haynes
Roteiro: Samy Burch, Alex Mechanik
Elenco: Natalie Portman, Julianne Moore, Charles Melton, Chris Tenzis, Andrea Frankle, Gabriel Chung, Mikenzie Taylor, Elizabeth Yu
Gênero: Comédia, Drama
Duração: 117 min
Crítica | A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets - Uma sequência sem brilho
Quando A Fuga das Galinhas estreou, em meados de 2000, rapidamente se tornou um grande sucesso comercial e de crítica, sendo totalmente ignorado pelo Oscar, que naquela época não possuía uma categoria específica para obras de animação. Agora, após longos 23 anos, a Netflix lança uma sequência intitulada A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets, que finalmente saiu do papel, mas não possui nem de longe o brilho nem o apelo da história original.
No primeiro filme, os animais causaram uma revolução para fugir da fazenda da Sra. Tweedy antes que fossem transformados em deliciosas tortas. Já na continuação, a ideia é que os bichos invadam uma fábrica de nuggets de frango, também comandada pela Sra. Tweedy. A trama se desenrola após a filha de Ginger e Rocky, Molly, por acaso parar ali e acabar em perigo junto com sua amiga.
O responsável por comandar o longa de 2000, o estúdio de animação especializado em stop motion, a Aardman Animations, após o sucesso da obra acabou investindo em novas produções do gênero, como Por Água Abaixo (2006) e Shaun, o Carneiro (2015). Embora não houvesse planos para retornar com uma sequência da produção, para o bem ou para o mal, acabaram mudando de ideia.
O roteiro assinado pela dupla Karey Kirkpatrick e John O'Farrell, responsáveis pelo primeiro filme, junto com a estreante Rachel Tunnard, não traz nada de novo nem surpreendente em termos narrativos, mas diverte e empolga em algumas situações, principalmente quando utilizam da licença poética para fazer referências à consagradas obras da cultura pop, como James Bond e Missão Impossível.
A continuação dirigida por Sam Fell (ParaNorman) nem de longe lembra o original, principalmente em relação ao roteiro, que é basicamente mais do mesmo: os animais se veem com problemas relacionados à vilã Sra. Tweedy e precisam fazer algo para sair daquela situação imposta a eles. Nesse caso, Ginger e Rocky precisam salvar Molly de virar um suculento nuggets.
A mensagem se mostra repetitiva, principalmente se levarmos em conta que o roteiro fez praticamente a mesma coisa que o longa de 2000, somente inserindo novos personagens e situações de perigo à trama. Mas a mensagem em si, da morte de animais para serem usados como alimentos, se mantém. Houve uma brecha para trabalhar um assunto bastante atual, que é a questão do meio ambiente, mas que Sam Fell não soube explorar e perdeu a oportunidade de abordar o tema.
A ideia de apresentar os frangos sendo levados para o abate é apavorante, mas seu foco principal é mostrar para o público a origem daquilo que está à sua mesa, no caso, de onde vem o frango assado do domingo.
O humor se mostra bastante presente no roteiro, servindo como uma ferramenta para entreter o público, mas paradoxalmente, essa presença cômica não é acompanhada pela mesma intensidade de destaque aos personagens. Nesta continuação, o galo, que desempenhou um papel central no filme original, é quase relegado a um status de personagem secundário, sem receber a mesma importância na trama. Isso ocorre para que Molly e sua jornada recebam mais tempo de tela.
Como animação, A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets é um bom entretenimento e cumpre a sua proposta de divertir e entreter, mas, por ser algo repetitivo, acaba decepcionando, principalmente os fãs que esperaram tanto tempo para rever aqueles personagens tão cativantes novamente em ação.
Crítica | Maestro - Uma homenagem ao legado de Leonard Bernestein
Bradley Cooper busca freneticamente, podemos dizer assim, o seu primeiro Oscar. Indicado quatro vezes na categoria de Melhor Ator, o astro aposta em um novo projeto. Trata-se de Maestro, uma biopic que reproduz a vida do músico Leonard Bernstein e que tem como objetivo trazer à tona e popularizar o legado do artista.
Após dirigir de forma competente o filme Nasce uma Estrela (2018), produção que já havia ganhado outras versões para o cinema, desta vez o cineasta e ator trabalhou com uma história mais autoral e contou com cooperação como produtor de Martin Scorsese (Assassinos da Lua das Flores). E Cooper não decepciona, a produção é incrivelmente bem dirigida e traz ótimos diálogos e reflexões.
