Crítica | Viva: A Vida é uma Festa - O Ótimo Novelão Mexicano da Pixar
Desde O Bom Dinossauro, em 2015, que não tínhamos uma história original da Pixar. Como rapidamente o longa original de Peter Song foi enterrado pela crítica e pelo público, as apostas estavam muito altas para que Viva: A Vida é Uma Festa trouxesse de volta o espírito maravilhoso do estúdio que tínhamos visto em Divertida Mente, que já é considerado um dos melhores feitos da Pixar depois de sua compra integral pela Disney.
Uma particularidade da Pixar é sempre lidar com temas difíceis e torná-los universais em uma grande obra de entretenimento para todas as idades. Pela segunda vez, a Pixar decide abordar a morte. A primeira se trata obviamente do maravilhoso Up: Altas Aventuras. Com Viva, a abordagem é muito mais distinta, mas que preserva a doçura do estúdio, mesmo que haja muitos segmentos cheios de dedos da Disney.
O Brilho Quase Original
Viva certamente é um ótimo filme, mas é notório que seu argumento seja calcado no eterno conflito clichê de resolução previsível: protagonista deseja uma coisa, mas é impedido pela ordem rígida familiar. Nós já vimos isso diversas vezes em animações Disney e até mesmo nas da Pixar como Valente e Ratatouille.
No roteiro de Adrian Molina e Matthew Andrich, inspirado no argumento de Lee Unkrich, também diretor do filme, acompanhamos a vida de Miguel, um jovem mexicano que se prepara para as festividades do Dia de Los Muertos, data especial que os vivos lembram e oferecem presentes aos entes queridos que já se foram. Porém, antes da tradição familiar, Miguel deseja ser um verdadeiro músico, assim como seu ídolo Ernesto de la Cruz.
Abandonando a família, que odeia música, no fatídico dia, Miguel vê a oportunidade de brilhar e se revelar para o mundo em um festival de música no centro de sua cidadezinha. Porém, para isso, acaba roubando o lendário violão de Ernesto e, então, acaba amaldiçoado e jogado no colorido Mundo dos Mortos. Perdido em um lugar onde não pertence, Miguel precisa achar um jeito de voltar à vida antes que amanheça e acabe preso com os mortos.
Realmente a sinopse parece mórbida e densa, mas Viva é um filme muito leve e divertido. Como disse, há uma boa mistura entre os estilos da Disney e da Pixar que acabam se equilibrando com alguma boa vontade do espectador em aguentar alguns dos problemas da história do filme.
A começar, Viva é um dos filmes com mais exposição da Pixar até hoje. Para explicar a mitologia do filme, as tradições da cultura mexicana e até mesmo da história da família de Miguel, os roteiristas usam e abusam do recurso narrativo claramente preguiçoso já que os personagens interrompem a história para explicar o filme – mesmo que isso seja inserido de modo orgânico, é cansativo.
A premissa do conflito principal entre Miguel e sua família, que o impede de realizar o sonho, é bastante poderosa e pode conversar bem com boa parcela do público. O tema, mesmo sendo denso, é resolvido sem muitos entraves e dramalhões, apesar dos roteiristas claramente flertarem com as histórias das telenovelas mexicanas nada estranhas ao público brasileiro.
Aliás, praticamente toda a narrativa do longa pode se comportar como uma bela novela mexicana, cheia de reviravoltas (muito previsíveis), papéis invertidos, subversão de expectativas e diálogos cheios de sentimentos contrastantes entre os personagens.
É irônico afirmar que boa parte dos personagens vivos do filme sejam o elo menos carismático do longa. Quem brilha aqui são os familiares mortos de Miguel e o seu guia atrapalhado Héctor, que também guarda uma trágica história em busca de redenção.
O humor do longa claramente é muito mais aproximado do infantil do que outros filmes da Pixar até então. É aqui que o lado Disney entra apostando em piadas de slapstick que brincam com a fisicalidade do esqueleto de Héctor, além da expansão corporal “emborrachada” do vira-lata Dante que acompanha Miguel em sua jornada sobrenatural.
Como boa parte do tempo de filme é concentrada em piadas e no desenvolvimento da amizade de Héctor com Miguel, muito da complexidade dos personagens vem por momentos-chave que exacerbam o poderio visual do filme em uma linguagem bastante simples e eficiente. A aposta na síntese se dá também por conta das canções originais, sempre ótimas, que ocupam boa parte da projeção.
Héctor e Miguel são as principais estrelas do filme e compartilham também da mesma técnica de desenvolvimento de personagem. Ambos começam superficiais, seguindo apenas um objetivo recompensador que pintam um retrato egoísta e imaturo dos dois. Porém, as coisas vão se tornando muito mais complexas conforme Miguel aprende o valor das tradições, da memória, da idolatria e de seus próprios sonhos. Já Héctor aprende enfim o valor da família e do perdão. São temas complexos em um filme de drama difícil, mas sempre bem resolvidos em sua conclusão emocionante.
O maior problema de Viva é mesmo a questão da previsibilidade. Mesmo que o cenário só seja compartilhado com Festa no Céu, outra boa animação, Viva se prende a clichês narrativos desnecessários chegando ao ponto de até mesmo mimetizar fielmente uma solução narrativa já vista em Monstros S.A.. O uso é igual e chama a atenção da Pixar basicamente se autoplagiar.
Outro problema é a tradução nacional do título do longa. Quem não assistir a versão legendada, perderá um detalhe muito bonito e vital para a compreensão do longa como um todo. Isso envolve a bisavó de Miguel, Coco, que aqui foi batizada como Tia Inês. Não é por mero acaso que essa personagem tem o mesmo nome do título do filme.
Uma Festa Mexicana
Lee Unkrich e Adrian Molina se certificam de trazer o retrato mais respeitoso possível ao abordar uma cultura estrangeira. Todo o visual do filme, seja o do mundo real ou dos mortos, é extremamente caprichado e chama a atenção. É fácil ficar impressionado pela riqueza de detalhes nos objetos ornamentados, do figurino sempre adequado, da fabulosa iluminação multicolorida, dos efeitos de física e até mesmo os da translucidez dos fantasmas.
Todos os esqueletos e caveiras possuem características distintas, com cabelo e maquiagem típicos da cultura mexicana. Aliás, até mesmo o espanhol tem um grande espaço em expressões coloquiais em alguns diálogos mais acalorados. Os diretores conseguem capturar bem toda a expressividade latina tanto no uso do corpo quanto da face.
A movimentação de Héctor, levemente estranha, é outro espetáculo por parte dos animadores sempre preocupados em conferir uma personalidade única para o personagem ao valorizar essas brincadeiras com os ossos de seu esqueleto.
Entretanto, enquanto o design de produção brilha com construções diversas para a Cidade dos Mortos, além de criar uma completa burocracia particular daquela realidade e apostar sempre na beleza vibrante de suas cores, os diretores parecem encontrar dificuldade para tornar a movimentação de câmera um pouco mais criativa.
Ela praticamente é escrava da encenação, mimetizando os personagens sempre que possível e quase nunca se afastando demais para revelar um pouco mais daquele mundo mágico. É irônico que um filme tão cheio de personalidade esteja restrito ao uso mais banal da câmera como linguagem. Não é um defeito terrível, mas dentro da animação e na Pixar, onde é possível realizar as proezas mais criativas em um espaço tridimensional, certamente é decepcionante ver a simplicidade do recurso em Viva.
O que os diretores acertam em cheio é, como já comentado, no carisma de sua história. Quando finalmente chega a hora decisiva da emoção e alma do filme, os dois conseguem causar o efeito desejado no espectador. E isso por um motivo muito simples: no uso da excelente trilha musical de Michael Giacchino.
Desde Up que Giacchino não compunha uma trilha tão eficiente e audaz como escutamos em Viva. Principalmente no que tange as canções originais como Remember Me, uma das mais poderosas que vai se transformando e ganhando significados únicos a cada nova evolução de uso que os roteiristas apresentam. Colocar a música no topo da importância da mensagem do Viva é o maior acerto dos realizadores do longa: reconhecer que a alma do filme busca unir música, família e carinho.
Lembre-se de Mim
Viva: A Vida é uma Festa é um ótimo sinal de equilíbrio entre Pixar e Disney, conseguindo aliar a poder das histórias originais da produtora com as requisições de humor infantil do estúdio. Mesmo que sua história seja uma das mais simples, com uma jornada bastante direta e repleta de reviravoltas óbvias, os personagens cheios de personalidade, o visual estupendo e cheio de vida acompanhadas pela fabulosa música de Giacchino, dão a Viva um lugar alto entre as melhores criações do estúdio até agora.
É lindo ver que sempre em horas decisivas, a Pixar consegue nos conquistar de modo tão eficiente quanto o fez em 1995 com Toy Story. Entre homenagens emocionantes aos que já foram e abraços ternos aos que estão conosco, Viva pode ficar sempre tranquilo, pois é impossível não lembrar de um filme tão carinhoso e encantador como esse.
Viva: A Vida é uma Festa (Coco, EUA, 2017)
Direção: Lee Unkrich, Adrian Molina
Roteiro: Lee Unkrich, Adrian Molina, Jason Katz, Matthew Aldrich
Elenco: Anthony Gonzales, Gael García Bernal, Benjamin Bratt, Alanna Ubach, Renee Victor, Jaime Camil, Alfonso Arau
Gênero: Aventura, Animação Infantil
Duração: 110 min
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Crítica | Voyeur - A Anatomia de um Sociopata
Pode parecer algo vindo diretamente de um episódio estranho de Scooby-Doo ou de algum seriado sobre mistérios ruins, mas o que temos aqui é um breve estudo sobre um sociopata que foi até o limite para saciar seus desejos. Voyeur, novo documentário da Netflix, traz a história de Gerald Foos, um idoso que deseja revelar o maior segredo de sua vida: espionar pessoas por trinta anos.
Para isso, Foos comprou um hotel inteiro e construiu um túnel que conectava todos os quartos dando a possibilidade de bisbilhotar a vida privada de seus hóspedes desavisados. Mantendo um diário completo de todos os anos de atividade, Foos testemunhou coisas que iam muito além do sexo.
A fim de tornar sua história conhecida para o mundo, o bisbilhoteiro entrou em contato com um dos maiores jornalistas dos EUA: Gay Talese. Mantendo o contato por mais de vinte anos, os dois decidem que finalmente chegou a hora de contar o maior segredo da vida de Foos. Porém, no decorrer do filme, as coisas não saem tão bem como planejaram.
Rotas emergenciais
Dirigido pela dupla Myles Kane e Josh Koury, temos diversas abordagens técnicas em Voyeur para manter o espectador interessado na tela. Nitidamente temos dois filmes em um, devido a uma mudança brusca de estilo no meio do documentário.
Kane e Koury começam apresentando a vida dos dois objetos de estudo de sua obra, já fazendo que o espectador compreenda quem são essas figuras, principalmente Talese. Definindo suas conquistar profissionais, o jornalista, já muito idoso, deseja contar sua melhor história antes de morrer. Logo, é imposta uma tremenda importância nesse projeto e no personagem que marcarão para sempre a vida de Talese.
Essa primeira metade é concentrada no modo mais convencional de filmar documentários: entrevistas posadas e planejadas com alguma encenação dos casos que Foos expõe para os diretores e Talese. O filme inteiro poderia ser concentrado nisso, nas histórias que Foos deseja contar enquanto o jornalista realiza a matéria e o livro, porém a realidade bate à porta rapidamente quando o ego dos dois começa a inflar.
Nisso, temos o imponderável agindo diretamente sobre os rumos do documentário, o transformando completamente. Se antes tínhamos os relatos de Foos como objeto de estudo, agora temos a terceira idade do personagem como foco, além da aparente amizade dele com Talese.
O fato é que algumas das coisas que Foos conta não são verdade. Provas materiais contestam alguns de seus relatos deixando a credibilidade de Talese no chinelo, já que o jornalista não checou os fatos como deveria. Nisso, Voyeur se transforma em um documentário sobre as problemáticas que Foos causa para ele próprio e Talese que vê seu trabalho indo pelo ralo.
Com um conflito poderoso desses, os diretores acertam em mudar de abordagem e seguir pela linha de cinema direto, já que realmente o assunto do filme saiu totalmente de controle. Assim, com nítido afastamento de Talese com a produção, os diretores passam a conviver com Foos e sua esposa, participando de suas vidas monótonas e de uma perturbadora melancolia solitária.
Com muitas faces, Voyeur acaba ganhando mais uma ao trazer um retrato doloroso da terceira idade, da solidão e das amizades desfeitas. Foos omite detalhes importantes da história e se sente culpado por ter ferido o ego frágil de Talese. Temos também as consequências da publicação da polêmica matéria e da aparente calma que cerca Foos.
Pureza da realidade
Voyeur claramente é um documentário para poucos. Os cineastas fazem apostas arriscadas ao desviar tanto do objetivo original do longa ao focar em aspectos muito mais complexos sobre os dois personagens que apresentam. Ainda ousam se aventurar mais ao acompanhar o retrato da terceira idade e dos diferentes tipos de solidão, do ego e das consequências da ambição desnecessária que atropela até mesmo a própria ética do jornalismo.
Sua mensagem é forte ao trazer descobertas sobre a anatomia de um sociopata que gosta mais de ser observado do que de observar, aparentemente. Uma relação fascinante sobre o olhar, a câmera e o filme.
Voyeur (Idem, EUA – 2017)
Direção: Myles Kane, Josh Koury
Elenco: Gerald Foos, Gay Talese
Gênero: Documentário biográfico
Duração: 96 minutos
Lista | Ranking da saga Star Wars
Sempre é uma boa hora para discutir os melhores Star Wars já lançados, não é mesmo?
Com a estreia de Star Wars: Os Últimos Jedi já é hora de inseri-lo no nosso ranking. Confira quais são as nossas opiniões sobre todos os filmes da saga lançados até agora, indo do pior ao melhor.
9. A Ameaça Fantasma
Isso é praticamente um consenso entre os fãs de Star Wars: A Ameaça Fantasma é o pior filme da saga, e uma incrível decepção para os fãs que esperavam algo de qualidade da história de origem de Darth Vader. É um filme que carece de bom roteiro, atuações e um ritmo melhor, representando a grande pedra no sapato da carreira de George Lucas. Mas é preciso reconhecer que o filme tem méritos em sua produção, desde a revolução de efeitos visuais até a introdução de personagens adorados, como Jar Jar... Quer dizer, Darth Maul!
8. Ataque dos Clones
OK, reconhecemos que o nível melhorou um pouco aqui. O salto temporal do filme anterior para o segundo episódio na nova trilogia possibilitou um pouco mais de ação e um ritmo de aventura mais intrigante, além de continuar a expansão da saga em planetas e personagens fascinantes. Porém, a situação de George Lucas como roteirista só piora, ainda mais com a insuportável história de amor entre Anakin Skywalker e Padmé Amidala, que só fica mais intragável graças à terrível performance de Hayden Christensen.
7. Os Últimos Jedi
O novo episódio tão aguardado de Star Wars é também o filme mais polêmico da franquia. Polarizando o público entre ame e odeie, podemos dizer que estamos próximos à completa indiferença, além de algum resquício de mágoa pelo tratamento que Rian Johnson confere aos episódios anteriores, além dos personagens da trilogia original. Sendo um filme que anda em círculos e não muda nada do que já sabíamos em O Despertar da Força, Os Últimos Jedi é um episódio filler que não muda em nada as regras da narrativa que estamos acompanhando nessa nova trilogia. Com personagens clássicos fazendo pouco ou nada, vilões descartados com o todo o desinteresse possível, desenvolvimento pífio e redundante para Kylo e Rey, além do desperdício completo de Finn e Poe Dameron, o longa não só é um Star Wars desinteressante de qualidade duvidosa, mas também um filme ruim que utiliza recursos baratos de narrativa para solucionar diversas enrascadas que Rian Johnson insere os personagens. Viciado em subversões de expectativas, o diretor-roteirista exagera na dose e consegue perpetuar mais situações idênticas às já vistas nos episódios IV, V e VI. Ao menos, o longa tem um primor técnico e visual realmente impactante, além do humor ser bem escrito, apesar de mal inserido em diversas cenas dramáticas.
6. A Vingança dos Sith
Finalmente a trilogia prequel nos entrega coisas boas! É aqui em que finalmente vemos a transformação de Anakin Skywalker em Darth Vader, com George Lucas apresentando o mais sombrio e perturbador filme de toda a saga, com uma virada dramática chocante e um conflito memorável entre os protagonistas tornados inimigos. Ainda temos que passar pela falta de talento de Lucas na arte da escrita e excessos do inexpressivo Hayden Christensen, mas é certamente um dos filmes mais satisfatórios da saga.
5. Rogue One: Uma História Star Wars
Primeiro filme derivado da saga, é também o primeiro a apostar em uma trama que fuja da mitologia dos Skywalkers e dar luz a pequenos conflitos dentro do grande quadro geral. É uma tarefa que Gareth Edwards cumpre muito bem em Rogue One, que consegue construir uma trama de guerra e espionagem com eficiência dentro desse grande universo. Os personagens e o ritmo sofrem, mas o longa garante excelentes cenas de ação e uma resolução muito corajosa, além do melhor uso de Darth Vader já feito.
4. O Despertar da Força
Certamente um dos filmes mais aguardados de toda a História do Cinema, o retorno de Star Wars ao cinema tinha a árdua tarefa de continuar os eventos da trilogia original, limpar a imagem da saga após a má reputação da trilogia prequel e conquistar toda uma nova geração de fãs. Todas essas coisas consideradas, é praticamente um milagre que O Despertar da Força seja um filme tão eficiente e divertido. Claro, J.J. Abrams joga seguro ao seguir quase que a mesma estrutura do primeiro filme da saga, mas o faz com uma maestria cinematográfica invejável, além de personagens memoráveis e um elenco perfeito que carregam todo o filme. É o início de uma promissora nova fase de Star Wars.
3. O Retorno de Jedi
A conclusão épica da trilogia original de Star Wars. Até hoje é um filme polêmico que divide muitas opiniões, afinal amamos ou odiamos os Ewoks? Tirando esse trecho meio insosso de lua de Endor, o filme rende momentos espetaculares como o resgate de Han Solo e Leia, a morte de Yoda, a destruição da 2ª Estrela da Morte e principalmente por todo o clímax que fecha a relação entre Luke, Vader e Imperador. Muito perspicaz de George Lucas fazer o lado negro tentar seduzir Luke Skywalker e da redenção final de Darth Vader. Mesmo com suas falhas, é um filme absolutamente memorável.
2. Uma Nova Esperança
George Lucas praticamente inventa a indústria de Hollywood com o primeiro Star Wars. De uma aposta arriscada e estranha em uma década voltada pra um cinema mais autoral, nasce a franquia mais adorada e cultuada da História do Cinema, com revolucionários efeitos especiais e um dos exemplos mais básicos e eficientes de como se executar a clássica Jornada do Herói de Joseph Campbell, tendo no protagonista Luke Skywalker um dos grandes ícones da cultura pop. Uma história simples e sensacional, que conquista diversas gerações até hoje.
1. O Império Contra-Ataca
Como não poderia deixar de ser, o grande favorito de todos: O Império Contra-Ataca. Talvez ele encante tanta gente justamente por ser o que tem a menor presença criativa de George Lucas. Ele resolve melhor os personagens, os tornando mais humanos, inserindo mais conflitos importantes, além de denotar camadas de heroísmo e sacrifício mais significativos para o desenvolvimento de Luke, Leia e Han.
Não somente pelas cenas memoráveis de Hoth ou em Bespin ou por sua inacreditável revelação que marca uma das reviravoltas mais surpreendentes da ficção, mas sim por um notório amadurecimento da saga, além de fixar um ponto de referência sobre como sequências conseguem ser ainda melhores do que os filmes originais.
E aí, qual o seu preferido? Não vamos julgar ninguém por gostar dos prequels!
Comente!
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Crítica com Spoilers | Star Wars: Os Últimos Jedi - A Hora e a Vez de Luke Skywalker
Com Spoilers
A Disney conseguiu tornar o Natal uma época ainda mais mágica. Se antes a franquia Star Wars sempre foi marca de diversão lançada no verão americano, a Disney mudou todas as regras do jogo ao colocar o lançamento de O Despertar da Força justamente para dezembro, uma época mais modesta para blockbusters temendo efeitos colaterais do clima frio na bilheteria. Em uma jogada brilhante, a Disney conseguiu capitalizar ainda mais o Natal, reunindo o lançamento do filme para impulsionar a venda de produtos licenciados para as pessoas se presentearem nas festas de fim de ano.
Quem testemunhou, viu história ser feita. Star Wars estava de volta aos cinemas um novo episódio após uma década. Os resultados foram avassaladores na bilheteria, rapidamente conquistando o bilhão, além dos elogios de uma crítica comportada e talvez muito influenciada pela emoção. O Despertar da Força tinha sérios problemas narrativos, jogando muitos dos seus ‘furos’ para serem resolvidos em outros filmes, além de uma sensação nada confortável de ser um remake disfarçado de Uma Nova Esperança.
Essa abordagem menos arriscada da Disney era perfeitamente compreensível. Não queriam desagradar os fãs de longa data, além do desejo de atraírem novos públicos juvenis para a franquia. Portanto, era muito esperado que o aguardado Episódio VIII trouxesse um novo frescor para Star Wars, apostando uma história realmente inédita, que explorasse a fundo as problemáticas dos misteriosos personagens do episódio anterior.
O nome escolhido para conquistar essa difícil tarefa surpreendeu muita gente: Rian Johnson, um dos diretores independentes mais autorais da contemporânea Hollywood. Com tanta personalidade, seria fácil para Johnson se comportar na visão pré-formatada e rígida de um estúdio gigantesco? De certa forma, não. O diretor abre mão de modo considerável de sua assinatura cinematográfica para deixar essa nova trilogia visualmente mais homogênea possível, enquanto no campo da narrativa, também há apostas muito inglórias enquanto outras surpreendem por estraçalhar as expectativas do espectador.
A Faísca que Acenderá uma Revolução
Os Últimos Jedi começa freneticamente depois do tradicional opening crawl. A Resistência foi dizimada pela Primeira Ordem. Fugindo da base anterior, as tropas reminiscentes são emboscadas por General Hux (Domhnall Gleeson) e seus encouraçados poderosos. Encurralados, Leia (Carrie Fisher) e Poe Dameron (Oscar Isaac) fazem de tudo para que suas naves resistam aos impetuosos ataques dos inimigos, enquanto Finn (John Boyega) ainda permanece adormecido se recuperando dos ferimentos da batalha contra Kylo Ren (Adam Driver).
Enquanto isso, Rey (Daisy Ridley) finalmente encontra Luke Skywalker (Mark Hamill) isolado na ilha escondida do planeta Ahch-To, na esperança de que ele volte a batalhar pela Luz, além de auxiliá-la a encontrar seu próprio caminho na Força.
Para a felicidade geral da legião de fãs, Rian Johnson, também roteirista da obra, cumpriu o que prometeu: a história é parcialmente original, mas não chega nem perto de ser perfeita. Com a responsabilidade de fechar pontas soltas do anterior, obedecer as exigências feitas a ferro pelos produtores da Disney, além de conseguir contar uma boa história valorizando os novos e antigos personagens. Uma tarefa estressante e nada fácil.
Como de costume em capítulos intermediários de trilogias, Johnson respeita a “regra” de manter o grupo separado até sua conclusão. Com isso, temos a escolha de segmentar a narrativa com três pontos de vista distintos contando histórias diferentes: Rey, Poe e Finn são os protagonistas de seus “filmes” individuais, já que todos se comportam como histórias fechadas – somente a de Poe e Finn conseguem se relacionar bem, já que a jornada de Finn é originada a partir da história de Poe.
É bem perceptível que Johnson simplesmente não sabe muito bem o que fazer com Poe e Finn já que os dois recebem um tratamento muito inferior ao da história da Rey com Luke. Com Poe, ficamos presos junto a ele na última nave da Resistência, fugindo a todo custo do destróier gigante de Snoke (Andy Serkis), capaz de rastrear naves até mesmo na velocidade da luz. Basicamente, em todo esse trecho, a Resistência só resiste enquanto Poe faz de tudo para salvar a facção.
Para isso, Finn e Rose (Kelly Marie Tran), uma nova personagem, partem para Canto Bight, um rico planeta focado em jogos de azar a fim de encontrar um hacker que consiga desativar o rastreador da nave da Snoke, permitindo a fuga da Resistência para novas bases.
