Crítica | Planeta dos Macacos: A Guerra
Raramente inicio um texto desse modo. Mas há momentos em que vale a pena quebrar as convenções de uma introdução. Planeta dos Macacos: A Guerra é um desses casos por um motivo muito simples: esse filme está além da cortina de incertezas para afirmar, desde já, que se trata de uma das obras mais memoráveis que já surgiram na Sétima Arte.
Conheço os riscos de afirmar algo assim tão prematuramente. Filmes históricos demoraram décadas para serem reconhecidos e verdadeiramente apreciados, como foram os casos de Blade Runner e Cidadão Kane. Em termos de História recente, digo que a obra-prima de Matt Reeves é o blockbuster mais relevante de um estúdio desde 2008, quando a Warner e Christopher Nolan lançavam o majestoso O Cavaleiro das Trevas, um filme que é praticamente uma unanimidade quando analisado e já concretizado como um dos pilares da cinematografia americana do novo milênio.
O mesmo deve acontecer com a parte final da trilogia excepcional que a Fox e Matt Reeves construíram ao longo desses anos. O motivo desse filme quebrar a banca é muito simples: coragem e audácia. Coisas que raramente vemos em grandes produções hollywoodianas mais acostumadas a convenções narrativas fracas e obras mastigadas atualmente. Aliás, esse é o destaque da 20th Century Fox como um todo nesse ano imbatível. Mesmo com obras muito polêmicas, o estúdio cavou um caminho interessante com narrativas pouco convencionais como A Cura, Logan e Alien: Covenant.
Com segurança, Planeta dos Macacos: A Guerra faz parte dessa linha de pensamento do estúdio, embora nenhum outro lançamento chegue perto da qualidade indubitável que Matt Reeves apresenta nesse que, até então, considero como o segundo melhor filme desse ano.
A Origem do Confronto de uma Guerra
É curioso notar que o nome de Matt Reeves não está dentre os produtores do filme. Parece que houve uma junção criativa sem igual para preservar uma narrativa que, apesar de bastante comunicativa e clara para o público, é tão rara para um filme desse porte. O momento que Guerra aborda também pode ter propiciado uma virada tão favorável ao que é visto em tela: silêncio, contemplação, psicopatia e espírito humano.
Pela primeira vez em anos e na franquia, Matt Reeves assina o roteiro da obra, em conjunto com Mark Bomback. Para encaminhar essa história, Reeves opta por oferecer uma introdução similar a que havíamos visto em Confronto, porém, de abordagem mais sutil, retomando a história da trilogia através de curtos parágrafos.
Neles, também há uma pequena sinopse que oferecerei aqui: César e sua comunidade vivem em isolamento na floresta. Porém, um general veterano caça seu grupo. Apenas o extermínio é desejado. Através dessa violência, com perdas de ambos os lados, César terá que lidar com os seus piores sentimentos que motivam uma jornada pessoal por vingança e morte.
E é somente isso que ofereço sobre Guerra. Essa é uma daquelas produções que quanto menos souber, melhor ela fica. Justamente por isso, usarei a abordagem que mais odeio nesse texto: ser consideravelmente vago até que o filme estreie e toda a análise seja aprofundada com a abordagem analítica que merece.
O que mais impressiona dentro do texto de Guerra é quão impossível é dissociar a narrativa da estupenda direção de Matt Reeves. Isso é fato por conta do caráter extremamente silencioso da obra. É uma progressão natural dentro da trilogia que passou a ver cada vez menos falas. Dessa vez, não há núcleos humanos. Reeves opta em oferecer um estudo de personagem rico para César quase nunca abandonando o ponto de vista do protagonista.
As únicas vezes que isso ocorre, é para justificar algum ponto narrativo que terá influência importantíssima em uma resolução de arco no futuro. Mesmo com poucas palavras, Reeves delineia um desenvolvimento nítido para César com reviravoltas surpreendentes que tocam temas sensíveis em paralelo a História da humanidade. A jornada por vingança não entra em clichês de filmes de ação. Na verdade, o que ocorre aqui, é uma desconstrução de convenções narrativas do gênero.
Não serão raras as vezes que o diretor subverterá as expectativas do público. Isso toca até mesmo a própria premissa do filme em uma jogada muito audaciosa do estúdio. Porém, não se trata de uma enganação. O payoff explosivo está lá para os apreciadores de boa ação, mas Guerra é muito mais do que algumas setpieces caríssimas e bem dirigidas.
Pela performance excepcional de Andy Serkis como César auxiliada sempre pela encenação poderosíssima, raramente os roteiristas precisam recorrer a cenas que jorram exposição na cara – há somente uma, mas excelente. Isso ocorre por conta de Reeves tratar a trilogia inteira como uma unidade. Nós já sabemos quem é César e a filosofia que predomina em sua sociedade primitiva: macaco não mata macaco e macacos são fortes unidos.
Em Confronto, essa filosofia foi posta à prova, explorando o pior que a psique dos primatas ofereciam, de modo similar ao pior do pensamento humano. Aqui é o contrário com César flertando com a autoridade para proteger seu grupo mesmo que isso custe seus princípios. Então temos mais um filme que o conflito externo se trata de uma enorme alegoria para a guerra interna moral que César sofre em sua jornada.
O estopim inicial que dá origem a essa narrativa é consequência do filme anterior, reforçando o elo forte entre os filmes – no caso, deste com o segundo. Mas a preocupação do roteirista não é apenas com César. Os coadjuvantes, entre novos e antigos personagens, tem funções específicas para auxiliar no desenvolvimento do protagonista, pois sem alguns dos conflitos intelectuais apresentados aqui, as ações de César não seriam tão sentidas como são.
O destaque continua para Maurice, o orangotango de olhos gentis, a muda garotinha sem nome e para o Bad Ape, o único alívio cômico de toda a narrativa que surge apenas no final do segundo ato. Cada um tem o propósito específico de resgatar a luz no coração do protagonista cada vez mais tentado para a escuridão e infelicidade – isso é muito bem justificado na história.
Com começo e miolo praticamente sem falas devido à falta de humanos e de outros símios que conseguem se comunicar verbalmente – apenas César fala perfeitamente e Bad Ape constrói algumas frases, resta ao final a maior quantidade de bons diálogos. É nele que temos enfim a apresentação do antagonista principal, o Coronel interpretado no tom certo por Woody Harrelson.
Aliás, essa é uma das grandes marcas do roteiro de Guerra: o núcleo humano apenas no tempo necessário. Isso é um grande acerto. Mesmo gostando dos personagens de Confronto, muitas vezes o filme caia em clichês típicos para provocar tensão. Agora com um mundo muito mais deserto, selvagem e sem leis, o personagem do Coronel e sua tirania caem como uma luva. Em apenas uma cena, Reeves e Bomback conseguem delinear todo um passado crível, estabelecer uma nova ameaça, motivar genuinamente o vilão, além de sugerir uma enorme subversão de expectativa – um pedigree dessa franquia. Ao fim, o terceiro inteiro torna-se outra alegoria bebendo na fonte bíblica do Livro de Êxodo. Sim, é sensacional a esse ponto.
A Consagração de um novo Mestre
A trajetória profissional de Matt Reeves é inspiradora. Mesmo fracassando horrivelmente em sua estreia na comédia romântica O Primeiro Amor de um Homem, Reeves não se deu por vencido. Ainda orbitou a indústria dirigindo pouquíssimos episódios de seriados. O ponto da virada foi mesmo com Felicity, seriado que criou com o amigo J.J. Abrams em 1998. Bom, na verdade seria a origem do ponto da virada.
Com o parceiro J.J. Abrams crescendo na indústria com sua produtora Bad Robot, Reeves viu a chance de ouro bater à sua porta quando convidado para dirigir o ótimo Cloverfield: Monstro em 2008. Com o sucesso do found footage, não demorou nada para ser convidado a um novo projeto de terror: Deixe-Me Entrar em 2010, remake do sueco sensação Deixe Ela Entrar.
Novamente, outro filmaço. Somente em 2014 que teríamos um novo filme do curioso diretor: sua primeira incursão na franquia Planeta dos Macacos. Como um bom amigo sempre fala, o segredo da boa direção está no planejamento. E isso leva muito tempo. Consequentemente, por filmar muito pouco, Reeves tem um aproveitamento invejável se colocarmos seus longas na balança.
Com 3 anos de hiato, a aguardada consagração vem com a obra-prima que é a parte final dessa trilogia. Reeves caminha na contramão das tendências estilísticas adotadas por inúmeros diretores de blockbusters de verão. Guerra tem toda a roupagem de um filme do Cinema Clássico, mas com um ritmo de narrativa mais acostumado a filmes indies e, talvez, até arthouses. Mas não se engane, ainda se trata da boa e velha narrativa clássica, mesmo que bastante calada.
O trabalho de câmera é sucinto, opta sempre por grandes profundidades de campo – menos em cenas tensas nas quais o grupo passa por algum perigo, movimentos lentos, passagens de foco elegantes. É a direção spielbergiana Chapman crane que tanta gente adora. Com tudo tão elegante e poderoso, o magnetismo visual da obra e tremendo mesmo sem recorrer a contrastes coloridos saturados. Saímos do verde para o ocre terminando com o branco azulado de um inverno deprimente ao longo de toda a viagem com César.
Tudo isso é o visual contando uma história por si só. Para delinear o ódio de César com o Coronel, temos o primeiro encontro poderosíssimo dessas duas figuras. Ali, é explicita a homenagem de Reeves ao cinema western e samurai com os enquadramentos dos olhos de ambas as figuras preenchendo toda a tela. O ódio pulsa e a montagem responde com trocas lógicas de planos estabelecendo uma estrutura clássica dos impasses entre o herói e o opressor nos duelos finais de tantos faroestes americanos. Evidentemente, por essa situação acontecer no início do filme, há essa subversão do próprio uso da linguagem. É belo.
Outro ponto que entre em força plena durante a viagem é o olhar do cineasta para conferir o realismo de um mundo humano que já virara história. O cenário pós-apocalíptico entra no embate clássico de civilização vs. natureza com esta já conquistando e enterrando tudo o que o homem já amou um dia. São pinceladas inorgânicas dentro de uma paisagem exuberante que só afirmam o quão desconexo é o homem perante esse ponto sem volta. Isso rende imagens melancólicas, mas profundamente belas que tocam o nível de reflexão sem precisar proferir palavra alguma. É a valorização do sentido mais valioso do Cinema: a visão.
E isso é afirmado por sucessivas vezes pelo diretor. O olhar é sempre muito valorizado como já dito pelo jogo de plano/contraplano com César e o Coronel. O outro momento desse tipo é justamente o oposto do mencionado focado em ódio. Neste, com Maurice conquistando a confiança da menininha amedrontada. São olhares que começam discrepantes: um de curiosidade e outro de medo. Mas que, aos poucos, se alinham até atingir olhares de compaixão e confiança.
É por conta justamente dessa transmissão tão pura de sentimentos que também se deve muitos parabéns para a Weta que se superou com o trabalho de animação e texturas para os macacos. Há sim momentos de CGI medíocre, mas em grande maioria, a riqueza de detalhes deixa qualquer um embasbacado.
Há mais por trás da direção de Reeves que merece ser levantado sim, mas isso toca o cerne dos spoilers da obra. Uma das coisas mais legais de ver, é a valorização do trabalho de iluminação a ponto de fazer parte de uma das sequências-chave da obra tornando a fotografia uma peça ativa da narrativa – isso é algo que Reeves preserva desde Cloverfield.
Algo também bastante clássico na sua encenação é o uso da trilha musical soberba de Michal Giacchino que merece uma indicação ao Oscar pelo trabalho. O uso de instrumentos de percussão, obviamente, marca a trilha inteira, porém, além de preencher o vazio deixado pelos poucos diálogos, a música pontua a encenação.
Geralmente, isso é visto com maus olhos pela crítica, pois se trata de uma guia muito poderosa de sentimentos. Mas nem com isso é possível criticar a fantástica direção de Matt Reeves. Tudo ocorre de modo muito orgânico e, quando acontece explicitamente, você já está tão mergulhado na obra que praticamente não se importa.
Experiência Cinematográfica
A experiência de imersão cinematográfica mais competente do ano até agora está centrada nesse excelente filme. Planeta dos Macacos: A Guerra já se trata de uma das obras marco já trazidas pelo blockbuster americano. Com proposta bem interessante, narrativa corajosa, ritmo contemplativo e subversão de expectativas enraizadas por grandes produções menos audaciosas, Guerra triunfa em todos os sentidos. Mas o principal vencedor, como em todo grande filme, é o espectador.
Planeta dos Macacos: A Guerra (War for the Planet of the Apes, EUA – 2017)
Direção: Matt Reeves
Roteiro: Matt Reeves, Mark Bomback
Elenco: Andy Serkis, Toby Kebbell, Judy Greer, Woody Harrelson, Steve Zahn, Ty Olsson, Amiah Miller, Karin Konoval
Gênero: Ficção Científica, Drama, Thriller
Duração: 130 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=QzgWDG4QviU
Leia mais sobre Planeta dos Macacos
Escute o melhor da trilha musical de Interestelar
Christopher Nolan está de volta com o soberbo filme Dunkirk. Mas não somente ele está de volta: o mito Hans Zimmer retorna com outra peça musical fascinante.
Porém, no fim de 2014, Nolan e Zimmer conseguiram trazer uma das melhores trilhas musicais já feitas para um filme na História. A trilha de Interestelar é nada menos que mesmerizante e um prazer imenso de escutar de tão bela, mesmo em seus tons mais alienígenas e assustadores.
Por isso, nessa sexta-feira, antes de embarcar na nova aventura histórica de Nolan, eu pergunto a você: já separou uns minutos do seu dia para escutar essa maravilha mais uma vez? Não?! Então não custa nada deixar essa guia aberta enquanto trabalha ou procrastina na internet para se envolver novamente na magia musical de Hans Zimmer. Um fã condensou os melhores segmentos dos 96 minutos de música em um medley com menos de meia hora.
Escute, se emocione e se inspire para grandes feitos ouvindo uma das obras-primas de toda a carreira de Hans Zimmer.
https://www.youtube.com/watch?v=iBfk37Fa3H0
O que é o Tesseract? | O final de Interestelar explicado
SPOILERS!
Isso será complicado, já aviso.
Interestelar é um filme que se baseia fortemente nos princípios atuais das ciências da Física moderna, além de mostrar teorias que ainda não foram comprovadas em experimentos científicos. Apenas suposições que vão nortear todo o futuro da Ciência nas próximas gerações.
Se discutiu bastante durante o frisson da estreia do novo longa de Christopher Nolan se Cooper tinha criado um paradoxo ao traçar seu próprio destino enquanto estava no Tesseract, dentro da singularidade do buraco negro de Gargantua. Logo, se ele mesmo guia a humanidade para a salvação, indicando o caminho para a NASA ,o jogando novamente em direção aos fatos que tínhamos visto até então, como que ele foi parar lá em primeiro lugar?
Logo, especula-se sobre universos paralelos ou realidades alternativas. Mas isso novamente seria jogar a atenção em elementos que estão fora do filme. Como sempre Nolan gosta de fazer em suas reviravoltas mindfuck como a de A Origem cujo final explicamos aqui, as respostas para esses mistérios estão dentro sim da narrativa, mas não enfatizados em exaustão.
A informação mais importante que temos que levar em conta são os humanos do futuro que colocam o Buraco de Minhoca perto de Saturno ligando a nossa galáxia até Gargantua. É dito que eles são seres de cinco dimensões, ao contrário de nós, criaturas tridimensionais.
É importante, portanto, fazermos um breve glossário antes de entrarmos na discussão de fato.
As peças do jogo
No filme, dr. Brand traça dois planos para a sobrevivência da humanidade. O Plano A consiste em encontrar a resposta de uma equação que possibilitaria a manipulação da gravidade, permitindo o lançamento de uma massiva estação espacial que serviria como arca para o restante da humanidade se dirigir para um novo lar. O Plano B é mais drástico. Durante a missão Endurance, caso toda a humanidade tenha perecido por conta da Relatividade, fica a cargo da tripulação e milhares de embriões selecionados para povoar o novo planeta garantindo o futuro da espécie.
A viagem até Gargantua, a nova galáxia, é possibilitada pelo Buraco de Minhoca posicionado ao lado de Saturno em nosso sistema solar. O wormhole liga a nossa galáxia com a de destino na viagem, possibilitando que a Endurance chegue ao novo sistema com 12 planetas com potencial de abrigar vida. Caso não houvesse a presença desse buraco de minhoca, a viagem interestelar não seria possível, mesmo com o auxílio da hibernação. Por estar a milhares anos-luz de distância, toda a equipe morreria antes mesmo de chegar na metade do destino.
Essa é a função do buraco de minhoca, dobrar o espaço-tempo permitindo a viagem rápida pelo bulk ligando dois pontos muito distantes. Nesse sistema, há um Buraco Negro, ou seja, uma estrela colapsada, o cadáver de um astro. A gravidade é tão forte que tudo o que entra em seu horizonte de eventos, é sugado para dentro dele. Nem mesmo a luz, a gravidade e o tempo escapam de ser engolidos. Dentro dele, existe a singularidade.