Leonard Bernstein pode não ser um nome popularmente conhecido pelo público em geral, mas é sabido que foi um dos grandes expoentes da música erudita contemporânea americana. Ele foi responsável por criar obras importantes para a Broadway, como o conhecido Amor, Sublime Amor (West Side Story), além de ter contribuído para a popularização da música clássica entre o grande público, antes vista como algo elitista.
Vida e obra de um artista
Por ser uma cinebiografia focada mais na vida pessoal de Bernstein do que propriamente em sua vida artística, mais especificamente em seu relacionamento com sua esposa Felicia Montealegre (Carey Mulligan), o longa tenta dar maior ênfase a outros temas, como a conexão de Bernstein com seu amante e sua ligação com a música. No entanto, o cerne da trama é apresentar a rotina de Leonard e sua companheira como casal.
Comparando com outra cinebiografia de grande sucesso entre os espectadores, como o caso de Bohemian Rhapsody (2018), que optou por deixar de lado questões mais pessoais sobre Freddie Mercury para se concentrar exclusivamente na trilha de sucesso do grupo Queen, Maestro aborda a vida de Leonard Bernstein de maneira diferente. O filme foca quase que unicamente no homem Bernstein, explorando não apenas sua trilha de sucesso, mas também intimamente sua vida pessoal, o que é um grande acerto por parte do roteiro.
O roteiro, de autoria de Bradley Cooper e co-escrito por Josh Singer, além de se concentrar em apresentar ao público o ser humano Leonard Bernstein, também tem como objetivo introduzi-lo a uma audiência atual e que desconhece o histórico personagem.
O filme explora de maneira inteligente um elemento peculiar para uma produção sobre música: o silêncio. Essa escolha é eficaz e irônica, já que se trata de uma cinebiografia sobre um músico consagrado. Contribuindo, assim, para que a narrativa seja trabalhada em cima das relações humanas e dos dramas pessoais do artista.
Uma história recheada de camadas
O rico roteiro é repleto de camadas e momentos reflexivos a serem explorados. O relacionamento com a esposa e a filha, a fama, o dia a dia de seu trabalho como músico e, principalmente, um elemento que merecia mais destaque por parte de Cooper e só é apresentado com mais força a partir do segundo ato, que é a questão da homossexualidade do maestro. O personagem se vê obrigado a esconder seu relacionamento do público, gerando assim uma crise conjugal e dando mais destaque à personagem de Felicia.
Na primeira uma hora do filme, a sexualidade de Bernstein é um elemento bastante secundário na trama, só ganhando mais destaque no segundo ato, quando o artista se vê obrigado a esconder a verdade de sua filha e do público, motivado pelo medo das consequências sociais. Cooper aborda essa questão com muita sensibilidade e emoção, lembrando a semelhança ao que foi feito em O Segredo de Brokeback Mountain (2005), coincidentemente, também com Carey Mulligan no centro da história.
A direção de Bradley Cooper, se não é perfeita, pelo menos é bem encaminhada, e as escolhas do cineasta em explorar certos momentos da vida do músico são acertadas. O longa começa colorido, e ao retornar ao passado para narrar o início da trajetória de sucesso de Bernstein, há uma alteração na paleta de cores para preto e branco
É bastante provável que parte do público considere Maestro um filme parado ou até mesmo entediante, e a verdade é que seu ritmo é, de fato, maçante, concebido de maneira intencional. Os longos takes com diálogos extensos e situações pouco relevantes à narrativa contribuem para essa sensação. No entanto, quando a trama se concentra em Leonard Bernstein regendo, torna-se um espetáculo à parte. Em uma belíssima cena, Bernstein conduz uma orquestra em uma catedral, apresentando a Segunda Sinfonia de Mahler. Cooper entrega uma atuação magnífica, elevando a música ao seu ponto alto.
Bradley Cooper está fantástico, e não seria nenhum exagero afirmar que merece, no mínimo, uma indicação ao Oscar de Melhor Ator. Apesar de alguns overactings contidos, Cooper utiliza a técnica de forma a entregar uma atuação carregada de emoção, sem transformar seu personagem em uma versão caricata de si mesmo.