Embora nenhuma seja particularmente memorável ou, de fato, original, existem situações curiosas que despertam o interesse do espectador. A mais forte e óbvia é a linha narrativa de Rey, na qual conhecemos um novo Luke cheio de rancor e medo, além de contatos através da Força com Kylo Ren. Aqui temos o melhor ponto do filme e que realmente é trabalhado com cuidado para desenvolver apropriadamente esse trio de personagens.
O Rebelde em Excesso
Já que o longa se divide em três, nada mais conveniente que tratar a análise do roteiro da mesma forma. Originalmente, era para Poe Dameron ter morrido em O Despertar da Força, mas muita gente gostou da performance de Oscar Isaac decidindo deixá-lo como um dos pilares da nova trilogia.
Com o novo episódio, chegou a hora do personagem ganhar mais tempo de tela, mesmo que seja bastante desnecessário. Em suma, eles assumem arquétipos fáceis de compreender, já resumindo bastante a necessidade de desenvolvê-los com muito capricho. Com Poe, temos a perfeita figura do rebelde revolucionário que coloca a causa acima da própria vida e também da vida dos outros.
É importante mencionar algo agora. Mesmo que tenhamos três narrativas diferentes, todas têm a mesmíssima moral. Os Últimos Jedi está concentrado em destruir a visão binária do bem e do mal apresentado em toda a saga até agora. Um grande acerto de Rian Johnson, que aproveita o roteiro apressado de O Despertar da Força, que permite a modelagem imprevisível do destino desses personagens, tanto que muita gente aguardava uma mudança da Rey para o Lado Negro da Força. Logo, conhecemos tons de cinza raramente vistos na saga principal.
Com Poe vemos que apesar das boas intenções, o herói comete erros ao ser preconceituoso com a Vice-Almirante Holdo (Laura Dern), nova líder da Resistência depois de Leia ter “morrido” em uma explosão – chegaremos lá em breve. Holdo e Dameron duelam em um enorme conflito de egos para encontrar a melhor solução de fuga pela sobrevivência. Muitas das cenas destinadas a Poe basicamente focam nisso, fazendo o longa andar em círculos deixando a narrativa à deriva. É algo proposital, mas certamente não contribui em nada para o ritmo arrastado da obra.
Fora isso, a própria personagem Holdo não despertar muito do nosso interesse através da atuação impassível de Laura Dern. Aliás, quase todos os novos personagens de Os Últimos Jedi são desastrosos de tão superficiais. Na conclusão desse arco, Poe descobre que Holdo estava comandando a nave para chegar a Crait, lar de uma antiga base da Aliança Rebelde – nunca é justificado o motivo dela não informar todos os outros líderes reunidos na nave, incluindo Poe. Logo, é algo totalmente artificial, apenas mais uma das muitas narrativas mirabolantes que Johnson cria para forçar algum desenvolvimento em um personagem secundário, já adulto, que nunca tinha compreendido, até então, que as pessoas são mais complexas do que a divisão entre heróis e vilões, glória e desonra. Inacreditável.
Para nivelar esse núcleo e salvar ele do marasmo completo, temos, felizmente, a presença de Leia em uma triste despedida de Carrie Fisher para a personagem, já que a atriz faleceu em 2016. Só de ter a presença da icônica Leia, as coisas melhoram um pouco. Agora já muito experiente, a princesa também virou uma excelente estrategista militar – há muito cuidado de Johnson nessa parte, adaptando estratégias conforme as vantagens entre os lados se alteram significativamente.
Mas até mesmo no destino de Leia, Johnson consegue se atrapalhar com más decisões. Durante um ataque, motivado por Snoke para decidir seu lado definitivo, Kylo Ren parte para destruir a sala de comando na nave da Resistência, mas acaba desistindo de matar sua mãe. Porém, outros caças que estavam ao seu lado, completam a missão e destroem a ponte de comando, lançando Leia para o vácuo do espaço.
Naturalmente, seria uma boa despedida para a personagem, tornando Ren mais complexo. Mas, a custo de tentar surpreender o espectador, Johnson decide reviver Leia, a fazendo acordar no espaço, manipular a Força, como nunca havíamos visto antes, para chegar em segurança à nave ("não é assim que a Força funciona!"). Por conta dos ferimentos, a personagem é aposentada por algumas cenas piorando a situação do núcleo narrativo. No fim, Leia não morre e permanece viva para um próximo filme. Uma decisão realmente muito, mas muito questionável, já que Fisher está morta. Até visualmente a cena decepciona com um CGI trabalhado de modo rasteiro ao tornar Leia um Superman ou Mary Poppins genéricos ao sair "voando" pelo espaço.
Drástico Finn
De longe, o pior núcleo narrativo de Os Últimos Jedi é o concentrado na aventura de Finn e Rose. Assim como Dameron, Finn passará por uma jornada com o mesmo objetivo: ver os tons de cinza dentro de uma guerra de interesses opostos. Quando descobre que a nave da Resistência está com as horas contadas, o personagem decide salvar sua própria pele a fim de evitar que Rey também chegue em um local condenado.
Tentando fugir em uma cápsula de fuga, Finn é nocauteado por Rose, outra personagem inédita irritante. Johnson até consegue criar coisas legais para os dois, figuras contrastadas. Finn continua flertando com o heroísmo, agora cheio de fama pelas conquistas anteriores, mesmo sendo um covarde completo. Já Rose é corajosa e sonhadora, mas totalmente desconhecida para a Resistência, uma zé-ninguém.
Johnson, preocupado em trazer profundidade para quase todos os coadjuvantes, monta um paralelo do sacrifício da irmã de Rose, piloto do último bombardeiro que consegue destruir um encouraçado da Primeira Ordem, com a decepção de Rose ao perceber que o herói que idolatrava, Finn, é apenas mais um covarde qualquer. É um ótimo ponto de partida cheio de potencial, mas nunca visitado novamente para melhor desenvolvimento.
O que ocorre é o caminho mais óbvio, Finn e Rose se apaixonam ao decorrer da missão suicida para encontrar o hacker em Canto Bight. É justamente aí que esse núcleo começa a descarrilar com força.
Canto Bight talvez seja a pior ideia que já aconteceu a Star Wars desde Jar Jar Binks. A sequência que envolve a busca desse hacker/decodificador é repleta de desvios absurdos na missão, com fugas entediantes, reviravoltas burocráticas que visam estender ainda mais a passagem, péssimo humor, um design visual ordinário, além das resoluções de conflito mais preguiçosas dessa nova trilogia até agora. São inúmeros deus ex machina para salvar a pele de Rose e Finn aliadas a conveniências narrativas e roteirismos para fazer essa história andar.
Em um lugar como Canto Bight, seria relativamente fácil resolver os problemas dessa sequência tenebrosa: inserir, enfim, Lando Calrissian nessa nova trilogia. Porém, isso nunca acontece, já que Johnson insiste em apresentar novos personagens. No caso, para resolver o entrave do núcleo de Poe e a resistência sem fim da Resistência, conhecemos o gaguinho DJ, interpretado com muita vontade por Benicio Del Toro.
O escuso personagem é a personificação completa da mensagem do filme sobre o certo e errado, da problemática da moral binária entre bem e mal. Não é possível confiar em DJ, tanto que uma reviravolta de traição é telegrafada desde que conhecemos o personagem - traição desconfortavelmente similar, aliás, a de Lando em O Império Contra-Ataca. Ele também tutela Finn, mostrando que o mundo é mais complexo do que ele imagina, com motivações diversas para as pessoas se aliarem a determinados lados. Assim, Rian Johnson consegue embalar uma crítica batida contra o mercado da guerra, o capitalismo, gente rica e dos negociantes de armas.
Mesmo com uma mente criativa como a de Rian Johnson, Star Wars não consegue se livrar de certos clichês narrativos já esgotados. Novamente temos a imposição de desativar algum aparelho in loco que deixará a nave inimiga vulnerável de alguma forma – no caso, o destróier de Snoke não conseguirá rastrear a Resistência na viagem na velocidade da luz. Logo, Finn, Rose, DJ e BB-8 conseguem se infiltrar e quase concluir a missão até que o previsível acontece e DJ trai o trio bonzinho em nome do bom e velho lucro.
Todo mundo fica aprisionado, prestes a serem executados. Mas, de modo parecido como visto em Rogue One, Holden decide usar a última nave da Resistência contra o encouraçado inimigo ao viajar na velocidade da luz em direção a ele – nessa altura, os sobreviventes já fugiram em naves de fuga para Crait. É um bom deus ex machina “justificado” para salvar a dupla que consegue sobreviver à uma explosão que quase mata todos os presentes no hangar – chega a ser ridículo até. Para “corrigir” uma intensa reclamação do filme anterior, Phasma surge para finalmente mostrar a que veio.
Curioso que por conta desse “bendito” projeto transmídia da Disney com Star Wars, somos impelidos a comprar outro produto para entender como Phasma sobreviveu após os eventos de O Despertar da Força – lembrando que ela foi para o compactador de lixo de um planeta que explodiu. Johnson não se preocupa em situar qualquer peso ou relevância para a personagem que age apenas como mais uma capanga treinada para derrotar Finn e Rose. Importante mencionar que, também para salvar a dupla mais uma vez, BB-8 surge em outro deus ex machina pilotando um AT-ST. Johnson trata esse núcleo inteiro na base da repetição de situações, não colaborando em nada para o sentimento de progressão da história.
Phasma é derrotada com facilidade, em outra reviravolta forçada, e todos fogem para Crait com a ajuda de BB-8. Caso não tenham percebido através do texto, toda a histeria de Poe Dameron e a jornada de Finn e Rose são totalmente irrelevantes para a trajetória principal do filme. Eles apenas estão lá para reforçar uma mensagem já marretada no núcleo protagonista. Ou seja, se trata de filler, encheção de linguiça completa, algo de redundância irritante. Uma pena que a maior parte da originalidade do texto do filme seja justamente a sua mais inútil.
Pérola na Tempestade
Mesmo que Johnson erre tanto com os personagens coadjuvantes, temos a maior força de Os Últimos Jedi consideravelmente intacta: a relação entre Rey, Kylo Ren e Luke Skywaker. Começando pelos problemas, esse núcleo apresenta poucos, mas Rian Johnson tem uma mania irritante com esses personagens em específico: subversão de expectativas a todo o custo, mesmo que sacrifique lógica e coerência interna.
Superado isto, Johnson realiza um bom trabalho, inclusive com cenas cômicas mais refinadas com o auxílio do carisma dos Porgs e da interpretação dócil de Daisy Ridley e dos olhares carregados e expressivos de Mark Hamill, que só melhorou o talento com a idade. Para introduzir essa narrativa, Johnson já nos oferece a primeira subversão de expectativa com Luke jogando o sabre dos Skywalker para baixo do penhasco - algo totalmente fora de tom com o que já conhecemos do personagem.
O arquétipo estereotipado do mestre rabugento de passado sombrio caiu como uma luva para esse novo Luke Skywalker que Rian Johnson ousa nos apresentar – isso, obviamente, exige que o espectador acostumado com o Luke impulsivo, determinado e impaciente da trilogia original aceite essa nova realidade que o herói se encontra. Claro que a maior conquista disso é a performance de Mark Hamill, conseguindo transparecer todo o conflito psicológico intenso que o personagem sofre, fortalecendo um roteiro deficitário para estabelecer esse retrato trágico.
Johnson toma escolhas erradas com os outros núcleos e investe muito pouco tempo para nos acostumarmos com este Luke mentiroso e covarde, o que dificulta a associação ao personagem tão aventureiro e teimoso de outrora. Aqui, o roteirista exagera na dose de cenas nas quais Luke ignora completamente os pedidos de ajuda de Rey. Conhecemos mais de sua rotina, mas sempre estamos distantes do personagem, de algum modo.
Ao menos, para fazê-lo mudar de ideia sobre o treinamento para Rey, o roteirista acerta em cheio ao inserir a clássica mensagem de Leia para Obi-Wan em Uma Nova Esperança quando R2-D2 reencontra seu antigo amigo. É um dos momentos mais emocionantes e genuínos do longa, conseguindo aquecer o coração de qualquer fã. Uma pena somente que Johnson ignore R2-D2 e Chewbacca por quase todo o filme, além de alguns reencontros não serem tão impactantes como deveriam.
Johnson consegue resolver bem uma questão complicada: o desenvolvimento de Rey e Kylo. Por meio de uma conexão mental através da Força, justificada posteriormente, os dois passam a conversar e descobrir mais sobre a história de cada um, chegando até a desenvolver certa tensão sexual em certo ponto.
Apesar da moral sobre os tons de cinza entre a maldade e a bondade, é de se estranhar que Johnson aposte nisso justamente com esses personagens, pois tudo é calcado em pressupostos e informações muito vazias. Johnson impõe as regras do jogo a todo momento, nunca se preocupando de fato em embasá-las melhor com flashbacks caprichados – e olha que temos três variações do mesmo acontecimento!
Onde deveríamos encontrar respostas, Johnson apenas suscita ou perpetua perguntas de outrora: como a Nova República foi tão desleixada a ponto de permitir a ascensão de uma nova Ordem maligna na galáxia por quase trinta anos? Snoke tinha uma ligação com Skywalker? Como Snoke se envolveu com Kylo Ren durante sua adolescência? Como Luke Skywalker, Mestre Jedi, que conseguiu resgatar Darth Vader do Lado Negro, desistiu tão facilmente do próprio sobrinho? Como raios esse sabre perdido em O Império Contra-Ataca retornou? Onde estão os Cavaleiros de Ren, presumidos outros estudantes desertores de Luke? A Primeira Ordem só foi financiada através da extração e venda de minérios naturais?
Forçando muito a barra, podemos responder algumas dessas questões com as falas de Luke nas quais ele admite que ficou arrogante após virar uma lenda vida, o destruidor do Império. Só é bastante difícil de aceitar que aquele herói otimista e humilde tenha se transformado tão ferrenhamente com linhas de diálogos tão pobres - aliás, esse filme inteiro sofre com diálogos que deixam a desejar. Um rápido resumo em flashback, auxiliando a imagem com uma narração over, resolveria esse entrave tão grande a respeito da posição covarde do protagonista de outrora.
De toda a forma, o personagem aceita tutelar Rey, afinal o filme precisa avançar. Em momento de brilhantismo cinematográfico, temos uma lição muito bonita envolvendo o equilíbrio da Força, a modelando mais como uma força natural do que um talento aproveitado pelos Jedi ou Sith.
É particularmente correta essa problematização sobre os Jedi que Johnson faz. No pensamento egoísta de Luke, certamente há pontos válidos já que os Jedi não respeitavam de fato o equilíbrio que a Força necessita – isso é bem explorado na trilogia prelúdio. Enfim, Luke renega seu dom e dos Jedi, expondo bem seu ponto de vista para Rey, que começa a ser tentada pelo lugar sombrio e maligno da ilha.
A motivação dela ser seduzida é clara e bastante forte: descobrir enfim quem são seus pais. Mas a caverna não oferece respostas e nem mostra alguma premonição de qualquer tipo – novamente Johnson subverte as expectativas do público ao mudar a estrutura da Jornada do Herói. Porém a deixa vulnerável o suficiente para conversar com Kylo Ren e descobrir a terrível verdade que jogou o personagem para o Lado Sombrio: Luke tentou matá-lo enquanto ainda era aprendiz.
Por si, Johnson consegue conferir mais complexidade a Kylo, além de jogar mais motivações honestas para Luke se isolar. Desde a vergonha da tentativa de homicídio, da intenção sombria, até com o medo de encarar novamente sua irmã depois de ter destruído a vida normal de Kylo Ren, desequilibrando a Força. Isso já seria suficiente para mostrar os tons cinzentos entre o bem e o mal, destruindo a imagem de herói que Luke tinha preservado dos filmes anteriores.
Com essa decepção em relação a Luke, Rey é motivada a ir encontrar verdades com Kylo Ren, acreditando que conseguiria convertê-lo para a Luz. Johnson aproveita esse jogo dúbio de intenções para criar momentos instáveis e enervantes com muita precisão. O encontro da heroína com o vilão, agora mais afáveis um com o outro, se torna um dos maiores trunfos de Os Últimos Jedi.
As Cinzas de Snoke
Snoke era um dos maiores mistérios de O Despertar da Força. Com milhares de teorias sobre quem seria ele, de onde veio, qual seu propósito e tudo o mais, Snoke ganhou muita curiosidade que finalmente esperávamos que fossem sanadas neste filme, ao menos parcialmente.
Mas, como sabemos, Rian Johnson quer te surpreender a todo custo, mesmo que acabe sacrificando boas ideias. Snoke é apresentado para nós fazendo algo que só vimos Vader fazer anteriormente: manipular a Força através de um holograma. Ou seja, o personagem é muito forte, com competências exemplares da manipulação da Força.
Andy Serkis acerta em cheio no tom caricatural e meio pimpão do antagonista. Ele é poderoso, arrogante e sabe que consegue destruir todos com o menor esforço. Sua maldade é divertida e rapidamente se torna alguém carismático e interessante capturando nossa curiosidade. Johnson, infelizmente, não explora nada de Snoke, por mais potencial que ele possua.
Na verdade, Snoke recebe um dos usos mais pedestres que um roteirista pode usar ao escrever uma história: ele se torna um mero instrumento de narrativa, um plot device. Relegar alguém tão forte e ameaçador a unicamente um uso é bizarro demais. Snoke é quem manipula e faz a conexão entre Kylo e Rey através da Força, criando as imagens que cada um quer ver em suas mentes – sim, o vilão admite isso em um clássico monólogo ultrapassado cheio de exposição.
Antes disso, ele estabelece um conflito interno sobre o patricídio de Kylo Ren. No encontro com Rey, Johnson começa a cometer os mesmos problemas que Abrams fez no filme anterior: copiar situações dos filmes originais. No caso, temos uma mímese da cena que Luke é confrontado pelo Imperador que o força ver as naves rebeldes sendo destruídas impiedosamente em O Retorno de Jedi. Aqui, Snoke força Rey a ver as naves de fuga do cruzador da Resistência sendo explodidos um a um.
Depois, o aprendiz consegue destruir o mestre de modo consideravelmente fácil. Snoke, o ás da Força, é enganado pelas intenções verdadeiras de Kylo Ren e acaba cortado ao meio pelo sabre dos Skywalker, que pousava no braço de sua poltrona estilosa. E assim acaba Snoke em Star Wars...
Muitos defendem que isso é uma rima para homenagear o Episódio VI, mas é totalmente injustificado. Não faz sentido criar novos filmes para mimetizar deficiências de outros, afinal estamos pagando para ver situações inéditas que explorem o potencial dessa saga. Certamente não é o que acontece aqui. Aliás, claramente tivemos um build up, uma construção provocante, em O Despertar da Força que prometia algo que nunca foi entregue. Ao menos a trilogia original não fazia promessas desonestas. Johnson parece que não gostou de diversos conceitos que Abrams preparou no filme anterior e simplesmente se livrou delas sem o menor esforço criativo. Agora, com o personagem morto, não resta muito interesse em consumir qualquer outro produto que ouse trabalhar em profundidade o potencial que Snoke deixou para trás.
Ao menos temos uma ótima luta com sabres de luz entre Kylo e Rey contra os soldados pretorianos de elite que protegiam Snoke antes dele virar cinzas.
Sal e Sangue
Aqui começa o terceiro ato de Os Últimos Jedi, sua verdadeira derrocada final onde Johnson consegue apresentar muitos conceitos ruins e insistir em mais momentos anticlimáticos. Depois de tanta provocação, tanta enrolação para ver se alguém iria mudar de lado, absolutamente tudo fica exatamente como estava. Ou seja, o longa é redundante, acima de tudo.
Rey permanece do bem e fica incrédula quando Kylo Ren a convida para dominar a galáxia ao seu lado, sob uma nova bandeira. Assim como Luke, Ren acha que os Jedi, Sith, Resistência e Primeira Ordem devem acabar. Rian Johnson então decide encerrar um ponto de discussão infinito do filme anterior: quem eram os pais da Rey?
Bom, segundo o seu roteiro, não eram ninguém, uns viciados que a venderam para comprar bebida. Só isso. Apesar de ser um conceito necessário, para mostrar que os poderosos com a Força também podem vir de outras linhagens além da de Skywalker, que podem ser qualquer pessoa na galáxia, é totalmente decepcionante essa descoberta depois de tanto tempo esperando por uma resposta mais caprichada. É possível, mas improvável, que Kylo Ren tenha mentido.
Nesse impasse, os dois disputam o sabre de Anakin para acabar com o conflito – aparentemente, Rey tem o mesmo poder e aptidão de Kylo Ren, mesmo sem qualquer dose de treinamento. Aqui, as três linhas narrativas finalmente se unem e a nave de Snoke é partida ao meio. Kylo desmaia e Rey foge na nave do Líder Supremo – depois ela se teletransporta magicamente para a Millennium Falcon.
Com todos refugiados na base em Crait, o roteirista recria a mesmíssima situação desesperadora do início de O Império Contra-Ataca: a Resistência encurralada, tentando fugir, enquanto a Primeira Ordem, após sofrer uma grande derrota, contra-ataca com intuito de dizimar todos.
Ao menos, o texto é mais apressado, inserindo ação e reação na velocidade que devem acontecer. Johnson só faz uma última interpolação para mostrar um fã service com Luke e Yoda. É um bom momento do longa, mesmo que faça pouco sentido a motivação para o lendário mestre Jedi queimar o primeiro Templo Jedi e as primeiras escrituras. Mas nessa altura do filme, já estamos acostumados com Johnson jogar tantas coisas nada caprichadas em tela, principalmente envolvendo os personagens da trilogia original.
Na batalha final do filme, vemos que Johnson faz Poe agir de modos diferentes, admitindo a derrota e se negando a sacrificar o time inteiro contra a legião de novos AT-AT, que Ren e a Primeira Ordem comandam. Nesse momento, teríamos uma situação perfeita para se despedir de Finn, que decide se sacrificar para explodir uma arma que poderia quebrar a blindagem da base, enfim abraçando o heroísmo real que ele sempre flertou.
Mas, como sabemos, Rian Johnson adora plot twists ruins e não sacrifica Finn, que é salvo no último segundo por Rose – ele encara um pré-raio que consegue derreter metal, mas sai completamente ileso do contato do calor com a pele (Star Wars sempre obedeceu bem tudo o que envolve calor e queimaduras vide A Vingança dos Sith). Em outra jogada forçada, Johnson consegue criar um casal entre esses dois coadjuvantes sem química alguma. Rose, uma personagem claramente esgotada, também sobrevive.
Depois de mais alguns deus ex machina e soluções fáceis, o momento mais aguardado chega: Luke Skywalker entra para a batalha e reencontra sua irmã. Apesar do texto fraco, as performances de Hamill e Fisher são emocionantes para trazer à tona um reencontro que diz muito, mesmo sem muita conversa. São olhares trocados, de aventureiros e sonhadores, que de alguma forma, sabem que é uma despedida.
Johnson entrega momentos verdadeiramente épicos para vermos o personagem em ação durante uma luta curta contra Kylo Ren, agora Líder Supremo da Primeira Ordem. Em outra reviravolta bastante previsível para os espectadores mais atentos – Johnson faz Luke usar o sabre azul que claramente havia sido destruído momentos antes, temos a revelação que Luke apenas está usando uma projeção astral através da Força para permitir que a Resistência escape com Rey e Chewie.
Na pior das decisões, Johnson mata Luke Skywalker, pelo jeito por esgotamento ou só because of reasons. O que nos leva a pensar imediatamente por que? Por que matar Luke de modo tão anticlimático, sem permitir que ele brilhe mais um pouco na franquia iniciada pela força do personagem? Por que matá-lo, mas deixar Leia viva, enquanto Mark Hamill está vivo e Carrie Fisher, infelizmente, não? Isso gerará um desconforto enorme no próximo filme e será um absurdo completo se a Disney substituir Fisher por um bonecão CGI para concluir essa narrativa.
Aliás, também não faz muito sentido que Leia espere Rey retirar as pedras com a Força no fim da caverna, já que, segundo o filme, Leia consegue fazer o impossível com seu dom ao sobreviver no Espaço. É surreal. Na vontade de fazer algo diferente, Johnson cria diversos absurdos sempre na tentativa de tirar uma expressão de surpresa do espectador. E não ouse pensar que essa é a reviravolta final do filme. Antes de Rey partir, novamente há uma conexão com Kylo Ren, derrotado e sozinho, na sala principal do esconderijo.