Como sabemos, no filme, Cooper se sacrifica para garantir que dra. Brand chegue ao planeta de Edmunds, o único que pode garantir um habitat saudável para a vida humana. Para isso, se desprende da Endurance junto com TARS e cai diretamente no buraco. Sobrevivendo aos eventos por conta da criação de um espaço de quatro dimensões chamado Tesserato (um cubo de quatro dimensões) pelos seres de cinco dimensões, Cooper consegue enviar mensagens através de códigos na estante do quarto de Murph, sua filha que viria se tornar uma excelente astrofísica.
Vendo a percepção do tempo como os “humanos” evoluídos, Cooper se livra da percepção linear que todos nós temos. No Tesserato, ele e nós enxergamos todos os momentos que ocorreram no quarto de Murph. Para impedir sua existência naquela prisão cósmica, Cooper tenta criar um paradoxo ao mandar a mensagem F.I.C.A. em código binário para Murph avisar o Cooper que vive naquele espaço temporal e impedir a jornada.
Ali é dito que é impossível mudar o passado, as coisas seguem como devem ser, mas que é necessário enviar mensagens que garantam o acontecimento dos fatos – gerando um loop eterno. Cooper então pede as coordenadas da NASA para TARS, conseguindo enviar também em binário através da poeira que invade o quarto de Murph. Todas as mensagens são transmitidas com o auxílio da gravidade
Depois, sabendo que TARS descobriu os dados quânticos da singularidade – dados que permitem a manipulação da gravidade para jogar a Estação Cooper no espaço, Cooper envia os dados através de código Morse para o relógio que deu de presente para Murph antes de embarcar na jornada espacial. Enviando os dados com sucesso, o Tesserato se fecha. Enquanto colapsa, Cooper é enviado de volta para o buraco de minhoca, viajando dentro do bulk, mas como um ser de quinta dimensão (momentaneamente), observando a Endurance cruzar novamente para Gargantua. Lá, ele aperta a mão de Brand, fechando o loop enquanto outro começa.
Então Cooper é resgatado pelos astronautas da Estação Cooper que partem em direção ao Buraco de Minhoca. O protagonista reencontra Murph, já com mais de cem anos, e depois parte para reencontrar dra. Brand no planeta de Edmunds – pela relatividade, Cooper encontrará Brand poucos momentos depois de ter se jogado no Buraco Negro. Murph simplesmente está muito mais velha que Cooper por causa dos efeitos da Relatividade. Para entender melhor o conceito de Relatividade, gravidade e tempo aplicados em Interestelar, recomendo muito que vejam o documentário feito especialmente para isso contando com a presença do renomado físico Kip Thorne (também produtor do filme) e outros cientistas:
https://www.youtube.com/watch?v=SymwZtX3UWo
Logo, não há mesmo paradoxo de viagem do tempo em Interestelar. O paradoxo temporal envolve a (im)possibilidade de você viajar de volta a um tempo no qual não havia nem mesmo a hipótese de sua existência. Como Cooper nem mesmo chega a viajar no tempo, já que vira um ser pentadimensional, e muito menos para um tempo no qual ele não existia, o paradoxo é extinto. Cooper apenas transmite mensagens através da gravidade interferindo em objetos físicos garantindo que sua jornada se mantenha conforme o loop para salvar a humanidade.
Se a viagem no tempo existe, nós já vivemos os efeitos dela. Logo, nosso presente se torna consequência do nosso futuro. É nisso que Interestelar acredita. Sempre haverá um Buraco de Minhoca, a humanidade sempre será salva, a humanidade evoluiu para seres de quinta dimensão depois de ter sido resgatada da Terra, depois colocará o Buraco de Minhoca 40 anos antes da viagem da Endurance, Cooper sempre partirá para Gargantua e cairá no buraco negro e sempre transmitirá as mensagens para Murph salvar o resto do mundo. Não há como fugir desse loop temporal que está fadado a se repetir por toda a eternidade.
Também não adianta teimar em questionar o tempo como um fenômeno linear quando ele pode ser simultâneo. Estamos presos nessa percepção linear, mas os humanos da quinta dimensão podem ver o tempo do mesmo modo que você vê uma avenida em totalidade se estiver em um ponto mais alto. Logo, questionar como a humanidade evoluiu até o estado de quinta dimensão é entrar em um raciocínio ilógico. Seria como tentar encontrar o ponto de início de um círculo perfeito: simplesmente não há como.
Nolan já tinha se inspirado em trabalhos de M.C. Escher que trabalham justamente com grafias de loop temporal. Isso foi visto em A Origem explicitamente. Não existe início ou fim dentro do loop, ele apenas existe.
Mas que raios é a Quinta Dimensão?
Na nossa percepção de espaço-tempo, vivemos em quatro dimensões: largura, comprimento, profundidade e tempo (as dimensões reconhecidas oficialmente pela Física). Desse modo, estamos presos a uma noção linear de tempo. Nunca voltando ao passado, nem viajando ao futuro, mas vivendo sempre o presente que se torna passado e futuro em questão de segundos.
Já para seres pentadimensionais, poderiam ver todo o universo e sua história em apenas um olhar, mas seria praticamente impossível focar em pontos individuais no tempo devido a quantidade massiva de informação. Um espaço 5D é extremamente difícil de imaginar e bugará sua cabeça com toda a certeza. Como um usuário do reddit explicou, há como fazer esse exemplo através de uma analogia com um cubo.
Para isso, começamos em 4D. O cubo 4D é o bendito tesserato que tanto falamos aqui. Para vermos o tessarato, já temos que o representar em 3D e, como sabemos, enxergamos apenas em duas dimensões (sim, antes de me chamar de louco, veja esse vídeo). Não vemos nem mesmo um cubo por inteiro. Sempre vemos o cubo pelos lados, projetados em nosso plano de visão. Logo, se vemos quadrados nos lados de um cubo, um tessarato teria cubos em seus lados.
Quando colocamos isso em um espaço tridimensional, os cubos são distorcidos e mudam de forma conforme o tesserato se movimenta. Isso mesmo acontece com os cubos, já que não vemos quadrados, mas sim formatos similares ao de diamantes quando movemos e rotacionamos o cubo. Lembrando, isso tudo para ver um cubo 4D!
Logo, um “cubo” em 5D teria tesseratos como seus lados. Em Interestelar conseguimos ver uma representação disso durante o segmento do Tesserato, após Cooper cair no buraco negro. A representação 3D de um espaço pentadimensional é algo como aquilo: vemos o quarto de Murph no topo, nos lados, nas diagonais, em praticamente todos os cantos, simultaneamente.
Uma forma 5D é gigantesca, com cada lado constituído de formas 4D que cada lado é um cubo. Tudo isso é projetado em 3D para que Cooper explore.
Como havia dito, não há viagem no tempo em Interestelar. Há apenas o influenciar do passado através de ondas gravitacionais. Novamente, temos que abstrair nossa mente para imaginar o espaço em 5D. Ondas nesse espaço não são coisas dinâmicas em constante mudança, não são geradas ou recebidas. Elas apenas existem, conectando passado ao futuro.
Até mesmo contando com o efeito quântico randômico, muitos teóricos quânticos usam princípios que conectam passado e futuro juntos. Em uma escala macroscópica, como é com Interestelar, a maioria do efeito randômico é cancelado, deixando um universo amostral comportado.
Voltando aos loops temporais, podemos dizer que Cooper foi chamado para o espaço e então acabou criando as circunstâncias do próprio chamado. Ou que ele já havia criado o chamado e apenas o atendeu no passado. Em 5D, o passado e o futuro de Cooper estão interagindo de um modo que desafia nossa compreensão 3D. E só porque é esquisito, não quer dizer que seja errado ou impossível. Um dos motes do filme é a exploração e em Interestelar fica claro que a descoberta de novos mundos necessita a constante alteração da nossa perspectiva, contrariando qualquer conceito, por mais que seja familiar à nossa percepção.
Espero que todo esse texto tenha ajudado a entender um pouco melhor porque não existem furos ou paradoxos nessa viagem magnífica que Christopher Nolan nos trouxe, além de permitir uma melhor consciência do final do filme.
Artigo | A História Real de Dunkirk
Ao caminhar pelas ruínas do Forum em Roma, observar o imponente Arco do Triunfo em Paris, ou mesmo ao passear pelas antigas ruas do Centro Histórico de Ouro Preto, é quase impossível não se sentir admirado e assombrado pelo peso da História que lugares tais como estes carregam. Infelizmente, por conta da sangrenta história da Europa, em muitos destes lugares marcantes o peso é devido às marcas da guerra – morte, sangue, sacrifício e horror. Nossas mentes estão repletas de imagens da Segunda Guerra Mundial. Devido ao escopo e escala deste horrendo conflito, os filmes, livros, fotos e reportagens frequentemente nos lembram de épicas batalhas deste conflito, especialmente das atuações dos EUA nos Teatros da Europa Ocidental e do Pacífico.
No entanto, se caminhássemos pelas pálidas e plácidas praias de Dunquerque, é possível que passássemos despercebidos do peso da História que este lugar carrega. Talvez por se passar no período anterior à entrada dos americanos no conflito e por não ser a típica história de guerra – uma desesperada evacuação em vez de uma corajosa ofensiva – o milagre de Dunquerque (como ficou conhecido o evento) é um dos mais marcantes e importantes eventos da Segunda Guerra Mundial. Fosse seu resultado diferente do que ocorreu, certamente estaríamos hoje num mundo bem diferente.
Motivados pela estreia de Dunkirk, novo filme do bem-sucedido diretor Christopher Nolan que vem recebendo inúmeros elogios da crítica e promete dar uma nova visão à pouco explorada história das areias de Dunquerque, nós do Bastidores decidimos mergulhar na história desse capítulo da Última Grande Guerra.
CONTEXTO HISTÓRICO
Após anos de tensão e de construir uma ideologia baseada no ódio revanchista, Hitler está preparado. Magistralmente, fez tudo ao seu alcance para contaminar o povo alemão com suas ideias distorcidas e levantou moral, financeira e militarmente uma nova sociedade, um novo paradigma de Alemanha que chama de Terceiro Reich. Suas ultimas ações lançaram a Europa à beira do abismo da guerra inevitável. Inglaterra e França assistiram impassíveis a anexação da Áustria e dos Sudetos, na esperança de evitar o pior. Mas quando Hitler audaciosamente invade a Polônia em 1939, não há mais escapatória, fica evidente que o Terceiro Reich só vai parar quando consumir toda a Europa Ocidental. A Europa está mais uma vez em guerra.
No entanto, mesmo após a declaração de guerra da França e Inglaterra, nada acontece. Durante quase um ano, entre 1939 e 1940, a guerra estava lá, mas não havia combate, estávamos no que mais tarde ficou conhecida como “Guerra de Mentira”. Numa atrasada e irresponsável ilusão, os Aliados aguardavam atrás do que julgavam ser um escudo impenetrável – a Linha Maginot – de fato uma defesa formidável, mas contra exércitos do Séc. XIX. Esperando uma nova invasão pela Bélgica à maneira da Primeira Guerra, as Forças Expedicionárias Britânicas (BEF), o Exército Francês e forças aliadas de Canadá, Bélgica e outros países ficaram chocadas quando Hitler invade pelo sul.
No antebellum, os estudiosos e inventivos generais alemães desenvolveram um novo paradigma de Guerra, a Blitzkreig. E Hitler decidiu empregar este método nos insuspeitos Aliados, quebrando qualquer resistência debaixo das esteiras de suas divisões mecanizadas Panzer. Quando Churchill substitui o inepto Chamberlain como Primeiro Ministro da Inglaterra, em 10 de Maio de 1940, o cenário já é catastrófico. Os Exércitos A e B de Hitler, sob o comando dos Generais Fedor von Bock e Gerd von Rundstedt devastaram a Bélgica, e Holanda, não fizeram caso da Linha Maginot e encurralaram a BEF e boa parte do Exército Francês num corredor estreito até a costa. Os demais soldados franceses, isolados à oeste, mais tarde veriam Hitler posar para fotos diante da Torre Eiffel em junho de 1940.
Se mantivessem o ritmo, convergindo para à costa em Dunquerque, os alemães aniquilariam a BEF e os demais aliados, e apontariam seus rifles para o que pareceria então uma frágil costa inglesa do outro lado do Canal da Mancha. Os Britânicos chegam a falar em rendição incondicional. Seria o fim.
Mas, numa inexplicável e surpreendente virada nos eventos, os exércitos A e B não avançam. Berlin envia uma “Ordem de Parada” para as forças invasoras na França, que por três dias não avançam um metro sequer em direção aos Aliados encurralados. Sem saber, os alemães abriram espaço para o improvável, e deram a oportunidade para o Milagre de Dunquerque, o foco do novo filme de Nolan.
OPERAÇÃO DÍNAMO
A Operação Dínamo talvez seja um ponto de virada fundamental que muitas vezes é ignorada pelas aulas de História sobre a Segunda Guerra Mundial. Sem condições de resgate, os 400.000 homens encurralados em Dunquerque não guardavam esperanças de serem salvos.
O mistério apontado sobre a pausa do avanço nazista pode ser respondido pela promessa de Hermann Goring que conseguiria fazer a Inglaterra se render apenas com o extermínio dos homens através da poderosa força aérea alemã: a Luftwaffe.
Mas obviamente não foi isso que aconteceu. Em 26 de maio de 1940, o Ministro da Guerra britânico, Anthony Eden, deu as ordens para que a retirada acontecesse imediatamente. Diversos generais e figuras importantes da Guerra não acreditavam que seria possível o sucesso do resgate por conta dos bombardeios intensos da Luftwaffe no local, massacrando diversos soldados acuados na praia.
O deslocamento que seria visto então seria algo sem precedentes. Até hoje, a Operação Dínamo é a maior de resgate feita em toda a História. A evacuação começa de fato no dia 27 com a participação de um cruzador, oito destroieres e outras 26 embarcações. Um chamado emergencial foi expedido: toda a ajuda aliada seria bem-vinda. E os modestos cidadãos ingleses atenderam ao chamado.
Apenas no dia 31 de maio, cerca de 400 embarcações civis cruzaram o Canal da Mancha em busca de salvar a vida de seus conterrâneos. No mesmo dia, a Luftwaffe bombardeou intensamente a cidade ainda com a presença de civis. Cerca de 1000 pessoas morreram nesse dia. Como o suprimento de água foi explodido, os incêndios provocados pelas bombas não puderam ser extinguidos tornando a situação ainda mais insuportável para os homens que ainda não tiveram a sorte de serem evacuados.
Para combater a força aérea alemão, a RAF foi convocada. Cerca de 3500 aeronaves partiram para a batalha, mas como o conflito estava concentrado no centro do Canal, muitos bombardeios alemães nas praias foram bem-sucedidos. Isso marcou uma ferida psicológica nos homens acuados em Dunquerque, acreditavam que a força aérea britânica nada estava fazendo para ajudar. A verdade é que sem os esforços constantes da RAF naqueles dias, muitos mais teriam sido exterminados pelas bombas aéreas da Luftwaffe.
No dia 28 de maio houve um enorme revés para o cerco de proteção em Dunquerque. O exército belga se rende, deixando um furo gigantesco no bloqueio leste. Para preencher o vazio, foram ordenadas que diversos soldados ingleses retornassem ao posto para repelir forças terrestres nazistas. Nessa altura, o perímetro era de 11km em terreno pantanoso, uma verdadeira sorte para ajudar a impedir a travessia dos Panzers nazistas.
Com as docas e portos totalmente destruídos pela Luftwaffe, o Capitão William Tennant ordenou que duas estruturas rochosas naturais que se estendiam até uma boa distância da praia fossem utilizadas como molhes. Através deste improviso que mais de 220 mil homens conseguiram ser evacuados. Nas embarcações civis, menores, que chegavam até a proximidade da praia, quase 100 mil foram salvos.
Mas os custos também foram altos para que o milagre fosse realizado. Para firmar o perímetro, 68 mil soldados foram mortos na blitzkrieg até a ordem de hiato. Durante a evacuação, 3.500 morreram e outros 13 mil ficaram feridos. Não só o custo humano foi drástico. As perdas em maquinário e explosivos foram severas para a reserva do exército britânico. Foram abandonados mais de 2 mil rifles, 20 mil motocicletas, 65 mil veículos diversos, 68 mil toneladas de munição, 147 mil toneladas de combustível e quase todos os 445 tanques enviados para a França se perderam.
Para cada sete soldados resgatados, ao menos um se tornou prisioneiro dos nazistas. A maioria foi tratada com desumanidade, passando fome, sofrendo agressões diversas e assassinatos. Boa parte deles foram transferidos para a Alemanha sendo obrigados a trabalharem na indústria e agricultura alemã até o final da Guerra – lembrando que isso ocorreu em 1940, logo, ao menos quatro anos de escravidão.
O LEGADO DE DUNQUERQUE
A Segunda Guerra Mundial é o alvo preferido dos revisionistas históricos, e muito se pergunta até hoje por que Berlin enviou a Ordem de Parada, que possibilitou o milagre. Talvez Hitler quisesse chegar em Paris o quanto antes, uma derrota moral pesadíssima para os Aliados. Possivelmente, estava confiante demais na sua blitzkrieg após as incontestáveis vitórias-relâmpago em 1939 e 1940. Também é possível que esperasse negociar um acordo com os Aliados antes de voltar sua atenção para Stalin (outro movimento de Hitler até hoje questionado à exaustão: por que invadir a União Soviética?). Jamais saberemos, e só nos resta recorrer aos “e se...”. E se não houvesse milagre? Certamente a Guerra teria caminhado de forma bem diferente, e possivelmente o mundo seria hoje um lugar bem mais sombrio.