É verdade que Maestro é uma aposta da Netflix para a temporada de premiações, com foco no Oscar, e a obra é sim intrigante, simbolizando um período de ouro para os americanos. Trazer à luz a vida de um artista tão conhecido e que havia sido deixado de lado pelo público atual é um dos grandes acertos da produção.
Maestro (idem, EUA – 2023)
Direção: Bradley Cooper
Roteiro: Bradley Cooper, Josh Singer
Elenco: Carey Mulligan, Bradley Cooper, Matt Bomer, Vincenzo Amato, Michael Urie, Brian Klygman, Nick Blaemire
Gênero: Biografia, Drama, História
Duração: 129 min
https://www.youtube.com/watch?v=1AYIC4e9lZg
Crítica | Saltburn - Frustra por não atender as expectativas
Emerald Fennell deixou de ser uma promessa para se tornar uma realidade no meio do audiovisual ao receber o Oscar na categoria de roteiro original por Bela Vingança, primeiro filme da carreira da cineasta que causou grande impacto quando foi lançado. Agora, a diretora retorna com o monótono Saltburn, um longa que, entre erros e acertos, pode ser considerado bastante excêntrico.
A trama acompanha a vida de Oliver Quick (Barry Keoghan) em seus primeiros dias na Universidade de Oxford. Enquanto navega pela rotina de estudos, ele conhece Felix Catton (Jacob Elordi), um jovem de família renomada que vive literalmente em um castelo, enquanto Oliver é de família mais simples e afirma que seus pais têm problemas com drogas e faz de tudo para entrar no círculo social de Felix. Para se integrar ao círculo social de Felix, Oliver precisa conquistar o jovem.
Fennell assina o roteiro, e há alguns elementos que a jovem diretora precisa aprimorar. Isso inclui seus finais fracos e o desenvolvimento das narrativas. Em Saltburn, a roteirista e cineasta introduz um mistério maior do que a trama consegue sustentar. Pelo menos até o terceiro ato, a narrativa parece mais focada em uma história de amor obsessiva, sem dar indícios claros sobre a verdadeira natureza da história.
Diferentemente de Garota Exemplar, em que David Fincher apresenta as intenções da protagonista imediatamente, Fennel parece enrolar um pouco até chegar ao resultado desejado. Somente no último ato, percebe-se a verdadeira intenção da diretora com sua obra e seus personagens, especialmente Oliver. Não se trata de uma produção sobre amor possessivo, como inicialmente se imaginava, mas sim sobre a obsessão de ser outra pessoa. No caso, Oliver almeja uma vida que até então não possuía.
Esse desfecho vem acompanhado de um plot twist excessivamente previsível, especialmente após uma sequência de velórios que torna mais evidentes as ambições do jovem Oliver. A relação homoerótica, embora desejada por Oliver, não se concretiza e não é devidamente desenvolvida pelo roteiro, permanecendo estagnada. O Talentoso Ripley (1999) lida com essa questão e os efeitos de uma pessoa vivendo como outra de maneira muito mais competente.
É de se questionar o final de Saltburn, principalmente considerando que a construção do último ato foi bem estruturada. Embora tenha sido criada toda uma atmosfera de suspense e a trama tenha progredido de maneira satisfatória, o desfecho não surpreende, chegando a beirar a breguice na forma como as questões são resolvidas.
Se em Bela Vingança a ideia era a de denunciar os violentos abusos enfrentados pelas mulheres, em Saltburn a cineasta critica os luxos e a ostentação dos ricaços ingleses. Com um visual deslumbrante e filmado de maneira a destacar a fortuna dos Catton, fica evidente que Oliver e Farleigh (Archie Madekwe), outro amigo de Felix frequentemente convidado para a propriedade, e que são tratados como animais de circo e que estão ali apenas para entreter os familiares com suas tristes histórias.
As várias cenas desnecessárias, além de serem de péssimo gosto, não acrescentam nada à narrativa, como a profanação de um túmulo realizada por Oliver. O ponto alto da trama é, sem dúvida, a atuação de Barry Keoghan, que beira ao perturbador em alguns momentos. O suspense é um elemento importante para o filme, que funciona em certas ocasiões, enquanto em outras se mostra bastante superficial.