Teoricamente, essa conexão não deveria mais existir já que Snoke morreu. Logo, Johnson consegue colocar em xeque todas as resoluções horrorosas que colocou no filme: Snoke está mesmo morto? Rey é parente de Kylo Ren visto que esse tipo de conexão é forte entre familiares? Ou seja, ainda teremos mais ladainha nessa polêmica a respeito da paternidade da protagonista? Ainda teremos mais problematizações redundantes sobre o bem e o mal no próximo episódio?
Eu sinceramente espero que não. Johnson tinha o propósito e intenção de destruir os pilares da franquia Star Wars ao eliminar a luta eterna entre Sith e Jedi, mas, no fim, não consegue concretizar em nada essa inglória missão. Sempre haverá o bem e o mal. Mesmo que haja tons cinzentos os separando, existem atitudes que definem essa estrutura clássica da narrativa da ficção.
Johnson sabe muito bem disso. Basta ligar os pontos e refletir: esse filme realmente segue a moral que emprega? Óbvio que não. Tirando algumas mortes importantes e mudanças de hierarquia, Os Últimos Jedi preserva os lados antagônicos da mesmíssima forma na qual ele começa.
O desenvolvimento dos personagens é pífio se levarmos em conta a longa duração do filme tornando esse capítulo, que deveria ser focado nessa evolução, totalmente redundante. Ele conclui diversos pontos dessa nova trilogia de modo desleixado, bizarramente alterando a ordem convencional de toda história contada por um escritor são, sem preparar com força o terreno para a conclusão no próximo filme. Os Últimos Jedi é um episódio filler de Star Wars.
O efeito disso tudo é devastador: não existe muita vontade em descobrir como essa história termina.
Matando o Passado
O diretor Rian Johnson quer abraçar o diferente a todo custo. Como já exploramos, ele conseguiu minar o lore, a lógica e também o bom senso com o roteiro do longa. Então o que realmente salva esse filme? O que o torna um pedaço razoável de entretenimento para aproveitar nos cinemas? A técnica.
Rian Johnson com certeza é o diretor mais autoral que já passou pela franquia até agora. Apesar das exigências continuas da Disney em preservar uma lógica visual de linguagem cinematográfica herdada de O Despertar da Força. Por competência como diretor, Johnson consegue colocar sua marca em uma quantidade até mesmo surpreendente de cenas.
O diretor preserva a elegância da marca mantendo sempre a câmera estável, mas nunca a imobilizando por completo. Sempre temos direito a planos dinâmicos, com movimentos precisos, além de muito bem enquadrados oferecendo uma plástica visual excelente se comparada aos filmes anteriores.
O uso intenso de cenários reais com identidades próprias marcantes também colabora significativamente para aumentar o realismo das imagens. O destaque, obviamente, fica para a sala do trono de Snoke, envolta por um painel vermelho gigante se unindo com perfeição a proposta minimalista dos designers de produção. Com vestes douradas, fica claro que Snoke é um narcisista arrogante que gosta de ser o foco das atenções, enquanto é cercado pelo vermelho rubro da violência e maldade. Um bom estereótipo de vilão.
Aliás, Johnson consegue trabalhar relativamente bem com metáforas visuais para enriquecer o trabalho deficitário do texto com os personagens. Não são muitas as vezes que isso ocorre, mas é bastante eficiente. A primeira delas certamente acontece quando Kylo Ren destrói seu capacete, começando a enterrar o passado e abrindo sua vista para novos horizontes – um foreshadowing ambíguo que nos faz acreditar na sua conversão para a Luz antes dele matar Snoke.
As cores mortas e tempo constantemente nublado em Ahch-To para sustentar o luto de Luke também é adequado. E o completo oposto com a saturação em Crait igualmente funciona para demonstrar a ressurreição da Resistência. Já na despedida de Luke com Leia, temos outro momento de muita valorização da cinematografia de Steve Yedlin. Ao banhar os personagens com uma luz dura e direta fortíssima, cria-se silhuetas belas na contraluz, similar a um crepúsculo romântico, do amor e calor intenso que esses dois irmãos compartilham entre si. É uma das raras vezes que a cinematografia se torna uma verdadeira poetisa visual na saga.
Johnson também consegue arquitetar boas cenas de ação, excetuando a fuga de Finn e Rose em Canto Bight. As batalhas espaciais têm um dinamismo, assim como as lutas envolvendo sabres de luz. Mesmo que tenhamos tão poucas aqui, ver Kylo e Rey lutando contra os guardas pretorianos foi absolutamente incrível, possuindo uma dinâmica de montagem ótima.
Já com o duelo final entre Kylo e Luke, Rian Johnson consegue trazer mais de sua autoria cinematográfica, mas homenageando assinaturas de clássicos do cinema japonês como Yazujiro Ozu e Akira Kurosawa. Com a câmera baixa, o diretor captura uma ótima antecipação clássica na linguagem dos filmes samurais. O mesmo se dá com a coreografia da luta, com pouquíssimos golpes entre os dois guerreiros. Tudo se concentra em atingir um golpe letal no oponente. É belo e mágico.
É justamente aqui que as cores vibrantes e vermelhas dos cristais escondidos debaixo de uma camada de sal branco em Crait colaboram para simular sangue, tanto no ataque final de Kylo Ren quanto na batalha com os speeders.
Para completar, a despedida visual para Luke também é feita com boas sacadas de imagem, principalmente ao colocar nosso querido personagem contemplando o horizonte e vendo os dois sóis de Tatooine pela última vez antes de ser um com a Força.
Johnson tem uma constante mania em trazer imagens que ele julga ser inteligentes, mas que se tornam tornam repetitivas em pouco tempo. Repare que sempre em um pico dramático, temos um enquadramento heroico mostrando o último "alguma coisa". Seja a nave de bombardeio enfrentando o perigo sozinha, ou o X-Wing de Poe Dameron, o speeder de Finn em seu quase sacrifício, com Rey ou Luke em diversos momentos, entre outros. É poético e belo no começo, mas Johnson simplesmente não sabe a hora de por o pé no freio e dar uma sossegada com muitos dos elementos do filme - isso inclui os meus argumentos sobre o roteiro também
Mas há sim distúrbios significativos que pesam negativamente a balança de Rian Johnson como diretor também. O maior problema do longa é estrutural, como já vimos com o roteiro segmentado em excesso. Isso acaba prejudicando a montagem também que constantemente se perde no meio de um pingue-pongue levemente irritante. Não colabora o fato de termos que acompanhar narrativas insossas que interrompem a todo momento a história principal mais interessante. Logo, o filme perde seu ritmo e se torna arrastado.
A duração por planos também é levemente incômoda pelo ritmo rápido da sucessão de imagens. Johnson não deixa o filme respirar e também acaba prejudicando bastante os enquadramentos mais elaborados que mal tem tempo para nos impactar já que são cortados em poucos segundos. Aliás, é curioso como Johnson tem tanta preferência por planos fechados, aproveitando pouco o potencial visual de diversas cenas que precisavam de planos maiores e majestosos. Felizmente, isso é corrigido no clímax do filme.
Existem sim bons momentos na montagem, inclusive chegando a criar um efeito de linguagem bastante inteligente que quase não tínhamos visto na franquia desse modo até então. Johnson consegue criar diálogos com Rey e Kylo em lugares totalmente diferentes ao decupar bem seus planos, além da inclusão de efeitos sonoros corretos que já transmitem a mágica para o espectador entender, igual ao que vemos em O Império Contra-Ataca entre Luke e Leia, ou Luke e Vader, perto do fim do filme. Temos várias transições que preservam a moldura do rosto dos personagens para irmos em outros núcleos ou simplesmente para reforçar ainda mais uma conexão sugerida por meio de texto.
O ponto mais alto da técnica da montagem fica com a rápida sucessão de planos silenciosos para ilustrar o efeito devastador do Cruzeiro Mon Calamari ao se chocar contra as naves da Primeira Ordem na velocidade da luz. De modo tão belo quanto, Johnson também acerta ao fazer uma sucessão de imagens sinestésicas para ilustrar o que se trata da Força quando Luke ensina Rey. Depois, há até mesmo uma experimentação surrealista quando ela decide explorar a caverna sombria da ilha.
De resto, temos o de sempre: ótimos efeitos visuais e sonoros, além de uma trilha sonora original de John Williams – agora muito superior à de O Despertar da Força. Aliás, é curioso que trouxeram de volta a marionete prática de Yoda para um longa tão moderno. As criaturas, quando feitas em efeitos práticos, impressionam bastante, incluindo os simpáticos Porgs, as raposas de cristal e as guardiãs de Ahch-to. Já com os cavalos alienígenas de Canto Bight, totalmente digitais, não temos um trabalho muito impressionante, apesar das criaturas expressarem as emoções necessárias para que Johnson encaixe uma mensagem ambientalista na obra.
Isso não terminará do jeito que você imagina
Bom, eu queria ter gostado mesmo de Os Últimos Jedi. Acreditava piamente que teríamos algo novo que expandisse o universo e cumprisse o objetivo de realmente desenvolver seus personagens de modo satisfatório e incisivo. Isso, de certa forma, acontece com Kylo Ren, que se torna imediatamente o melhor personagem dessa nova trilogia – aliás, Adam Driver está perfeito no papel, tornando a dor e o ódio do personagem realmente palpáveis para o espectador. É um bom conflito interno que ele passa, mas sua evolução, na prática, não altera absolutamente nada do que já não sabíamos em O Despertar da Força: ele é o vilão da trilogia.
O sentimento de enrolação permanece na cabeça e mesmo depois de duas visitas a esse filme, ele simplesmente não melhora. Os fatos que ocorrem aqui são desnecessários e não alteram em nada a ordem do jogo estabelecido: a Primeira Ordem está poderosa e tem um líder maníaco e a Resistência está em fuga. Poe Dameron não necessariamente precisava de um bom desenvolvimento e recebe apenas o já clichê: soldado impulsivo aprende a ser um líder responsável. Rey continua forte na Força, enterrando seu passado de vez (?). Finn finalmente abraçou o heroísmo real (como já tinha feito antes). E Leia permanece na mesma posição de outrora mesmo que seja escanteada no terceiro ato da fita.
Do jeito que J.J. Abrams havia preparado o terreno para esse longa, teria sido fácil Rian Johnson conseguir criar uma grande história, ainda preservando suas quebras de expectativa que tanto gosta, mas demonstrando um pouco mais de respeito pela história que a saga se originou – tanto é que Mark Hamill afirmou diversas vezes que não concordava em nada com o que Johnson tinha feito com Luke.
Tenho plena ciência que julguei o filme pela qualidade duvidável das ideias que apresenta na mesa, mas também mencionei os pontos que não tornam ele apenas um filme medíocre de Star Wars, mas sim uma decepção cinematográfica em geral. Rian Johnson conseguiu enterrar o passado, mas não com as glórias que merecia.
Com esse “entrave” da geração anterior expelida da franquia, a Disney poderá guiar Star Wars para onde quiser, inserindo suas doses de humor interrompendo o momentum dramático de diversas cenas, encaixando reviravoltas sem sentido, apresentando seus novos personagens com diversas críticas sociais e políticas e vendendo mais produtos licenciados para talvez responder as muitas questões que ainda permanecem em Os Últimos Jedi que foram largadas, esquecidas, na escuridão de uma galáxia muito, muito distante....
Star Wars: Os Últimos Jedi (Star Wars: The Last Jedi, EUA, 2017)
Direção: Rian Johnson
Roteiro: Rian Johnson
Elenco: Daisy Ridley, John Boyega, Mark Hamill, Adam Driver, Gwendoline Christie, Domhnall Gleeson, Carrie Fisher, Billie Lourd, Andy Serkis, Laura Dern, Oscar Isaac, Benicio Del Toro, Kelly Marie Tran
Gênero: Ficção científica, fantasia
Duração: 152 min.
Crítica com Spoilers | Rogue One: Uma História Star Wars - A Verdadeira Guerra nas Estrelas
Obs: há revelações importantes da narrativa. Leia após assistir ao filme.
Há uma névoa na memória coletiva sobre Star Wars. Às vezes, nos decepcionamos ao rever algo que já fora tão maravilhoso na infância. Onde a maravilha que encantava os olhos, mentes e corações dava lugar ao sentimento agridoce da nostalgia. Com O Despertar da Força, tive a primeira reação genuína para quebrar essa cortina de fumaça. Sai insatisfeito reclamando de sua simplicidade. E então fui rever a burocrática segunda trilogia que também possui artifícios de roteiro absurdos e revi a trilogia original de linha narrativa simples e reviravoltas rápidas a partir de ações facilitadas no roteiro.
Vi que o maior problema de O Despertar da Força era eu e não o filme que seguiu perfeitamente a linha aventureira simples dos trabalhos originais de George Lucas. Com Rogue One, há uma profunda diferença, mesmo que ele se encaixe e respeite a mitologia da saga.
Assim como boa parte das obras de arte, ficar satisfeito com a proposta deste spin-off é uma mera questão de interpretar o que foi visto. Rogue One não possui muitos elementos que fazem Star Wars ser Star Wars: não há muita discussão política, não há lutas de sabres de luz, não há Millenium Falcon ou aquele espírito aventureiro otimista que marca grande parcela da trilogia original.
Rogue One é um filme de guerra e deve ser encarado como tal. É a primeira vez que vemos a guerra entre o Império e a Aliança Rebelde do modo mais cru possível. Violento, brutal e chocante. Ou seja, é capaz que você encontre um filme fora da proposta da saga, ou é capaz que você se maravilhe e emocione com essa história que mereceu ser contada.
Uma Nova Esperança
Como se sabe, o roteiro de Chris Weitz e Tony Gilroy fazem da história de Rogue One o verdadeiro prelúdio de Uma Nova Esperança. A narrativa se concentra na tragédia pessoal de Jyn Erso, a filha do responsável pela engenharia da maior arma de opressão que a galáxia já viu: a Estrela da Morte.
Depois dos traumas da infância na qual perdeu seu pai para o Império e sua mãe para a morte, Erso vira uma solitária fora-da-lei. Presa e enviada para o campo de trabalhos forçados do Império – associação excelente com gulags, cabañas e campos de concentração, Erso é resgatada pela Aliança Rebelde para ajudar a entrar em contato com seu antigo mentor, Saw Gerrera, um revolucionário extremista que possui uma importante mensagem de seu pai, Galen Erso, que promete revelar uma falha capaz de desabilitar completamente a super arma.
Sem gostar muito, Erso parte em companhia de Cassian Andor e do androide imperial K-2SO para Jedha, a cidade sagrada dos Jedis, a fim de completar sua missão e ficar livre de vez da Aliança Rebelde.
A força de Rogue One está em seus personagens, pois sua narrativa segue os preceitos do gênero de guerra: trauma, antipatia, negação, encontro, trauma, transformação, heroísmo, sacrifício, vitória. É uma receita intocada que rende filmes excepcionais como O Mais Longo dos Dias, Resgate do Soldado Ryan, A Ponte do Rio Kwai, etc.
A dupla de roteiristas também segue um preceito básico para filmes de guerra com narrativas de grupo: a síntese para desenvolver os personagens. Ou seja, não espere aquele arco romântico que tanto estamos acostumados a ver em diversas narrativas clássicas. Há sim catarse para diversos dos personagens, porém eles não têm o arco completo que os filmes da linha dos episódios.
Entretanto, não vejo demérito nessa situação. Seria exigir um filme longo demais para atender a essa demanda. As sínteses dos conflitos de cada um seguem figuras clássicas de dramas de guerra: uma niilista descrente na causa, um revolucionário que já cometeu crimes de guerra em nome da causa, o alívio cômico em busca de confiança e reconhecimento, o desertor de um regime totalitário em busca de redenção, o religioso e sábio guiado por sua fé e seu oposto, o cético que abandonou o caminho.
São personagens eficientes por gerar rápida empatia através de uma dor que é facilmente reconhecida pelo espectador. Enquanto muitos personagens de Star Wars ganham toques humanos depois de muitos minutos de suas apresentações – veja que Luke só virou um protagonista decente em O Império Contra-Ataca, Rogue One já firma a nossa empatia com o grupo por trazer meros humanos para protagonizar a história.
Nenhum deles são “os escolhidos”, não são superpoderosos e são vulneráveis. Detalhe é a consciência do quão descartáveis eles são. O que importa para a narrativa deste longa é retratar o que aconteceu com o esquadrão que roubou os planos da Estrela da Morte.
A única que possui um backstory decente é a heroína Jyn Erso, já estabelecendo as causas de sua descrença em tomar partido de qualquer um dos lados. Ela revela uma linha de pensamento, até então, totalmente inexplorada na série: sobre não ligar para a dominação do Império em toda a galáxia.
Mas a personagem não ficaria restrita apenas ao desinteresse pleno, obviamente. As transformações de Jyn sempre são pautadas através da tragédia. Ela decide tomar parte na briga galáctica quando descobre que seu pai ainda está vivo e depois da morte de Saw, uma figura paterna importante em sua vida - alguém descubra o que Star Wars tem contra figuras paternas.
Nisso, é onde o roteiro começa a tomar caminhos mais interessantes em conflitos genuínos. O trabalho da dupla é justamente inserir muitos tons de cinza entre os dois lados do conflito – do mesmo modo das guerras de nossa História. Através de Cassian, vemos o outro lado da Aliança Rebelde. Gilroy e Weitz se concentram em mostrar o quão longe vão as ações do homem comum em prol de uma causa.
Cassian não é um personagem extremamente elaborado, condizente com o resto do grupo, porém é de vital importância para o cânone ao tornar a guerra menos maniqueísta. Através dele, vemos que os rebeldes também sujam as mãos. Rogue One desmistifica e acaba com o maniqueísmo vigente em toda saga entre o bem e o mal.
Vemos a Aliança Rebelde se comportando verdadeiramente como uma força de guerrilha e também de seus desdobramentos extremistas onde as linhas que separam o Império da Aliança se tornam cada vez mais tênues, pois ambos os lados passam a agir na máxima ‘os fins justificam os meios’. É a chegada do universo expandido mostrando a sujeira que há embaixo do carpete, omitindo esses desdobramentos morais muito pertinentes para tornar essas facções em elementos realistas e complexos.
Um ponto principal para sustentar a animosidade entre Cassian e Erso é a ordem que ele recebe para matar o pai de sua companheira. Ou seja, a Aliança se vale de métodos cruéis, utilizando a própria Jyn para encontrar seu pai e posteriormente matá-lo.
O fato dos roteiristas matarem Galen Erso justamente com bombas disparadas pela Aliança enquanto Cassian desiste do assassinato enriquece as três frentes da narrativa. Primeiro, a Aliança mata alguém de índole boa que foi responsável em construir a fraqueza na estrutura da Estrela da Morte – os roteiristas ainda tentam pintar uma intenção benevolente através do desespero de um comandante em ordenar a suspensão do ataque em Eadu.
Por Cassian desistir de cumprir ordens que sabe que são extremadas, mostrando que os soldados da Aliança não são meros stormtroopers e por Jyn sacar que ela seria passada para trás pelos rebeldes. A partir da morte de seu pai e depois de ter testemunhado o potencial aterrorizante da Estrela da Morte, Jyn decide melhorar a Aliança Rebelde.
É uma cena emblemática para o cânone de Star Wars. Descobrir que o esquadrão responsável em roubar os planos da Estrela da Morte não ter recebido apoio imediato da Aliança é valioso. Notar que os rebeldes estavam prestes a desistir da revolução por conta do medo, é importante. Por conta dessas revelações, a história de Rogue One ganha um peso fundamental dentro da saga. E por Erso desempenhar o papel reconciliador, da descrente prover esperança para um esquadrão, contribui para o crescimento da personagem.
Os Não Escolhidos
Um diferencial interessante da narrativa de Rogue One é justamente a ausência completa de escolhidos ou de personagens excessivamente poderosos, sejam jedis ou siths. Os dois protagonistas são vulneráveis, assim como o restante do grupo. Em destaque, fica o excelente Chirrut Imwe
Um personagem que cativa muito pela excelência da atuação de Donnie Yen, capturando tremendamente trejeitos únicos de deficientes visuais, além de criar camadas mais interessantes para o próprio personagem. O roteiro e direção reservam momentos absolutamente épicos para o personagem. Yen consegue nos emocionar somente com sua tremenda atuação. É simplesmente apaixonante. Mesmo sem ser um Jedi, Yen faz com que Îmwe seja o personagem que tenha uma compreensão absolutamente misteriosa e magnética sobre a Força. É uma Fé cega. E lindíssima.
Desde o conflito com os stormtroopers até sua imolação, clamando proteção pela Força “I’m one with the Force, and the Force is with me. ”, conseguindo cumprir seu destino antes de morrer. Finalmente vemos um personagem abordar a Força de modo mais religioso e sagrado, sem se preocupar com os poderes oriundos de sua manipulação. A Força é defesa e proteção para Chirrut.
Outro ótimo personagem vem da atuação caricata de Forest Whitaker com Saw Gerrera, um veterano de guerra com surtos psicóticos. É interessante notar a tentativa de fazer um espelhamento de Darth Vader em Saw através de todo o aparato mecânico utilizado pelo veterano para sobreviver. Os roteiristas sugerem elementos muito interessantes sobre sua loucura e estado de paranoia, mas infelizmente, optam em matá-lo cedo demais quando era um personagem muito interessante para seguir até o clímax.
Gerrera tem a função importante de mostrar que a Aliança não detém o monopólio da revolução. Dela ter dado origem a grupos cada vez mais extremos de abordagem violenta e terrorista sem se preocupar com quaisquer danos colaterais para atingir seus fins.
Aliás, Weitz e Gilroy optam por uma narrativa que foge dos padrões para formar um grupo. Ou temos uma história de recrutamento ou algum elemento superior organiza os membros. Aqui, há a escolha mais inteligente. O filme tem um início um pouco burocrático, visitando diversos planetas, denotando esse universo expandido que a Disney se propõe a explorar com os spin-offs.
O grupo realmente se forma em Jedha, a lua sagrada dos Jedis, fonte do cristal Kyber que é o principal “ingrediente” de um sabre de luz. Todos se reúnem por acaso, após serem capturados durante uma incursão da guerrilha de Saw na cidade. Ou seja, o grupo se reúne de modo muito mais orgânico, fluído, sem cair em clichês didáticos de outras narrativas consolidadas. O que realmente o filme deve é uma maior interação do grupo entre si.
Os roteiristas investem muito na relação entre Erso, Cassian e K-2SO – maioria em diálogos conflituosos mostrando o quanto se desgostam, mas deve bastante em relação desses personagens interagirem com os restantes. Somente Chirrut consegue ter maior destaque durante seus monólogos sobre a força, mas Baze e Bodhi acabam eclipsados, mesmo possuindo funções e conflitos e bem estabelecidos na trama.
Algo que é estupidamente corajoso é matar todos durante o clímax no planeta paradisíaco Scarif. Os roteiristas conseguem designar funções importantes para cada um antes do sacrifício pleno, engrandecendo a morte dos personagens.
Worst Day in The Office
Quem já viu a 1ª temporada de Fargo verá muito do personagem de Lester Nygaard no antagonista principal de Rogue One que também é, possivelmente, o melhor personagem da história do filme.
O negócio para compreender Krennic está justamente em entender suas “aspirações”. Krennic é um cara que deseja ser notado, mesmo que, apesar de todos os seus esforços, é somente um diretor medíocre que poderia estar confinado nos limites de um complexo C imperial nos confins da galáxia.
Mesmo orquestrando a construção da Estrela da Morte, mesmo depois da destruição de Jedha, Krennic não consegue o reconhecimento que tanto procura. Esse embate entre ele e Tarkin consegue desenvolver seu arco com extrema clareza.
Porém, o destino é cruel demais com nosso antagonista. Muita gente reclama de seu fraco senso de ameaça. Para mim, é justamente isso que o torna tão interessante. Ele tenta ser ameaçador, mas é um rato vestido de homem. Em particular, Gareth Edwards acerta muito ao enquadrá-lo tão diminuto em relação a onipotente sombra de Darth Vader durante o encontro dos dois em um planeta que parece com Mustafar (o que seria genial).
A narrativa de Rogue One é densa, sombria e cruel com absolutamente todo o elenco protagonista, mas parece conspirar bastante contra Krennic. É basicamente o pior dia de trabalho de toda a história de Star Wars, pois o homem consegue falhar em absolutamente tudo.