Estudiosos do período discutem qual foi o real impacto dos eventos que se passaram no Norte da França em 1940. É bem verdade que os sobreviventes da BEF foram enviados para o Norte da África, não pisaram em solo europeu no restante da guerra. Mas também é verdade que muitos que embarcaram por suas vidas nas gélida e rasas águas de Dunquerque voltaram à França 4 anos mais tarde, desembarcando na Normandia no célebre Dia D para expulsar de vez por todas os nazistas da França.
O maior legado do Milagre de Dunquerque foi, sem dúvida alguma, o que os ingleses chamaram de “Espírito de Dunquerque”. Estes acontecimentos foram como uma bomba atômica moral para os ingleses, e foram explorados como tal pela mídia e propaganda de guerra da época.
A imagem do pescador inglês, abandonando suas redes em Dover e partindo em seu pequeno barco para o Inferno da Guerra do outro lado do Canal para resgatar seus compatriotas encurralados é parte indissociável do inconsciente coletivo dos Britânicos.
Símbolo máximo da solidariedade britânica em tempos de adversidade, o Espírito de Dunquerque carregou o esforço de guerra britânico pelas mais sombrias fases do conflito, incluindo as chuvas de bombas diárias sobre os civis e o constante medo de invasão pelos alemães.
Apesar de dizer que “Guerras não são vencidas com evacuações”, Churchill foi extremamente feliz quando em seu famoso discurso “We Shall Fight...” (lembra de Aces High, do Iron Maiden?) chamou os eventos de “livramento milagroso”.
Thomas Jefferson uma vez disse que “a árvore da liberdade precisa ser regada com o sangue de patriotas”. No fim das contas foi o sacrifício de dezenas de milhares de ingleses, franceses, canadenses e belgas, incluindo civis, possibilitou a coordenação da operação de evacuação. Diante de todos os horrores da guerra, histórias como essas precisam ser contadas.
Em face da morte, uma evacuação é uma vitória esmagadora que brilha até hoje não só como uma história de sobrevivência, mas uma história sobre a vitória do espírito humano. Esperamos que em seu novo filme, Christopher Nolan capture com suas lentes, pinte um quadro vívido do Espírito de Dunquerque e honre a memória das boas almas que participaram do resgate.
Crítica | Interestelar
Se houve uma experiência que se destacou das demais em uma ida ao cinema, esta com certeza foi quando vi a Interestelar pela primeira vez na vida. Como havia visto na cabine, tinha saído tão maravilhado que pensei que seria uma unanimidade na crítica e público: esse filme era outra obra-prima maravilhosa de Christopher Nolan.
Mas quão enganado eu estava. Interestelar se tornou o filme mais polêmico da carreira da Christopher Nolan. As reações foram as mais extremadas possíveis com os dois lados contando com argumentos realmente sólidos e bem posicionados.
Obviamente, faço parte dos que defendem fervorosamente a jornada especial de Nolan, mas assim como Professor Brand comenta em determinado momento do filme, as coisas mudam. Retornamos mais velhos e mais sábios. Meu encanto por Interestelar diminui um pouco e passo a analisar a obra com mais cuidado.
Na história escrita por Jonathan e Christopher Nolan, acompanhamos um futuro apocalíptico não muito distante. Em um mundo infértil, castigo por intensas tempestades de poeira, a sobrevivência da nossa espécie torna-se primordial. Nesse cenário, acompanhamos a jornada da família Cooper, em meio a perturbações de gravidade e mistérios das intenções do governo deste mundo infeliz, o protagonista, ex-piloto de naves experimentais da NASA, entra em rota de uma missão secreta: Lazarus. A última tentativa de salvar a humanidade.
Porém, o custo da missão é tremendo. Em busca de uma nova morada em outra galáxia, Cooper terá que lidar com os custos de uma viagem interestelar. Ou seja, em tempo de ter encontrado uma nova morada para a raça humana, toda sua família poderá ter morrido. Confrontado por uma escolha que pode definir o nosso destino, Cooper terá que decidir entre o altruísmo de salvar a todos ou viver com seus filhos enquanto o mundo perece.
Memórias empoeiradas
Interestelar é massivo. A narrativa que os Nolan quiseram comportar em um longa é monstruosa de tão épica. Felizmente, a divisão de atos é extremamente nítida. Logo, para criar vínculos fortes e profunda empatia com os personagens, o roteiro investe em uma extensa introdução.
Investido sempre pelo realismo que move o cineasta, a narrativa busca se comportar em cenários plausíveis e até mesmo que já ocorreram no nosso planeta. Em 1930, pela completa falta de planejamento agrícola, um fenômeno perigosíssimo quase varreu a vida do oeste americano. O chamado Dust Bowl, uma reação física provocada pela degradação do meio ambiente causado pelo homem – logo, um evento de ordem artificial.
Em pequenos relatos em formato de documentário, há o estabelecimento deste mundo castigado e suas regras. Os roteiristas expõem de modo bastante direto, apostando tanto em abordagem de ação quanto em problemáticas trazidas em diálogos. Colocando a situação apocalíptica em evidência, em extrema deterioração, entra em contraste os poucos focos de humanos que sobreviveram.
Há a preocupação de contar como o mundo sobrevive e funciona. Mas o que realmente interessa aqui é estabelecer as relações familiares de Cooper. Sabemos apenas o necessário sobre o protagonista vivido com extrema competência por Matthew McConaughey: ele possui uma questão mal resolvida com o fracasso na pilotagem de uma nave experimental da NASA, além de criar sua família através dos esforços empregados em sua fazenda de plantação de milho.
Para gerar relevância e complexidade no protagonista, temos a relação realmente única entre pai e filho que Interestelar centra sua verdadeira alma. A pequena Mackenzie Foy dá um espetáculo de carisma e envolvimento emocional para Murph, filha de Cooper. Entre as passagens intimistas sobre um “fantasma” que assombra seu quarto até a desobediência inocente da garota, as cenas destinadas aos dois possuem tremenda relevância. É por conta desse apego e forte conexão entre os dois que sentimos o sacrifício que é a jornada de Cooper.
O terceiro quarto desse ato certamente é o mais fraco. Nolan começa a apressar as coisas para jogar logo o protagonista no Espaço. A inserção brusca da NASA e de diversos novos personagens que acompanharão Cooper na busca de um novo lar é bastante preguiçosa e sem chegar perto do impacto desejado. O mais importante daqui são os comentários sobre o líder das expedições Lazarus, Dr. Mann. Pintado como santo e também simbolizado como um dos apóstolos de Cristo (líder de doze cientistas, contando com ele próprio), a informação sobre coragem, bravura e liderança entram em total contraste quando essa figura surge ativamente na narrativa.
Aqui, Dr. Brand trazido às telas por Michael Caine em boa atuação, vira um alicerce do filme. A origem de uma reviravolta importante que acontecerá no futuro. Dr. Brand se torna uma problemática constante para Murph também. Primeiro, por causar a ruptura completa do seu núcleo familiar, transformando o elemento da exploração espacial, tópico de paixão para a menina, em seu principal algoz por tirar justamente aquilo que ela mais ama em sua vida: a companhia do pai.
O forte amor entre os dois é mensurável desde cedo. Por isso, a despedida de Cooper torna-se uma das cenas mais impactantes de todo o filme. Nolan não deixa as coisas amistosas e com muita razão. Sabendo que é um dos momentos mais poderosos da obra, a encenação é dura e estacionária. McConaughey se movimenta em passos arrastados, a dor dessa “perda” é quase insustentável pelo fato de ser um enorme sacrifício.
O Vazio
Então partimos abruptamente para o Espaço, em direção ao Buraco de Minhoca que conecta a Via Láctea com a nova galáxia de um sistema com três planetas em potencial. A filha de Dr. Brand e os cientistas Romilly e Doyle, acompanham Cooper na missão, além da presença dos carismáticos robôs TARS e CASE – ambos com funcionalidade para ajudar diretamente na trama salvando os protagonistas em cenários de risco, funcionando também como alívios cômicos.
Os novos personagens recebem novas camadas, ao menos Romilly e Brand. Um tem fobia do espaço e outra está apaixonada por um dos primeiros expedicionários em busca de um planeta ideal dentro do sistema. O foco, enfim, desvia dos personagens. Os Nolan então buscam usar ciência real para guiar todo o segundo ato da obra, explicando conceitos físicos diversos e complicados como a teoria da Relatividade que busca trazer impacto dramático extremo para Interestelar.
O problema da ciência avançada e da física quântica é justamente tornar conceitos que são facilmente confundidos em elementos de fácil compreensão ao público. Certamente há muito egoísmo e arrogância na crítica como um campo de avaliação de filmes, já que quase sempre estão em discordância do público. É justamente por conta disso que sempre considero muito arriscado criticar a exposição narrativa que os roteiristas inserem no filme. Quando eles decidem, literalmente, explicar o que acontece em tela, aí sim é uma exposição extremamente burra. Mas quando se trata do didatismo dos conceitos da relatividade temporal e dos efeitos da gravidade, não condeno nem um pouco. Explico.
O que muitos falham em compreender é justamente a essência do exercício de ver um filme nos cinemas. Temos uma experiência individual, mas é uma prática coletiva, afinal só um louco compraria todos os ingressos de uma sessão para ver o filme absolutamente só – pelo acaso, já vi filmes sozinho na sala de cinema e realmente é uma experiência única. Mas partindo desse fato, a narrativa atinge diversas pessoas, com diferentes conhecimentos e escolaridade. Um filme desse porte simplesmente não pode tomar as decisões que A Chegada pode tomar por conta de ser muito mais caro. Logo, há a exigência da explicação didática desses conceitos.
Mas há formas de se fazer exposição no cinema sem incomodar tanto e virar um clichê para qualquer um que se meta a criticar uma obra. Infelizmente, é justamente aqui que o estilo autoral de Nolan atenta contra ele: o realismo. Se até mesmo no onirismo de A Origem as coisas tinham lógica e visual realista, não existem escapatórias críveis na diegese que Nolan propõe em Interestelar. O recurso necessário então é passado por um modo frio e sem graça, pausando o filme para que todos entendam o que ocorre na ciência do filme.
Superado isso, é evidente que o segundo ato tem momentos excepcionais que despertam muito o interesse do espectador. A exploração espacial e o custo de recursos para visitar alguns planetas é interessantíssima e realmente funciona. Mesmo que tenha pouca lógica na visita ao planeta da cientista Miller, no qual Nolan realmente exige muita suspensão da descrença, temos uma das set pieces mais sensacionais da obra. O tsunami do tamanho de montanhas marcou seu lugar nas grandes cenas do gênero de ficção científica, mesmo que traia completamente a proposta realista da ciência do filme – um planeta com uma gravidade tão poderosa mal permitiria a locomoção dos cientistas que dirá a entrada e saída das naves Lander de sua atmosfera.
Voltando para a narrativa, novamente a Natureza volta a agir antagonicamente. As leis da física e da força dos elementos destroem e derrotam os humanos. Justamente pelo planeta de Miller ser tão convidativo, repleto de água e atmosfera respirável, ocorre a ironia do antagonismo. Depois da aventura imprudente, é hora de sofrer as consequências.
Tempo
O uso mais inteligente de conflito dentro de uma cena em Interestelar certamente ocorre durante o retorno de Cooper e Brand à Endurance encontrando um já Romilly na beira dos 55 anos. O tempo desperdiçado no planeta gera dor em todos os que orbitam essas figuras. Criando mais barreiras, a nave não consegue enviar dados para fora do Buraco de Minhoca, apenas recebendo transmissões da Terra.
Com estética intimista e novamente restrita, temos uma segunda despedida na vida de Cooper na hora de ver as mensagens em vídeos dos últimos 23 anos que esteve no planeta Miller. Finalmente, o filho do protagonista, Tom, começa a ganhar mais complexidade e relevância, já que o roteiro praticamente deixa o menino em escanteio para construir laços maiores com Murph. A cena é cruel, fria e quieta. McConaughey arrasa na atuação. É simplesmente impossível não se emocionar, nem mesmo que somente um pouco, com a tristeza de ambos personagens por não conseguirem cumprir promessas antigas.
Nesse momento a narrativa passa a interpolar no núcleo do espaço para o de Murph ainda na Terra, agora física, tentando resolver a equação que dará a resposta para a manipulação da gravidade permitindo que os humanos viajem para as estrelas sem preocupações.
A narrativa perde bastante fôlego simplesmente pelo fato do núcleo de Murph ser muito menos interessante que o de Cooper, mesmo que seja obviamente muito necessária para desenvolver conflitos complexos envolvendo culpa, abandono e traição. Sentimentos negativos que desmotiva toda uma jornada. Felizmente, Jessica Chastain sustenta com competência todo o rápido arco de Murph nesse trecho final de filme – Tom se torna um antagonista ensandecido em uma escolha infeliz do roteiro.
O mais bacana do desenvolvimento da personagem é a necessidade dela ser obrigada a confrontar o próprio passado do qual tanto foge, encarando seu próprio “fantasma” e descobrindo que no presente mais ingrato e detestado que recebeu na vida, se encontra a resposta para o enigma. Mas para chegar até aí, ainda cabe a análise do outro planeta que a equipe visita.
Gelo
Mesmo derrotados, ainda é preciso visitar os próximos planetas favoráveis à colonização. Novamente inserindo um conflito que se comunica com informações prévias, Nolan direciona o grupo para o planeta do dr. Mann, o cientista líder da expedição Lazarus.
Em participação surpresa de Matt Damon, conhecemos dr. Mann e seus segredos em um planeta tão gelado quanto sua psicopatia compreensível. De longe, Mann é o terceiro personagem mais complexo e interessante do filme que possui tantos coadjuvantes rasos – tão rasos que na primeira oportunidade são descartados.
Porém, Mann é verdadeiramente o primeiro antagonista humano do filme. Aqui, a Natureza é indiferente a presença das pessoas nas nuvens congelados do planeta. O cientista sim que fica incomodado com a presença de Cooper, o único elemento que poderia arruinar seus planos de voltar a uma nave espacial para encontrar um novo planeta.
A motivação do cientista é bastante compreensível, assim como a escolha em recorrer a violência para matar Cooper sem nunca abrir a opção do diálogo antes. A segunda passagem não conta com set pieces incríveis como a das ondas, mas a tensão do conflito e do medo da perda do nosso protagonista são capazes de deixar o espectador apreensivo.
O contraste entre os dois planetas se faz valer realmente no final desse ato. Mann consegue escapar do planeta inóspito, mas não tem habilidades para conseguir acoplar na Endurance – ironia da resistência do cientista em lutar tanto pela sobrevivência. Ao trair os preceitos mais básicos da Ciência, o diálogo e a cautela, Mann explode boa parte da nave ao forçar sua entrada.
As forças da Natureza não agem sob uma moral, mas Mann age. E na raiz de seu egoísmo, quase destrói a última esperança de perpetuar a humanidade. Novamente, o direito de retorno é arrancado de Cooper que precisa fazer novamente a escolha certa, mas de grande sacrifício. Enfim temos a cena mais fantástica de todo o filme, a ancoragem da Lander na Endurance.
Aqui, finalmente Nolan demonstra técnicas que viria a dominar em Dunkirk: há a preservação do quadro, do corte e do movimento enquanto a música excepcional de Hans Zimmer potencializa a encenação e a catarse. Cooper se comporta como um Atlas, em seu esforço último de carregar a humanidade, literalmente, nas costas da nave. É uma cena que considero nada menos que perfeita.
S.T.A.Y.
Há coragem em Interestelar em seu trecho final. A trama tão centrada no realismo científico finalmente abraça a fantasia durante o clímax. Jogando o protagonista em Gargantua, o gigantesco buraco negro centralizado na galáxia alienígena, temos o sacrifício pleno – a jornada de Cooper é repleta de fracassos que forçam novos sacrifícios.
A estrutura do roteiro de Interestelar tenta mimetizar um ponto vital da própria sobrevivência da condição humana: plantio e colheita. Os Nolan sempre buscam manter suas histórias bastante coesas, inserindo características em diferentes momentos da jornada que depois são retomadas em reviravoltas que imbuem significados excepcionais.
O ápice da colheita ocorre no clímax em Gargantua. Justo em um corpo cósmico que engole tudo transformando matéria em resquícios de existência, em fantasmas, há a moral altruísta de Interestelar. Desde O Grande Truque que Nolan não se permitia apostar em resoluções totalmente fantasiosas que fugissem da lógica realista do seu universo. Aqui, a fantasia predomina completamente rendendo uma das catarses mais arriscadas do cinema contemporâneo.
Nolan quebra as regras. Cooper sobrevive e cai em um cubo cósmico criado por seres pentadimensionais capazes de manipular tempo e gravidade. O roteiro entra sim em um paradoxo nesse momento, mas que a partir dos conceitos aplicados no filme, é possível solucionar o mistério, já que felizmente Nolan não explica as coisas apropriadamente deste trecho – se não, também iam ficar reclamando.
A catarse em Interestelar marca também a primeira vez que Nolan abordaria a religiosidade no conceito amor intransponível, mensurando o sentimento como algo capaz de afetar diretamente o destino dos outros – o que faz sentido, mas muita gente taxa de brega, afinal como uma ficção científica de exploração espacial se torna um manifesto voraz do amor?
A incerteza do medo ao desconhecido vira a chave para resolver o maior enigma da ciência.