Barry Keoghan é frequentemente visto desempenhando papéis excêntricos ou interpretando figuras bizarras nos filmes em que atua, como o estranhíssimo O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017). Aqui, não é diferente, com um protagonista exagerado e de aspecto assustador, que claramente esconde algo por trás daquela aparente timidez. O resto do elenco também está ótimo, assim como o sedutor Jacob Elordi. Enquanto que Rosamund Pike, poderia facilmente ter mais tempo de tela, considerando que sua personagem, mesmo sendo secundária, é uma mulher fútil, indiferente e solitária dentro daquele enorme castelo.
Saltburn deixa claro o potencial de Fennell como diretora, mas a ousadia na conclusão e o refinamento na abordagem dos temas poderiam elevar a obra a um patamar ainda mais elevado. Apesar de ser bem filmado, peca no roteiro ao buscar ser uma obra chocante e perturbadora, sendo que nada disso era necessário. Fennell tem um grande futuro pela frente, e Saltburn destaca isso de maneira expressiva.
Saltburn (idem, EUA – 2023)
Direção: Emerald Fennell
Roteiro: Emerald Fennell
Elenco: Barry Keoghan, Jacob Elordi, Rosamund Pike, Richard E. Grant, Archie Madekwe, Sadie Soverall
Gênero: Comédia, Drama, Suspense
Duração: 131 min
Crítica | O Mundo Depois de Nós traz uma mensagem atual de forma inteligente
Imaginem se, neste exato momento, o mundo fosse alvo de um ciberataque tão devastador que deixasse as pessoas completamente isoladas, impossibilitadas de acessar a internet, assistir às suas séries favoritas pelo streaming ou mesmo utilizar as redes sociais para se informar e se comunicar. E, para piorar, considerem que esse ataque cibernético fosse tão poderoso a ponto de tornar impossível a recuperação da comunicação digital, restando como única opção o retorno ao analógico, deixando de lado todo o mundo digital. Essa é a intrigante premissa do longa da Netflix O Mundo Depois de Nós (Sam Esmail), que tem gerado grande alvoroço.
Apesar de o filme não apresentar uma ideia completamente inovadora, ainda assim seu roteiro aborda uma discussão bastante atual, que se encontra presente em diversos estudos acadêmicos e em debates nas redes sociais. A produção explora a possibilidade do que ocorreria caso o mundo fosse subitamente atingido por um blecaute digital, forçando-nos a enfrentar o isolamento de qualquer tipo de conexão digital. Nesse contexto, somos obrigados a retornar a uma época anterior, onde a comunicação era feita de maneira presencial, cara a cara.
Não é a primeira vez que a Netflix explora tramas apocalípticas sob uma perspectiva diferente, como ocorreu em produções anteriores, como Bird Box (2018) e Não Olhe para Cima (2021), E é bastante provável que essa não seja a última vez que isso aconteça, até porque esse tipo de roteiro continua a atrair um público ávido por narrativas com essa temática. A preocupação com a possibilidade de o mundo acabar, seja por motivos ambientais ou ameaças letais, é um tema recorrente na mídia.
A trama acompanha uma família que está de férias quando ocorrem eventos misteriosos relacionados a um ciberataque. O casal Amanda Sandford (Julia Roberts) e Clay Sandford (Ethan Hawke) se depara com a presença inesperada de G. H. Scott (Mahershala Ali), um homem que havia alugado sua casa para a família e precisa passar a noite com sua filha ali por circunstâncias não esclarecidas.
O roteiro, escrito pela dupla Rumaan Alam e Sam Esmail, pode frustrar parte do público devido à falta de ação e ao seu ritmo lento, não apresentando o caos típico das produções do gênero. Entretanto, esse elemento está presente na trama sob uma perspectiva diferente.
A ideia de introduzir uma desordem silenciosa à história é algo bastante inteligente. Um ciberataque, de fato, é algo que os governos mundiais devem temer, sendo essa possivelmente a guerra do futuro. Os hackers, ao silenciar uma nação, têm a capacidade de isolar completamente um país, facilitando seu domínio. Isso ocorre porque o digital vem ganhando cada vez mais espaço e poder em relação ao analógico.
Digital x Analógico
Cheio de mensagens no roteiro, a trama não se perde ao apresentar várias situações e foca de forma imediata no ataque hacker e no vício pelo digital que a sociedade atual enfrenta. A filha mais nova de Amanda e Clay, Rose Sandford (Farrah Mackenzie), é completamente dependente do mundo digital e não compreende o motivo pelo qual a internet está falhando, impedindo-a de assistir ao final de sua série favorita: Friends.