Ao explodir Jedha, ele não é promovido. Tem seu cargo tomado por Tarkin e ainda recebe a notícia de que os engenheiros conspiraram contra ele. Corre para Eadu onde acaba vendo morto um “amigo” seu de longa data e nem mesmo por suas mãos. A base imperial é destruída. Foge e parte para se explicar a Darth Vader onde ainda acaba sufocado por suas “aspirações” – mesmo que ele goste de ter irritado Vader a ponto de agredi-lo (para termos uma ideia do quão insignificante Krennic é).
Então vai até Scarif para averiguar qual era o vazamento de informação e acaba preso por conta de uma batalha colossal que surgiu absolutamente do nada – tomando em conta seu ponto de vista. A cidadela mais importante do Império é totalmente destruída, os planos são roubados com sucesso e, ainda por cima, é morto justamente pela máquina que tanto batalhou para que fosse construída agora plenamente comandada por seu rival.
O Império perde justamente sua principal arma devido às diversas falhas do diretor. Muitas delas originadas pela sua arrogância e autoindulgência. O que torna a figura de Krennic ainda mais trágica é sua real crença na benevolência do regime imperial. É um homem que consegue atrapalhar o equilíbrio da galáxia em dobro, seja por sua incompetência ou por sua ignorância.
Ben Mendelsohn, a direção e principalmente o setor de figurino contribuíram para tornar Krennic um excelente personagem. Atentemos ao figurino. Krennic se veste de branco e usa uma capa branca – toda amassada refletindo essa falta de cuidado latente que há no personagem. Ninguém em Star Wars usava uma capa além de Darth Vader – por isso que eu gosto tanto de tirada sensacional “Be careful to not choke on your aspirations, director Krennic.”.
Todo o uniforme do Império é pautado por cores sombrias – excetuando os Stormtroopers. Sua guarda pessoal, o exército de elite dos Death Troopers usa trajes pretos, acompanham Krennic aonde quer que ele vá. Ou seja, é mais do que óbvio que o antagonista deseja ser notado pelo contraste do preto utilizado por sua guarda com o branco de suas vestes. Esse complexo de pequeno poder narciso encanta, além do personagem conter sua dose de ironia simples, sem gracejo ou elegância, que sempre dá lugar para sua verdadeira face: o medo e o desespero.
O diretor Rogue
Nada mais inteligente do que escolher um diretor recém acolhido no universo dos blockbusters para fazer nome em um Star Wars. Gareth Edwards é um queridinho em Hollywood, após ter feito com sucesso seu independente Monstros e dar a nova concepção de filme de monstro com Godzilla.
Em seu terceiro longa-metragem na carreira, o homem realiza o sonho de muitos cineastas: ser convidado para dirigir um Star Wars. E imagino que o peso e pressão que ele tenha carregado durante toda a produção do longa seja um pouco similar ao de J. J. Abrams com O Despertar da Força.
Os dois tiveram a árdua tarefa de renovar Star Wars. Abrams em ressuscitar a franquia depois de 10 anos de hiato. E Edwards em fazer o mais arriscado: dar o pontapé inicial para o primeiro filme destinado à saga de antologias canônicas da franquia conferindo estilo próprio enquanto explora o vasto universo expandido.
O resultado, bom, é a minha opinião, mas creio que Edwards e a Disney conseguiram entregar um dos melhores filmes Star Wars da saga, isso se não for o melhor. A começar, não temos os queridos créditos opening crawl, mas não significa que Edwards não lance um aceno aos clássicos créditos.
Abre seu filme justamente com anéis que circundam uma lua onde a família Erson vive. Em travelling, há a simulação inteligente dos créditos. Depois, começamos a entender as propostas interessantíssimas de Edwards para a direção.
Mesmo que o ritmo de sua montagem seja um pouco acelerado, o reencontro de Krennic com a família Erso conversa diretamente com o cinema samurai dos anos 1950, em especial ao de Akira Kurosawa - detalhe para os kimonos que constituem o figurino (toda a atmosfera de Os Sete Samurais paira em Rogue One). Ainda que não haja uma luta de espadas, a linguagem é bastante similar nos enquadramentos e intenso jogo de plano/contraplano. A fotografia fria usa contrastes belíssimos da terra negra, dos matinhos verdes e do céu cinzento nublado – é possível sugerir esse esquema de cores como a representação do desenvolvimento de Jyn Erso ao longo do filme.
Porém, o maior detalhe de linguagem presente aqui é o uso de curtíssima profundidade de campo. Somente a face dos personagens permanece focada enquanto todo o resto é perdido ao fundo. Edwards deixa claro a partir deste recurso que não há escapatória para a família Erso: ou há a rendição, ou há a tragédia.
Depois desse misto de cinema samurai com flertes de Bastardos Inglórios, Edwards encerra a sequência de abertura já dando o primeiro sinal ao seu amor por filmes de monstros: na relação de Jyn observar os Death Troopers que a caçam. A primeira mensagem é estabelecida logo ali: encarar os monstros. Jyn, ainda nova, não os encara diretamente, se esconde.
Esse é um ponto de desenvolvimento da personagem que independe do texto, em maioria. É construído inteiramente através das imagens de Edwards. Repare que os olhos de Jyn estão emoldurados pela saída da escotilha. Ela observa seus medos, mas amparada e protegida.
Essa mesma moldura dos olhos é retomada ao fim do filme, quando ela se disfarça de engenheiro imperial. Ela também observa os monstros que abomina, mas ainda é amparada pela proteção do disfarce. Somente quando é confrontada por Krennic que Erso finalmente ousa assumir quem realmente é – lembrando que ela usava nome falso, e encara o monstro de frente pela primeira vez.
Depois, na cena mais bela do filme, da destruição de Scarif, Jyn está voltada justamente para a explosão enquanto Cassian, abraçado a Jyn como um porto seguro, recolhe o olhar para o outro lado, amedrontado e sereno. Finalmente ali, na plenitude do desenvolvimento de sua personagem, Jyn encara o maior monstro de todos: a morte. E não se resigna até o fim.
Só com esse valor de simbologia, Edwards se destaca entre diversos diretores atuais de Hollywood. É um cuidado que agrega bastante valor ao seu estimado filme. Esse investimento emocional é um bom diferencial, pois o terceiro ato da narrativa se comporta como uma montanha-russa de emoções. É difícil segurar o choro com Rogue One, pois o apego aos personagens é eficaz, mesmo que não haja o pleno desenvolvimento.
Edwards consegue dar outro sentido à aventura vista em Uma Nova Esperança, por presenciarmos toda a brutalidade que ocorre no clímax desse longa. Nos múltiplos sacríficos para triunfar sobre o medo.
O diretor não é tão gracioso na encenação quanto J.J. Abrams que consegue organizar movimentos de câmera homéricos em sincronia com a ação em três planos diferentes – isso acontece muito em O Despertar da Força. A decupagem permanece boa aqui e Edwards tenta, em algumas ocasiões, criar uma encenação mais elaborada. Porém, toda as vezes que essa vontade surge, de fazer algo mais complexo e longo, um corte aparece e corta a organicidade do movimento.
Enquanto desperdiça essa oportunidade, ele não desaponta em nada em ação e continuidade de montagem. As sequências de ação, em particular as do clímax, são muito complexas de realizar, mas sempre é possível entender com plena nitidez o que se passa em tela. Aliás, o diretor consegue encaixar até mesmo nas formas clássicas da saga. Como de costume, temos a clássica interpolação durante o clímax, acompanhando a invasão de Erso, Cassian e K-2SO, a batalha do resto do esquadrão em Scarif e suas reações com diversos personagens e a grandiosa luta espacial – uma das melhores de toda a saga.
O mais interessante de Edwards é que, além de introduzir suas próprias marcas para o universo Star Wars, são os constantes acenos para outros cineastas. Como apontado anteriormente, Kurosawa e Tarantino são uns deles - detalhe, toda vez que o raio mortal da Estrela é disparado, Edwards encaixa os mesmíssimos planos de George Lucas em Uma Nova Esperança. Porém, uma das referências mais presentes em seu estilo de direção vem de Christopher Nolan e seu Interestelar.
Vejamos, em uma das cenas mais icônicas do longa: o primeiro teste da Estrela da Morte com a destruição de Jedha. Enquanto ele monta coisas próprias de seu trabalho, fazendo uma simbologia valiosa ao fazer um eclipse cobrindo o sol daquele sistema para, literalmente, fazer a Estrela da Morte virar uma estrela, também já indica seus elogios a Nolan quando a grupo foge da total destruição do lugar.
Em certo momento, o céu e o chão se misturam, virando uma massa só de destruição – isso ocorre nas duas visitas aos planetas em Interestelar. Outra característica é a inserção de planos usando a nave como referência de ponto de vista.
Aliás, todo o cuidado com iluminação digital para as cenas espaciais é de cair o queixo. A luz dura castigando os destroyers imperiais, os cruzeiros rebeldes, os TIE Fighter e X-Wings, reagindo a cada explosão, é estupidamente magnífico. O salto de efeitos visuais que esse filme apresenta realmente é absurdo: seja na construção visual dos planetas sempre adequados à mitologia da saga – destaque para a interessante ‘Anel de Kafrene’, ou com a reconstrução completa de faces de atores há tempos mortos como Peter Cushing que “volta” a dar vida ao excelente Tarkin. Até mesmo o processo de maquiagem virtual em Leia impressiona bastante. É estupendo.
Seguindo a identidade de Edwards de flertes com monstros, há bastante coisa interessante em Rogue One. Há maior presença de alienígenas construídos por efeitos práticos e maquiagem: destaque para o terrível Bor Gullet que exibe um lado perverso de Saw Gerrera. Outro excelente trabalho em relação agora a escala e onipotência das máquinas do Império é justamente na apresentação sensacional dos AT-ATs que surgem através das fumaças como se fossem predadores gigantescos e silenciosos à espreita. Toda a relação de escala é bem explorada pelas câmeras de Edwards, isso não é restrito apenas aos AT-ATs, mas principalmente com a Estrela da Morte em suas cenas assustadoras de destruição.
Em homenagem ao soldado desconhecido
Se há maior brilho na direção de Gareth Edwards, muito mais do que discorri até agora, é com o excepcional trabalho de encenação e câmera durante as cenas de ação em Scarif. Edwards consegue, através da ironia do cenário paradisíaco, unir as duas frontes mais violentas que a história presenciou na Segunda Guerra: a do pacífico e a da costa francesa.
Como já havia dito, Rogue One finalmente apresenta a guerra em Guerra nas Estrelas. E para isso, o diretor toma como referência trabalhos de mestres consagrados no gênero sendo a maior referência Steven Spielberg e O Resgate do Soldado Ryan. As batalhas durante o intenso tiroteio final não chegam perto da violência da abertura de Soldado Ryan, mas, mesmo assim, não deixam de chocar o espectador. Há um grau de perfeita imersão graças o cuidado com os detalhes. Os personagens se sujam durante as diversas batalhas do filme, respeitando o clima e terreno de cada lugar. Tudo é de realismo pertinente.
Temos explosões que lançam corpos às alturas, companheiros sendo mortos a todo momento, há vislumbres da dor dos soldados em verem seus irmãos morrendo nos braços. Trechos pura organicidade na encenação onde acompanhamos um X-Wing abatido se chocando e explodindo nas areias da praia enquanto um sargento, desesperado, chama seu pelotão que corre no mar raso em direção à segurança. Ou de vermos troopers se entrincheirando na areia, no sentimento claustrofóbico de notar que não há a menor chance de sobrevivência.
De até mesmo na reação dos personagens principais ao morrerem aos montes, sempre em sacrifício cumprindo atos heroicos momentos antes. Ou na tripulação de Corvette que se suicida ao estilo kamikaze para destruir dois detroyers imperiais na tentativa de romper o escudo que envolve Scarif. Ou na verve inspirada em Winston Churchill para o almirante Raddus.
São inúmeras referências para que nós associemos a batalha de Scarif com o Dia D ou outra batalha tão histórica quanto da 2ª Guerra Mundial. Esse sentimento de sacrifício, honra e esperança permeia essas cenas que mostram os homens comuns dando seu melhor para salvar a galáxia. Ver a beleza disso e associar aos períodos mais sombrios da nossa História resulta uma explosão de lágrimas.
É por isso que a conclusão da história de Jyn Erso e seu trágico fim nos provoca tremendo pesar. Aqui, o raio destruidor da Estrela da Morte é a associado às bombas atômicas da guerra. Edwards captura esse sentimento de profunda melancolia ao fim de Scarif, com a dilatação temporal da destruição que demora a atingir os heróis. Na angústia de uma morte que não há a menor chance de sobrevivência ou redenção.
O mesmo clima persiste nos últimos dois minutos de projeção. A apresentação épica de Darth Vader saindo do negrume opaco das trevas, brilhando apenas seu sabre vermelho que reflete seu enorme ódio, finalmente nos faz lembrar que Vader é um vilão, um dos melhores. Edwards confere uma atmosfera de tanta opressão e terror no personagem que, ignorando a quão épica é a cena, consegue provocar calafrios. Edwards e a Disney entregaram o Vader mais violento que já vimos em todos esses filmes.
E por conta dessa violência assustadora, o diretor novamente consegue entregar outra cena valiosíssima para seu filme. Os lados entre luz e trevas se equilibram com a solidariedade, ainda que marcada pelo desespero, de outros soldados rebeldes entregando os planos, de mão em mão, para que o propósito da missão não se perca, mesmo que o custo da liberdade seja a própria vida. Novamente, não há vitória verdadeira sem sacrifício. E sem o horror, não há o desejo de paz.
A independência de Star Wars
Rogue One prova que Star Wars não vive apenas de lutas épicas de Jedis contra Siths, de duelos de sabres de luz ou de uma história que sempre ronde a família Skywalker. Aqui, finalmente tivemos a oportunidade de ver algo magnífico que edifica e amadurece o universo Star Wars para patamares nunca vistos antes a partir do ponto de vista de personagens comuns.
Porém, creio que seja fácil interpretar esse filme de modo que te deixe profundamente irritado, pois ele realmente abandona as características que fazer Star Wars ser Star Wars. É um filme de guerra que usa e abusa dos preceitos básicos deste tipo de narrativa, tem sim seus arcos e personagens clichês, porém, no meu ponto de vista, isso não é demérito algum para o filme excepcional que Rogue One é.
São conceitos clichês que nunca havíamos visto aplicados a esse tipo de universo e foi algo que se provou muito certeiro. Como? Oras, esse filme fornece um significado completamente diferente à Uma Nova Esperança. Ele agrega ao universo mágico de Star Wars mostrando o sacrifício de homens comuns em prol do sonho, da esperança de liberdade. É impossível não ver o tipo delicado de beleza que Edwards tanto trabalha ao longo da projeção.
Fora essa mensagem maravilhosa, a narrativa tem a coragem de ir além, dizimando seu elenco de heróis em totalidade. Consegue equilibrar em doses certeiras a comédia e a tragédia, injetando ação de qualidade preenchida por um espetáculo visual e sonoro de excelência – inclui-se aqui a maravilhosa trilha musical de Michael Giacchino que confere grandiosidade a diversas das melhores cenas do longa.
Certamente não é algo para se esnobar. Rogue One é o blockbuster em sua forma mais pura conseguindo atingir com sucesso tudo que uma produção dessas visa entregar: uma ótima história, bons personagens, excelente espetáculo e tocar profundamente a emoção dos espectadores.
Rogue One é mais que Star Wars, Rogue One é História.
Rogue One: Uma História Star Wars (Rogue One: A Star Wars Story, 2016 - EUA)
Direção: Gareth Edwards
Roteiro: Chris Weitz, Tony Gilroy
Elenco: Felicity Jones, Diego Luna, Alan Tudyk, Donnie Yen, Wen Jiang, Ben Mendelsohn, Forest Whitaker, Riz Ahmed, Mads Mikkelsen, Jimmy Smits, Alistair Petrie, Genevieve O’Reilly
Gênero: Ação, Ficção Científica
Duração: 134 min
https://www.youtube.com/watch?v=9oISQcXuki0
Crítica com Spoilers | Star Wars: O Despertar da Força - Um Remake Disfarçado
Meu primeiro contato com Star Wars foi em 2002, com Ataque dos Clones. Ainda com oito anos e muito ingênuo, nem fazia ideia de que já existiam os episódios IV, V e VI em DVD e VHS. Somente com poucos meses antes da estreia de A Vingança dos Sith, em 2005, acabei comprando a trilogia antiga. Enfim, conheci o sexteto mais querido do cinema: Luke, Leia, Han Solo, Chewbacca, C-3PO e R2D2.
Não há palavras para descrever como Star Wars afeta uma criança. É absurdamente mágico. Até mesmo dos episódios I, II, e III eu gostava quando pequeno. Simplesmente, me sentia hipnotizado pelas batalhas de sabres de luz, dos efeitos visuais e sobre a Força – mesmo que eu não entendesse metade dos filmes graças a burocracia e politicagem da nova trilogia.
Depois de ter visto todos os filmes lançados até 2004, em 2005 eu fui assistir à A Vingança dos Sith na estreia. E sinceramente, eu tinha adorado. O mais engraçado era que eu tinha consciência de que aquela provavelmente seria a última vez que eu veria Star Wars no cinema. Logo, eu apreciei o filme de outro modo.
Então cresci. Fiquei mais velho, rabugento, chato e crítico. Mas ainda assim tinha uma memória afetiva forte com a saga Star Wars. Então revi e me toquei que o encanto começava a acabar, principalmente pela trilogia prequel. Em 2012, todos foram pegos de surpresa quando a Disney anunciou que havia comprado a Lucasfilm por 4 bilhões de dólares – o negócio de uma vida. Três anos depois, aqui estamos. Novamente, Star Wars desperta nos cinemas do mundo.
O filme é, sem dúvida alguma, o que os fãs tanto pediam por mais de trinta anos. Finalmente, com a remoção de George Lucas, que atentava com sua obra a cada filme e edição especial, a franquia conseguiu se reerguer. Somente com esse episódio, a Disney conseguiu entregar um filme superior a toda trilogia prequel, mas conseguiu ao trabalhar dentro da zona de segurança tendo muita coragem em apenas um momento – que tornou esse filme histórico.
A narrativa se concentra em um drama de busca. A busca por Luke Skywalker. O cavaleiro Jedi desapareceu. E a partir das cinzas do Império, a Primeira Ordem se ergue para atentar contra a paz da Nova República. Com isso, a última esperança da galáxia reside em encontrar onde Luke se escondeu. Então, Leia envia seu melhor piloto a Jakku para pegar uma peça de um mapa que pode mostrar a localização do Jedi. Porém, a Primeira Ordem e Kylo Ren atacam o vilarejo onde Poe Dameron está. Sem saída, Poe coloca o mapa no droid BB-8 e ordena que ele procure ajuda em alguma cidade.
BB-8 foge e Poe é capturado por Kylo. Enquanto deriva no deserto, BB-8 é atacado por um alienígena, mas é salvo pela catadora de sucata, Rey. Ela resolve ajudá-lo a chegar na base da Resistência após o dróide fazer um charme. Assim se inicia a nova trilogia de Star Wars.
Lendo essa breve sinopse, qualquer um que tenha conhecimento básico sobre a franquia, já deve ter notado como a narrativa é muito, mas muito semelhante à história de Uma Nova Esperança. O roteiro é escrito por J.J. Abrams e Lawrence Kasdan, o mesmo roteirista dos episódios V e VI – o que garante uma vaga noção de continuidade da história já que os personagens clássicos aparecem na metade do filme.
Como havia dito, podem ter certeza que esse roteiro teve amarras criativas intensas para trabalhar na margem do conforto e reapresentar a história para uma nova geração de espectadores. Sendo direto, O Despertar da Força é um “remake” de Uma Nova Esperança. E a partir daqui o texto contará a trama inteira incluindo a maior reviravolta do filme então peço, por favor, não continue lendo se não viu ao filme. Para quem não viu e conhece Star Wars, tenha em mente isso, essa história é muito semelhante à do Episódio IV, assim você não sairá um pouco decepcionado assim como eu fiquei.
Bom, o filme já começa com o ataque dos vilões em uma reunião dos heróis. Em ambos os casos, a mensagem que pode salvar a galáxia é levada por um droide (R2D2 e BB-8) que vai para um planeta desértico, árido e implacável (Tattoine e Jakku). O herói (Leia e Poe Dameron) são capturados, toda sua equipe sofre baixa e ambos são torturados pelo antagonista dentro de um destroyer (Darth Vader e Kylo Ren).
No planeta árido, seres alienígenas atentam contra a “vida” do droide, mas acabam, de algum modo, na mão do protagonista (Luke e Rey). Ambos acabam confiando em seus “mestres” e depois de um tempo mostram seu segredo – ainda que em IV R2D2 só mostre a mensagem por completo quando encontram com Obi-Wan. BB-8 também só exibe o mapa quando o grupo já está reunido com Han e Chewie.
Depois, os personagens passam por um sufoco graças aos esforços dos antagonistas em capturá-los no planeta árido e fogem em uma nave (Millenium Falcon). Nessa mesma nave, a amizade entre os heróis e seus aliados começa a germinar (Luke e Obi-Wan com Han Solo e Chewbacca; Rey e Finn com Han Solo e Chewbacca). Nesse ponto, mesmo que em ordem diferente, os heróis passam a ser auxiliados/tutorados por um guerreiro do passado, uma lenda (Obi-Wan e, agora, Han Solo).
Agora, seguem as ironias e espelhamentos. Dessa vez, a Millenium Falcon não é capturada pelo raio de tração da Estrela da Morte, mas sim de um cargueiro misterioso. Depois do suspense, descobrimos que quem raptou a Millenium foram os próprios Han Solo e Chewbacca. Detalhe, os heróis também se escondem no subsolo da nave assim como no episódio IV.
Após aceitarem levar Finn, Rey e BB-8, Han e Chewie seguem para Takodana, lar de Maz Kanata. A partir daqui, os acontecimentos continuam parecidos, mas seguem ordens diferentes entre os dois filmes. O castelo da Maz funciona como uma Cantina de Mos Eislei. Um lugar ambíguo, nem amigável e nem perigoso. Ali, Rey descobre seu destino ao tocar no sabre de Anakin Skywalker, vê seu futuro e confronta seus medos em uma passagem que lembra muito com a sequência da caverna em Dagobah com Luke.
Depois, para ampará-la e apresentá-la a Força, Maz, um ser pequenino e laranja, cumpre o papel de Yoda. Rey nega seu destino – jornada do herói clássica, foge para longe, mas é capturada por Kylo e a Primeira Ordem. Nesse trecho, o filme passa a ser mais “original”, mas é só aqui. Nesse meio tempo, o planeta Starkiller – a Estrela da Morte III, destrói os cinco planetas que constituíam a Nova República com seu raio da morte, assim como acontece quando Alderaan é destruída pela primeira Estrela da Morte.
Depois da captura de Rey, o restante do grupo se encontra com Leia e parte para o sistema de Illenium onde fica a base da Resistência. Exatamente quando Leia, Han e Luke partem para Yavin-4, base da Aliança Rebelde. Nesses lugares, os heróis traçam um plano para destruir as bases antagonistas. Também temos os rápidos encontros dos protagonistas antes de embarcarem em seus X-Wings ou respectivas naves. R2D2 e BB-8 são os droides que acompanham os X-Wings responsáveis pela destruição da maior arma dos inimigos – destruídas por Luke e Poe Dameron.
Agora, as narrativas se separam e Uma Nova Esperança termina já que não visitamos novamente a Estrela da Morte. Isso acontece antes. Só temos uma troca de situações. Han, Chewie e Finn partem para a superfície de Starkiller na tentativa de resgatar Rey – semelhante na teoria com o resgate de Leia no episódio IV. Depois de resgatarem Rey, o grupo se dedica a auxiliar os X-Wings para enfraquecer o aparato principal de controle da arma da Starkiller – após terem desativado o escudo da arma. Isso também se assemelha quando Han, Leia, os ewoks e os rebeldes estão em Endor para desativar o escudo da Estrela da Morte II em O Retorno de Jedi. Enquanto isso, o objetivo de ambas as bases inimigas é destruir o planeta onde estão os protagonistas. Obviamente, as duas são destruídas antes de atirar seu raio mortal.