Entretanto, mesmo com um clímax tão impactante em formalizar o abstrato e conseguir resolver um conflito gigantesco de modo crível, o final se comporta de modo relativamente estranho.
Enquanto o reencontro com Murph é uma peça valiosa, Nolan praticamente atropela a cena ao decidir superar toda a recompensa da odisseia com uma rapidez assustadora. A falta de preocupação de Cooper com seu outro filho também é surreal. Eram necessários mais minutos para que realmente tivesse mais relevância na narrativa a recompensa de todos os sacrifícios e provações que Cooper superou, apenas pontuar melhor esse respiro até encaminhar o filme para sua verdadeira conclusão em fechar um arco romântico pouco explorado.
A odisseia de Christopher Nolan
Querendo ou não, Interestelar foi um dos projetos mais ambiciosos de Nolan. Mesmo que seja um filme excelente, é impossível negar as falhas do filme, seja do roteiro ou na direção. Ambos são problemáticos, mas as qualidades superam bastante os ditos defeitos da obra.
O que incomoda na direção de Nolan é o ápice da pobreza de encenação que Interestelar é. O diretor opta por uma abordagem estética muito parada, com planos imóveis e sem grandes movimentações. Embora isso dialogue com a condição morimbunda na humanidade no primeiro ato, também acaba deixando seu filme muito morno para engajar o público caso não ocorra a empatia com os protagonistas.
Quando partimos para o espaço, as coisas também não melhoram. As cenas na Endurance ou nos Landers são todas restritas e claustrofóbicas com jogos de decupagem bastante simples. Os planos que mais se destacam são os externos no espaço, acoplados também nas naves – enquadramento que é repetido em exaustão por Nolan. O contraste o formato cinemascope para as internas nas naves e o IMAX nas externas também é feliz em transmitir a fragilidade daquela missão diante de uma força tão superior e misteriosa marcando um trabalho satisfatório de simbologias. Aliás, o próprio primeiro plano do filme inteiro é carregado de força simbológica, ligando elementos importantíssimos em um só enquadramento: a poeria, a estante e as naves espaciais.
Apenas nos planetas que os elementos visuais têm uma força tão impactante que conseguem sobrepujar o trabalho razoável de linguagem cinematográfica construído até então. Nolan preserva muito sua câmera no mesmo lugar e em um filme sobre uma enorme jornada intergaláctica é algo consideravelmente frustrante. Quer um exemplo disso? Apenas compare todo o trabalho de linguagem e encenação que Nolan emprega aqui com diversas cenas de 2001: Uma Odisseia no Espaço, filme de 1968. Stanley Kubrick praticamente devora o filme com grandes movimentos majestosos tirando o espectador do ritmo monótono da narrativa – importante citar que Nolan faz seus acenos ao trabalho de Kubrick, apesar de se inspirar mais em Os Eleitos na condução do filme.
Porém é evidente que isso não mina a obra, mas apenas a deixa menos poderosa que ela tinha potencial para ser. Onde Nolan brilha ainda é no trato da junção dos esforços de toda a equipe. A indicação realista para quase todos os cenários, incluindo os espaciais, cheios de efeitos práticos e filmagens com miniaturas deixa Interestelar muito confortável em preservar seu poder visual por anos a fio. Não é um filme que deteriorará tão rápido quanto outros muito enfatizados em efeitos visuais de computação gráfica que surgiram na retomada do gênero com Lunar.
Essa também marca a primeira vez que o diretor trabalha com outro fotógrafo além de seu amigo de longa data Wally Pfister que desistiu de sua carreira como cinematografo para se aventurar como diretor - o que rendeu a porcaria chamada Transcendence. Com o cargo vago, é hora de Hoyte Van Hoytema brilhar, o holandês gigantesco. Justamente por ser gigante e muito forte, Hoytema foi o primeiro fotógrafo a conseguir manipular as pesadíssimas câmeras IMAX em shoulders permitindo diferentes abordagens estéticas na linguagem da obra. Isso faz muita diferença para pegar planos detalhe gigantescos ou comportar a movimentação da shaky cam em alguns planos apropriados. Sua iluminação também segue qualidade indiscutível, principalmente para as cenas espaciais nas quais comporta o foco único de luz dura, mimetizando o sol, em diversas tomadas. O aparato de rotação da luz também merece nota por conferir realismo tremendo nas cenas internas das naves, afinal essas estão sempre rodando em centrífuga para gerar gravidade (na diegese).
O que se mantém em seu trabalho também é a excelência de atuações que Nolan consegue extrair de seu elenco. Muito da história só funciona por conta do talento e dedicação de Mackenzie Foy e Matthew McConaughey em conseguir criar uma relação extremamente verossímil de pai e filha como poucas vezes vimos em um filme. É por conta disso que a cena da despedida é tão poderosa.
O estilo mais intimista e contemplativo que Nolan emprega casa com perfeição para a cena, além de também usar outros elementos importantíssimos em seu desfecho que praticamente enunciam seu melhor momento na direção. Quando Cooper está no carro, a contagem regressiva começa. A montagem trabalha em paralelo e vemos Murph sair correndo de casa para dar o adeus nunca dado para o pai. Nisso, Nolan aproveita uma rima de encenação ao fazer Cooper vasculhar as cobertas no banco do passageiro para ver se Murph está escondida ali para partir em uma nova aventura como havia feito anteriormente.
Ao se deparar com o nada, temos o olhar destruído de McConaughey. A contagem regressiva termina e temos o corte seco direto para o lançamento da nave. A inserção da contagem logo no início desse desfecho é importante, pois enuncia que não há volta a partir daquele momento. Cooper será lançado ao espaço e Murph ficará sozinha. Nolan joga limpo e extermina qualquer esperança que o espectador tenha em ver o protagonista dar a meia volta para se despedir apropriadamente de sua filha.
Obviamente, tudo isso é embalado pela trilha musical obra-prima de Hans Zimmer, absolutamente gênio em guiar todas as composições na base da sonoridade do órgão de igreja. Por ser um dos instrumentos mais vivos e ligados ao sagrado, a todo momento temos esse aspecto de religiosidade que permeia a relação entre os dois. Os temas criam ligações invisíveis entre os personagens que acabam, involuntariamente, funcionando no nosso psicológico arrancando boas lágrimas em momentos decisivos da obra.
Zimmer mantém a trilha com o uso convencional de instrumentos e de melodias tonais profundamente belas e comportadas ao longo dos trechos terrestres ou mais humanos do filme. A música se transforma em tons experimentais ou melodias sensoriais de medo e estranhamento justamente quando os heróis chegam no Buraco de Minhoca. A partir dali, a trilha do compositor vai se renovando em tons mais alienígenas, mas não menos brilhantes.
Em momentos de grande ação humana como na cena da ancoragem ou do sacrifício de Cooper, Zimmer volta a adotar comportamentos mais convencionais e extremamente potentes para a música. Nolan sabe aproveitar bem o talento do gênio e também faz uso de modo brilhante das peças musicais. É evidente que Cooper e Murph tem um tema que sempre nos faz lembrar da morada e da situação de calamidade do planeta.
Na segunda cena-chave de Interestelar, Nolan coloca a melodia de modo bem sucinto enquanto Cooper assiste aos vídeos com as mensagens de Tom. Porém, basta Murph aparecer, que a melodia para subitamente. O choque da aparição tira qualquer conforto que Cooper tinha ao ver a vida de seu filho, mesmo que isso também lhe destruísse por dentro.
O que também faz desse filme um marco é seu design de produção. O realismo não afeta somente a construção de cenários idílicos da fazenda de Cooper trazendo um falso sentimento de que a Terra pode se recuperar ou das abordagens visuais para o interior das naves e dos monólitos que formam os corpos dos robôs, mas sim a própria concepção visual de elementos espaciais nunca vistos com clareza anteriormente.
Interestelar é guiado quase que inteiramente por teorias e conhecimentos científicos modernos, além de contar com a presença ativa do astrofísico Kip Thorne na produção do filme. Através de cálculos matemáticos exatos, a equipe de efeitos visuais de Nolan conseguiu criar a primeira representação apuradíssima de um Buraco de Minhoca e de um buraco negro. Foi uma das primeiras vezes que Hollywood contribuiu ativamente para iluminar conhecimento científico para diversas comunidades o que já torna, mais uma vez, Nolan em um realizador pioneiro.
Enquanto é pioneiro em certos sentidos, Nolan vai se tornando mestre em outros. A montagem é sempre a área que o diretor consegue manipular o impossível para conseguir criar momentos poderosíssimos, ganhando um reforço valioso do sempre eficiente Lee Smith. Muito do ritmo do filme é sustentado pela interpolação confortável entre os dois núcleos até a conversão das linhas narrativas no final. Entretanto, Nolan ainda mantém problemas de corte seco e elipses que já assombraram obras passadas. O diretor parece simplesmente não arriscar a colocar fades nos momentos certos e necessários em Interestelar o que certamente acaba prejudicando o espectador a ter um momento de absorção que seria necessário.
Um lugar entre as estrelas
Esse definitivamente é o filme mais polêmico do diretor audacioso. Nolan é muito feliz em conseguir trazer debates pertinentes sobre o futuro de nossa espécie, das relações interpessoais, sobre o custo do sacrifício e a superação do ódio gerado pelo medo do abandono. Interestelar é muito mais do que apenas uma mera ótima ficção científica.
É um manifesto sobre o amor mais puro da relação de pai e filha com direito aos altos e baixos mais extremos que posso imaginar. Mesmo deficitário em alguns pontos, Nolan traz um pacote completo em um épico espacial que eleva o gênero mais uma vez na História do Cinema.
Mas mais importante que isso, é um filme que consegue despertar emoções profundas no espectador. Somente por conseguir reações tão poderosas através de toques sutis da direção, do excelente elenco e da magistral trilha sonora, já merece estar na lista de filmes favoritos de muita gente. São tantas mensagens bonitas e otimistas sobre relações transcendentais, do pioneirismo humano, do senso de exploração, sobre quebrar conceitos que fica difícil de elencar todas nesse texto que já está tão grande quanto o filme. Apenas digo que Interestelar é uma experiência incrível que te faz sentir muitas coisas ao mesmo tempo como raramente o Cinema consegue fazer.
E, para mim, a história sobre a resiliência humana que se nega a adentrar na noite com ternura, se rebelando contra a morte da luz que fulgura, é uma das mais belas que já vi na vida. Que se mantenha assim por muito tempo.
Interestelar (Interstellar, EUA/Reino Unido - 2014)
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Jonathan Nolan e Christopher Nolan
Elenco: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain, Michael Caine, Casey Affleck, Wes Bentley, Bill Irwin, David Oyelowo, Matt Damon, David Gyasi, Topher Grace, John Lithgow, Mackenzie Foy
Gênero: Ficção Científica
Duração: 169 min
https://www.youtube.com/watch?v=BYUZhddDbdc
Leia mais sobre Christopher Nolan
Crítica | Dunkirk
Dunkirk é um evento cinematográfico. Acredite, essas coisas não costumam acontecer com frequência. Assim como Titanic está para James Cameron, Dunkirk está para Christopher Nolan. É o ápice do amadurecimento de Nolan como cineasta.
Em sua primeira realização inspirada em fatos históricos, o diretor encara o tremendo desafio de entender a história inteira de um gênero cinematográfico: o de guerra. Os dramas de guerra existem há mais de um século na sétima arte. Praticamente tudo foi explorado: de comédias à romances, de estruturas formais até o mais puro experimentalismo insano.
Entre titãs do gênero como O Resgate do Soldado Ryan, A Ponte do Rio Kwai, Fugindo do Inferno, Cartas de Iwo Jima, A Lista de Schindler, entre outros, Christopher Nolan encontra seu merecido espaço entre os melhores da seleção. Entretanto, há uma diferença substancial em Dunkirk que o afasta do formato clássico dos filmes mencionados o deixando muito mais próximo de Gravidade, Enterrado Vivo, O Anjo Exterminador e Um Dia de Cão, pois trata-se de um drama de situação.
Logo, enxergar e comentar Dunkirk apenas por seu fino prisma narrativo seria um completo desperdício. Se há mais de cem linhas de diálogo nesse filme, já seria um milagre. Dunkirk é uma experiência barulhenta, mas muito silenciosa. Isso ocorre por conta da proposta de Nolan em trazer as telas toda a evacuação do exército britânico de Dunkirk em 1940. Cercados pelos nazistas, os 400.000 homens agonizavam nas praias da cidade esperando um socorro que nunca vinha.
Poupando recursos bélicos da Grã-Bretanha, Churchill decide intimar civis para a ação, ajudando os poucos veículos de transporte de guerra que partiriam para Dunkirk. Marinheiros amadores, jovens, idosos, mulheres e crianças partiram para o resgate. A casa foi até os soldados em seu momento de maior necessidade.
Semanas, Dias, Horas, Minutos
Nolan merece aplausos há tempos por ter conseguido render a indústria de Hollywood em questão de poucos. Já em O Grande Truque, o diretor conseguia impor seus dedos autorais em filmes de alto orçamento. Se isso se origina lá, é em Dunkirk que temos a melhor amostragem disso. Nolan exerce o que tem vontade aqui. E o melhor espaço para um diretor brincar, certamente é a montagem de seu filme.
Dunkirk é audacioso também nesse aspecto. Nós já sabemos a trama e seu desfecho: tudo se concentrará nas tentativas de extração das tropas. Então, em vez de tomar a linearidade clássica de sempre, por que não inovar um pouco? A narrativa do filme não é linear, passa longe disso, mas possui ótima lógica. O escopo da ação é dividido entre três linhas temporais com personagens protagonistas distintos que terão seus destinos entrelaçados cedo ou tarde.
A primeira é concentrada no Molhe, o único píer de acesso em Dunquerque para os navios aportarem, permitindo assim a extração dos soldados derrotados. A segunda é o Mar, na qual acompanhamos os esforços de Sr. Dawson, Peter e George, três civis, partindo em direção a guerra para salvar seus conterrâneos. A terceira é o Ar. Nela, os pilotos Farrier e Collins voam para combater os aviões Heinkel dos nazistas que insistem em bombardear as praias lotadas.
Esses três focos guiam a obra inteira, mas Nolan constantemente interpola os núcleos brincando com o espaço temporal que cada um ocorre. Logo, temos conhecimento de alguns acontecimentos antes mesmo deles ocorrerem em outras linhas narrativas. Isso, de certa forma, pode aliviar a tensão. Mas Nolan é um diretor inteligente e não deixa isso acontecer.
Quando há a revelação de algo que certamente acontecerá nas outras linhas temporais, nunca vemos com clareza o que ocorre. O diretor sempre nos mostra com magistrais planos abertos exibindo vistas exuberantes que revelam a potência monstruosa do poderio visual IMAX criado na encenação. Não sabemos quem está dentro do navio bombardeado ou como tal personagem acabou em determinada situação. As reviravoltas ainda se desenrolam naturalmente preservando a paixão de Nolan pelas twists.
Uma de suas maiores sacadas narrativas é tratar seus protagonistas como grandes desconhecidos. Nada mais adequado para uma obra de homenagem à memória de soldados desconhecidos que lutaram, morreram e venceram a tirania e a injustiça. Obviamente que isso é revertido favoravelmente à narrativa. Como acompanhamos a sobrevivência, a força de vontade e o sentimento de dever, há pouco espaço para desenvolver os rostos que conhecemos ao longo da jornada.
Mas isso não significa que não há empatia ou conflitos realmente pertinentes para aquelas pessoas assombradas. A grande verdade é que o medo e a urgência movem os personagens. A motivação é sobreviver, resgatar e salvar. Porém, o elenco de Dunkirk é tão afiado que nos importamos realmente pela vida dos soldados. Principalmente pela de Tommy, um jovem soldado inglês que protagoniza o núcleo do Molhe, interpretado pelo desconhecido Fionn Whitehead. O jovem ator desenvolve expressões de verdadeiro terror, mágoa, cansaço e agonia calada ao longo de todo o filme.
Outros que dão show são Mark Rylance, Tom Hardy e Kenneth Branagh. Rylance e seu senso de dever cívico é tão belo que se torna impossível não se emocionar com o enfrentamento do perigo em virtude de motivos tão dignos e iluminados. Seu núcleo é o mais interessante pelo desenvolvimento cheio de reviravoltas fantásticas mostrando a relação do personagem dele com seu filho Peter e o menino George em grande confronto psicológico com o soldado desconhecido resgatado em alto-mar (Cillian Murphy, também excelente).
Há uma força tão grande entre o núcleo de atuação aqui que conflitos extremamente complexos são resolvidos em uma troca de olhares carregadas de significado entre os personagens de Rylance e Tom Carney, ator que encarna Peter.
Já Tom Hardy novamente mostra que é o mestre da atuação com os olhos. Temos mais um personagem que mantem a boca coberta em praticamente o filme inteiro. Mas a clareza do olhar de Hardy, demonstra sutilezas fantásticas de emoções que o personagem transmite enquanto desbrava os ares e elimina aviões inimigos. O que realmente decepciona é a conclusão de seu arco. Algo completamente estranho e pouco crível dado o conhecimento prévio do espectador.
Não seria o menor exagero também dizer que Branagh merece uma bela indicação ao Oscar pelo desempenho como ator coadjuvante aqui. Interpretando o oficial da Marinha Britânica em organizar a triagem dos soldados para os navios de resgate, Branagh sempre está contracenando com James D’Arcy. Na fantástica cena mais poderosa e catártica do filme, Nolan reaproveita linhas de diálogos sempre presentes nas conversas dos dois: - Eu consigo ver daqui. – O que? – Nossa casa.