O incômodo de Rose por não poder assistir ao final de Friends e sua obsessão pelo desfecho da série se destacam na narrativa. Em uma das cenas, a garota expressa que o seriado a faz feliz, justificando assim seu desejo de assistir ao episódio final. Contudo, essa felicidade revela-se superficial, sendo uma metáfora inteligente sobre como as pessoas atualmente muitas vezes se preocupam mais com questões fúteis e insignificantes do que com eventos mais sérios. Essa temática é evidenciada em outra cena interessante, na qual Clay deixa uma mulher desesperada falando sozinha no meio da estrada, seguindo seu caminho sem se importar com o que ficou para trás.
Esse debate sobre digital x analógico não é novo e vem ganhando bastante força nos últimos anos. A narrativa reflete essa discussão com vigor na cena final, em que a garota só consegue assistir ao final de Friends após encontrar uma coleção de DVDs. Claro que algumas questões não são aprofundadas, como a discussão sobre como era o mundo antes da proliferação da internet e o que é real ou não nesse mundo digital cada vez mais conectado.
Sam Esmail acerta na maneira como desenvolve a tensão e na resolução dos mistérios. Apesar de parecer um filme com ritmo lento, essa ausência de ação faz sentido para a trama, uma vez que os acontecimentos em si já são bastante aterrorizantes. A ótima direção de Esmail se destaca na forma como filma, incluindo uma cena impactante de um avião caindo e o uso estratégico de takes de bird's-eye view para criar uma maior vulnerabilidade para os personagens frente às situações que encontram pela frente.
O Mundo Depois de Nós é uma boa produção, mal parece ser um filme da Netflix, graças à sua trama inteligente e direção competente. Ao questionar o vício digital nos dias atuais e explorar como a comunicação, em vez de aproximar, muitas vezes acaba afastando as pessoas e, ao invés de criar vínculos, frequentemente resulta em destruição. Sem dúvida uma das grandes obras do ano.
O Mundo Depois de Nós (Leave the World Behind, EUA – 2023)
Direção: Sam Esmail
Roteiro: Rumaan Alam, Sam Esmail
Elenco: Julia Roberts, Mahershala Ali, Ethan Hawke, Myha'la, Farrah Mackenzie, Charlie Evans, Kevin Bacon
Gênero: Ação, Aventura, Fantasia
Duração: 138 min
https://www.youtube.com/watch?v=X6UBHGb0OA0
Crítica | Aquaman 2: O Reino Perdido - Um fim digno para a fase atual da DC nos cinemas
Aquaman 2: O Reino Perdido marca o fim do atual Universo Compartilhado da DC Comics, que, após sucessos como Mulher-Maravilha, enfrentou alguns desafios recentemente, como as baixas bilheterias de The Flash e Shazam! Fúria dos Deuses. Diante dessa realidade, a Warner Bros. Discovery optou por um reinício quase que total do Universo DC.
Sob a direção de James Wan, o filme se mostra como um longa padrão de super-heróis, seguindo a estrutura da maioria das obras do gênero, com boas sequências de ação e uma ou outra piadinha. Por sinal, um dos grandes acertos de Wan é o de conceber de forma grandiosa, o universo subaquático em que Arthur Curry (Jason Momoa), o Aquaman, reina.
Na trama, Arthur une forças com o seu meio-irmão King Orm (Patrick Wilson) para defender Atlantis do Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II), vilão já apresentado no primeiro filme, que busca vingança pela morte de seu pai. A busca por Necrus, o Reino Perdido mencionado título, revela o verdadeiro antagonista, Rei Kordax (Pilou Asbaek), que planeja reerguer seu enorme exército com o auxílio do Black Manta (Arraia Negra em inglês).
Aquaman e a preservação ambiental
O principal problema do roteiro escrito por David Leslie Johnson-McGoldrick (Invocação do Mal 3) está no fato dele ser praticamente igual ao do primeiro Aquaman, com algumas diferenças narrativas, como a colaboração entre Arthur e Orm, além de um maior destaque no Arraia Negra.
Em relação ao roteiro, é importante analisar a tentativa de incorporar ao enredo uma discussão sobre o efeito estufa, utilizando o Orichalcum como elemento central do filme. De início, o recurso é buscado por Arraia Negra para abastecer as máquinas Atlantes antigas, mas a narrativa toma outro rumo quando o vilão decide queimá-lo para liberar um grande volume de gases de efeito estufa no meio ambiente e assim aumentando o aquecimento global.