Então temos a melhor cena do filme inteiro – a morte de Han Solo. Também com base na tragédia de Édipo, já que Kylo Ren, seu filho, mata o pai. Assim como Darth Vader matou Obi-Wan que era visto como uma figura paterna na trilogia prequel. Também vale contar as tentativas de Luke em mandar Vader para o caixão. Além disso, há uma tradição em matar os mestres, sábios, tutores ou anciões nos inicios de novas trilogias Star Wars, afinal Qui-Gon Jin também morre em A Ameaça Fantasma. E, também, seguindo a tradição, os protagonistas, pupilos, assistem a morte de seu mestre querido gritando um breve “não! ”. O conflito entre Han e Kylo se dá em uma ponte sobre um abismo iluminado que se parece com a plataforma em Bespin onde Darth Vader vence Luke no duelo mais intenso da saga.
Depois, em O Despertar da Força, temos o confronto final entre Finn e Rey com Kylo Ren sendo Rey saindo vitoriosa após utilizar a força – assim como Luke a usou para destruir a Estrela da Morte. Após isso, pulamos a celebração de medalhas – ainda bem! Mas o filme ainda segue a linha narrativa da trilogia anterior, pulando a batalha em Hoth. Aqui, Rey parte para, enfim, encontrar Luke Skywalker, que virou um ermitão em um planeta distante cercado por um vasto oceano afim de buscar treinamento. Enquanto em O Império Contra-Ataca, Luke parte em busca de Yoda, um ermitão, em um planeta distante cercado por um pântano com a intenção de dominar e aprender a usar a força. Finalmente, as comparações acerca da história terminam e fica muito claro que O Despertar da Força mais se assemelha com um remake de Uma Nova Esperança do que com uma continuação propriamente dita.
Agora nós iniciamos as comparações entre os personagens da nova e velha geração, pois até nisso há semelhanças sendo Finn o único verdadeiramente original neste novo filme,
Para começar, Rey, a protagonista desta nova trilogia, possivelmente, uma das personagens mais legais até aqui, tem tudo para ser uma Skywalker. Ela tem habilidade com tecnologia e parafernalhas, vive em um planeta árido, é uma pilota excepcional, sonha com um grande futuro, o sabre de Anakin Skywalker “chama” por ela – Em O Despertar da Força, o Jedi, o sabre escolhe. A Força é tão forte na moça que ela nem precisa de treinamentos básicos para já realizar algumas habilidades Jedi complexas. Enfim, é uma guerreira otimista assim como Luke era. A maior diferença para Luke é que ao contrário do mestre Jedi, Rey insiste em voltar a Jakku. Ela é uma personagem extremamente presa ao passado enquanto Luke sonha com o dia que ele deixará Tatooine. O roteiro só falha ao elevar a garota quando ela descobre como usar a Força. É tudo muito repentino e apressado, infelizmente. Também é difícil crer que ela, com tão pouco tempo e treino, é capaz de vencer Kylo Ren, um guerreiro treinado por anos, em absolutamente todos os aspectos.
Já Kylo Ren é o antagonista baseado em Darth Vader, porém, aparentemente, será trabalhado pelo caminho oposto – mostrando o personagem voltando para a Luz, abandonando o Lado Negro. Ao contrário de Vader, o Sith quase perfeito, Ren é afobado, ansioso, impaciente, completamente instável, força uma convicção em sua mente, apesar de não acreditar tanto nela – precisa meditar com o capacete de Vader, inflige dor a si próprio durante a luta com Rey, além de matar seu próprio pai. Usa uma máscara quando não há necessidade, alterando sua própria voz conferindo uma figura ameaçadora e onipotente quando na verdade se trata de um menino com aspecto nada ameaçador. Isso reforça essa dualidade do personagem. Tudo isso para reforçar a sua vontade no Lado Negro. No fim, ainda se trata de um rebelde sem causa.
Poe Dameron é um misto de Han Solo e Luke Skywalker. O espertinho com senso de humor apurado extremamente correto. Pela primeira vez temos um piloto que é habilidoso sem a necessidade de usar a Força. Uma pena que o personagem vai sendo esquecido gradualmente ao decorrer do filme reaparecendo sem mais nem menos.
O estridente General Hux é uma releitura de Moff Tarkin, o comandante da Estrela da Morte I. A única novidade aqui é a disputa com Kylo Ren para mostrar serviço ao Líder Supremo Snoke.
Snoke (aliás, que nome penoso de gostar, hein?) é a figura sempre necessária do comandante supremo do mal. Em todos os filmes anteriores, tivemos Darth Sidious acabando com a República e erguendo o Império, além de ser o mestre de todos os sith que conhecemos na saga. Agora, Snoke é o mestre de Kylo Ren e da Primeira Ordem. Infelizmente, seja lá por qual motivo, Snoke é feito totalmente em computação gráfica o que lhe confere um aspecto um tanto borrachudo, além de o design do alienígena não despertar temor algum. O que ainda não sabemos é se ele tem o tamanho gigantesco de seu holograma. Por enquanto, ainda é um Mágico de Oz.
A tão propagandeada Capitã Phasma preenche os sapatos de Bobba Fett. Apenas muda a forma do contrato, ela não é terceirizada. Assim como Bobba, a personagem sofre da má utilização pelo roteiro. Não dispara sua arma uma única vez e é descartada em favor de uma piadinha saudosista. Espero muito que não tenha sido a primeira e última vez que vimos a Comandante stormtrooper. Senão terá sido outro personagem que só presta no design. Literalmente jogada no lixo.
BB-8 é o variante muito bem vindo de R2D2. Enquanto o charme do droide azul e branco era ser rabugento, grosso com C-3PO, teimoso e extremamente leal, BB-8 é um personagem que cativa pela fofura, pela sua quase antropomorfização, ótimo senso de humor aliado pela ingenuidade, além de possuir uma gama mais vasta de gestos e expressões que o droide antigo já que possui uma cabeça muito mais móvel.
Unkar, o alienígena que paga miséria pela sucata oferecida pelos catadores, tem tons de Jabba e Watto. Um ser desprezível que mantém diversas pessoas de seu círculo de convivência presos a sua existência. Enquanto não possibilita a independência de seus “trabalhadores”, já que paga o mínimo pela subsistência dos habitantes da cidade.
Maz Kanata, uma alienígena baixinha, colorida, com grandes olhos distorcidos pelos óculos, milenar, sábia e apresenta a Força à Rey. Enfim, uma substituta cool e mais descolada para Yoda. Engraçado notar como sua personagem some da narrativa repentinamente após o ataque da Primeira Ordem em Takodana. Entrega o sabre a Finn, com direito a uma animação gráfica muito inferior às apresentadas no palácio, e some de vez. Puff.
O único novo personagem verdadeiramente original do filme inteiro – e o mais promissor também, é Finn. A ideia de “humanizar” um stormtrooper é absolutamente genial. Algo que eu queria ver há algum tempo. No começo do longa, enquanto o texto insiste menos em usá-lo como um enorme alívio cômico, Finn perde um companheiro stormtrooper em batalha. Ele vê seu amigo (?) morrer sofrendo. Ali, Finn percebe que o mais valioso que ele tem na vida, é, justamente, sua vida. Do que adianta morrer por um bando de panacas que matam gente inocente? Nenhuma ideologia justifica isso. Esse momento de epifania contida é algo libertador. Realmente belo no personagem.
O texto também trabalha com uma ironia cruel em Finn – justamente quem mata seu amigo (?) é Poe Dameron, o mesmo homem que ele liberta da tortura no Destroyer Imperial e o ajuda a fugir. Durante o filme, os dois tornam-se bons amigos e tenho certeza de que não veremos alguma cena explorando esse conflito gigantesco, digno de tragédias gregas, nos próximos episódios.
Depois de abandonar seu passado obscuro, Finn acaba se autonomeando herói da Resistência para Rey tentando, obviamente, jogar um charme na misteriosa e bela garota – aliás, ele usa a jaqueta de Poe, reforçando seu flerte com o heroísmo. Porém, o que sabemos de fato de Finn é que ele é um homem que flerta com o heroísmo, mas sabe que atitudes heroicas geralmente levam à morte. É uma dicotomia encantadora ver o personagem lutar consigo mesmo para perder o medo de virar um herói de fato deixando de ser um covarde.
E isso acontece justamente quando ele revela seu passado para Rey tentando justificar sua fuga. É nesse exato momento que o destino dos dois personagens muda. O texto passa a ser menos racional com os dois e parte para a emoção. Temos, enfim, a catarse de nossos dois protagonistas
Rey, sentindo se abandonada mais uma vez na vida, revivendo seu maior trauma, desperta a Força – é lindo ver como J.J. Abrams e Kasdan estavam cuidando tão bem do texto até aqui. Ela passa a escutar a si própria quando criança implorando, em prantos, que não a abandonem em Jakku. Seguindo os gritos, ela descobre o sabre de Anakin Skywalker. Ali, fica claro que o destino de Rey é virar uma grande Jedi – um herói de trunfos mais individuais.
Enquanto isso, Finn, prestes a fugir de Takodana, assiste a destruição dos cinco planetas da República. Sabendo que a Primeira Ordem atacará, ele corre de volta para tentar alertar Rey em uma tentiva fracassada de resgate já que a personagem é capturada por Kylo. Nisso, Finn tem que ser um herói pela primeira vez ao confrontar seu passado. O heroísmo é representado no momento em que ele liga o sabre de luz e parte para a batalha. Lá, ele luta com um stormtrooper que o chama de traidor. Ironicamente, Finn fracassa nas duas lutas que ele empunha o sabre e é confrontado por alguém que o chama de traidor (stormtrooper e Kylo). O heroísmo do personagem, a meu ver, nunca é concretizado de fato, já que o triunfo dele nunca é individual, mas sim coletivo. Quando Finn ganha, ele sempre está acompanhado de outro personagem, seja Poe, Rey ou Han e Chewbacca. Ou seja, ele vira um herói de equipe diferentemente de um stormtrooper, um vilão de equipe.
A diferença é que Finn ganha enquanto os stormtroopers (o passado) perdem.
Além disso, os dois protagonistas se completam de modo singelo. Ambos são solitários e procuram a liberdade. Para Finn é algo mais objetivo enquanto para Rey se trata do retorno da família que a libertará de Jakku. Os dois encontram a liberdade pela força da amizade e de um vindouro núcleo romântico. É através da aventura, do altruísmo, das constantes felicitações, da simbiose entre eles – os personagens não conseguem se separar excetuando dois momentos, dos olhares fascinados que trocam, os resgates mútuos para salvar um ou outro, entre tantas interações inspiradas ao longo do filme. É a melhor relação de personagens que vi no cinema nesse ano.
Rey e Finn são os maiores trunfos de O Despertar da Força.
Enquanto J.J. e Kasdan brilham com os protagonistas e sabem inserir muitíssimo bem os momentos certos para reapresentar os personagens clássicos, eles perdem o tom a partir do momento que Leia entra em cena. Toda a história que vinha bem desenvolvida, respirava bem, torna-se apressada quase tão afobada quanto Kylo Ren. E nesse terço final que o filme se atropela e começa a tombar nos furos da história, soluções arbitrárias e, principalmente, pela falta de resolução de muitas, muitas coisas. E, sinto muito, eu não compro essa história de que o próximo filme vai explicar tudo e tenho bons motivos para isso.
Primeiro, nunca na história de todos esses filmes, o próximo começa exatamente no ponto em que o anterior termina. Segundo, cada novo episódio terá seus próprios conflitos e outras características para resolver e desenvolver sem ter tempo para tapar buraco de filmes anteriores. Terceiro, cada episódio será escrito e dirigido por roteiristas e diretores completamente diferentes, cada um com sua visão do universo de Star Wars, ainda que, espero, mantenham a unidade da trilogia.
Infelizmente, a pressa do ato final não permite que nós conheçamos de fato o propósito da Resistencia. Porque ela se chama Resistencia? Resistir infere na tentativa de derrotar um regime opressor, no caso, o Império. Mas como todos sabemos, o Império foi derrotado. A galáxia pode muito bem ter virado uma anarquia – ainda que isso não fique claro, no entanto, o texto comenta sobre a Nova República que é destruída pela Primeira Ordem.
Ainda não consigo entender porque a Nova República não combatia diretamente a Primeira Ordem, optando por usar a Resistência, a financiando secretamente dando origem a uma guerra fria de um lado só. Estranho também é ver que Leia optou por virar general de uma guerrilha pequena em vez de firmar-se como diplomata na Nova República levando a guerra contra o lado negro de modo mais direto. Afinal, é ridículo notar que todo o sistema republicano foi dizimado por um planeta-arma gigantesco como se ninguém tivesse notado a alteração geográfica do planeta para montar a Starkiller.
O ataque à Nova república é tão repentino que também nos pega de surpresa. Mas até aí, tudo bem, pois é a primeira vez que vemos Starkiller. Mas como ninguém esperava, como fica claro na cena que mostra os cidadãos do planeta prestes a ser destruídos a contemplar o raio mortal, que a Primeira Ordem fosse atacar justamente a quem ela declarou guerra? Simplesmente não faz sentido. Ou a Nova República é uma criança ingênua ou é desarmamentista – sabemos que ela não é, já que C-3PO comenta sobre a frota militar dela.
Não seria mais fácil assumir a Resistência como o exército oficial da Nova República e investir direito no mercado da guerra? No fim, voltamos à estaca zero. Não existe mais república. Só a Primeira Ordem e sua coerção. Outra sabotagem do próprio roteiro consigo mesmo se dá na reunião da Resistencia em Illenium. Lá os heróis mostram um mapa inteiro (!) da Starkiller e descobrem rapidamente a sua fraqueza absurdamente similar a da Estrela da Morte.
Se a Resistência já tinha um mapa completo da base inimiga, sabia da existência da arma destruidora de mundos e, ainda por cima, é capaz de conseguir descobrir a fraqueza do esquema de modo tão rápido, por que raios não informaram a Nova República antes dela ser destruída? Ou isso faz parte de um plano obscuro de Leia para firmar o leiaismo ou é um atestado de estupidez gigantesco. O chato disso tudo é que a maioria das coisas que estou citando aqui seriam resolvidas com uma desculpa qualquer ou um diálogo rasteiro.
Fora isso temos o problema da própria Starkiller. No filme, descobrimos que a principal arma da base é carregada a partir do roubo da energia do sol. No processo de carregar a arma, o sol é extinguido. Então começam a surgir os questionamentos. Como a Starkiller conseguiu carregar a arma duas vezes com o mesmo sol? Certamente o tiro que destruiu cinco planetas deve ter acabado com um sol. Como raios se move um planeta inteiro entre sistemas solares para carregar a arma novamente? No fim se trata de uma magnifica arma de um tiro só? Pelo jeito, até mesmo os antagonistas sabiam que a Starkiller seria destruída pela Resistência no final. Ainda assim, que arma inútil então. Pelo menos a Estrela da Morte era uma arma mais lógica e funcional.
Depois, temos a ausência do backstory satisfatório para os personagens clássicos e Kylo Ren. Nunca é detalhado satisfatoriamente o divórcio de Han e Leia, apesar de ser compreensível. Também, o reencontro dos dois é um tanto decepcionante. Falta mais tempo de diálogo para eles, mais daquele conteúdo apresentado na última cena com os dois juntos. Além de uma construção de passado mais relevante para o núcleo familiar entre Leia, Han e Kylo. Tudo isso fica mais grave levando em conta que este é o último episódio que temos Han Solo vivo.
De Luke então, trinta anos são resumidos em meia dúzia de frases ditas por Han. Nisso, é chato dizer, mas o filme pinta Luke como um grande covarde. Mesmo que Kylo (Ben) tenha matado todos os pupilos de Luke e fugido com Snoke para aprender as artes do lado negro, não acho que isso seja motivo para destruir a motivação de Luke e leva-lo a depressão. Vendo assim, Obi-Wan foi muito mais responsável. Mesmo sabendo que Anakin matou todos os pequenos padawans, ele foi atrás de seu aprendiz com a intenção de resolver o problema de vez. Luke simplesmente desiste de tudo e de todos, incluindo de sua irmã e sua dor, some da face da galáxia, vira um eremita e, convenientemente, deixa um rastro para encontrá-lo depois. Eles basicamente desconstruíram toda a união do grupo sustentada pelos filmes anteriores. Do modo que foi apresentado aqui, além de apressado, deixaram uma impressão meio amarga pelo herói de outrora.
Entendo que se trata de uma nova trilogia, um novo começo, uma outra história. Mas não dá para trabalhar com a falta de explicação de diversas coisas em Uma Nova Esperança estreado nos anos 1970, agora em 2015, após Star Wars virar uma das franquias mais rentáveis e populares da História do Cinema. Simplesmente, não tem como esquecermos da trilogia clássica. Mas sei que isso que estou apontando pouco importa para espectadores de primeira viagem. Se eu tivesse conhecido Star Wars com O Despertar da Força, eu teria adorado esse filme. Pena que não foi o caso.
Além disso, por vezes o roteiro tem a cara de pau de debochar da nossa cara. Isso é explicito quando Han pergunta a Maz como ela conseguiu o sabre de Anakin. Ela responde, “uma boa história para outra hora”. Lá vem spin off. Para quem não lembra, o clássico sabre caiu num abismo junto com a mão de Luke a mais de quilômetros de altura. É muito implausível o retorno deste sabre. Teremos que pagar para ver, literalmente.
Também há o famigerado motivo para engrenar a narrativa: a busca por Luke Skywalker. O herói vira um macguffin para a Resistência e a Primeira Ordem, ambos querem encontrá-lo por motivos distintos. Apesar do roteiro justificar como a Primeira Ordem possui grande parte do mapa, é difícil acreditar que mesmo após o Império ter sido destruído e ficado sem líder – e ainda se somarmos os anos que levou para Luke sumir, os vilões, de algum modo, salvaram essa peça do mapa que leva até ele. Além disso, pouquíssimos detalhes de backstory da Primeira Ordem são apresentados aqui.
Também é muito preguiçosa a forma que os roteiristas resolvem esse conflito besta e pouco urgente do mapa e Luke. Eles solucionam com um deus ex machina por meio de R2D2 que sai de seu modo “deprimido” e revela a todos que ele possuía a maior parte do mapa que é completo pela projeção do pedaço restante que estava com BB-8. Até mesmo antes, o filme tenta abordar esse tema, o sugerindo, como se tivesse pedindo desculpas pela solução rasteira. Entretanto, há uma poesia óbvia em usar R2D2 representando a velha geração e BB-8, a nova, que se complementam. Agora são uma só.
Também me incomoda como eles revelam o grande segredo do filme de forma extremamente banal e sem graça -- quando Snoke interpela Kylo informando a plateia que o antagonista é filho de Han Solo sem mais nem menos. O pior é saber que essa revelação teria muito mais força se fosse inserida na durante a cena da morte Han. Aquilo nos pegaria completamente de surpresa. Seria um twist tão emocionante quanto o de Vader revelar que é pai de Luke. Uma lástima de magnitude colossal o modo que isso foi apresentado aqui. A cena se tornaria ainda mais memorável pois teríamos dois acontecimentos de peso em pouco tempo – a revelação e a morte do herói.
Enquanto os roteiristas decepcionam nesses aspectos, eles acertam a mão em diversas outras coisas. A cadencia de piadas e do drama é muito bem equilibrada em sua maioria, o desenvolvimento dos dois protagonistas que é algo maravilhoso. As reapresentações dos personagens clássicos sempre muito bem pensadas para tirar o máximo de nostalgia dos fãs. Da coragem em matar Han Solo, um dos melhores personagens da História do Cinema. Por conectar bem as homenagens e referências aos outros filmes, além do conflito interno de Kylo Ren que é tentado a largar o Lado Negro. Enfim, a maioria das qualidades do texto, se inserem no desenvolvimento de alguns personagens, já que a história, como provado, é um remake de Uma Nova Esperança com pitadas de outros filmes da saga.
A conclusão disso tudo é: se você encarar O Despertar da Força como uma mistura de reboot e remake, essas falhas do roteiro terão pouca relevância ou nenhuma. Entretanto, se você encarar o Episódio VII como uma sequência, então sim, esses buracos lhe incomodarão em alguma forma. Seja mais ou menos intensa.
Para segurar as pontas do filme mais aguardado da década, J. J. Abrams provou ser um diretor com nervos de aço. Ele simplesmente aguentou a pressão como poucos conseguiriam. Elaborou visualmente o filme que queria e eu tenho que admitir, seu trabalho na direção é espetacular. Provavelmente seja sua direção mais afiada de toda sua carreira.
O diretor se apropriou da linguagem de Star Wars de modo único. Ao mesmo tempo que apresenta coisas novas, ele sabe homenagear com decupagens clássicas – como a sequência que monta a atmosfera boêmia e misteriosa do palácio de Maz.
De imediato, este é o primeiro Star Wars com trabalho primoroso de encenação, movimentação de câmera e decupagem variada. Há momentos em que Abrams dança com a câmera puxando a ação da esquerda para a direita do eixo de movimentação enquanto tudo se desenrola belissimamente no plano. No começo do filme tem um plano assim quando os aliados de Poe se preparam para combater a Primeira Ordem, porém, o melhor uso da técnica se dá na batalha de Takaneda quando Finn observa Poe destruir todos os inimigos presentes na tela com seu X-Wing enquanto faz manobras graciosas no ar. É um nível de realismo e encenação assustador.
Abrams também tem o talento de dizer muito sobre seus personagens a partir de planos e sequencias bem montadas eliminando a necessidade de diálogos. Os melhores exemplos que posso dar são as cenas que abordam o cotidiano solitário de Rey, a origem de Finn e a maioria dos que envolvem Kylo Ren. Com o olhar cuidadoso, Abrams pega planos distantes, bem abertos, ao mostrar Rey, solitária, trabalhando ao catar sucata. Quando retorna, temos até uma reflexão interessante quando a personagem vê uma mulher idosa escovando uma peça de sucata, assim como ela, sugerindo o futuro nada atraente para Rey caso ela não participasse da aventura.
Depois, conhecemos os detalhes de sua casa. Ela enfeita com flores, tem alguns brinquedos e cozinha sua refeição. Então, enfim, J.J. apresenta o segundo plano de contemplação do filme ao exibir que a heroína mora em um AT-AT destruído na batalha de Jakku. Aliás, Abrams apresenta diversos planos contemplativos durante o filme. Planos que dizem muito para quem souber interpretá-los. Dentre esses, temos um dos mais importantes que mostra os pilotos da Resistência comemorando a vitória em um canto da tela enquanto no outro vemos Leia e Rey se abraçando em luto pela morte de Han.
Para Kylo, o diretor insere alguns contra plongees em close mostrando a pressa do personagem, sempre afobado, caminhando nas instalações da Starkiller. São planos claustrofóbicos que reforçam a ansiedade do personagem. Não somente os enquadramentos acertados que ajudam a modelar o vilão, mas como também o design de seu capacete e de seu sabre de luz. Pelo capacete, podemos depreender com as formas prateadas que contornam o visor que Kylo força uma visão para si mesmo. É como se os contornos forçassem o olhar de quem usa o aparato. Além disso, sua boca é “amordaçada” pela placa de metal preto, fora o modulador que altera sua voz.
O capacete isola o personagem do mundo exterior forçando que ele aceite de vez o lado negro. E o mais interessante é que mesmo com tanta parafernalha para forçar sua convicção, ele sofre com desejos de ir para a luz. Um conflito muito digno que merece ser desenvolvido nos próximos filmes. Além do capacete, temos o seu sabre muito diferenciado. Apesar de não termos nenhum tipo de explicação do porquê do formato em cruz, as diferenças dele com um sabre normal são nítidas. Assim como seu dono, o sabre é instável, disforme e violento abandonando as formas mais contidas e elegantes de um sabre normal empunhado por um Sith ou Jedi.
Ainda em design, a releitura do uniforme do stormtrooper clássico para os soldados da Primeira Ordem é tão elaborada quanto o figurino de Kylo. As diferenças se dão principalmente no capacete. Agora os visores são unidos por uma linha preta que segue até onde seria a boca dos soldados. Desse modo, nós podemos interpretar que esses stormtroopers tem plena convicção no sistema da Ordem, pois o que eles vêm é o que eles falam. Ou seja, tratam-se de fanáticos. Tanto que assim que Finn é confrontado por um deles é chamado de traidor, alguém que deve ser eliminado a todo custo por fugir da convicção e palavra da Ordem. Por isso que trabalhar justo com o heroísmo humanizado do ex-stormtrooper Finn é ainda mais genial.