No terceiro uso dessa fortíssima situação, há uma catarse tão bela e sensível que praticamente crava o nome de Christopher Nolan no panteão de grandes mentes que o Cinema americano já pode nos trazer. É incrível por ser simples, por um jogo tão inteligente de olhares, da perfeição absoluta da atuação de Branagh, do corte certeiro da montagem e do uso catártico da trilha de Hans Zimmer. Belíssimo.
O diretor/roteirista também parece ter escutado, finalmente, uma das maiores reclamações de seus detratores: o problema das exposições exageradas jogadas em diálogos. O ápice disso, que também reconheço, ocorre em Interestelar, mas em Dunkirk esse fantasma passa longe de acontecer. Em apenas uma cena, há uma exposição desnecessária e, para piorar, grave, pois ela explica o óbvio. De resto, o trabalho dos diálogos é muito satisfatório e valorizados pela pouca quantidade.
Lar
Não é preciso pensar muito para admitir que essa se trata da direção mais competente de Nolan. O filme funciona por conta de seu planejamento extremamente eficaz. Sua técnica é apuradíssima e nunca pretende chamar a atenção para si como diversos diretores autorais costumam fazer.
Dunkirk é o resulta do esforço colaborativo de todos os setores para trazer a mais pura expressão cinematográfica de primeira linha. O primeiro que ponto que chama a atenção, em questão de segundos, é o desenho sonoro estupidamente fantástico. Em IMAX, o cinema ressoa, respira e urra ao som da obra de tão competente que é. Em contraste ao começo extremamente silencioso, rapidamente a calmaria é quebrada por tiroteios assustadores e implacáveis.
Logo, a experiência de assistir a esse filme é realmente única, pois o trato cinematográfico interfere no nosso corpo, ainda mais direto que as reações emocionais naturais que surgem em grandes obras.
Nisso, nos tornamos um com o filme, já que a cola que une o espectador ao longa transcende a barreira audiovisual. Literalmente, é possível sentir Dunkirk. Isso por si já é algo fenomenal. Uma característica espetacular do cineasta por unir a raríssima captação e finalização em película e depois usar o mais potente que há em tecnologia de exibição oferecido pela IMAX.
O formato continua sendo o grande favorito do diretor. E realmente não há forma melhor de se presenciar esse filme-evento do que a exibição no formato que o filme foi pensado. Nolan abusa dos planos gerais para mostrar um senso de escala extremo para Dunkirk. Vemos praias infinitas, além de céus que se misturam com o azul cintilante do mar. Há abundância de detalhes oferecidos pela altíssima resolução do IMAX e, mesmo pelo tamanho amedrontador da câmera, Nolan e o fotógrafo Hoyte Van Hoytema fazem o impossível com ela.
A penduram nos aviões Supermarine Spitfire, colocam sob as águas do Canal da Mancha, em porões de navios, em quase tudo. O filme é majoritariamente filmado no formato. E seguindo a tradição muito clássica de decupagem, Dunkirk quase sempre dispensa efeitos de câmera tremida ou algo parecido. Os planos têm elegância e deixam a ação correr bem em frente aos nossos olhos. Ou seja, o corte entre eles é demorado, gerando maior realismo para a encenação que finalmente foi aprimorada – um dos maiores defeitos de Christopher Nolan.
Um plano em particular é formidável. Mantendo o quadro em Tommy, vemos os caças nazistas se prepararem para lançar bombas nas praias. Com o personagem já acuado no chão, tentando se proteger, vemos em profundidade de campo uma sucessão de explosões que matam violentamente alguns soldados. O efeito é tenebroso.
Outro grande ápice de realismo da obra, surge durante uma das perseguições aéreas de Tom Hardy. Vemos Farrier tentando abater um dos aviões nazistas prestes a jogar uma bomba em um navio. Tudo isso no mesmo plano acompanhando o movimento do avião. Com essa relação excelente entre perseguidor e perseguidos, é impossível ficar indiferente à ação, pois já fazemos parte dela seguindo a ordem natural da sucessão de olhares: o nosso no avião de Hardy que olha para o nazista que mira no navio.
Muito da direção de Nolan também se concentra na ordem de suas cenas, quase sempre contrastantes. Em uma mesma sequência, por exemplo, não serão raras as vezes que veremos bombardeios enunciados pelo som agonizante dos caças nazistas para logo retomarmos uma calmaria plena como se nada tivesse acontecido. O cerco de Dunquerque provocou esse ritmo bizarro de medo, adrenalina e tensão para logo deixar toda a ocorrência tediosa e banal até a indução do terror virar rotina. E no tédio, na enorme ânsia de voltar ao lar, surge a loucura dos soldados.
Mesmo em seu décimo longa, por vezes falta a Nolan certas sacadas que fariam o filme mais eficiente no trato da banalidade, já que a tensão é garantida pelas cenas de ação potencializadas pela estrondosa trilha musical de Hans Zimmer. Mesmo que existam tentativas de mostrar os soldados fazendo absolutamente nada, poucas realmente são eficientes em agregar à mensagem. A melhor delas, essa sim poderosa, mostra um homem tão cansado quanto os outros, de tanta demora. Então decide cruzar o Canal da Mancha à nado. Fica claro pelo trato das cores e pela lógica interna cruel da obra que o homem iniciou não uma jornada para sua salvação, mas para a própria morte – essa cena, aliás, tem ares profundos de Werner Herzog pelo tom quase documental.
Aliás, são nessas cenas menos espetaculares que sentimos sim a presença da inspiração no cinema silencioso que Nolan tanto mencionou em entrevistas. São retratos sutis sobre a tristeza de homens derrotados. Porém a audácia do diretor não para por aí. Há muito mais em Dunkirk em suas intenções pioneiras. O trato sensível de Nolan também é explorado no psicológico de alguns homens misteriosos de seu filme.
Por conta da circunstância do recuo e da completa derrota do fronte inglês-francês neste começo de guerra, os homens se sentem desertores inúteis, que decepcionaram não a si mesmos, mas toda a nação. Portanto, a cada breve conquista, por mais banal que seja, o diretor sabiamente faz seu elenco comemorar bravamente como se fosse uma enorme vitória.
Em uma raríssima escolha de repetição de planos, vemos Nolan insistir em um enquadramento que carrega certa simbologia poderosa. Nele, vemos duas pilastras brancas, resistentes à toda a tragédia e indiferentes ao caos e a depressão. Elas conectam a trilogia que o diretor trabalha ao longo do filme: terra, mar e ar. Ligando os três em um conjunto só, é um tanto nítida a representação forte da paz que as hastes simbolizam. Mesmo que ainda ocorram tragédias naquela praia, boa parte dos 400 mil homens conseguiram voltar para a casa. É a força do espírito humano.
Outro fato também bastante arriscado de Nolan e que certamente entortará a cara de diversos espectadores é a decisão de nunca mostrar a linha inimiga de modo claro. O máximo que vemos da força nazista é o conjunto de aviões que aterrorizam o cerco de resistência – em distância considerável. Os nazistas são tão estranhos ao espectador como são para os soldados “encalhados”. Novamente, é uma extensão sensorial que Nolan propõe para sua audiência: imersão de paranoia.
Sem saber a localização dos inimigos, nunca transitando em seus pontos de vista, o estado de apreensão é geral. Os nazistas podem sair de qualquer canto, seja com caças, submarinos ou tropas repletas de tanques. Suas aparições são fantasmagóricas e mortais, atacando fatalmente com rapidez. Ou seja, em sua essência, além de ser um filme de sobrevivência, Dunkirk é um filme de monstro. O uso do som sempre está lá para comprovar isso. De criaturas misteriosas que podem surgir no mais calmo dos momentos para perturbar a falsa sensação de paz. Nolan entendeu. Não existem monstros maiores do que a nossa própria História.
Ainda sobre essa questão do realismo, sempre tão perseguido e alcançado por Christopher Nolan, vale a menção de elogio para o design de produção extremamente apurado. Que Nolan é excêntrico não é novidade para ninguém, mas nunca que imaginaríamos que o diretor conseguisse colocar aviões restaurados e destróieres que já são peças de museu em funcionamento para alcançar dimensões absurdas de peso e escala na encenação. É a Segunda Guerra em 1940, em todo o seu poderio visual surpreendente e impactante.
Para completar, o grau de simbologia também é presente em um trato que vem sendo, inacreditavelmente, criticado. Nolan e Hoytema pensam em Dunkirk como uma pequena trilogia, como já dito antes. Entretanto, isso também atinge as cores do filme. No núcleo do Molhe, as cores são extremamente frias, mortas e acinzentadas, além da iluminação ser quase totalmente trabalhada na penumbra sombria. A associação com desesperança, angustia, depressão, isolamento e morte são óbvias. Refletem o estado emocional e psicológico dos personagens exaustos deste núcleo.
Já para o Mar e o Ar, as coisas são diferentes. No Mar, as cores são mais vivazes, levemente saturadas. Rylance e os civis que atenderam ao chamado de Dunquerque representam a esperança e o dever, mas as cores ainda são levemente chapadas por conta da proximidade da guerra e do perigo deles morrerem ser muito mais real do que o do núcleo do Ar. O terceiro foco narrativo, dos aviadores, é a esperança plena, os anjos da guarda dos soldados agonizantes. Pela distância da guerra por conta da altitude e da simbologia de porto seguro, do alado, da proximidade dos céus, as cores explodem. Elas são vivas, cheias de contrastes e banhadas por muita luz forte.
O trato das cores caminha até se homogeneizarem no final. Novamente, a simplicidade gera elementos geniais.
Os recursos religiosos também estão presentes. Nolan é um cineasta conservador e isso é transmitido com clareza em diversos de seus filmes. Mas a religiosidade só foi surgir, sutilmente, em Interestelar. Aqui, a divisão entre terra, céu e mar também carregam significados poderosos, mas também delicados. Deus pai que está nos Céus; Deus Espírito que paira sobre as águas do Mar; E Deus Filho que vem a terra trazer salvação. Os ases dos céus são os mais celestiais. Os salvadores do mar são movidos a salvar os soldados persuadidos pela força de compaixão marcada pelo Espírito Santo. E os soldados acuados são os mais vulneráveis, assim como na luta de Cristo em viver como o homem comum.
We Shall Never Surrender
Dunkirk provavelmente será outra obra polêmica de Christopher Nolan. É fácil desgostar das propostas do cineasta aqui. Elas tratam profundamente sobre o material cinematográfico, algo que até mesmo a tão entendida crítica raramente analisa, optando sempre pela convencionalidade segura do argumento narrativo, do fenômeno apenas replicado pela Sétima Arte, nunca sobre as características que realmente a definem. Para completar, é um filme à frente de seu próprio tempo.
Ver Christopher Nolan se reinventando, experimentando e ousando cruzar seus próprios limites definidos em outrora é poético, belo e inspirador. Um cineasta do porte dele não precisa se arriscar tanto desse jeito como ocorre aqui. Poderia se repetir eternamente que Hollywood ainda o comportaria assim como mantém outros grandes nomes que já cansaram de mexer com esses aparatos.
Estranhamente, a cada filme, Nolan rejuvenesce. Parece mais apaixonado do que nunca em realizar grandes feitos cinematográficos, filmes que desafiam a própria condição da linguagem, que consigam transcender a bidimensionalidade do exercício de assistir a um longa-metragem. O pacote é completo e aprimorado. O domínio é assustador. O coletivo é louvado. Todas as peças desse enorme jogo têm função primordial – principalmente os elementos sonoros que andam tão chutados e mastigados pela grande indústria em usos acovardados na encenação.
A grande vitória de Christopher Nolan é fornecida por uma das horas mais escuras e incertas da guerra. A vitória da força da vontade. Em não se resignar, sabendo recuar mesmo ferido para ressurgir e lutar novas batalhas importantes no futuro.
Pelo grande Cinema, pelas grandes histórias, nós nunca nos renderemos.
Dunkirk (EUA/Reino Unido – 2017)
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan
Elenco: Fion Whitehead, Aneurin Barnard, Barry Kheogan, Mark Rylance, Tom Carney, Tom Hardy, Jack Lowden, Kenneth Branagh, James D’Arcy, Harry Styles, Cillian Murphy
Gênero: Drama, Guerra
Duração: 106 min
https://www.youtube.com/watch?v=F-eMt3SrfFU
Leia mais sobre Christopher Nolan
Crítica | Divertida Mente
Desde 2012, o estúdio de animação mais conceituado do ocidente não trazia histórias originais. E, convenhamos, elas faziam muita falta. A Pixar manteve seu padrão de qualidade com os últimos dois filmes: Valente e Universidade Monstros, porém, agora com Divertida Mente, ela volta a surpreender e marcar ainda mais em nossas memórias porque amamos tanto seus diversos trabalhos.
Riley e sua família vivem tranquilamente felizes em Minnesota, porém, devido ao trabalho de seu pai, eles são obrigados a mudar para a apressada cidade de São Francisco. Logo, a pequena garota tem que se adaptar ao encarar a verdadeira primeira mudança em sua vida. Porém, dentro de sua cabeça, suas emoções, Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho, trabalham incessantemente para deixar a garota mais confortável com a situação. Entretanto, após um acidente e uma descoberta intrigante, Alegria e Tristeza acabam se perdendo dentro da cabeça da menina. Apenas com a Raiva, Medo e Nojinho trabalhando, Alegria e Tristeza correm contra o tempo para que sua ausência não resulte em uma mudança permanente na personalidade de Riley.
Divertida Mente é o fantástico caso do filme de roteirista – quando o roteiro é tão forte que eclipsa as outras áreas da produção. Geralmente, nesses casos, os próprios roteiristas são responsáveis pela direção do filme. Aqui não é diferente, três roteiristas – Meg LeFauve, Josh Cooley e Pete Docter, desenvolvem o texto da história original criada pelos diretores Pete Docter e Ronaldo Del Carmen.
O texto é excelente. Mesmo pisando em um terreno que já fora explorado em Osmose Jones, eles tomaram muito cuidado para criar características próprias para o filme. Aqui, como se sabe, tudo cerceia a mente e nossas emoções – algo que nunca é fácil de trabalhar.
O mais impressionante é o teor complexo da história, apresentado de maneira simples e objetiva através dos personagens cativantes. Fiquei surpreso em notar que Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Nojinho não são literais. Ou seja, cada personagem não fica preso na própria natureza de sua proposta. Entretanto, apenas dois são realmente muito bem trabalhados: Alegria e Tristeza. Os outros, infelizmente, servem apenas para continuar a ação, apresentar piadas – algumas incluem o humor slapstick, e motivar conflitos. Acabam virando alegorias, instrumentos de roteiro, mas muito carismáticos.
O que os roteiristas deixam de agregar com as outras emoções para o drama que acontece dentro da cabeça de Riley, eles trabalham com maestria a óbvia dicotomia entre Alegria e Tristeza. O maior acerto, porém, está no intenso trabalho de amadurecimento de Alegria, afinal ela também é parte de Riley, jovem e ingênua. Em diversas cenas a personagem ganha maior complexidade, seja na evidente obsessão em deixar Riley sempre feliz, em seu egoísmo e no aprendizado da inusitada convivência com seu oposto.
Tristeza também é bem explorada, porém, ao contrário de Alegria, a personagem já apresenta alguma maturidade. Mas é exatamente aí que entra o fator mágico e único da Pixar: ela não tem conhecimento de si mesma para afirmar tudo isso. Conforme o filme progride, mais Tristeza se torna funcional e orgânica. O engraçado é que a catarse nunca ocorre para a personagem em si, mas para todos os que a rodeiam. São momentos únicos e encantadores que amadurecem não somente o filme, mas como a todos nós.
A história é igualmente encantadora e faz jus a seus personagens maravilhosos, porém acredito que este seja um dos longas mais previsíveis em seus movimentos e reviravoltas de todo o acervo do estúdio. Muitas características são apresentadas para enriquecer esse universo – sempre em diálogos mais expositivos e didáticos que o necessário — porém, logo se percebe que a mesma será responsável por algum twistfuturo. A fórmula para conferir urgência no retorno de Tristeza e Alegria para a “central de comandos” da cabeça de Riley infelizmente é repetitiva. Uma vez que se nota a repetitividade desses acontecimentos-chave, fica fácil de prever o que ocorrerá em cena nos minutos seguintes, incluindo o desfecho do filme.
Outro fator que desagrada é o desfecho concedido para um dos melhores personagens, Bing Bong, ex-amigo imaginário de Riley que ajuda as emoções a encontrarem o caminho de volta para casa, pois contraria o próprio texto e algumas memórias apresentadas durante o longa. Além disso, ao mesmo tempo que consegue ser original em diversas coisas, o estúdio mergulha no clichê durante algumas passagens, mas nada que chega a incomodar de fato. O mais estranho é o critério de interpretar Riley. Tudo fica ainda mais complicado por conta de suas emoções serem mais complexas que ela. Ou não? A relação entre Riley e suas emoções é ao mesmo tempo simples e complicada. No meio disso tudo, aparentemente, a personagem fica perdida nas idas e vindas de sua cabeça – nunca a conhecemos de fato.