Embora a analogia aos combustíveis fósseis e à poluição ambiental seja relevante e atual, a abordagem de Wan deixa a desejar. O tratamento dado ao tema é superficial, carecendo de um desenvolvimento mais profundo e de uma exploração mais acentuada, transformando uma boa ideia boa em algo simples e sem penetração.
Relações familiares
O primeiro ato de Aquaman 2 é centrado em Arthur e suas relações familiares. O herói aparece cuidando de seu filho, mas a apresentação de Arthur como um pai desajustado é feita de maneira ridícula. Essa mudança representa uma clara divergência em relação ao primeiro filme, no qual o personagem interpretado por Jason Momoa era mais equilibrado e menos caricato.
O principal foco do roteiro é apresentar as relações familiares, evidenciado pela exploração da redenção de Orm, culminando em uma tentativa de transformá-lo em herói, mesmo sendo o principal vilão do longa anterior. A verdade é que essa mudança não faz o menor sentido; parece que tudo o que aconteceu no primeiro Aquaman foi esquecido nessa tentativa de humanizar Orm. Mesmo sendo discutida em alguns diálogos da trama, essa transição do irmão de vilão para herói carece de uma explicação mais consistente.
A redução do espaço e da relevância da personagem Mera, interpretada por Amber Heard, é claramente uma resposta à repercussão do julgamento envolvendo a atriz e Johnny Depp. No entanto, a decisão de marginalizar a personagem levanta a questão: se o objetivo era diminuir a presença de Mera na trama, não seria mais sensato excluí-la no corte final, assim como ocorreu com o personagem de Michael Keaton, com alguma justificativa mais plausível?
As sequências de ação impressionam, mantendo a qualidade da franquia, com boas cenas de luta e destruição, fundamentadas por efeitos visuais de nível alto. A construção do universo subaquático é, sem dúvida, um acerto, cheio de seres marinhos e visualmente lindos. A sequência na ilha habitada por animais monstruosos, local em que os personagens de Momoa e Wilson voltam a criar um vínculo afetivo, é divertida e de tirar o fôlego.
Aquaman 2: O Reino Perdido não é uma história de origem como o anterior, e sim uma história sobre relações humanas e familiares, destacando as interações entre Aquaman com seu filho e seu irmão. O roteiro, no entanto, negligencia completamente Mera, à diminuindo a uma heroína de segundo escalão. A verdade é que o filme encerra esse último ato do Universo Cinematográfico da DC com dignidade.
Aquaman 2: O Reino Perdido (Aquaman and the Lost Kingdom – 2023)
Direção: James Wan
Roteiro: David Leslie Johnson-McGoldrick
Elenco: Jason Momoa, Patrick Wilson, Yahya Abdul-Mateen II, Amber Heard, Nicole Kidman, Randall Park, Temuera Morrison, Dolph Lundgren, Martin Short, Jani Zhao, Pilou Asbæk
Gênero: Ação, Aventura, Fantasia
Duração: 124 min
https://www.youtube.com/watch?v=wG5WCP2MTkY
Crítica | Godzilla Minus One acerta ao conceber uma trama eficiente e realista
O que motiva a produção de tantos filmes do Godzilla nos últimos anos? Desde 2014, foram pelo menos seis, sem contar um longa animado e a série Monarch: Legado de Monstros. Godzilla é um ícone da cultura pop e, desde seu surgimento na década de 1950, provocou diversas reações no público, estabelecendo gradualmente um universo de monstros. Esse fenômeno atingiu seu ápice com a franquia americana do MonsterVerse.
Godzilla Minus One emerge dessa nova onda de produções centradas no monstro, que geralmente surge do oceano para destruir cidades e tudo que encontrar pela frente. O filme japonês, dirigido por Takashi Yamazaki, é um grande acerto. Destaca-se positivamente em todos os aspectos, tanto no roteiro quanto na competente direção do cineasta.
Ao longo do tempo, várias produções japonesas foram lançadas na tentativa de reiniciar a franquia, algumas de qualidade duvidosa e outras de alto nível. Um exemplo dessa qualidade foi Shin Godzilla (2016), que adotou uma abordagem mais política e buscou reproduzir o estilo estabelecido pelo filme de 1954. Godzilla Minus One segue uma abordagem semelhante à de Shin Godzilla, mas de uma maneira distinta, explorando a narrativa dos horrores da bomba atômica e sua devastação.