O diretor também presenteia o espectador com os efeitos práticos característicos da série. Este novo filme depende de efeitos visuais virtuais apenas em momentos-chave. Na maioria do tempo, vemos alienígenas construídos por maquiagem intensa, naves reais, algum trabalho minucioso de miniaturas, entre outras diversas coisas que tornam esse universo muito palpável. Além disso, o design de produção é tão bem concebido que consegue contar pequenas histórias do presente e do passado pelos itens e cenários exibidos em tela.
Abrams tem a competência de não tornar o filme em entretenimento barato que se segura somente através de fan service e nostalgia gratuita. As homenagens existem. Algumas são fáceis de notar, outras nem tanto. O diretor, aliás, dá atenção especial para o uso do som em seu filme. Aliada a ótima mixagem sonora, Abrams usa os sons a partir do extracampo para elevar o suspense da cena ou apenas para explicar a ação seguinte de seu personagem – isso acontece quando Finn escuta os Tie Fighters na cena da feira em Jakku. Aliás, o trabalho de montagem do filme inteiro é simplesmente primoroso. O encaixe entre os planos e dos bons raccords visuais é assustador de tão bem trabalhado. Até mesmo na sempre presente interpolação entre cenas dos clímaces das histórias da saga, é feita muito mais organicamente.
O diretor apenas desaponta em duas situações – as das cenas de tortura e das reuniões de Kylo, Hux e Snoke. Todas essas passagens possuem decupagens muito similares levando a uma pobreza visual, mas isto acontece apenas aqui. Na maior parte do tempo, ele cria cenas muito diversificadas. Uma das melhores sacadas é inserir a câmera a partir do ponto de vista de um piloto de X-Wing em meio a uma batalha aérea – pena os planos serem tão restritos e curtos. A luta de sabres também satisfaz. É uma das mais intensas, mas conta com bem menos violência do que as anteriores. É inegável, Abrams sabe muito bem como filmar ação. No clímax da luta, o diretor mimetiza o momento mágico que Luke usa a Força para destruir a Estrela da Morte. Porém, mesmo conseguindo capturar a magia da cena ao conter o som, a encenação decepciona, pois Rey apenas rodopia Kylo em vez de usar a Força de fato, seja para empurrá-lo ou fazer outra coisa.
J.J. retoma a longa parceria com seu fotógrafo Daniel Mindel e o resultado é espetacular. É impressionate como os dois capturam o visual tão característico da saga com enorme facilidade. Entretanto, somente na melhor cena do filme que Abrams e Mindel ultrapassam a barreira da cinematografia atmosférica. Na cena da morte de Han Solo, a iluminação passa a ser pensada de modo a contribuir narrativamente.
Quando Han caminha em direção a seu filho, temos a predominância do vermelho, justificado pelos sinalizadores no solo da ponte, com lampejos de luzes brancas que vem do abismo e do sol representando o Lado Negro e a Luz. Conforme Han se aproxima de Kylo, Rey e Finn chegam no local abrindo uma enorme porta que jorra a luz branca do sol em ângulo agudo – mais um plano belíssimo de contemplação de Abrams. Essa nova luz ilumina Han na contraluz e serve como principal para Kylo. Enquanto ele tenta convencer seu filho para voltar com ele, o sol vai se extinguindo diminuindo gradualmente a luz branca.
Nesse momento de indecisão, onde somos levados a crer que Kylo está prestes a ceder a Han, vemos a mistura das luzes vermelha e branca na sua face indicando o conflito interno do personagem enquanto em Han, o vermelho vai ganhando força. Então, temos o diálogo mais ambíguo de toda a saga. Kylo diz: “Estou sendo destroçado. Eu sei o que preciso fazer, mas não sei se tenho a coragem de fazê-lo. Você me ajuda? ” Han responde: “Claro, qualquer coisa”. Então Kylo oferece o seu sabre a seu pai. Nisso, a encenação colabora para acreditarmos que o antagonista está mesmo arrependido e que há a chance de redenção, mas a fotografia diz exatamente o oposto graças a forte predominância do vermelho e da escuridão.
Nesse momento, o sol se extingue. A luz branca morre, assim como a esperança da reconciliação. A fotografia agora se torna completamente escura, ocultando tudo que há por trás de Kylo. O vermelho agora preenche e contorna a face dos dois. Então Ren diz: “Obrigado” ao assassinar seu pai o empalando com o sabre vermelho. Antes de ser jogado no abismo, Han toca a face de seu filho com ternura. O corpo já sem vida do herói cai para a luz.
O que faz essa cena ser tão fantástica é a harmonia de todas as áreas criativas que temos no cinema. A direção, a fotografia interpretativa, a montagem certeira, o desenho de som, a trilha musical pontual, o texto extremamente ambíguo que não promete absolutamente nada e a força da excelente atuação de Harrison Ford fazem desta uma das mais memoráveis sequências de toda a saga.
Porém, além do uso narrativo da iluminação, já indicando a morte do herói antes mesmo dela acontecer, o que mais me encante é o diálogo entre os dois. É possível depreender das palavras Kylo que ele sabe que a única coisa que pode fazê-lo voltar para a Luz é seu pai. Logo, para atingir o poder que tanto almeja, para ser tão poderoso quanto seu avô Darth Vader, ele deve eliminar Han Solo. E o que torna o personagem ainda mais cínico e cruel é o fato de ele pedir ajuda para realizar tamanha covardia. Ele praticamente pede a permissão do pai para assassiná-lo. E Han, pela primeira vez, confia plenamente em alguém pondo sua malícia em escanteio. O lendário Han Solo é passado para trás pela primeira vez. A morte dele é irônica, sem dúvidas. Cruel e modela a psique completamente perturbada de Kylo Ren. Porém, ainda assim é heroica, pois mostra que o herói, outrora com a moral ambígua no passado, se dispôs a sacrificar sua vida para tentar reconstituir sua família. Han Solo morre altruísta.
Querendo ou não, J. J. Abrams marcou história em sua passagem na direção de Star Wars e apesar de errar a mão na pressa do ato final e nos problemas do texto, nos entregou um dos mais belos filmes de toda a saga. O Despertar da Força marca o início de uma nova etapa dessa franquia absolutamente rica e querida por todos nós. O filme tem ótimos momentos, conta com um elenco excepcional, personagens fortes e ótimas cenas de ação, porém está longe de ser perfeito.
Essa escolha de terem feito um “filme homenagem” ou remake/reboot não permitiu que a história avançasse o tanto que ela deveria. Logo, temos um filme muito mais aberto do que Uma Nova Esperança e deixa diversas perguntas que dificilmente serão respondidas nos próximos filmes. Entretanto, temos aqui uns dos inícios mais promissores de uma nova fase para Star Wars. Somente com esse filme, a Disney conseguiu entregar algo que está anos-luz de distância a frente da trilogia prelúdio. Além de ser extremamente convidativo para novas audiências que terão seu primeiro contato com Star Wars. Para os fãs de longa data, a nostalgia compensa a repetição da história que nós já vimos antes. Resta ter esperança que os próximos episódios trarão história mais originais e corajosas. Enfim, trata-se de um ótimo retorno para Star Wars.
O Despertar da Força é um filme que já nasceu clássico.
Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens, EUA – 2015)
Direção: J.J. Abrams
Roteiro: J.J. Abrams e Lawrence Kasdan
Elenco: Harrison Ford, Mark Hamill, Carrie Fisher, Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac, Adam Driver, Lupita Nyong’o, Domhnall Gleeson, Gwendoline Christie, Andy Serkis
Gênero: Aventura, Ficção Científica, Space Opera
Duração: 136 min
https://www.youtube.com/watch?v=4r0287tUEgk
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Bastidores Explica | Os Diferentes tipos e cores dos Sabres de Luz de Star Wars
O objeto mais icônico de Star Wars são os maravilhosos sabres de luz capazes de hipnotizar qualquer criança na primeira olhada, afinal, quem não gostaria de empunhar uma dessas armas fantásticas? Apesar de belas, são extremamente letais, mutilando e queimando qualquer um ao menor toque de sua lâmina.
Ao longo de diversos produtos lançados em diferentes mídias, descobrimos que existem muitos mais tipos de sabres do que os padrões apresentados na trilogia original. Por isso, vale a pena conhecer todos os que já foram apresentados até agora! Acredite, tem muita variação interessante.
Sabre Padrão
Esse é o sabre que a maioria dos Cavaleiros Jedi utiliza em suas vidas. O punhal é reto e geralmente ganha toques diversos de customizações à gosto de quem o monta.
Protosabre
Muito antes dos sabres de luz existirem, foi criado o ancestral dessa tecnologia única. Chamados de protosabres, as espadas tinham que ficar conectadas a baterias portáteis para energizar a lâmina.
Lâmina Dupla
Ah, quem não pirou quando Darth Maul apresentou seu sabre de luz peculiar pela primeira vez? Ele é apenas um dos lordes Sith que usaram essa variação perigosa da arma, unindo dois sabres pelo punhal gerando uma arma com lâminas em suas duas pontas. Por ser muito perigoso no manuseio, somente um mestre de combates consegue manipulá-lo.
Lâmina Dupla Giratória
Utilizada pelos inquisidores, tendo a primeira aparição em Star Wars Rebels, a lâmina dupla giratória é utilizada, principalmente para intimidar o oponente, mas outros usos menos convencionais são revelados ao longo da segunda temporada da série animada - um dos inquisidores, por exemplo, utiliza seu sabre de luz para voar curtas distâncias.
Sabre Tonfa
Visto em The Force Unleashed, o sabre tonfa tem formato de cassetete, oferecendo maior vantagem defensiva no combate. A liga de seu punhal, feita de Phrik, não é destruída por ataques de sabres de luz normais.
Sabre Crossguard
Esse é o tipo de sabre que Kylo Ren usa em O Despertar da Força, com vazamentos de lâminas laterais para proteger quem empunha a arma. Recentemente a lâmina apareceu, também, em Star Wars Rebels.
Sabre Curvado
Conde Dooku (ou Dookan) marcou presença e fez o terror com esse sabre de empunhadura curvada. Ele permite movimentos mais precisos e também possui uma construção um tanto mais elaborada. Devido à proximidade com Dooku, Asajj Ventress também conta com duas armas no mesmo formato.
Punho Alongado
O nome desse é bastante autoexplicativo. A empunhadura é maior, permitindo que o usuário manuseie o sabre com mais precisão e realize ataques com maior alcance.
Sabre Lança
Raramente utilizado, o sabre lança caiu em desuso apenas servindo como armas para os Guardiões do Templo Jedi durante as Guerras Clônicas. Mais recentemente, essa arma deu as caras, também, nas expansões Knights of the Fallen Empire e Knights of the Eternal Throne, de The Old Republic, MMO do universo Star Wars desenvolvido pela Bioware.
Sabercane
Um sabre bengala. Sim, exatamente isso. Apesar do Yoda usar uma bengala a todo o momento, infelizmente o mestre jedi não usa essa variação do sabre padrão, escondido dentro de uma bengala. Só é preciso remover parte da bengala para acender o sabre. Vimos esse sabre na série The Clone Wars, utilizado pelo mestre Jedi, Tera Sinube.
Shoto
O sabre de empunhadura reduzida para seres pequeninos como o querido mestre Yoda. Por vezes, também é usado como arma secundária por outros jedi.
Chicote de Luz
Com certeza este é sabre menos funcional da franquia, mas também é um dos mais legais. Praticamente inútil na defensiva, o chicote tem uma lâmina flexível de alguns metros, permitindo maior alcance ofensivo. Raramente é visto até mesmo nas histórias Legends.
Sabre Subáquatico
Geralmente, sabres de luz não conseguem ficar acesos debaixo d’água. Porém, algumas espécies alienígenas que vivem submersas conseguem criar sabres com a tecnologia necessária para mantê-lo aceso. Tudo isso é feito a partir de dois cristais criando um o ciclo de ignição bifurcado. Um jedi famoso que teve um desses sabres foi Kit Fisto, como pudemos ver no icônico capítulo de Clone Wars, de Genndy Tartakovsky.
Sabre Negro
Quem não quer ter o sabre mais raro de Star Wars? Emanando uma lâmina com formato de armas brancas reais envolta por uma aura branca, o sabre negro já pertenceu à Ordem Jedi. Porém, durante a ascensão do Império, os guerreiros do clã Mandaloriano conseguiram obter esses sabres, passando para futuras gerações.
As cores
Muito se pergunta também sobre as cores dos sabres, afinal temos tantas que elas devem significar alguma coisa, não é?
A cor do sabre geralmente vem também da cor original do cristal kyber o alimenta. Para tornar os lados opostos da balança o mais antagônico possível, George Lucas apelou para usar o óbvio com sabres azuis representando o bem e os vermelhos, o mal.
Mas depois de tantos anos ganhando novas histórias vimos sabres azuis, verdes, roxos, vermelhos, amarelos, bronze, brancos e pretos (já explicados acima).
Geralmente, os azuis são utilizados por jedis protetores que são guerreiros habilidosos. Os verdes, por jedis que preferem usar paz e diplomacia para resolver conflitos. Os amarelos são de uso exclusivo de guardiões dos templos jedi. Já os roxos envolvem jedis que conseguem também usar a Força com técnicas Sith. O sabre branco foi visto somente com Ashoka Tano, uma gray jedi (que abandonou a Ordem Jedi).
Já os sabres vermelhos não vêm naturalmente de cristais kyber. A pigmentação não existe na natureza e logo é necessário fazer uma corrupção de espírito no cristal, o forçando a sangrar pela eternidade. Vimos isso nas recentes obras canônicas, Ahsoka e no primeiro arco de Darth Vader: Dark Lord of the Sith - o primeiro um livro e o segundo um quadrinho publicado pela Marvel.
Será que veremos mais variedades e sabres de outras cores em Os Últimos Jedi? Esperamos que a Disney se aventure cada vez mais nesse material muito rico que foi considerado não-canônico após a compra dos direitos da franquia mais famosa do Cinema.
Crítica | Extraordinário - Bullying cinematográfico
Alguns filmes simplesmente gostam de apoiar seu argumento em uma máxima ou trazer sua mensagem através de uma parábola óbvia. Alguns, nem precisam ser dramas religiosos ou qualquer outra história que tenha a ver com fé e o sagrado. Esse é o exemplo perfeito para Extraordinário que apoia toda a narrativa em favor de uma mensagem: se coloque no lugar dos outros.
Você já deve ter escutado a bendita expressão de “calçar o sapato alheio” e andar com eles por alguns quilômetros. Uma boa metáfora para sempre pensarmos bem antes de agir contra os outros. R.J Palacio conseguiu sua fama best-seller justamente com uma história inspirada nessa expressão. Certamente você já viu Extraordinário em prateleiras de destaque de inúmeras livrarias e provavelmente imaginava que era mera questão de tempo até que algum estúdio de Hollywood trouxesse uma previsível adaptação cinematográfica.
Trazendo outro grande queridinho da literatura americana contemporânea e que já tinha emplacado outro grande best-seller – inclusive adaptado para as telonas pelo próprio autor, a Lionsgate e outras produtoras apostaram suas fichas em Stephen Chbosky, autor e diretor de As Vantagens de Ser Invisível.
Logo, com um diretor/roteirista já bem-iniciado, uma história de sucesso e um elenco estelar contando com nomes fortes como Jacob Tremblay, Julia Roberts e Owen Wilson teria como Extraodinário dar errado? Funcionalmente falando, não. É bem provável que você fique todo emocionado com a simpática história de Auggie, mas é inegável que o longa tem severos problemas. E o principal deles é justamente esse: isso não é um filme, mas sim um livro filmado – e há grandes diferenças entre essas coisas.
Tiros para todos os lados
É exatamente o que acontece com o roteiro de Extraordinário, adaptado também por Chbosky, Jack Thorne e Steve Conrad. Para quem desconhece, o longa traz a história do pequeno August, Auggie para os íntimos, um garoto com uma grave deformidade facial que, por medo de reações agressivas, nunca foi para a escola comum. Porém, com o início do Fundamental II, a família e Auggie decidem que é chegada a hora do garoto superar seus medos e enfrentar a realidade que reservará muitas surpresas em uma jornada de lágrimas e risos.
E para situar o expectador nisso tudo, temos o recurso mais básico para um roteiro preguiçoso e nada imaginativo como o deste filme: narração. Extraordinário tem chances de ser o filme com mais exposição porca transmitida para o espectador através de narração over que eu já tenha visto em toda a minha vida. O motivo é muito simples: a narração nunca traz nada relevante do que já podemos enxergar e compreender somente através da imagem.
Ou seja, o filme fica se auto explicando a todo o momento. Não uma, nem duas, mas sim cinco vezes temos interrupções com narradores intrusivos que constantemente quebram qualquer sentimento que o filme tenta passar. São diversas escolhas ruins que tentam sabotar a história do filme. Além do roteiro explicar o filme a todo instante, os conflitos e motivações que evoluem os personagens são apresentados através de narração – de quatro personagens distintos.
Como nunca tinha lido Extraordinário, tive a enorme surpresa desagradável em encontrar uma narrativa com múltiplos protagonistas. Não somente Auggie traz suas confidências para o público, mas também de sua irmã, Via, uma adolescente carente de atenção materna, de Jack Will, o primeiro melhor amigo da vida de Auggie, e também de Miranda, a ex-melhor amiga de Via.
Auggie e Jack Will realmente são os personagens mais interessantes, por se tratarem de crianças e dou créditos pelos roteiristas conseguirem adequar todas as falas, brigas e situações totalmente condizentes ao que crianças de dez anos passam em sua vida escolar. Porém, quando subitamente a narrativa é interrompida – até mesmo telas pretas surgem para avisar “sutilmente” da mudança de ponto de vista, recebemos conflitos tão clichês sobre adolescência que é difícil simpatizar com as personagens.
Fico pensando na ideia sempre “brilhante” quando algum produtor decide adaptar um livro: que tal se nós pegássemos essa história e a adaptacemos quase que integralmente do mesmo modo que já está no livro? Genial, não? Mas é evidente que se tratam de mídias diferentes e que isso acaba prejudicando gravemente esse filme.
O núcleo do filme é Auggie e as provações diárias que ele passa na escola e as reações da família diante de ações cruéis de algumas crianças – aliás, é inteligente usar o que Auggie mais gosta e admira para infernizar sua vida escolar. Porém, os roteiristas não quiseram mesmo trilhar o caminho correto e complementar o drama de Auggie com passagens mais originais. Logo, é muito mais fácil deixar a história como ela é e prejudicar o filme inteiro ao apostar em diversos personagens que mal conseguem tempo para serem desenvolvidos de modo apropriado como Jack Will, Miranda e até mesmo Via que passa por um processo de amadurecimento contraditório ao que a narração estabelece – não há pistas de que se trata de um desses filmes com narradores nada confiáveis já que é uma obra toda açucarada.
No mais, os defeitos escancarados da obra são esses, além de coisas típicas de filmes pretensiosos como perda no ritmo, além de cenas pós-clímax que repetem conflitos muito resolvidos e compreendidos nos minutos anteriores – existe também uma apelação surreal com o cachorro da família. Porém, no lado positivo da balança, há elementos o suficiente para justificar uma ida ao cinema.
O protagonista realmente é bem trabalhado dentro das possibilidades que o texto oferece, além de Jacob Tremblay ter um carisma contagiante mesmo sob muita maquiagem. O drama entre a existência do protagonista e os sacríficios que sua mãe teve de fazer também são bem situados, apesar de super clichês. O pai, funcionando meramente como alívio cômico, também cumpre bem a sua função com cenas doces que tornam toda a relação familiar dos Pullman muito genuína.
O mesmo acontece com todo o elenco infantil. Os amigos de Auggie conseguem transmitir todas as emoções que envolvem as óbvias reviravoltas que o garoto passa na jornada. Porém, o elo fraco da obra são os “antagonistas”, os bullies que ficam zoando a cara de Auggie diariamente. Como geralmente nunca há algum agravante nisso, o peso das ações cruéis dos garotos ruins só é sentido através da mágoa apresentada pela atuação de Tremblay. Se não fosse isso, seria muito fácil ficar indiferente a todas as maldades que os garotos fazem pela fraqueza tanto do texto quanto das atuações indiferentes – não tem como acreditar que os bullies odeiam o garoto, tudo é desinteressado demais para isso.
As Desvantagens de Ser invisível
Stephen Chbosky começou com o pé na porta em sua carreira como diretor de cinema. Sem antes nunca ter dirigido um filme, decidiu ele mesmo adaptar o livro de sucesso coming of age sobre depressão, As Vantagens de ser Invisível. Embora o filme seja mais lembrado pelo texto do que pelas imagens, é inegável que Chbosky estava dedicado em trazer uma identidade para o filme – mesmo seguindo à risca a cartilha de linguagem indie hipster que estava em moda na época.
Entretanto, nem sempre um raio cai duas vezes no mesmo lugar. Depois de cinco anos sem dirigir nada, Chbosky volta ao comando – e o hiato certamente não ajudou em nada. Enquanto toda a linguagem seja correta, é perceptível certa preguiça do diretor em usar mais sua criatividade para atingir os efeitos desejados: o choro da plateia.
Os recursos mais banais e fáceis estão aqui: música melodramática ao extremo, slow motions em momentos felizes ou dramáticos, lágrimas e lágrimas do elenco competente, imagens totalmente manufaturadas para gerar empatia, etc. Nada fora da cartilha. Para muitos, é óbvio que será eficiente, te emocionando, mas para quem já viu tantos e tantos melodramas antes, o efeito te tira do longa por ser muito artificial.
Chbosky não consegue aproveitar a mudança de pontos de vista de modo criativo, apenas tratando Auggie com um pouco mais de atenção com os delírios visuais do garoto, projetando seus sonhos na realidade, além de um enquadramento funcional que “joga” o menino para o espaço – Auggie esconde seu rosto com um capacete de astronauta e sonha em ir à lua um dia.
De resto, o diretor não confere mais identidade para a obra, tornando-a totalmente superficial em nível de imagem. É por isso que eu digo que se trata de um livro filmado. Quase nada por si é realmente cinematográfico em Extraordinário. E a arte do cinema é justamente mostrar em vez de contar, valorizando o poder visual da arte. Chbosky sabia disso em seu filme anterior, mas aqui a narração é tão invasiva que torna toda a encenação redundante, assim como enquadramentos mais elaborados – um caso raro aqui.
No fim, é exatamente isso o que acontece. Por uma ironia do destino, Chbosky faz um trabalho correto, mas tão pré-programado que se torna invisível.
Extraordinariamente inofensivo
Apesar de não ser cinematográfico ou particularmente interessante como tinha muito potencial para ser, Extraordinário é uma obra inofensiva. A história é guiada com mão tão pesada que é impossível não sacar sua mensagem de primeira, já que também é passada através de narração over. Mas, apesar de todas essas arestas rudes em um filme de história doce, a moral do longa é necessária e bonita para ser transmitida para pais e crianças.
Só não espere que lembrará de Extraordinário como uma experiência extraordinária. É um drama que está fadado a ser mencionado tão ordinariamente quanto as metáforas para nos colocarmos no lugar dos outros.
Extraordinário (Wonder, EUA, Hong Kong – 2017)
Direção: Stephen Chbosky
Roteiro: Stephen Chbosky, Steve Conrad, Jack Thorne, R.J. Palacio
Elenco: Jacob Tremblay, Owen Wilson, Julia Roberts, Izabela Vidovic, Noah Jupe, Bryce Gheisar, Elle McKinnon, Mandy Pantikin
Gênero: Drama
Duração: 113 min
Crítica com Spoilers | Mulher-Maravilha - O Renascimento do DCEU
Com Spoilers
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A criação da heroína feminina mais icônica da história do entretenimento já renderia uma ótima história por si só. Na época de febre das revistas em quadrinhos na década de 1930, a hegemonia masculina com heróis que transitavam entre historinhas pulp até outras mais audaciosas e violentas era absoluta.
Com a consolidação rápida do formato, outros heróis icônicos surgiram como o Superman e o Batman. Mas não levou muito tempo para que Diana Prince tivesse sua primeira aparição em 1941. Através de um artigo científico no qual defendia veementemente o potencial educativo da nona arte, William Moulton Marston foi convidado para participar das editoras que dariam origem a DC como consultor educacional.
Sentindo que as histórias da editora precisavam de algo a mais, Gaines pediu para que Marston surgisse com uma ideia brilhante o mais rápido possível. Ideia essa que ele retirou de seu próprio ambiente familiar. A ideia inicial era fazer um herói movido apenas por amor e forte índole de justiça, na qual a paz deveria ser seu objetivo principal, mas nunca a guerra.