Como havia dito, os méritos do filme se concentram principalmente por conta do roteiro, porém, design de produção e a direção de Pete Docter e Ronaldo Del Carmem são dignas de aplauso. O departamento de design acerta muitas coisas e é questionável em algumas. Como sempre, a Pixar faz milagre em reproduzir o complexo em formas simples. Aqui, tudo é muito funcional e óbvio ao mesmo tempo que exalta o trabalho primoroso da imaginação desses artistas. Orbes, prateleiras, tubos, as ilhas, nuvens, sonhos, medos, enfim, absolutamente tudo, tem um propósito único de sua existência – não se trata apenas de ser fofinho e colorido para vender brinquedos.
O design das emoções é fantástico, ao menos das que vivem em Riley: Tristeza, Medo, Raiva – reparei que toda a figura do personagem se aproxima muito a do ator Lee J. Cobb em Doze Homens e Uma Sentença – e Nojinho – a escolha das cores não poderia ser mais acertada. Entretanto, a concepção de Alegria lembra em demasia com o conceito original da Sininho de Peter Pan. Por mais que a proposta seja remeter Alegria com uma fadinha, leveza, pureza, etc, ainda fiquei com a impressão de se tratar de uma reciclagem caprichada apenas. Também é triste ver que as emoções que comandam a cabeça de outras pessoas terem um desenho de corpo similar – empobrece a concepção visual do longa.
Igualmente inspirada é a representação do universo de dentro da cabeça de Riley. Extremamente colorida e vibrante contrastando com os tons pálidos, frios e opacos da cidade de São Francisco. O estranho é que os tons dessaturados da realidade se mantém até mesmo depois do clímax, ou seja, há algum sentimento pessimista no fim do filme – ao menos na representação das cores.
Já veterano em dirigir filmes da Pixar, Pete Docter que liderou a produção dos ótimos Monstros S.A. e Up – Altas Aventuras, alia seu talento com o “novato” Ronaldo Del Carmem. Porém, ao contrário da sua direção elétrica nos outros dois longas, aqui temos algo muito mais introspectivo abordando os momentos únicos da infância, da vida em geral – essa característica do diretor já era explorada em algumas passagens de Up e até mesmo de Monstros S.A.
Ele começa a definir até mesmo suas marcas como autor. Docter apresenta o filme com diversas passagens da pequena vida de Riley com muita sutileza. É possível perceber o carinho do profissional em cada plano elaborado para retratar a infância da garota – algo belo de ver. Seu trabalho aqui é mais diferente de seus anteriores onde toda a diegese exalava um espírito iminente de aventura. Divertida Mente é o trabalho mais intimista, tranquilo e quieto até aqui.
Os dois diretores não ousam muito com a câmera. Ela permanece parada ou com movimentos tranquilos. Seus enquadramentos também pouco fogem da normalidade. Porém sua simplicidade não é pobre ou enfadonha, mas sim encantadora. O trabalho dos dois diretores também é destacado para representar visualmente o id, ego e superego de sua personagem, além de seu subconsciente.
O humor nunca fora tão presente em um filme do estúdio quanto neste. Talvez seja, de longe, o filme mais engraçado que eu tenha visto no ano. E com certeza, o mais emocionante.
Divertidamente divertido
Divertida Mente é o fim da crise criativa que a Pixar enfrentava nos últimos anos. O estúdio realmente ressurgiu das cinzas com um dos melhores filmes de sua história. A mensagem que ele traz é exemplar para uma sociedade que busca a felicidade a todo custo em sua plena futilidade. É incrível como a narrativa molda a importância da tristeza na vida de Riley e de todos nós.
A riquíssima história nos permite interpretá-la de diversas formas. Ou seja, é de fato um filme plural, vivo e fantástico. Um dos melhores do ano. A dublagem é igualmente exemplar – isso na versão original, cada ator sacou seu personagem muito bem. E a trilha sonora de Michael Giacchino preenche organicamente as cenas com melodias belíssimas – uma curiosidade: esta é a terceira estreia consecutiva que conta com as composições de Giacchino neste ano.
Além de marcar o retorno da Pixar à boa forma, Divertida Mente é a consagração de Pete Docter como um dos melhores diretores do estúdio. Se ainda restam dúvidas, caríssimo leitor, não há o que temer, os poucos tropeços do filme não comprometem de jeito algum seu brilhantismo e elegância.
Bem-vinda de volta, Pixar! Você nos fez uma tremenda falta.
Crítica | Transformers: O Lado Oculto da Lua
Em um passado não muito distante, o melhor piromaníaco de Hollywood, Mr. Michael Bay foi cotado para dirigir um projeto milionário. Em 2007, o projeto inspirado nos brinquedos da Hasbro originais de 1984 é lançado. Os fãs de Transformers deliram com os efeitos visuais espetaculares, mas só. O filme não tinha nada a mais para oferecer, entretanto era divertido garantindo um bom passatempo. Embalado pelo sucesso espontâneo e o imenso lucro de bilheteria, a DreamWorks e Paramount resolvem reatar a parceria que originou o primeiro filme. Logo, em 2009, os espectadores encontram A Vingança dos Derrotados. O filme também foi um sucesso de bilheteria, porém a paciência dos críticos de mundo afora havia se esgotado com as idiotices de Bay e detonaram o filme classificando-o como “O Pior Filme da Década”. Enfim, até o próprio Michael Bay confessou que o filme era uma porcaria sem tamanhos e prometeu que sua redenção estaria na última parte da saga robótica.
Bem, não foi exatamente isso o que aconteceu…
Nossa corrida espacial foi em resposta a um evento. Um objeto voador não identificado colide com a superfície terrestre da Lua. Rapidamente, o presidente John Kennedy ordena a NASA arquitetar uma missão tripulada até nosso satélite. “Temos que chegar antes dos russos”, esbraveja o presidente. Em 1969, Neil Armstrong e Buzz Aldrin aterrissam na Lua e vão investigar o obscuro objeto. Voltando ao presente, os Autobots reforçam sua parceria com os humanos fornecendo tecnologia e auxílio em combate. Porém, uma missão em Chernobyl muda o destino do futuro de nosso planeta. Agora, os Decepticons contam com um plano infalível para dominar os homens. Novamente, a esperança da salvação da humanidade reside nos Autobots e no jovem Sam Witwicky.
A Última Metamorfose
O roteiro é do abismal Ehren Kruger. O roteirista deve sofrer de amnésia, pois a história que escreveu é completamente incoerente com a cronologia da série. Lembrem-se, caros leitores, da narrativa do primeiro filme. Sim, o melhor da série, aquele que contava com o sub plot desnecessário dos hackers. Segundo o agente Simmons, o ENB-1 havia sido descoberto, completamente congelado, no séc. XIX. Então como Megatron havia contatado seu parceiro em pleno séc. XX? E porque se ocupar em encontrar o Cubo ou ajudar o Fallen quando o plano maléfico deste filme cairia como uma luva no conflito do primeiro filme?
Entretanto, Kruger tem lapsos de criatividade interessantes. A idéia de situar o início da trama em plena corrida espacial é original, porém não consegue se equiparar ao cuidado que os roteiristas de X-Men: Primeira Classe tiveram ao encaixar a narrativa na Crise dos Mísseis. Também consegue melhorar alguns personagens que eram chatíssimos em filmes anteriores, como o Wheelie. Até alguns personagens novos conseguem se destacar. Dutch e Jerry Wang são exemplos disto. O roteirista apresenta o novo bichinho de estimação de Soundwave. No primeiro filme, era o escorpião. No segundo, aquela espécie de lince metálico. E, agora no terceiro, entra em cena o melhor deles. O urubu Laserbeak é o mais carismático e cruel dos três. Kruger apresenta pela primeira vez um antagonista humano. O roteirista propõe uma história interessante a Dylan que desperta a atenção do espectador.
Kruger mantém acertos dos filmes anteriores. Por exemplo, a maneira que Bumblebee se comunica. Antes ele utilizava o rádio a fim de se comunicar e alguns movie quotes. Aqui, Bee passa a usar somente movie quotes sendo o mais expressivo “Missed it by that much” do seriado Get Smart de 1965. O roteirista também remove as piadas apelativas como a do “saco transformer”, mas as que tomam lugar mal conseguem arrancar um sorriso torto do espectador. Existe um arco conspiratório bem elaborado, mas pouco explorado em seu roteiro. Kruger também muda a imagem de Optimus Prime. Finalmente, o líder autobot recebeu um caimento bad ass em suas atitudes menos tolerantes. Outro aspecto positivo do roteiro são os novos antagonistas. Shockwave e Driller garantem as melhores cenas de ação do longa inteiro.
Porém, o lado Kruger do roteirista prevalece diversas vezes. A história não tem consistência ou profundidade. Tudo é tão raso que o espectador não se importa com nenhum dos personagens. Isso também vem da invulnerabilidade dos protagonistas. Aparentemente, Sam pode ser esmagado por uma nave de trezentas toneladas e sair sem um arranhão. É notável perceber como Ehren se esforça em criar uma história para encaixar as mirabolantes sequências de ação. Infelizmente, o roteirista enche a primeira hora de projeção com cenas irrelevantes para o desenvolvimento da história. Se todas as cenas do trabalho de Sam fossem excluídas, o desfecho do filme continuaria o mesmo. O roteirista também não cumpre o meu desejo mais solícito – minha felicidade seria tamanha se Starscream esmagasse com toda a sua força os insuportáveis Judy e Ron Witwicky, vulgos, pais de Sam. As cenas com estes personagens também são descartáveis. Infelizmente, Ehren não se esforça em aprofundar as relações entre os personagens. O relacionamento de Sam com Carly é no mínimo forçado e inconsistente.
Seu roteiro sofre com o mal da previsibilidade aguda. É impossível acreditar em algum momento nas inúmeras tramóias em que o roteirista ameaça detonar um personagem importante. Ele também não se importa em oferecer cenas épicas para a morte de alguns Decepticons e Autobots evidenciando o caráter “comercial” exploratório de sua história e seu descaso com os fãs destes personagens. Além disto, Kruger tem a constante mania de sumir com alguns dos milhares personagens da narrativa sem dar a mínima satisfação. Isso é muito evidente com Brains e Wheelie no fim do filme. Como sempre temos as significativas frases de efeito. Até que algumas são inspiradas como “You may lose your faith in us, but never in yourselves. From here, the fight will be your own…”, mas outras são simplesmente deploráveis. Por exemplo, “Whoa, little mexican standoff we got here…”. Mas esses detalhes nem se comparam com os absurdos que o roteirista impõe durante o clímax da obra.
Após muitos minutos de tortura chinesa, o espectador encontra o clímax de uma hora de duração que demora uma eternidade para passar. Para encher esse tempo, Kruger faz um ciclo vicioso e perene de plot twists. São inúmeras as reviravoltas que o clímax possui. Obviamente a paciência do espectador também vai diminuindo a cada reviravolta encontrada. Além da repetitividade imposta com essas reviravoltas, o roteirista explora diversas soluções rápidas e fáceis para vários conflitos do clímax sendo o maior deles o diálogo ridículo entre Carly, nova namorada de Sam, com Megatron. Ehren também tem a mania de descrever o que se passa na tela, duvidando da visão do espectador. Por exemplo, quando uma ponte abaixa, três personagens gritam simultaneamente que ela está abaixando. Quando os personagens caem, alguém já proclama “We’re falling D:”. Optimus ainda ordena os Autobots a mirar nos Decepticons como se isso já não fosse óbvio. O roteirista ainda tem a astúcia de insinuar uma relação Batman & Coringa entre Optimus e Megatron.
A certa altura do fim do filme, eu já não agüentava mais a pancadaria desenfreada entre pedaços de sucata. Já não me importava mais se o planeta acabasse estuprado pelos Decepticons. Só queria que uma bomba H caísse no meio do set para que tudo explodisse e o filme finalmente terminasse com alguma mensagem cósmica da caixa-preta de Optimus Prime.
Socialites, gritos e robôs
Shia LaBeouf conquistou Hollywood no primeiro Transformers. A naturalidade de sua atuação capturava a atenção do espectador quase que imediatamente. Reprisando o papel pela terceira vez, LaBeouf mantém a atuação energética, mas infelizmente não encontra espaço para inovar. A maioria do tempo, Shia grita com toda a potencia de suas cordas vocais “Bee!” ou “Optimus!”. Às vezes, o ator repete recursos de filmes anteriores como o divertidíssimo grito afeminado. A expressão facial do ator se resume aos diversos olhares expressivos. Shia leva ao pé da letra expressão corporal. Diversas vezes, o ator utiliza o corpo inteiro para revelar seu descontentamento, tristeza e surpresa. A tremedeira é uma característica amplamente utilizada pelo ator. Assim, com algumas expressões faciais bem arquitetadas, Shia torna o clímax um pouco mais verossímil. Ao menos o nervosismo que o personagem transmite é bem convincente. O timing cômico do ator também continua expressivo.
Megan Fox não retorna. Spielberg a demitiu após ela ter comparado Michael Bay com Hitler. Então, eis que chega Rosie Huntington-Whiteley, a modelo da Victoria’s Secret. Antes de conhecer o rosto da garota, o espectador conhece sua vasta bunda e suas pernas torneadas. Enquanto a “atriz” está no primeiro e no segundo ato, se sai consideravelmente bem. Afinal, as cenas destes segmentos exigem apenas a pose de socialite e o sotaque inglês da moça de beleza clássica encantadora. O horror chega ao terceiro ato. Bay pede para que a menina comece a atuar porque aquele é o suposto momento dramático do filme. Então Whiteley atua. E que conceito errado de atuação que esta garota tem. Rosie parece completamente perdida no cenário. As expressões que ela constrói são tão bizarras semelhantes àquelas quando alguém sofre de disenteria. Às vezes Huntigton, sem saber o que fazer para a câmera, esbugalha os olhos quase os fazendo saltar para fora das orbitas enquanto grita desesperadamente – “Sam!!”. A boca entreaberta, lugar comum de várias atrizes de hoje em dia, ataca novamente na atuação da garota.
John Turturro volta com uma atuação mais contida e menos caricata. De vez em quando o ator consegue divertir, mas graças à participação reduzida do personagem na história, Turturro não tem seus momentos levando a crer que ele está deslocado da narrativa. John Malkovich, quase laranja no segundo ato, é um talento desperdiçado no elenco estelar do filme. O ator explora mais sua veia cômica com expressões e gestos exagerados. Quem rouba a cena é o sempre ótimo Ken Jeong. Pela primeira vez tive a chance de conferir o ator explorar diversas expressões faciais fantásticas. Toda a sua atuação e caricata e completamente divertida – consegue fazer as piadas ruins de Ehren Kruger ter graça. O ator também distorce sua voz diversas vezes para reforçar seu apelo cômico.
Alan Tudyk é outro ator que merece destaque. Com expressões bem definidas acompanhadas de seu sotaque alemão, o ator consegue arrancar a melhor piada do filme. Frances McDormand também é outro talento desperdiçado. Sua participação é pouco relevante e sua personagem é chata. McDormand não explora muita coisa. Mantém a mesma expressão na maioria do filme. Fora isso, o que Bay pede para a mulher fazer beira o ridículo. Em um momento do filme, a atriz começa a gritar loucamente com um robô de CGI revoltado. Simplesmente deplorável.
Josh Duhamel e Tyrese Gibson são alegóricos. Estão lá para mostrar seus bíceps e só. Já Patrick Dempsey se esforça para criar profundidade em seu personagem insistente. Peter Cullen, Hugo Weaving e Leonard Nimoy, o eterno Dr. Spock, destacam-se com o trabalho de vozes eficientes. Cada um com sua voz profunda e rouca. Kevin Dunn e Julie White completam o elenco. Destaque para Buzz Aldrin em sua participação especial.
Síndrome Snyder
A fotografia de Amir M. Mokri respeita as exigências do diretor. Isto é um fato. Qualquer diretor de fotografia que trabalha com Michael Bay sabe que a fotografia será dirigida pelo próprio. Assim, Mokri repete as cores favoritas de Bay. A iluminação amarelada acompanha os dois primeiros atos do filme para então chegar ao ameaçador terceiro ato. Ali as cores ficam subitamente sombrias, acinzentadas e levemente pálidas – a escolha comum para retratar ambientes hostis.
A clássica iluminação azulada também marca presença. Bay costuma utilizar o azul em cenas que acompanham os militares. Isso não muda aqui. O azul é bem significativo nas partes que se passam na Lua. Lá acontece a melhor modelagem de luz e sombras do filme inteiro. A contraluz ofuscante aparece em várias cenas sem o menor propósito, mas é eficiente em deixar a imagem mais bela. As imagens que aproveitam a iluminação incrível do pôr-do-sol retornam. Bay é diretor de texturas. Respeitando as exigências do diretor, Mokri satura em excesso diversas cores do cenário a fim de aumentar o contraste com os personagens. Quando Bay usa closes nas faces dos atores, não é para deixar a expressão mais nítida, mas sim para focalizar as gotas de suor, as feridas, a sujeira dos entulhos, o sangue, etc. com o intuito de patriotizar os personagens.
Entretanto, Mokri também tem seus devaneios de criatividade. O cinegrafista arrisca ao saturar exageradamente o branco em algumas cenas. O efeito quase cega o espectador, porém é interessante. Outras vezes, utiliza tonalidades avermelhadas ou violetas garantindo uma atmosfera diferente para alguns cenários. Os reflexos são extremamente raros em sua fotografia e quando aparecem não são significativos. Ele também usa alguns flashes de luz inteligentes, além de jogar poeira e fumaça no cenário.