A trama se desenrola em um Japão devastado no pós-Segunda Guerra, no qual Godzilla reside em uma ilha até que, ao longo dos anos, começa a se movimentar, causando destruição por todo o país. O diretor Takashi Yamazaki nos presenteia com um drama profundamente humano e repleto de cenas impactantes de destruição nesse excelente reboot.
A maneira como Yamazaki filma ajuda a dar maior dimensão da proporção do monstro, o apresentando de maneira grandiosa, utilizando efeitos de CGI que estão longe de serem toscos. O filme lembra bastante os Tokusatsus de antigamente da franquia, com o Kaiju movendo-se lentamente e sendo filmado com establishing shots que conferem uma dimensão maior ao seu tamanho e à destruição por ele causada.
O roteiro, também escrito por Takashi Yamazaki, é fantástico e retorna às origens, seguindo uma abordagem semelhante àquela proporcionada por "Shin Godzilla". Ele incorpora questões sérias, inserindo o Kaiju na trama mais como um agente do caos do que simplesmente um monstro destruidor.
A mensagem é muito bem estruturada, gerando um debate sobre a questão da bomba atômica e seu emprego como arma de aniquilamento em massa, utilizando o Godzilla como uma metáfora para essa destruição. O drama pessoal enfrentado pelo protagonista Koichi Shikishima (Ryunosuke Kamiki) é notavelmente realista e bem desenvolvido, em contraste com as versões hollywoodianas, onde os personagens muitas vezes são superficiais e desprovidos de motivações pessoais.
Koichi é um protagonista com várias camadas, carregando consigo um drama pessoal que precisa superar. Sua história como kamikaze, que desistiu de se sacrificar em nome do Imperador, traz à tona questões de honra, vergonha e os traumas decorrentes da guerra. Há um momento em que Koichi questiona quem merece viver ou morrer, resultando em uma autorreflexão sobre o fato dos kamikazes se sacrificarem por um ideal que, na verdade, era irrelevante e não conduzia a lugar algum.
Portanto, a produção representa uma crítica aos horrores da guerra, explorando não apenas o impacto da Bomba Atômica, mas também as consequências causadas pela destruição e morte que ela deixou no Japão. Essas feridas continuam presentes até hoje, um exemplo disso é o longa Oppenheimer de Christopher Nolan que só será lançado no país um ano após sua exibição pelo mundo.
Godzilla Minus One se sobressai como um dos melhores filmes japoneses focados no Godzilla, superando a maioria dos que compõem a franquia, em que muitas vezes destacam mais o monstro gigantesco e suas destruições do que na mensagem. Minus One oferece uma experiência cinematográfica que certamente trará alento aos fãs que anseiam por um espetáculo visual e por uma narrativa envolvente.
Godzilla Minus One (Gojira -1.0, Japão – 2023)
Direção: Takashi Yamazaki
Roteiro: Takashi Yamazaki
Elenco: Minami Hamabe, Ryunosuke Kamiki, Sakura Ando, Kuranosuke Sasaki, Munetaka Aoki
Gênero: Ação, Aventura, Drama
Duração: 124 min
https://www.youtube.com/watch?v=OPIKfDGmNaM&ab_channel=GODZILLAOFFICIALbyTOHO
Crítica | Wonka é uma açucarada história de origem
Roald Dahl foi um escritor que deixou inúmeras obras que hoje estão bastante presente na vida dos fãs de cultura pop. Livros como Matilda e O Bom Amigo Gigante foram adaptados para o cinema com relativo sucesso, assim como ocorreu com A Fantástica Fábrica de Chocolate, que recebeu adaptações para as telonas em 1971 com Gene Wilder no papel principal, e em 2005, com Johnny Depp interpretando Willy Wonka.
Nos dois filmes, o foco estava no tour promovido por Willy Wonka pela fábrica de chocolate, permitindo que os espectadores conhecessem mais sobre o personagem e suas ambições. Entretanto, nunca havia sido cogitada a ideia de criar um longa-metragem de origem, contando a história de como Willy conseguiu obter sucesso e criar sua fábrica de chocolate. Essa narrativa ganha vida com Wonka, filme dirigido por Paul King.