Lindo, né? Assim pensou Marston ao bater um papo com uma de suas duas esposas, Elizabeth Marston que apenas respondeu, imagino: “Legal, fera, mas dessa vez faça um herói que seja uma mulher”. Dito e feito, as palavras de srta. Marston tomaram forma como a ilustre Mulher-Maravilha que já preservava bastante da verve da energética esposa do criador.
Preservando muito do cotidiano do psicólogo e seus ideais como o feminismo e o apoio pelo sufrágio (direito ao voto feminino), Diana Prince figurou em All Star Comics até ganhar sua própria e bem aceita revista em 1942. O autor colocou até mesmo referências de sua própria carreira em sua personagem como o polígrafo – detector de mentiras que ele havia inventado antes da Mulher-Maravilha. O instrumento foi simbolizado através do Laço da Verdade que confere uma das principais buscas de Diana em suas jornadas.
75 anos depois
Diana Prince sofreu alterações diversas e significativas indo de secretária da Liga da Justiça até virar um dos pilares da santíssima Trindade da DC durante sua trajetória até se tornar o ícone feminino da DC. Mas, apesar de tudo, de toda sua participação e importância na história da editora, só viemos ter um filme dedicado à heroína agora em 2017.
E em momento mais oportuno possível. Com o universo cinematográfico da DC tomando tanta surra por parte da crítica (da qual discordo na maioria dos casos), a Warner precisava de um respiro, uma ponta de esperança. Como se fosse predestinado, quem salvou a reputação da DC nos cinemas foi ninguém menos que benevolente heroína.
A abordagem desse Mulher-Maravilha é consideravelmente distinta das propostas de construção de universo como os outros filmes tinham foco. Aqui, a história de Zack Snyder, Allan Heinberg e Jason Fuchs é focada inteiramente em Diana Prince e somente ela. Tanto que a escolha de storytelling é fundamentada em um enorme flashback – um grande respiro entre BvS e Liga da Justiça.
Então, claramente temos uma bela freada no ritmo que a Snyder e a DC estavam impondo nos filmes. Em comparação aos outros, M-M é uma narrativa muito mais segura que opta por não escolher muitos riscos, mas que possui grande força por conta da proposta de encaixar um super-herói nos últimos dias da Primeira Guerra Mundial.
No começo, havia apenas Diana
Como dito, o texto de Mulher-Maravilha se vale do bâ-á-bá mais clássico da narrativa de origem com quase todos os apetrechos que uma história de jornada do herói necessita. Heinberg levou isso bastante à sério por oferecer ao público pequenos panoramas sobre quem Diana é em vez de mostrar o que ela é.
Tão logo acompanhamos sua infância, somos estabelecidos aos conflitos internos de Themyscira e no principal desse núcleo significativo: predestinação vs. preservação. A personagem é imbuída com muita personalidade que facilmente gera empatia com qualquer espectador – por mais apático que ele seja. Em sua infância, o senso de dever e vontade de guerrear é quase que inerente a sua própria existência, mas a rainha Hipólita, sua mãe, impede a pequena de treinar junto com as outras amazonas.
Esse é apenas um dos muitos clichês pautados em Mulher-Maravilha, mas, felizmente, não chegam a incomodar, pois ajudam a contar uma boa história com diferentes nuances nesses pequenos conflitos. Logo, assim que Hipólita aceita o treinamento de Diana com sua tia, as coisas ficam mais interessantes, pois há a retirada da protagonista de sua zona de conforto.
O primeiro ato inteiro se preocupa em estabelecer, com alguma justificativa, o ostracismo que as Amazonas impõem sobre sua própria sociedade. Temas como escravidão, guerra e morte, surgem, mas nunca são devidamente explorados. Sentimos que há muita história por trás do rancor de Hipólita com o mundo dos homens, mas pela escolha dos roteiristas acabamos perdendo maior densidade desse conflito o que tornaria a ruptura da relação entre Diana e ela consideravelmente mais poderosa.
A normalidade é quebrada pela vinda de Steve Trevor – Chris Pine sustenta o personagem com extremo carisma, até a Ilha Paraíso ao fugir do exército alemão. Esse é o tão aguardado despertar do filme com Diana entrando em confronto real pela primeira vez na vida, além do choque tremendo com a morte de amazonas e de Antiope. Veja bem, as principais alegorias desses primeiros atos são as muitas perdas de virgindade que Diana enfrentará ao longo do filme.
Seu heroísmo e força de vontade se chocam diante da sua impotência em combater um mal invisível e imprevisível: a violência que destrói tudo pelo caminho. Ou seja, a presença de Ares sempre cerca sua jornada tentando corrompê-la desde o início. Diana vem como um poço de moralidade, pois ela quebra as ordens estabelecidas tanto em Themyscira quanto fora da Ilha, algo que é definido sempre por suas ações. Nisso, realmente dou os parabéns para o time de roteiristas que conseguiram colocar traços importantes em Diana sem recorrer tanto a exposição dos diálogos – mesmo que haja um grande excesso disso no filme.
Diana vai à cidade grande
O final do primeiro ato certamente não surpreende ninguém, mas os roteiristas tomam decisões interessantes sobre como abordar os personagens secundários. Como muito da protagonista é explorado através do seu contato com o mundo exterior e suas reações a ele, facilmente poderíamos ter uma história de um personagem só.
Ao contrário de muitos filmes Marvel, as obras da DC conseguem sustentar os coadjuvantes de tal forma que é possível sentir certa complexidade ou presença mais significativa em cena. Logo, quando algo acontece afetando esses personagens, o mesmo acontece conosco. Apesar do rol de amazonas ser abandonado pelo filme – um belo equívoco, aliás – tão logo chegamos à Londres que a narrativa sofre outra transformação mostrando personagens mais interessantes como Etta Candy.
Mesmo com uma performance divertida de Lucy Davis e diálogos que propiciam desejos próprios para Etta como o direito ao voto e poder de compra. Porém, assim como todos os coadjuvantes, ela está ali para servir de contraponto à Diana para os roteiristas continuarem trabalhando na personalidade da heroína.
Conflitos de ideias e trocas culturais dominam os primeiros diálogos dela com Steve em cenas até mais longa do que o necessário. Esse é um ponto que me desagradou, de certa forma. Em praticamente todas as vezes que há a exposição desse choque, há a inserção de alguma piadinha. Por mais que as piadas sejam boas e inspiradas, senti que algumas vezes elas tiravam espaço de cenas que poderiam ter explorado um pouco mais a relação de Steve com Diana. Desse modo, o desenvolvendo.
Querendo ou não, Steve Trevor é um bom personagem que é sustentado apenas pelo grande carisma e timing de Chris Pine, pois o roteiro não se preocupa em lhe oferecer camadas reais. Mas retomando à reflexão acerca da narrativa, o segundo ato de Mulher-Maravilha se vale do clichê do personagem que se maravilha com todas as novidades ao seu redor.
Novamente, não vejo problema, pois essa passagem à la Crocodilo Dundee/Enrolados é vital para o espectador perceber que a Ilha Paraíso se comportava mais como uma castração das vontades de Diana do que uma bolha de proteção – outro bom apontamento que fica, felizmente, fora da esfera da exposição dos diálogos.
Para não ser injusto, é justamente nesse miolo que ocorre o paralelismo que aproximam Diana e Steve. Enquanto na Ilha Paraíso, Diana sofria diversas proibições de sua mãe, mas burlava todas elas. O mesmo acontece com Steve ao se reportar para os generais em Londres sobre as últimas descobertas que podiam levar à Tiplíce Aliança a vencer a guerra em uma inesperada reviravolta.
Esse bom conflito tem muito mais propósito do que apenas mostrar para o espectador semelhanças entre os heróis da jornada. Ali é um ponto de virada importante para que Diana veja que Steve não é um “homem mediano”, comum, como vinha o chamando até então, pois o sargento decide desobedecer as ordens de seus superiores e seguir a missão por conta própria.
Nisso, finalmente temos o fim do deslumbramento de Diana com o novo mundo. Ela passa a descobrir a zona cinza e os horrores proporcionados pela Guerra, por Ares. As transformações que a protagonista sofre aqui ainda não são suficientes para tirar a imaturidade e ingenuidade da semideusa, mas as coisas começam a mudar no terceiro ato – divido a narrativa de Mulher-Maravilha em cinco atos.
Diana vai à Guerra
O terceiro ato, sem sombra de dúvidas, é perfeito. É o ponto mais alto do filme e só merece elogios. É aqui que a DC se distingue da Marvel significativamente e resgata as ousadias de outrora. A narrativa permanece na linha clássica óbvia, mas o crescimento da protagonista como personagem é soberbo.
Primeiro que finalmente há a confirmação plena de Diana como uma força de amor divina de consolação ao homem. Com a chegada dos Losers, personagens simples, mas muito carismáticos, a heroína percebe o quão diferente é o ponto de vista de cada um, dos desejos daqueles homens e seus maiores medos. Samir, Charlie e Chefe funcionam dessa forma representando o sonho e paixão, o medo e a bravura e as consequências de um conflito bélico e da religiosidade, respectivamente.
São ideias simples, mas bem transpostas nos personagens que cumprem sua função primária: ajudar a desenvolver uma nova visão de mundo em Diana. Sua ingenuidade é confrontada novamente pelo horror e a impotência. Apesar de restrito, é interessante notar como os personagens a desencorajam a tentar salvar o mundo, pois é impossível salvar a todos como Diana quer.
É justamente por esse discurso constante da inaptidão, medo e falta de compaixão que a cena na qual Diana Prince se transforma em Mulher-Maravilha é absurda de tão poderosa. Desde já, a entrada da heroína na Terra de Ninguém é uma das melhores coisas que o cinema americano nos proporcionou neste ano. É um momento catártico em três pontas: a nossa como espectadores, a dela como heroína e a dos soldados que, guiados por ela, batalham novamente pela liberdade e fim da tirania. É sensacional.
Porém, findado o belíssimo terceiro ato com o beijo na calada da noite, o roteiro de Mulher-Maravilha começa a degringolar para territórios muito mais burocráticos e errôneos, apesar de alguns bons acertos que sustentam o desenvolvimento pleno da personagem.
Os problemas de uma batalha
Enquanto cometia apenas erros de falta de capricho como muita exposição para deixar claro ao espectador a posição de cada personagem na história e outros conflitos clichês perdoáveis, Mulher-Maravilha realmente é excelente. Mas a coisa desanda bem rápido depois da libertação da cidadezinha.
Apesar de possuir uma das viradas mais potentes da narrativa ao frustrar Diana com a destruição do vilarejo recém-salvo, a narrativa usa e abusa de conveniências absurdas na passagem extremamente redundante da festa de Ludendorff. O plano por si já é bastante furado e absurdo com chances impossíveis de sucesso, a exposição da motivação de Ludendorff que almeja se distinguir dos demais homens através do poder da vitória recai em mais um clichê, além da conclusão dessa sequência ser estupidamente apressada. Acaba comprovando como se trata de um apêndice muitíssimo equivocado, já que era possível seguir a história sem a necessidade de um ato inteiro para isso.
No ato final, as coisas melhoram um pouco, mas nunca chegam perto da eficiência da primeira metade do filme. Novamente, há o uso de mais conveniências e Diana ainda tarda em entender do que se trata verdadeiramente de uma guerra. Ela não leva em conta a vontade de cada homem – após a destruição de Ares, há essa contradição, pois os soldados alemães agem como se tivessem sido libertos de um feitiço poderoso.
Já sobre a revelação de Ares, é no mínimo preciso dizer que se trata de algo bastante interessante e surpreendente. Até mesmo sua motivação é genuína e forte, além das suas ações de manipulação se assimilarem com as do Diabo preservando essa essência bíblica cristã que os novos filmes da DC possuem até agora. A tática da sedução em vez de partir para a porrada diretamente suscita mais personalidade ao vilão que só sofre por conta de muita verborragia durante o conflito, conveniências em esperar Diana fazer outras coisas e do curto tempo de tela.
Essa conveniência que mencionei é ligada ao sacrifício de Steve Trevor que consegue engrandecer o personagem se o contrastarmos com Ludendorff e suas pretensões de ser mais do que um homem comum – infelizmente, a péssima ideia do gás do “superpoder” que o general ingere é uma dessas piscadas burras do roteirista para a plateia na tentativa pífia de nos induzir ao erro.
Após um explosivo clímax com a batalha dos deuses, é decepcionante notar como Mulher-Maravilha se apressa muito para acabar. Suas pontas não se fecham, não retornamos para a Ilha Paraíso, não sabemos as consequências dos atos de Diana sobre o mundo e, principalmente, não há o menor embasamento para àquela Mulher-Maravilha bastante ressentida que encontramos em Batman vs Superman – tudo bem que é especulado que o segundo filme solo da personagem se passe antes de O Homem de Aço.
Mas antes de encerrar esses comentários sobre o roteiro, gostaria de falar um pouco da dupla de antagonistas humanos. Ludendorff e Dra. Veneno tem sim suas parcelas de culpa tanto em prejudicar quanto para beneficiar o filme. Ambos são consideravelmente caricatos e relembram um pouco todo o exagero dos vilões da Era de Ouro dos quadrinhos, mas em termos de organicidade no plano do filme, bom, não são lá excepcionalmente memoráveis.
Ludendorff só funciona (em aspirações maiores) se colocarmos em contraste com Steve como já exploramos em outro ponto, mas Dra. Maru já possui realces mais interessantes. É muito implícito que sua motivação para a busca do gás mostarda potencializado é ligada diretamente a um desejo romântico com Ludendorff – o diálogo com Steve durante o baile menciona bastante essa “lealdade” da vilã com o general.
Mas Maru não é apenas a vilã psicopata que age por um amor insano. As coisas tomam outra figura quando a comparamos com Diana e vemos como a protagonista já é anos à frente de seu tempo mesmo após o isolamento de Themyscira. Dra. Veneno é o contraponto perfeito à Diana por ser uma mulher covarde, traiçoeira, assassina e submissa que se dispôs a atender os desejos de seu homem a tal ponto que acabou com o rosto mutilado – um símbolo de vergonha que ela esconde com as próteses. Em vez de se tornar um símbolo feminino na ciência e ter peso histórico na História, Maru se contenta em usar seus dons para atender os desejos ególatras de um homem.
Portanto, Dra. Veneno é um retrato de submissão enquanto Diana é a face da libertação, autoafirmação e do amor (é brega, eu sei, mas é o discurso principal do filme). Aliás, essa interpretação é bem fundamentada pela imagem quando Diana consegue se libertar da fúria cega e se nega a esmagar Maru com um tanque de guerra – como fica claro, ela é melhor do que a química em todos os sentidos.
A Capitã
Para dirigir Mulher-Maravilha seria muitíssimo coerente que o nome fosse de uma mulher. Felizmente, o óbvio foi o caminho escolhido pela Warner e, apesar de não ter sido a primeira opção escolhida, Patty Jenkins traz um de seus melhores trabalhos conseguindo até mesmo manter momentos repletos de poesia visual e delicadeza feminina.
Não é preciso esperar muito para que Jenkins mostre a que veio. Dos três diretores do DCEU até agora, ela é a mais atenta aos detalhes em termos de imersão visual. Basta sentir o impacto visual que Themyscira causa em questão de segundos. Mesmo com os malditos óculos 3D, conseguimos ver a riqueza de cores mais saturadas inspiradas no contraste divino entre azul e dourado, além de toda a organicidade da sociedade de amazonas.
O espetáculo do treinamento acrobático das guerreiras é capturado com diversos focos em slow motion – uma técnica que Jenkins usa recorrentemente, mas em bons momentos. Outro bom detalhe de valorização de produção é a enorme quantia de planos abertos que a diretora opta para nos mostrar toda aquela onipotência da Ilha Paraíso.
Essa assinatura grandiosa marca todo o filme que aparenta ser mais caro do que é – o orçamento é estimado em 150 milhões. Em Londres e no restante das locações, sempre há essa demarcação importante de um mundo vivo mesmo que esteja desolado e deprimido. Isso ajuda a conferir uma credibilidade de cena impressionante. Tudo parece vivo e independente. Realmente parece que o mundo está em guerra, com medo, sujo e acovardado.
A diretora sempre frisa Diana no quadro a separando da opacidade cinzenta de Londres sempre com algum recurso visual: seja pela ação, seja por uma gag, seja pelas cores de seu traje de guerra. Diana não pertence àquele lugar, mas, consequentemente, se tornará parte dele.
Em termos de ação, apesar do uso muito intenso de CGI ruim (se o espectador reparar nas expressões visuais das amazonas em algumas acrobacias, não conseguirá conter o riso), a diretora dá show. Sim, em alguns momentos há aquele excesso de cortes irritantes, mas na maioria das vezes Jenkins deixa a ação desenvolver-se organicamente. Vemos isso em diversos momentos na batalha da praia e na libertação da cidadezinha na qual temos um majestoso plano que captura com perfeição as manobras de Diana com o laço da verdade lutando ao lado de Steve.
Outro detalhe que me chamou muito a atenção no trabalho de Jenkins é o didatismo de sua câmera. Snyder não chega a ser tão clássico como a diretora é para a decupagem e transmissão da mensagem, mas isso talvez seja um acerto da mulher já que o filme não possui a menor reclamação de ser confuso ou atropelado.
Essa questão da didática é visível no longa inteiro que é sim didático em diversas pontas. Não tem a ver com Jenkins mostrar a ação em inúmeros pontos de vista, mas sim o modo que ela grava a história do filme. Em momentos-chave de drama, repare como os planos serão muito aproximados no sujeito e predicado da ação, além de receberem slow motion e efeito de isolamento acústico ou de dilatação sonora. Isso sempre acontece durante uma falha de Diana ou algo que a impacta além da conta: a morte de Hipólita, a morte de Steve, a revelação de Ares, etc.
Com essas interrupções de ação, Jenkins esfrega na cara do espectador o que aconteceu ali. Sempre dimensionando o ato, conferindo gravidade para o acontecimento como se deve. É uma técnica bastante antiga, praticamente oriunda do cinema silencioso que se popularizou muito em telenovelas até hoje. E, ainda assim, está provando sua eficiência em Mulher-Maravilha. O que quero dizer é: Jenkins não abre mão da mensagem ao deixá-la “no ar”. Ela vai fazer você ver do modo mais explícito possível – herança de Monster, trabalho anterior da diretora.
É algo que respeito profundamente, pois Jenkins não sente a necessidade de quebrar a tensão todo momento com piadas estúpidas como outros filmes de herói constantemente fazem. Apesar de ser um longa que aposta imensamente na margem de segurança, Mulher-Maravilha tem a coragem de contar uma história de modo clássico e apropriado. Impressionante eu ter que parabenizar um filme por um requisito que deveria ser obrigatório.
A atenção à paleta de cores é algo a ser elogiado igualmente. Jenkins e o fotógrafo Matthew Jensen se preocupam em evoluir Diana conforme o trabalho de cor avança. No começo, o poderoso contraste dourado/azul elabora o tom angelical, divino, seguro e inocente que a protagonista vive.
Mas basta a noite da viagem ser quebrada pelo despertar em Londres que o cinza opaco domina na tela, mas com ápices de tons amarelados como durante na cena da compra de roupas. É um indicativo de amadurecimento, mas não pleno. A partir disso, as cores se aprofundam no cinza até explodir no vermelho que engole tudo no clímax. O amadurecimento, o chamado coming of age, explode. Diana descobre sua identidade e seu poder evocando paixão e ira até a serenidade dos tons alaranjados que fecham o filme. Um calor próprio, vivo e imortal.
A própria fotografia de Jensen merece elogios à parte além da atenção às cores. O diretor de foto trabalha vividamente com iluminação barroca em diversos segmentos da obra que sempre conferem um look romântico e místico para os encontros noturnos de Diana e Steve. Aliás, é justamente na cena do primeiro beijo de Diana que sentimos a diferença entre ter uma diretorA em vez de um diretor.
Jenkins aproxima o momento com tanta delicadeza, com pouca luz e apenas com som ambiente. Uma encenação concentrada no olhar e no não dito. É sutil, apaixonado e romântico. A câmera apenas se aproxima timidamente em um movimento simples aguardando o corte. Quer provas de como é diferente? Bom, pegue qualquer Transformers ou blockbuster do gênero. A abordagem é sempre a mesma: a câmera explode envolvendo os apaixonados em uma poderosa rotação de 360 graus, com contraluz intensa acompanhada de trilha musical elevada. É a tal “pegada”...
É evidente que também não poderia encerrar os comentários sobre sua direção sem mencionar o fantástico primeiro momento da Terra de Ninguém. Jenkins transforma uma cena que poderia ser trivial em uma das melhores coisas que esse gênero teve o prazer de ver até agora. A transformação de Diana Prince é pontuada por um nada convencional slow motion. Não a vemos colocar a tiara em sua cabeça. A dilatação do momento é justificada pela revelação do traje de guerra. A ênfase continua sustentada pela câmera lenta com a heroína subindo no campo de batalha.
A bala indo até o encontro ao bracelete, os socos que defletem as balas, a correria, o foco nos soldados alemães incrédulos, a vontade dos soldados aliados em partir para o front, o crescente do alvejar das balas que a obrigam manipular o escudo até ser freada, a ascensão dos homens que abraçam à glória abandonando a mortandade pútrida das trincheiras até ajudá-la a superar a Terra de Ninguém. Todos esses detalhes são acobertados pela decupagem nada menos que magistral da diretora que marca o ápice do seu trabalho autoral na sequência.
Aliás, há outros pequenos momentos valiosos da direção de Jenkins que merecem ser igualmente ressaltados. A morte de Steve, com um longo plano que contemplamos um olhar satisfeito que apenas imagina o quão mágica seria a vida com Diana, sobre um tempo que nunca será. E, depois, em uma rima maravilhosa, com Diana acariciando o relógio do amado, lamentando o tempo que nunca foi. São boas imagens que demonstram tremenda humanidade e vida para o trágico casal. Jenkins faz com facilidade algo que é super difícil: se comunicar artisticamente com o espectador a ponto de envolvê-lo nas emoções dos personagens.
Também levo em conta o bom trabalho com a direção de atores. Apesar de ter um evidente descompasso irritante com sotaques entre o elenco inteiro – principalmente com Gal Gadot, a diretora sabe dosar e aproveitar bem o talento dos atores que entregam sim boas performances. Gal Gadot é muito carismática e mesmo que seja bem medíocre em momentos mais dramáticos, esbanja poder e firmeza nos Money shots tão imprescindíveis para essas obras.
A Fé
Assim como tinha feito em Batman vs Superman, me reservo ao direito de analisar as contínuas simbologias cristãs que Snyder insere nessas obras desde O Homem de Aço. Caso ache irrelevante ou não goste do tema, o convido para pular para a conclusão do texto.
Como havia apontado, Diana é a representação do Espírito Santo nesse universo. Ela mesmo já existe antes de Jesus Cristo (Superman), assim como o Espírito na Bíblia. Aqui, um grande discurso presente é mostrar que Jesus Cristo e Espírito Santa tratam-se, essencialmente, da mesma coisa.
A encenação que Jenkins constrói diversas vezes remete Diana à figura de Jesus Cristo. A primeira delas é tomar a visão subjetiva de Steve enquanto ele se afoga no mar. Assim como ele, nós a vemos como se andasse sobre as águas, pairando como um anjo emoldurado pela contraluz. Já no final, quando enfim Diana se prepara para matar Ares, temos uma pose similar à do Cristo crucificado. Diana limpa o mal do mundo, redimindo assim os pecados da humanidade.
Enquanto Superman/Jesus tem envolvimento com humanos, Diana/Espírito Santo era preservada da humanidade. Outra boa indicação disso é a cena na qual a heroína deixa claro que fala todos os idiomas – dom que alguns apóstolos recebem ao serem tocados pelo Espírito Santo em Pentecostes. Diversos conflitos sobre moralidade e heroísmo entre Steve e Diana também caem na natureza do homem não conseguir compreender as ações de Deus.
E a principal delas: o amor. Diana, assim como o Espírito Santo, deixa claro que possui sentimentos pesarosos pela dor da humanidade, ela se emociona com o que temos para oferecer. O dom do amor e a escolha nessa crença a tornam a verdadeira representação do Espírito Santo na obra.