Mokri e Bay cometem o mesmo erro que Larry Fong e Zack Snyder cometeram na fotografia de Sucker Punch, só que aqui em carga menor. Durante à hora final do filme, o espectador encontra uma imagem mais estonteante que a outra. O apelo visual é tão forte e crescente que acaba se tornando cansativo. É difícil encontrar um plano mal feito ou feio neste novo Transformers. O lance deste filme é o visual inacreditável. Não existe moderação no encaixe das imagens belíssimas. É uma seguida da outra sem parar. Vou repetir a analogia que fiz na crítica de Sucker Punch – “É como comer seu doce favorito por uma hora interminável. Cedo ou tarde, você acaba enjoando…”
Além da excelente, mas cansativa fotografia, o filme tem outro atrativo a oferecer. E estes são os efeitos visuais deslumbrantes. Logo no início do filme, eles marcam presença. A equipe de CGI caprichou ao construir Cybertron em plena guerra. A complexa arquitetura do planeta logo chama a atenção evidenciando a criatividade da direção artística das animações. A recriação da Lua e do seu “lado oculto” é igualmente fantástica. Até mesmo o visual de alguns personagens é alterado. Bumblebee conta um visual diferente. Megatron aparece completamente deformado, no interior e no exterior, por causa da batalha anterior no Egito. Fora isso, a concepção visual de Sentinel Prime é marcante. Até mesmo as expressões dos robôs é melhor definida. É difícil acreditar que este filme não leve o Oscar de melhores Efeitos Visuais de 2011.
Eles não deixam de surpreender o espectador durante as metamorfoses, agora mais detalhadas do que nunca, quando Bumblebee resgata Sam no meio do ar, na destruição em massa causada por Driller – o segmento do arranha-céu é de cair o queixo, na colisão metamórfica entre dois Decepticons e Ironhide; no cuidado minucioso dos danos causados na carroceria de Optimus, entre vários outros efeitos inacreditáveis. Porém, a Industrial Light and Magic decepciona na modelagem virtual dos homens. Quando os dublês não se arriscam, os bonequinhos virtuais dos atores fazem o trabalho que no caso são feitos com certo desleixo. A direção de arte também é competente. A recriação da geografia da Lua e da paisagem devastada de Chicago é belíssima.
Tendenciosa até o final
A música de Steve Jablonsky almeja a grandeza. Várias composições são inspiradas e algumas utilizam distorções digitais muito bem inseridas como na variante do tema principal do filme “There is no Plan”. A música ajuda bastante a reforçar a atmosfera envolvente e hipnotizante do filme. Existem composições bem sombrias e carregadas de uma pegada forte nos instrumentos. O grito dos trombones, a bateria compulsiva e o violino forte são orquestrados brilhantemente por Jablonsky em “Im Just the Messenger”.
Entretanto, em outras, Jablonsky carrega o sentimentalismo com leve coro de violinos que expressão profunda tristeza. A música a qual me refiro é a “The Fight Will Be Your Own”. Às vezes, o compositor usa corais proporcionando temas épicos. Sua música tendenciosa é eficiente e cumpre seu papel. Ela ajuda o espectador a vibrar pelos Autobots e encaixa perfeitamente nas cenas de ação. Porém a cara de pau do compositor fica comprovada no momento que plagia abusivamente “Mind Heist” de Zack Hemsey. Para os desavisados, a música de Hemsey acompanhava todos os trailers de A Origem.
A trilha licenciada sempre foi expressiva na franquia e aqui a história não muda. Novamente, Linkin Park compõe outra música exclusiva para o filme. Paramore também marca presença. O maior problema das músicas licenciadas é que elas raramente têm a ver com a cena tornando muitas partes do filme meros videoclipes. Isso é fácil de notar quando toca “All that you are” de Goo Goo Dolls enquanto Sam trabalha.
Já a mixagem e a edição sonora são perfeitas. A barulheira infernal do terceiro ato comprova isso. É impressionante escutar nitidamente o estilhaçar dos cacos das vidraças, o som das pancadarias explosivas travadas entre as duas facções e o barulho das transformações robóticas dos veículos.
Um demônio eficiente
É um demônio sedutor este Michael Bay. Primeiro, aparece arrependido dos erros do passado prometendo coisas fantásticas em seu novo projeto. Depois lança trailers excelentes explodindo a expectativa de muitos. Mas isso não me afetou desta vez. Minha decepção com “A Vingança dos Derrotados” foi tamanha que parei de acreditar nas mentiras do cineasta. Sua direção neste caso melhorou a ponto de conter as piadas abusivas do roteiro, mas pedir atuações e construção narrativa em um filme de Bay é o mesmo que pedir um Camaro SS para o Papai Noel.
Por ser um demônio, Bay sabe fazer uma coisa muito bem, talvez até seja o melhor nisso – atear fogo nas coisas. Depois de devastar Washington e as pirâmides de Gizé, o diretor resolve mandar Chicago pelos ares. Até que as explosões empolgam, mas depois de assistir a ducentésima quinta explosão, o espectador começa a cansar. As sequências de ação também são outro aspecto positivo do diretor. Com cenas extremamente complexas em sua realização, Bay prova que é possível fazer qualquer coisa no cinema. O segmento dos homens-esquilo voadores é uma prova disto. A cena recebe um tratamento mínimo de efeitos visuais. Aquilo que o espectador vê é totalmente real.
O cineasta orquestra cenas extremamente vertiginosas e belas de se ver causando uma hipnose assustadora. Seu cérebro literalmente desliga e é muito difícil tira-lo do modo automático tanto que tive que assistir ao filme duas vezes para entender algumas coisas. A escolha infeliz de manter as cores escuras dos Decepticons ainda prejudica a franquia. Consequentemente, os cenários sombrios e os robôs tornam-se uma coisa só deixando difícil compreender as pancadarias nervosas.
A edição de Bay é cheia de altos e baixos. Regularmente, o diretor usa cortes mais dramáticos e significativos. Por exemplo, a brilhante sequência de Laserbeak na casa de um comparsa. O truque eficiente da edição também se repete quando Chicago é sitiada. Porém as coisas boas param por aí. Mike sofre de TOC, pois transfere os planos em um ritmo que dificilmente chega aos cinco segundos. A montagem também é confusa e, algumas vezes, despreparada. Em uma cena, o espectador vê Sam e seus amigos falando que precisam chegar ao arranha-céu. Logo depois os homens-esquilo dão um baile aéreo. Após isso, Sam já chegou à torre. Resumindo, durante o clímax a edição dá saltos expressivos diversas vezes.
Bay também encontra oportunidade de reciclar tomadas de A Ilha na fantástica cena da rodovia. É impressionante notar que Mike ainda insiste em recursos amplamente explorados em seus filmes anteriores. O militarismo exacerbado e a angulação baixa das câmeras a fim de engrandecer os personagens ainda são traumas que Bay não conseguiu superar. Todavia, O diretor inova na introdução do filme colando várias imagens originais de noticiários de 1969 sobre a chegada do homem à Lua. Em outras imagens, adiciona um filtro televisivo para dar o ar retrô. A verdade é que o maior atrativo deste Transformers é o 3D. A partir deste ano, os filmes que utilizam este recurso serão divididos entre A.T. e D.T. (antes e depois de Transformers). Bay prova-se ser um verdadeiro gênio ao utilizar o efeito.
O diretor lança cacos, engrenagens, papel, sangue gráfico, Sam, balas, etc. na plateia que vai ao delírio com o efeito alucinante e cinético. Além disto, proporciona uma noção de profundidade muito inteligente e bem superior a de Avatar. Graças ao 3D estereoscópico, o diretor encontra um significado para seus slow motions deslocados. Desacelerando a imagem, dá a oportunidade de o espectador correr os olhos por toda a imagem e desfrutar de sua riqueza visual. Entretanto, o efeito pode causar dor de cabeça após o término da sessão graças à longa duração da fita. Isso também acontece porque seu olho muda, involuntariamente, a distância focal para deixar a imagem nítida a cada cinco segundos. Mike também arrisca com novos movimentos de câmera inspirados. Às vezes o diretor usa planos holandeses, já em outras prefere apresentar a imagem através da visão dos personagens com subjetivas interessantes.
O Lado Sombrio do Cinema
Transformers: O Lado Oculto da Lua funciona como uma lindíssima caixa vazia. A embalagem é fantástica, porém assim que o consumidor tenta vasculhar ávido por algo a mais em seu interior, não encontra nada. Com atuações medíocres, o filme ganha pela estética impecável. A diversão virá eventualmente, mas a enrolação das reviravoltas contidas no clímax consegue cansar até mesmo o espectador carregado a base de Duracell. As sequências de ação mantêm a megalomania característica do diretor e impressionam.
A pancadaria metálica é garantida, mas a experiência disto não adicionará muita coisa em seu intelecto tornando o filme algo fugaz. Mesmo sabendo que ele é previsível, essencialmente chato e narrativamente fraco e ainda quiser conferir, faça um favor a si mesmo e assista em 3D no IMAX. O visual que já era belo fica incrível e o barulho infernal torna-se ensurdecedor, porém já ficou provado que a base de qualquer filme não é sua qualidade visual, mas sim seu roteiro. O efeito alucinógeno e a tontura vão embora a poucos minutos assim como a lembrança de algum diálogo interessante da fita. A recíproca é triste, mas verdadeira.
A qualidade do filme começa a cair assim que o nome Transformers aparece na tela.
Transformers: O Lado Oculto da Lua (Transformers: Dark of the Moon, EUA - 2011)
Direção: Michael Bay
Roteiro: Ehren Kruger
Elenco: Shia LaBeouf, Rosie Huntington-Whiteley, Patrick Dempsey, John Malkovich, Frances McDormand, John Turturro, Ken Jeong, Josh Duhamel, Tyrese Gibson, Peter Cullen, Hugo Weaving, Leonard Nimoy, Buzz Aldrin, Alan Tudyk
Gênero: Ação
Duração: 157 min
https://www.youtube.com/watch?v=Nj0HkNrPK5k
Lista | Os 7 Melhores Seriados Animados do Homem-Aranha
O Amigão da Vizinhança é o produto melhor sucedido da Marvel até hoje. Detentor de mudanças drásticas de editorias que ditariam regras em todo o mercado, o Aranha não ficou limitado a apenas uma mídia. Demorou muito pouco para que o herói ganhasse uma série animada na televisão no ano de 1967.
Mesmo que as primeiras incursões não fossem maravilhosas, muita coisa interessante pode ser concretizada a partir do pioneirismo do seriado cafona. Agora, vamos passar um pouco pela história de cada um deles enquanto ranqueamos os desenhos do Aracnídeo.
7 – Homem-Aranha (1967)
O seriado é histórico. Não somente por ser o primeiro do Aranha, mas também pela criação de um tema musical tão icônico quanto o do Batman de Adam West transmitido na mesma época. Obviamente que, por conta dos anos que foi ao ar, não havia quase nenhuma exigência narrativa para cada capítulo – com exceção do Piloto que é praticamente um adaptação quadro-a-quadro de Amazing Fantasy #15, primeira aparição do Aranha.
A animação não tinha muito dinheiro para contar na produção. Logo, também era porcamente animada e desenhada. Por exemplo, somente os braços e cabeça do personagem continham as clássicas teias do uniforme. As cenas de movimentação pela cidade com as teias também eram repetidas em loop quase infinito. A graça é que rendeu diversos memes para a internet preservando a essência da galhofa do seriado, além de imortalizar um bom trabalho.
6 – Homem-Aranha (1981)
O seriado mais desconhecido do Cabeça-de-Teia com toda a certeza. Muito disso vem por conta de ter sido exibido ao mesmo tempo que outro mais popular conhecido no Brasil como Homem-Aranha e seus Incríveis Amigos. Esse durou apenas 26 episódios, mas tem diversos méritos. O principal, obviamente, é o salto estupendo na qualidade da animação e do traço completamente inspirado na arte de Romitão. O mais curioso é que era um dos primeiros seriados da história a optar por uma narrativa única ao longo dos episódios apostando nos embates do Aranha contra o Dr. Destino.
5 – Ultimate Homem-Aranha (2012)
A existência desse seriado consegue irritar profundamente muitas pessoas. O motivo principal foi a razão do cancelamento da melhor série do Aracnídeo até então. Nunca conseguindo chegar perto da qualidade anterior e com diversas piadinhas sem graça, Ultimate Homem-Aranha não consegue angariar muito amor por onde passa. O caráter bizarro da série com participações especiais de diversos outros personagens da Marvel e também por tentar se assimilar ao MCU geralmente são falhos, com histórias sem sal que raramente visam trazer desenvolvimento nítido para Peter Parker. Ainda ao ar, existem coisas bacanas, como a qualidade da animação que surpreende bastante.
4 – Homem-Aranha e seus Incríveis Amigos (1981)
É óbvio que a nostalgia tá batendo forte nesse caso. Lembro das noites que eu via a esse desenho na Fox Kids no final dos anos 1990 logo depois de outro desenho excelente do Aracnídeo. Apesar de preservar muita galhofa, o roteiro do seriado aproveitava muito seu diferencial: as participações especiais de outros heróis da Marvel. O mais interessante era o nível um pouco mais profundo para o estudo da vida pessoal do Homem de Gelo e Firestar, os incríveis amigos que dão título ao seriado. Ver Peter Parker lidar com outros superpoderosos de modo tão íntimo é certamente algo a ser lembrado.
3 – Homem-Aranha: A Nova Série Animada (2003)
Antes da MTV se tornar um antro de lixo, houve essa bela incursão de apenas 13 episódios com a técnica de animação cell shaded em CGI. O visual poderia ser estranho e muito difícil de aceitar na época e até hoje, mas o roteiro era muito bem escrito. A proposta era trabalhar o seriado como uma sequência direta de Homem-Aranha de Sam Raimi, filme de 2002.
Para não prejudicar os planos da Sony com os futuros vilões que surgiriam na trilogia, o seriado não era muito focado no combate do Aranha contra seus algozes, mas muito centrado em sua vida pessoal. Algo que viria ser melhor trabalho em seriados posteriores. O triangulo amoroso era debatido com intensidade. Infelizmente, ela viu seu melhor e pior momento em questão de poucas semanas com a audiência. Terminou cancelada e em outro cliffhanger – algo comum para os seriados do Homem-Aranha
2 – Homem-Aranha: A Série Animada (1994)
Apesar de ser a minha favorita, reconheço que seu merecido lugar é aqui. O seriado durou por bastante tempo conseguindo um grau de consistência raramente visto nessas animações de spuer-heróis. Conseguindo adaptar diversos arcos muito famosos dos quadrinhos do Aranha, rapidamente conquistou a atenção dos fãs. As adaptações faziam sentido e eram agradáveis, além de contarmos com participações especiais que preservavam a essência dos personagens como Demolidor e Justiceiro.
Entre muita pancadaria com o rol muito expressivo de vilões, os roteiristas conseguiam criar um senso de urgência muito eficaz por conta também do equilíbrio de vermos a vida pessoal de Peter e suas relações com Mary Jane e Tia May. Apesar de manter o público fiel, o seriado foi cancelado por causa de brigas internas de produção. Deixou um monte de gente órfã e bastante insatisfeita.
1 – O Espetacular Homem-Aranha (2008)
Apesar de não possuir o visual mais atraente do mundo, Espetacular Homem-Aranha é tudo o que Homem-Aranha: De Volta ao Lar tenta ser. O roteiro leve aborda a vida escolar do colegial de Peter. Seu tempo é dividido entre combater o crime, sacrificar desejos e conciliar a vida escolar. A relação com os colegas é muito bem definida, dando um peso nunca antes visto para cada ação do personagem. O senso de continuidade também é algo a ser notado. O herói agia e as consequências do ato reverberavam por ao menos episódios seguintes.
O arco favorito, obviamente, é o do nascimento do Venom, desde o uniforme negro até a origem do vilão. É muito bem escrito e acabamos completamente envolvidos com a jornada cheia de escuridão de Parker. Se nunca viu, veja! Infelizmente, esse ótimo trabalho de animação foi cancelado quando a Sony passou os direitos de volta para a Marvel dando origem ao desenho Ultimate Homem-Aranha, já mencionado na lista.
E para vocês? Qual é o melhor desenho do Aracnídeo? Apesar das posições, defendo aqui que todos esses seriados merecem a atenção de qualquer fã do Cabeça-de-Teia.
Crítica | Carros 2
Existe um famoso provérbio que define muito bem a história da produção de “Carros” – “Depois da tempestade vem sempre a bonança”. Após o lançamento do longa, o filme foi taxado como o mais fraco da Pixar, perdeu o Oscar para o musicalmente chato “Happy Feet” e faleceram Joe Ranft (num acidente de carro) – produtor da Pixar – e Paul Newman, ator que dublou o personagem Doc Hudson. Após tantas desgraças no universo automobilístico criado pela Pixar, imaginava-se que a produção estava amaldiçoada, mas o sentimento foi embora assim que a Disney bateu os olhos no saldo financeiro. Revelava-se um dos filmes mais lucrativos da empresa. Só de bilheteria ultrapassou a marca de US$ 400 milhões e nos produtos licenciados quebrou a barreira dos bilhões de dólares. Além disto, as crianças do mundo inteiro se apegaram aos carrinhos de maneira inédita – até Woody ficou com ciúmes. Então, depois de depressões e lucros bilionários, a Pixar resolve explorar mais o universo de “Carros” nesta nova e divertida sequência.