A nova versão traz Timothée Chalamet como Willy Wonka e Hugh Grant como o famoso Oompa-Loompa, personagem eternizado no filme da década de 1970. Em Wonka, o protagonista busca de todas as formas abrir sua loja de chocolate e levar o sabor transcendental de seus doces para todos. A narrativa é uma viagem fantástica pelo mundo do chocolate, com uma jornada pessoal de Wonka repleta de altos e baixos. A figura de Wonka, vestindo um sobretudo roxo e uma cartola, com seu ar apaixonado pela vida e pelos chocolates, traz um toque especial à produção, que se transforma em uma verdadeira jornada lúdica e fantasiosa.
É um grande trunfo da produção contar com Paul King na direção, cineasta responsável pelo excelente As Aventuras de Paddington 2, utilizando de sua capacidade para inserir humor e uma bela imaginação visual ao conceber a história. Para dar o tom a um personagem tão interessante como Willy, um homem apaixonado por chocolate e que navega pelo mundo em busca de iguarias que combinem com suas receitas, é necessário incorporar boas doses de fantasia e criatividade na criação do universo em que Wonka vive.
O roteiro, co-escrito por Paul King e Simon Farnaby, acerta em alguns aspectos e erra em outros. A primeira coisa que chama a atenção é que a trama, principalmente em seu último ato, torna-se bastante cansativa de se acompanhar. Isso não se deve à ausência de ação na narrativa, mas sim ao seu ritmo que é bastante maçante. Entretanto, situações importantes e que são bem desenvolvidas acabam disfarçando o ritmo lento, tornando-o menos perceptível.
Por se tratar de uma história de origem, é evidente que a motivação de Willy em querer construir sua loja de chocolate seja apresentada, a qual futuramente se tornaria um verdadeiro império dos doces. O personagem, portanto, tem uma motivação pessoal que é guiada pelo sonho e pela paixão de ter os chocolates mais saborosos do mundo, de modo que alcancem universalmente todos os públicos. É uma história de origem bem construída e nada superficial; ao contrário, há muitas camadas a serem consideradas na trama, como o drama de Wonka e os diversos desafios que surgem em meio à sua jornada.
Em alguns momentos, o filme soa brega, o que pode ser atribuído à opção em tratar a história como um musical. As canções, escritas por Neil Hannon, apresentam melodias encantadoras, porém, as letras carecem de alma e originalidade. Diferentemente de produções como O Rei do Show e La La Land, que são musicais envolventes e capazes de prender a atenção do público, Wonka revela-se bastante superficial nesse cenário. Tal fato acaba por transformá-lo em um longa raso, fazendo com que até mesmo O Retorno de Mary Poppins se torne uma obra brilhante em comparação nesse aspecto.
Chalamet é um dos grandes nomes da nova geração de atores e empresta seu carisma para o longa, ajudando a conferir um tom mais suave à trama. Wonka se mostra inocente em alguns momentos, e provavelmente a escolha de Chalamet tenha passado por isso, embora o protagonista não combine muito com o astro. O Wonka concebido por Paul King e interpretado por Timothée é encantador, distinto do maníaco de 1971 ou do ingênuo e sarcástico interpretado por Depp.
Com boas doses de humor, a produção apresenta um visual lindíssimo, tanto na direção de arte quanto no figurino. A obra é um verdadeiro show de cores, lembrando até mesmo as características visuais presentes nas obras de Wes Anderson, assim se destacando em relação ao visual extravagante criado por Tim Burton para o longa de 2005.
Wonka reestrutura de forma inteligente uma história que anteriormente não encontrava uma saída para ser reproduzida nas telonas, como nos dois filmes anteriores de A Fantástica Fábrica de Chocolates. Alcançando seu objetivo principal, que é atrair um novo público para conhecer a história de Willy Wonka e, quem sabe, criar uma nova franquia. Sem dúvida, é um dos grandes filmes do ano, prometendo divertir o público com altas doses de simpatia e carisma.
Wonka (idem, EUA – 2023)
Direção: Paul King
Roteiro: Simon Farnaby, Paul King, inspirado na obra de Roald Dahl
Elenco: Timothée Chalamet, Olivia Colman, Hugh Grant, Sally Hawkins, Paterson Joseph, Keegan-Michael Key, Rowan Atkinson
Gênero: Aventura, Comédia, Família
Duração: 116 min
https://www.youtube.com/watch?v=5a-qYjXNOtw&ab_channel=WarnerBros.PicturesBrasil