Também é bastante óbvia a representação do Diabo em Ares. Um agente das sombras, manipulador e cínico que se redime de culpa a todo momento. Assim como o Diabo tenta seduzir Jesus, o mesmo acontece no primeiro diálogo com Diana e Ares. Àqueles sob sua influência tornam-se os malfeitores completos, possuídos. E justamente por isso, o diálogo piegas que Diana proclama antes de matar Ludendorff tem ares carregados de um monólogo exorcista.
Em sua relação com Ares ela o chama de irmão se dirigir a ele, remetendo a divindade que ambos possuem, sendo que Ares como representação de Lúcifer é um ser que como todos os anjos partilha da essência de Deus, bem como o ES. Daí essa noção de irmandade entre eles.
A Primeira Paixão de Diana Prince
Mulher-Maravilha é um arrasa quarteirão que ronda nas rotas da segurança. O respiro necessário provou-se um verdadeiro acerto da DC, assim como a indicação de Patty Jenkins na direção cujo trabalho só reservo elogios, pois se trata de uma competência verdadeiramente completa. Apesar do roteiro não surpreender muito e trilhar caminhos tortos nos últimos atos pouco caprichados, a história de Diana Prince não poderia ser melhor ilustrada no cinema. São problemas pequenos demais para uma obra tão completa.
Uma história fantástica de autodescobrimento embalada com tudo que um blockbusters precisa e muito mais. Esse “mais” dedico para a surpreendente trilha musical de Rupert Gregson-Williams que consegue fugir da obviedade em diversas faixas, além de raramente apostar no uso da já consagrada música tema.
Assim quase como no filme, Diana Prince demorou 75 anos para aparecer no mundo dos cinemas. Uma espera que foi recompensada com muito estilo, graça, poder e, principalmente, heroísmo. A era dos deuses da DC finalmente começa. Que assim permaneça por um bom tempo.
Mulher-Maravilha (Wonder Woman, EUA – 2017)
Direção: Patty Jenkins
Roteiro: Allan Heinberg, argumento de Jason Fuchs, Zack Snyder e Geoff Johns
Elenco: Gal Gadot, David Thewlis, Connie Nielsen, Robin Wright, David Thewlis, Danny Houston, Elena Anaya, Lucy Davis, Ewen Bremer, Doutzen Kroes, Saïd Taghmaoui, Eleanor Matsuura, Mayling Ng, Samantha Jo, Eugene Brave Rock
Gênero: Ação, Aventura
Duração: 141 min
https://www.youtube.com/watch?v=I6Gj8Fvukk4
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Crítica com Spoilers | Esquadrão Suicida - Um festim diabólico para o espectador
Piores heróis. Melhor marketing. Filme medíocre.
A Warner certamente explodiu a internet com a repercussão da mídia e dos embates fervorosos entre os fãs da DC após o lançamento de Batman Vs Superman. Um fato que marcou e se provou divisor de águas de dentro do estúdio. Entre diversos burburinhos, medo da recepção crítica e monetária após a enorme decepção que foi a bilheteria de BvS que não atingiu a tão almejada marca do bilhão de dólares, a espera por Esquadrão Suicida foi angustiante tanto para o público como para os executivos da produtora.
O medo, as incertezas e as consequências do resultado de BvS acabaram afetando a produção do novo filme do universo cinemático da Dc Comics. Já preparado para a pós-produção, foram ordenadas refilmagens de alguns segmentos do filme que muitos suspeitaram ter o propósito de inserir mais humor na narrativa. Embora o estúdio tenha se pronunciado que tinha o intuito de encaixar mais sequências de ação.
Em meio a tudo isso, a campanha de marketing do filme foi uma das mais agressivas que a Warner havia feito nos últimos tempos. Ganhou mais propaganda que até mesmo Batman Vs Superman. Ficou claro que apostaram muitas fichas no sucesso do longa liberando material massivo enquanto não revelavam praticamente nada da história do filme.
Com tantas jogadas certas, elenco escolhido a dedo, diretor com nome forte, premissa inovadora e interessante, o que poderia dar errado a Esquadrão Suicida? Bom, de diversas formas, muitas coisas deram errado como se pode perceber pela recepção avassaladora da crítica internacional. Infelizmente, ao contrário do caso de Batman vs Superman, concordo com boa parte dos meus colegas de trabalho.
Como na maioria dos filmes, os problemas se concentram no roteiro. Após a morte de Superman, Amanda Waller, uma das agentes mais inescrupulosas do governo, preocupa-se com a próxima super ameaça que o planeta poderá enfrentar. Temendo o pior, propõe uma das soluções mais inusitadas de todas: criar um grupo constituído por vilões habituais do Batman e de outros meta-humanos ainda desconhecidos.
Em uma reunião para convencer outros dirigentes da secretária de segurança dos EUA, Waller demonstra o poder de uma integrante da equipe que pretende montar: Magia. Após todos ficarem embasbacados com as possibilidades que vilã pode trazer, dão sinal verde ao projeto. Então Waller monta seu esquadrão escalando Pistoleiro, Arlequina, Crocodilo, Capitão Bumerangue e Amarra - baita personagem com destino telegrafado, liderados sob o comando de Rick Flag protegido por Katana. Em uma reviravolta ligeira que explora um furo do plano de Waller, Magia se rebela e consegue libertar seu irmão aprisionado. Juntos, decidem destruir toda a humanidade.
Sem pestanejar, Amanda ativa a Força Tarefa X – a.k.a Esquadrão Suicida – para conter o caos que Magia está causando em Midway City.
They don't speak "good movie"
Não é preciso esperar muito para notar os primeiros problemas com o filme. Boa parte deles estão concentrados no primeiro ato quando Amanda se junta para jantar com alguns homens importantes do governo, já contando sobre seu plano de reunir os vilões mais excepcionais que ela possui capturados. Nisso, começa o bombardeio de estímulos visuais intensos que guiam essa primeira parte.
A cada personagem que Amanda cita, David Ayer, roteirista e diretor, insere sua merecida apresentação através de flashbacks que mostram a captura de cada um deles. Nisso, há momentos interessantes, porém ligeiros demais como a perseguição de Batman a Coringa e Arlequina. Aliás, é justamente o flashback dela que há mais tratamento para uma história de origem da personagem. Assim como o bom momento da perseguição, Ayer trata tudo com extrema rapidez através de diálogos muito fracos onde deveriam ser um verdadeiro trunfo de cena como na sessão de terapia de Arlequina com Coringa no Asilo Arkham.
Nessa mesma sequência, há outra destinada para apresentar o Coringa de Jared Leto ao público. Uma apresentação que passa longe da perfeição cinematográfica que Christopher Nolan criou para revelar a assombrosa atuação de Heath Ledger. Nela, Ayer abre uma trama secundária totalmente descartável envolvendo o Coringa tentando resgatar Arlequina ao decorrer da aventura do filme. Trata-se de fanservice, mas de má qualidade servindo como filler já que explora pouco ou nada da relação dos dois. De pouco que vimos, nota-se claramente que a inspiração vem das aventuras de Batman: A Série Animada, acompanhada de tom um tanto mais adulto.
Ao menos, quem brilha é Margot Robbie trazendo à tona a Arlequina irritante, histérica, psicótica, imprevisível, mas ao mesmo tempo com pequenos episódios de lucidez que marcam a personagem desde sua concepção por Paul Dini na série animada do Batman nos 1990. Robbie rouba a cena apostando em toda a caricatura da personagem, valorizando muito de sua expressão corporal expansiva.
Já o Coringa de Leto é um retrato um pouco mais complicado.
Nota-se que o ator se entregou ao Palhaço Príncipe do Crime por completo, porém o texto de Ayer não colabora muito com o personagem, pois parece não saber bem o que fazer com ele ou de definir o tom que guiará essa versão no restante dos filmes desse universo. Leto e Ayer trazem um Coringa bastante distinto para esses novos tempos. Do que vimos, é possível depreender que se trata de um personagem bastante racional, que acumula posses e comanda grandes operações criminosas de esquemas de tráfico e roubo. Logo, dentro da racionalidade desse Coringa, ele toma ações previsíveis a partir do momento que entra em cena.
Nisso, o ator aproveita bastante do design que criaram para o personagem repleto de tatuagens as utilizando para se expressar. Leto e Ayer também parecem interessados em construir um relacionamento estável – ainda que nada saudável, entre Coringa e Arlequina. Algo que causará estranheza para quem acompanha a vida conturbada do casal palhaço. O roteiro também não consegue trabalhar isso de modo adequado, apenas tornando Arlequina em um pseudo macguffin para mover Coringa na narrativa.
Obviamente, Jared Leto não decepciona no papel, mas com certeza trata-se de uma atuação eclipsada pela lembrança de Heath Ledger. Leto acerta com seus olhares insanos e sorrisos monstruosos enquanto solta alguns grunhidos que remetem a trejeitos das atuações caricatas de Johnny Depp. Assim como Robbie, ele aposta na expansividade da expressão corporal de seu Coringa que adora encostar, roçar e apertar a face de suas vítimas – por vezes, com carícias que podem denotar até uma essência bissexual já que se trata de um personagem muito erótico. No mais, é um desafio dizer se é fácil gostar dessa nova versão.
Com Pistoleiro, há um drama humano bem mais próximo e palpável para o espectador, afinal ele é a figura mais próxima de um protagonista – além de Will Smith ajudar a carregar muito bem diversas cenas do filme com os diálogos rápidos com gírias tradicionais de gangues. Seu começo é fantástico, explorando a dualidade da vida como assassino e também como pai de uma pequena garotinha que se revela sua única fraqueza. Em um bom enquadramento, Ayer atinge o pico do drama quando Batman captura o criminoso enquanto passeia com sua filha. Uma pena que boa parte do desenvolvimento do Pistoleiro permaneça em escanteio até o fim do longa.
Já com essas duas longas inserções, os trejeitos de videoclipes das sequências – toda vez que uma se inicia, imediatamente uma música pop que define o tom do personagem surge – começam a nos cansar e Ayer tem ciência disso. Então partimos para o restante dos integrantes do esquadrão como Magia, Rick Flag, Crocodilo, Capitão Bumerangue e El Diablo com distinta rapidez. Então define-se pouco sobre esses personagens. O espectador apenas os conhece através dos letreiros coloridos e afetados que trazem algumas informações relevantes e engraçadinhas.
Esse primeiro ato também ganha mais movimento e agilidade por conta da interpolação da imagem. Ayer opta por montar essas apresentações videoclipe intercalando com pequenas cenas dos bandidos vivendo na prisão de Belle Reve, em seus flashbacks enquanto visita a cena de Amanda jantando com os outros agentes. Logo, é fácil ficar perdido entre tanta perambulação em linhas temporais e pontos de vista diferentes. Realmente a montagem nos estranha por conta disso, mas não chega a ser algo bizarríssimo e incompreensível. Só exige mesmo muita atenção.
Ayer levou a questão do Novo Blockbuster para outros patamares aqui, então se a falta de estabelecimentos de personagens em Batman vs Superman lhe incomodava, certamente te afetará mais uma vez. Como boa parte deles não recebe qualquer segmento dedicado a um backstory de origem, o diretor opta mesmo na interação entre o grupo. Porém, justamente nisso que poderia levar o filme para os mais criativos e audaciosos ares – justamente por serem vilões – Ayer mais recorre a muitas piadinhas que raramente funcionam, além do apostar em diálogos expositivos rasos, chatos e repetitivos.
Repare na quantidade absurda vezes que algum deles fala que o Pistoleiro é bom de bala, ou como a Arlequina é doida de pedra ou sobre o fato de serem um grupo de malvadões insanos. São tantas vezes que dá para fazer um drinking game. O fato disso acontecer enche tanto a paciência porque já sabemos através das ações desses personagens que eles não são heróis, além de termos comprado o ingresso para o filme chamado Esquadrão Suicida e não do filme Trupe da Alegria.
Voltando à história, para mover sua narrativa, Ayer abusa de conveniências narrativas para fazer o plano de Magia dar certo ao burlar o método de contenção de Amanda Waller – ela controla a bruxa ameaçando apunhalar o coração que carrega consigo, algo muito similar a toda relação Davy Jones com a Cia. Das Índias Ocidentais em Piratas do Caribe: No Fim do Mundo. Libertando seu irmão, preso em uma armadilha vodu da qual Waller estranhamente não protege, Magia consegue resolver os problemas vindos da ameaça de a matarem esmagando seu coração por conta de razões das quais o roteirista não se importará em explicar. Afinal, um problema tão vital como esse, realmente não necessita de qualquer justificativa, não é mesmo?
Ao menos, esse erro de Waller acaba enriquecendo a personagem e tornando a mais próxima de sua versão nos quadrinhos, afinal ela sempre acha que está em pleno controle de tudo quando na verdade as forças superiores sempre lhe escapam pelos dedos. Um discurso de impotência que deveria deixá-la mais complexa, porém esse ponto nem é devidamente explorado. Se não fosse a força da atuação de Viola Davis, Waller seria mais uma personagem descartável no filme.
Resolvendo tudo em um passe de mágica, Ayer piora a situação da principal antagonista do filme ao torna-la em uma máquina mortífera. Sem nenhuma motivação, Magia e seu irmão começam a criar um equipamento que visa destruir o mundo. A razão, segundo a personagem é: “Eles não nos veneram mais. Veneram máquinas. Então faremos uma máquina que destruirá a todos”. Simples assim. Depois disso, ele demora a voltar ao núcleo dela e do irmão. Somente revelando o processo de criação de seu exército genérico cuja função é inserir mais cenas de ação ao filme.
A interessante relação entre Rick Flag e a arqueóloga June – humana que serve como receptáculo para Magia, desaparece em meio a trama. Aliás, pouquíssimo é explorado desse núcleo cheio de potencial. Enquanto David Ayer abusa das conveniências narrativas com Magia, se preocupa em justificar as ações dos outros integrantes do esquadrão excetuando os alívios cômicos vindos por Capitão Bumerangue e Crocodilo – ambos ótimos atuações excelentes de Jai Courtney e Adewale Akinnuoye-Agbaje.
Os mais atingidos por isso com certeza são Pistoleiro e Diablo. Pistoleiro, típico cabeça quente, acaba caindo nas provocações de Rick Flag tendo um vício bastante similar ao que Hancock possuía – personagem também interpretado por Will Smith. Então, entre os conflitos através em Midway City, Pistoleiro age heroicamente para provar seus pontos e sua vaidade.
Já com Diablo, temos, enfim, o melhor trabalho que Ayer dedicou aos personagens – o que é muito bizarro já que ele morre no clímax. Seu conflito principal é um dos mais clichês, mas que rendem bons dramas: o clássico “não quero usar meus poderes, eles já causaram muito mal e perco o controle com facilidade. ” Porém, a razão disso existir rende um dos melhores momentos em um bom flashback mostrando como o padrão criminoso da vida deles é incompatível com o sonho de uma rotina normal.
Aliás, esse conflito sobre o desejo de ser normal é algo recorrente na obra explicitado na única cena onde temos um bom desenvolvimento para Pistoleiro, Arlequina e principalmente Diablo. Nele, as representações bíblicas presentes nas obras anteriores de Snyder, ganham vida. O personagem é profundamente religioso, já pecou demais e agora vive em penitência para se redimir de suas tragédias – além do medo de usar seu poder. Mesmo bem desenvolvido e relevante, é triste notar que Ayer desperdiçou qualquer relação que El Diablo poderia ter com Crocodilo, afinal ambos são meta humanos que nasceram com poderes destrutivos, além de optarem pelo crime por fatores externos, alheios a “maldade” do espírito de cada um – para entender isso, é preciso saber um pouco mais dos personagens além do que é apresentado no filme já que Crocodilo sai bastante prejudicado em termos de narrativa.
Também é curioso como o roteirista lança um drama genuíno para Katana, praticamente uma história de tragédia oriental que apostava que acabaria com um episódio harakiri. Assim como outras boas ideias, esse elemento se perde em meio a tantos tiroteios.
Após essa boa pausa para o desenvolvimento catártico dos personagens, enfim, a narrativa caminha para seu desfecho a partir de um plano bastante absurdo de Rick Flag. É legal notar como Ayer não deixa não personagem como puro inocente. Flag e Waller, os mocinhos da fita, também cometem atos tão questionáveis quanto os dos vilões. Para chegar ao clímax, Ayer usa mais uma vez Amanda Waller como macguffin, obrigando o grupo a salvá-la pela segunda vez – ainda que haja um motivo mais egoísta por parte de Flag.
No confronto final com Magia, há um momento clichê que rende uma sequência cômica bastante criativa. Uma pena que assim como o restante da ação do filme, a luta não empolga, se dilata demais e ainda usa um enorme deus ex machina com uma transformação conveniente dos poderes de El Diablo. Assim como tudo no filme, o clímax se resolve com uma explosão.
A Sina Indie
Na direção, Ayer até consegue criar um estilo visual bastante próprio e rico para o filme que por vezes aposta na sobriedade monocromática da fotografia, assim como arrisca com tons coloridos ricos. Até mesmo em questões mais interessantes no posicionamento das luzes como o uso de contraluzes são acertadas no clímax. Enfim, o visual é bacana, rico e tem muito mais identidade que diversos outros filmes contemporâneos.
O problema da técnica não reside na fotografia e sim na direção de David Ayer. Novamente, temos um diretor de filmes menores realizando blockbusters que poucos diretores conceituados querem fazer. Nisso, saíram abominações no trabalho de direção com Colin Trevorrow, Josh Trank e Duncan Jones – somente Gareth Edwards conseguiu segurar as pontas com Godzilla. Assim como os outros diretores, Ayer tem diversos problemas em questões vitais como o planejamento de seus planos, encenação e tom do filme.
Graças a algumas matérias que vieram à tona ontem, ficou claro que os executivos interferiram e muito na atmosfera do longa por conta da reação negativa de BvS ordenando dois cortes do filme sendo que uma delas foi feita por uma empresa especializada em trailers. Vendo que a versão mais “sombria” de Ayer não agradava o público, logo tentaram misturar a roupagem light cômica com as peças do trabalho original que conseguiram agradar. Então, assim, temos este Esquadrão Suicida, um filme totalmente esquizofrênico que não consegue encontrar seu tom.
O primeiro ato tão impulsivo, frenético e histérico buscando o riso a todo momento morre quando a trupe chega a Midway City. As duas partes do filme não conversam. E, pior, é possível notar onde que as refilmagens se encontram nas sequências. Repare que em meio a ação desenfreada, sempre há um plano separado, um reaction shot, de algum integrante do esquadrão lançando uma piadinha solta. Nem é preciso disser o quão destoantes são esses momentos.
Em outro segmento, também é possível notar uma nova sequência de ação. Depois do primeiro encontro com os soldadinhos de design péssimo da Magia, Ayer embala três sequências de ação seguidas. A segunda, envolvendo uma luta em um prédio, é enfadonha e bastante redundante. Uma pena a cena existir em um momento que poderia ser utilizado como respiro de narrativa para desenvolver os personagens. É tudo tão rápido e ligeiro que só acalma quando eles entram no bar – graças aos céus que mantiveram essa cena na versão final.
A ação do longa é capaz de divertir nos primeiros minutos, porém a falta de inventividade do diretor prejudica muito o restante delas, incluindo o clímax. Apesar das coreografias serem razoáveis e ele usar diversos planos com efeitos de slow motion, Ayer trabalha sua câmera como se fosse um andador para sustentar senhores de 90 anos.
É bastante evidente que o espectador comum está mais interessado no roteiro do que no trabalho de câmera do filme, porém se reparar por algum segundo, o filme perderá ainda mais o pouco brilho que possui. O motivo é simples: Ayer usa a câmera apenas como transmissor de sua mensagem, nunca como parte criativa dela. Até mesmo os cineastas do expressionismo alemão de 1920 conseguiam encarar a câmera de modo mais criativo do que ele faz aqui.
Fácil exemplificar isso. Qualquer um que tenha visto a O Cavaleiro das Trevas lembra da primeira sequência que Nolan apresenta o Coringa de Heath Ledger. A câmera e a decupagem trabalham com elegância no refinamento cinematográfico que, por ventura, nos afeta diretamente resultando no magnetismo da cena. Em Esquadrão Suicida, Ayer coloca um plano de Arlequina dançando no pole dance, depois corta para um plano geral capturando a mesa de bar onde Common falará com Coringa. Já nesse plano, podemos ver Coringa pela primeira vez no canto do enquadramento. Pronto. É isso. Essa é a apresentação do novo nêmesis do Batman de Ben Affleck. Completamente sem sal, sem criatividade, sem magnetismo algum.
E isso persiste no filme inteiro. A ação acontece na frente da câmera, enquanto ela apenas registra através de uma sucessão mecânica de decupagem. Ainda assim, a linguagem tem lógica e é construída com cuidado – não se trata de algo desleixado, apenas fraco mesmo. Ayer praticamente nunca remove sua câmera do tripé, usa pontos de vista convencionais e movimenta a câmera para gerar algum dinamismo à forma quadrada da sua concepção de mise en scene. Ou seja, mais uma área do longa é esquizofrênica, já que temos muita acuidade estética na fotografia, no impecável design de produção, nos belos efeitos visuais e do trabalho excelente dos figurinos enquanto a câmera registra tudo do modo mais apático possível.
Logo, é difícil ficar apreensivo pelo grupo, já que a linguagem visual criada não consegue surtir os menores efeitos de atmosfera básicos. O que é impressionante para um cineasta como David Ayer, já que em todos os longas deles, conseguia realizar um trabalho muito competente nesse aspecto. Basta ver os clímaces de Marcados Para Morrer e Corações de Ferro. Ou o diretor travou diante do blockbuster ou foram os produtores que travaram ele – particularmente, eu prefiro acreditar na segunda alternativa.
Não bastasse a ação ser repetitiva e cansativa, o diretor erra ao exagerar a dose durante a catarse de Pistoleiro que ocorre durante um imenso slow motion nos momentos finais do filme. Mesmo falhando no seu papel inventivo na câmera e encenação, Ayer continua sendo um mestre em extrair o melhor de seu elenco. De todos os atores, apenas dois decepcionam: Joel Kinnaman com seu Rick Flag sem graça e Cara Delevingne interpretando Magia cheia de samba no pé. Apesar de se movimentar bastante e abusar da expressão corporal, Cara mantém sua tradicional cara de paisagem na maioria de suas cenas.
Além do trabalho excepcional com o elenco, Ayer escolhe bem as músicas licenciadas do filme. Não atinge o espírito de Guardiões da Galáxia como pretendia, mas modernizar a trilha com as canções que conseguem injetar energia para o começo do filme. Diante delas, a trilha original de Steven Price acaba ofuscada. Apesar da boa seleção, Ayer também exagera na dose. Raramente temos algum momento de silêncio no filme. As trilhas originais e licenciadas se intercalam a todo momento, além da mixagem do longa já apostar em efeitos sonoros muito altos.
Esquadrão Suicida poderia ser outro marco para o cinema de super-heróis, pois potencial tinha de sobra. Infelizmente, consegue ser apenas uma experiência ora divertida, ora enfadonha. Sua história rasa e bastante vazia não consegue segurar bem a enorme redundância dessa primeira missão do esquadrão – eles fazem o trabalho dos super-heróis, não o trabalho do esquadrão suicida. Depois das revelações sobre a conturbada produção do longa, está na hora dos executivos do estúdio acreditarem mais em seus realizadores cinematográficos em vez de temer o clima ou pegada que eles propõem para a história. Não há mal algum em ser diferente.
Se continuarmos a ver os produtores colocarem os pés pelas mãos com Mulher-Maravilha, o futuro do UCDC não será uma divertida piada descolada e colorida, mas sim um verdadeiro projeto suicida. Torço para que a reação causada pelo filme não venha a prejudicar o próximo. Se acontecer, poderemos testemunhar um final muito amargo para essa fase heroica e corajosa da DC nos cinemas.
P.S.: há uma cena após os créditos animados que deixa muito evidente como esse filme se trata de um belo tapa buraco no calendário dos lançamentos DC. Mas foi uma decisão que tem sua lógica dentro do universo cinematográfico da editora.
Esquadrão Suicida (Suicide Squad, EUA – 2016)
Direção: David Ayer
Roteiro: David Ayer
Elenco: Will Smith, Margot Robbie, Jared Leto, Viola Davis, Joel Kinnaman, Jai Courtney, Cara Delevingne, Adewale Akinnuoye-Agbaje, Jay Hernandez, Karen Fukuhara, Adam Beach, Scott Eastwood
Gênero: Ação
Duração: 123 min
https://www.youtube.com/watch?v=8pYp4T8TdP4&t
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