Lightning McQueen já ganhou quatro Copas Pistão e Radiator Springs nunca esteve tão viva como agora. Enquanto isso, Miles Axlerod inventa um novo tipo de combustível que abandona a destilação do petróleo. Para evidenciar a eficiência de seu biocombustível, Miles promove uma disputa jamais vista – uma turnê de corridas entre os melhores carros ao redor do globo. McQueen recusa o convite, pois prefere aproveitar suas férias na cidadezinha com Mater e Sally. Entretanto, depois de várias provocações de Francesco Bernoulli, Lightning entra na disputa para provar que ele é o melhor corredor do mundo e para isso convida Mater a entrar em sua equipe. Chegando ao Japão, McQueen vai à disputa enquanto Mater se envolve acidentalmente em uma trama de espionagem com Finn McMissile e Holley Shiftwell para garantir a segurança da competição.
Dirigindo na contramão
O roteiro de Ben Queen, John Lasseter, Dan Fogelman e Brad Lewis parece ter esquecido a significativa mensagem do primeiro filme. Anteriormente, os roteiristas enfatizavam a importância de valorizar as coisas simples da vida, a nostalgia do passado, o altruísmo, a amizade, livrar-se da ganância por prêmios “vazios”, deixar de lado a correria, o estresse cotidiano, o egoísmo. Além disto, construía uma das melhores críticas à sociedade que já vi.
Muitos críticos reclamam que o universo ambientado do Carros 2 não possui humanos, o que afeta a relação espectador-personagem. O que muitos não percebem é que na verdade os carros são os próprios homens. Reparem, nos tempos modernos nós passamos a maior parte do tempo dentro de veículos engarrafados no trânsito e já que esse processo tende a eternidade, nada mais apropriado que os homens acabem virando carros, aviões, trens, etc.
Colocando o ritmo lento e a tranquilidade do campo em escanteio, os roteiristas apostaram em uma sequência extremamente agitada, divertida e repleta de cenas de ação. Aqui, tem a oportunidade de ampliar o universo do filme apresentando novos veículos, ampliando as relações sociais e revelando personalidades reais em suas versões “automobilísticas”. Eles também optam por deixar McQueen como coadjuvante nesta aventura. Mater – um dos personagens mais legais da Pixar, fica como protagonista, decisão que facilita a inserção de diversas piadas.
O roteiro tenta arrancar diversas risadas do público, porém seu humor agradará muito mais as crianças do que os adultos, visto que a maioria delas se baseia em trocadilhos infantis de palavras e nas situações ridículas que o roteiro encaixa o novo protagonista. Eventualmente, as risadas chegarão aos adultos causadas por piadas muito inteligentes. Os roteiristas colocam os personagens em situações típicas do cotidiano humano como a burocracia dos aeroportos, talk shows, a simbologia dos banheiros, as especiarias japonesas, etc. Além disto, cria oportunidades interessantes de brincar com a anatomia dos personagens.
Os roteiristas sabiam que a história não seria forte o suficiente se a sequência permanecesse em Radiator Springs. A conclusão óbvia para dar continuidade para um dos filmes mais fracos da Pixar seria que a série enfrentasse parâmetros mundiais e foi o que aconteceu. Assim, a narrativa desloca-se em várias cidades – Tóquio, Paris, na fictícia Porto Corsa e Londres. Consequentemente, surgem as piadas estereotipadas que funcionam muito bem. Além das piadas, têm a oportunidade de explorar a cultura das cidades citadas. As gueixas, samurais, cirandas italianas, pubs ingleses, leis de trânsito são meros exemplos da vastidão de costumes que o roteiro aborda.
Além disto, existe a trama de espionagem que segura o filme e o interesse do público. Muitos estão reclamando da violência proporcionada por essa razão. Graças a esta narrativa, o filme possui tiroteios, explosões e mortes. Entretanto, no mundo banalizado em que vivemos, duvido que isto afete as crianças. Afinal, não é a primeira vez que a Pixar aborda a violência de maneira excessiva, vide “Os Incríveis”. E mais, cresci assistindo “Dragon Ball Z” e vi o Kuririn morrer das mais diversas maneiras e não me tornei um psicopata, então esta história de que jogos, desenhos e filmes influem na personalidade do espectador é pura balela.
Com esta narrativa que homenageia os clássicos filmes de espionagem, os roteiristas aproveitam para inserir várias paródias, traquitanas de espionagem e situações absurdas. Por exemplo, as manobras de Finn McMissile no início do longa. Existe também referências a vários filmes da série “007”. A mais expressiva é a que homenageia “007 – O Espião que me Amava” de 1977, um dos melhores filmes de James Bond interpretado por Roger Moore. Também faz referencia ao “O Poderoso Chefão” na divisão das famílias dos “tranqueiras” – personagens que controlam as maiores petroleiras e contrários ao novo biocombustivel. Vale citar que a história é bem complexa, amarrada e construída, mas pode ser de difícil compreensão para alguns pequenos.
Os novos personagens são praticamente indiferentes em relação ao público. McMissile e Shiftwell são estereótipos de James Bond e Bond Girl. O único que se sobressai e consegue realmente divertir é Francesco Bernoulli. Já o novo antagonista, Professor Z, é o personagem mais chato e irritante do longa inteiro. O roteiro também cria um conflito bem forçado entre McQueen e Mater que desconstrói boa parte do trabalho do filme anterior visto que McQueen ainda é extremamente competitivo e pavio curto. Através de Mater a Pixar transmite suas habituais mensagens que tocam o coração do espectador, só que neste caso, ela é inferior a de todos filmes da empresa, não emociona e pior, cai no clichê tão desprezado pela produtora. Infelizmente, os roteiristas desperdiçaram a chance de explorar um pouco mais afundo o universo do longa. Ainda estou curioso a respeito de onde que os bebês carros vem…
Motoristas ocultos
O trabalho de vozes do elenco não é fantástico como o de “Toy Story 3”, mas é bem feito. Como havia dito anteriormente na crítica de “Meia-Noite em Paris” na semana passada, Owen Wilson não é um ator ruim, é apenas mal dirigido e é exatamente isso que acontece aqui. Lightning McQueen já não recebe muito tratamento do roteiro e tem pouca participação então Wilson deveria ter se esforçado mais para destacar o personagem. Infelizmente, isso não acontece. Sua atuação passa batida, praticamente irrelevante. O personagem tem suas falas, claro, mas não existe nada atraente na voz morna e levemente arrastada do ator pouco condizente com a figura veloz de McQueen.
O destaque fica por conta de Michael Cane. Seu sotaque britânico acompanhado da voz levemente rouca dá um charme especial para Finn McMissile. Emily Mortimer também empresta seu sotaque a Holley Shifwell mas abusa da elocução exageradamente “meiga” de sua voz. Quem rouba a cena é o ótimo John Turturro dublando Francesco Bernoulli. Seu sotaque italiano é extremamente caricato e divertido assim como sua dicção praticamente perfeita.
Larry the Cable Guy ou Daniel Whitney continua com seu trabalho energizado com Mater. O sotaque tipicamente caipira pode cansar depois de um tempo. A voz extremamente aguda e áspera também contribui para isso. Entretanto, o ator não deixa de divertir com a pronunciação de gírias, onomatopéias e vários gritos estridentes do personagem. Outro ator que merece atenção é Thomas Kretschmann que dá voz ao chatíssimo Professor Z. Ele encarnou toda alma dos monótonos antagonistas alemães de filmes de espionagem. Sua fala é relativamente lenta com sotaque alemão suave, porém marcante.
Paul Newman obviamente não volta para a sequência assim como Doc Hudson, seu personagem. Um ato muito bonito por parte da Pixar que encontra uma forma sutil de demonstrar o luto. Eddie Izard, Bonnie Hunt, Vanessa Redgrave e John Ratzenberger completam o elenco.
Mundo de cores e sensações
Na crítica de Kung Fu Panda 2 disse que a DreamWorks tinha, finalmente, poderio tecnológico para equiparar-se com a Pixar. Retiro tudo o que disse. Cometi um erro ao afirmar isto. A DreamWorks ainda possui uma animação mais fluida do que a da Pixar, mas em termos de beleza e conceito visual perde feio. A concepção dos personagens continua muito bonita e ganha mais polimento nesta sequência. A escolha do modelo do Aston Martin para Finn McMissile não poderia ser mais simbólica.
As expressões dos carros estão melhores definidas e passam dar mais importância para as rodas que são utilizadas para enfatizar com gestos as falas dos personagens – isso acontecia raramente no primeiro filme. O que realmente destoa à tecnologia da Pixar é concepção artística dos cenários. Logo no início do filme, o espectador encontra majestosas plataformas de petróleo no meio do oceano e são nelas que acontecem o show das físicas da água e do fogo. A água e a espuma do sal são renderizados simultaneamente até o horizonte do cenário em um efeito de cair o queixo da platéia devido à complexidade da composição.
Logo depois, o espectador encontra um espetáculo de luzes e cores na recriação praticamente perfeita da cidade de Tóquio. Ali, a fotografia que não segue nenhum padrão de iluminação, se transforma. Existem várias fontes de luz interagindo com o cenário que reage a cada uma delas. Os neons também impressionam. Até mesmo os faróis dos carros iluminam a pista, árvores, folhas e outros veículos da corrida noturna de maneira única. Nesta pista em particular, os animadores adicionam reações e comportamentos físicos nas rodas dos carros que reagem levantando terra das pistas.
A animação também confere um tratamento muito bonito à torcida das corridas que também passa a conter movimentos e gritos organizados. Já em Paris, os animadores recriam todas as belezas arquitetônicas – é praticamente impossível acreditar que são feitas graficamente. Eles adaptam as características dos monumentos para o universo do filme, ou seja, ao invés de homens ou anjos dourados em cima de pontes, colocam corvettes e fuscas. Durante o filme inteiro é possível perceber que os parachoques dos carros refletem todo tipo de iluminação assim como o cenário. Estes reflexos variam em tempo real enquanto os personagens se locomovem nos espaços. Por sua vez, o piso dos cenários também reflete todos os elementos que interagem com ele. Praticamente tudo foi tratado com extremo nível de detalhamento por parte dos animadores.
Em Porto Corsa a iluminação passa a ficar levemente amarelada sugerindo o espírito antigo da cidade, mas não é isso que chama a atenção da audiência. É a criação fantástica e inspirada do local que é cheio de texturas diferentes de Tóquio e Paris. Neste lugar em especial acontece um evento físico de iluminação muito interessante. Durante um plano, Mater está para entrar em um cassino. Repare na vidraça que envolve o portão do lugar, pois lá é que acontece o efeito. Debaixo da vidraça a iluminação torna-se azulada enquanto os outros cantos do cenário continuam a receber a iluminação natural. Assim os animadores tem o cuidado de respeitar as leis dos prismas polarizados ópticos – nunca vi isso acontecer em um filme de animação.
Já em Londres as cores do cenário passam a ficar frias e pálidas, mas os personagens coloridos quebram a gelidez do lugar. Os céus são encobertos por nuvens e as ruas continuam eternamente úmidas pela constante chuva da cidade inglesa. Com a temática agitada, as explosões se fazem presentes e cada uma delas é diferente da outra. São inúmeras animações para varias explosões. Existem também flashes de luz provenientes dos tiroteios, obviamente as sombras se comportam inteligentemente com este efeito. Aliás, todas as sombras do filme são espetaculares e algumas vezes, são vitais para o desenvolvimento do roteiro.
+Banjo Bond
Michael Giacchino é um ótimo compositor e já recebeu um Oscar por seu trabalho magnífico em “Up”, mas parece que ele não estava muito inspirado na trilha de “Carros 2” que cai na repetição. O maior problema da trilha é que todas as músicas são parecidas e quase nunca chegam a impressionar. Ele utiliza instrumentos tipicamente caipiras como rabecas e banjos para compor algumas músicas.
O tema principal do filme é uma sátira aos temas de James Bond. Ele utiliza várias vezes às mesmas notas musicais distorcidas de uma guitarra para compor. Isso funciona no início, mas depois que a musica é tocada pela milésima vez, o espectador começa a se cansar com o tema repetitivo. As composições também fogem da grandiosidade. Algumas tem uma variedade de instrumentos interessantes. Giacchino utiliza órgãos elétricos, trombones, violinos, trompetes, entre outros. As melhores composições são as que ele varia seus instrumentos, mas como escrevi antes, nenhuma anima devidamente o espectador. Algumas músicas também são parecidas com as de “Os Incríveis”, um de seus trabalhos passados.
O que tira o marasmo musical de Giacchino é a trilha licenciada. Ela conta com o cover de “You Might Think” do Weezer, “Collision of Worlds” de Robbie Williams, “Polyrhythm” de Perfume e “Mon Coeur Fait Vroum” de Bénabar. A sonoplastia do filme também merece um destaque. Os roncos dos motores possantes encantam os ouvidos do espectador assim como o barulho dos tiroteios e explosões. A sonoplastia também respeita leis da física abafando sons externos em ambientes fechados e aumentando o som dos carros quando estes entram em túneis.
Lasseter, John Lasseter
Em um belo dia nos estúdios Disney o jovem animador John Lasseter foi chamado para uma pequena reunião após sua proposta de fazer animações completamente computadorizadas. Chegando lá, o mundo de Lasseter desabou – foi despedido pelos CEOs da companhia que julgavam sua idéia infrutífera e dificílima. Apesar do grande abalo, Lasseter investiu seu próprio capital e pediu ajuda financeira a seu amigo Steve Jobs para fundar a PIXAR Animation Studios.
Após a produção do primeiro curta-metragem Tin Toy em 1988 e o faturamento do Oscar de Melhor Curta de Animação do ano de 1989, em 1991 a Disney assina um acordo para a produção de três longas originais e assim nasceu “Toy Story”. Agora, com a fusão da Disney com a Pixar, Lasseter tem a permissão de fazer sequências das obras originais. “Carros 2” saiu e “Montros S.A. 2” será lançado em 2013.
Lasseter foi o homem que tirou a Disney de sua era ridícula de produções pouco imaginativas. Com sua grande capacidade de contar histórias, conseguiu alavancar os lucros da empresa para o superavit infinito. Hoje, ele é considerado o Walt Disney de nossa época. Por essas e muitas razões, é preciso ter cuidado ao falar impensadamente desta grande personalidade.
A direção de Lasseter é criativa, assim como sua concepção visual. O mais legal de sua direção são os movimentos câmera. Inspiradíssimos, são referências claras as técnicas de filmagem das disputas de Fórmula 1. A coreografia das sequências de ação empolgam também pelo manejo inteligente das câmeras sendo o melhor exemplo disto a abertura fenomenal do filme.
A construção de Francesco Bernoulli, tanto do psicológico quanto do visual, é claramente uma crítica a equipe da Ferrari. O cineasta também não deixa de criar referências ao universo da Pixar e de vários filmes de espionagem. Algumas tomadas relembram “A Identidade Bourne”; “007 – Cassino Royale” e até mesmo “Encontro Explosivo”. Através das trapalhadas de Mater, Lasseter também menciona “A Pantera Cor de Rosa” visto que o personagem relembra as idiotices de Jacques Closeau. O diretor gosta de abrir as lentes das câmeras optando sempre em mostrar a grandiosidade dos cenários produzidos – dificilmente o espectador encontrará closes neste filme. Ele também sabe conversar com a audiência jovem como ninguém. É impossível não se encantar com a fofura do filme e de seus personagens.
Um dos destaques da direção de Lasseter é sua edição inteligente. Tenta de todas maneiras torna-la invisível aos olhos desatentos evitando cortes bruscos na imagem. Diversas vezes, utiliza elementos do cenário ou personagens para mudar sutilmente as cenas de seu filme.
Entretanto, Lasseter também comete algumas escolhas infelizes. O diretor gosta de fazer colagens no plano inserindo várias imagens a fim de lembrar transmissões de TV. Isso foi herdado de “Carros” e continua a estragar o belo visual do filme. Durante um momento do filme, Mater tem um epifania. Na cena, Lasseter trabalha com várias sobreposições de imagens resultando em algo visualmente brega. No entanto, isso pode ter várias interpretações. Acredito que a intenção do diretor era justamente esta – deixar a imagem pobre de concepção já que o personagem está sofrendo uma revelação de suas atitudes. O efeito 3D funciona apenas na primeira parte do filme garantindo uma sensação de velocidade única para o espectador, porém no resto da projeção torna-se algo desnecessário e despercebido.
Mais brinquedos!
“Carros 2” não é o melhor filme da Pixar, mas também não é o pior. O filme é divertido, não arranca lágrimas de seus óculos 3D e te faz sair feliz do cinema. Após tantas histórias maravilhosas que a Pixar apresentou para o mundo, é normal a sensação de decepção sobre a história do filme. Porém, falar mal de um trabalho tão bem feito como este apenas por ter uma narrativa fraca é um ato incabível. Como Lasseter diz, “Faço dinheiro para fazer filmes”. Neste caso, ele fez dinheiro e fará muitos outros filmes que irão te emocionar no futuro. O único motivo de seu mau humor será a compra de vários brinquedinhos novos para seus filhos ou sobrinhos. Garanto que as crianças ficarão alucinadas com os dispositivos de Finn e de Mater nesta nova, imperdível e encantadora aventura descompromissada da Pixar.