Crítica | Up: Altas Aventuras
Obs: o texto é enorme, leia com calma e separe um tempinho para isso. Há diversas curiosidades dessa produção que merece uma análise aprofundada, além de marcar a primeira vez que adiciono elementos que tornam a leitura um pouco mais interativa. Prepare os lencinhos, pois é impossível falar desse filme sem conseguir chorar.
Up deve ter marcado a primeira experiência verdadeiramente dramática para muita gente, principalmente da geração dos anos 1990. Com esse especial da Pixar, sabia que chegaria a hora de escrever de Up e que, por consequência, teria que rever a esse belíssimo, mas difícil filme. Assim como muita gente, essa animação marcou a primeira vez que eu choraria ao assistir um filme no cinema.
Acredito que Up consiga se comunicar com muita gente por questões extremamente humanas que vão no cerne de relações familiares. Através de uma jornada fantástica, a Pixar consegue contar um conflito extremamente humano e nada abstrato. A repercussão em 2009 foi tão forte que Up virou a terceira animação na História a ser indicada também na categoria de Melhor Filme na cerimônia do Oscar.
Com tantas análises já publicadas sobre Up, o que é ainda pertinente dizer desse clássico moderno? É praticamente unanimidade que o público ama e a crítica reconhece se tratar de uma das muitas obras-primas do estúdio consagrado. E, em especial, a unanimidade está certíssima. Up é uma daquelas obras que merecem ser estudadas com tanto afinco quanto pedem para analisarmos Cidadão Kane tal qual é o poder cinematográfico dessa história.
Balões
A história de Pete Docter e Bob Peterson está intimamente ligada ao trabalho dos dois na direção. Para quem desconhece completamente esse filme, a narrativa apresenta a vida do modesto senhor de 78 anos Carl Fredricksen em busca de uma aventura inesquecível. Óbvio que essa sinopse reducionista é proposital. O restante do texto abordará spoilers inevitáveis então se ainda não viu a Up, é melhor parar o que está fazendo e ir correndo assistir.
Quisera eu ter essa oportunidade de esquecê-lo completamente, só para vê-lo pela primeira vez de novo. Talvez o único defeito de Up seja justamente esse: ser inesquecível. A potência inicial desse filme fica impregnada na memória para sempre conseguindo nortear quase toda a motivação do protagonista ao longo da jornada.
A sequência, claro, é a tão festejada e extremamente triste ‘Vida de Casados’. Sabiamente, para conseguir a comunicação universal tão desejada, Docter e Peterson começam Up nos tornando, literalmente, Carl Fredricksen ainda um menininho se deslumbrando com o cine-jornal.
A obra começa a esse nível de espectador-personagem nos jogando em um pequeno noticiário sobre o explorador Charles Muntz e seu dirigível Espírito de Aventura. Após Muntz conseguir partes da ossada de lendária Ave do Paraíso, cai em descrédito pela comunidade científica e arqueológica simplesmente por estes desacreditarem do feito do lendário explorador.
Em uma trajetória que praticamente é mimetizada pela narrativa maior de Up, vemos Muntz atingir seus melhores e piores momentos através do informativo filminho. Nisso, com Carl 100% mudo, os diretores usam diversos reaction shots do garoto ficando indignado e excitado em observar seu herói sobrepujando as dificuldades e partindo para a sua maior aventura.
A sucessão de eventos é óbvia e terna. Logo depois da sessão, na exibição de créditos do filme, vemos Carl brincando de explorar nas ruas da pequena cidade até se deparar com uma casa bastante decrépita e curiosa até escutar a frase de efeito de seu herói. Na melhor escolha de manter o ponto de vista completamente centrado no protagonista, ele e nós conhecemos a doce personagem Ellie que, por uma coincidência do destino, também preserva o mesmíssimo espírito de aventura que Carl nutre.
Porém, é claro que os diretores tornam todo esse primeiro encontro em algo de charme único. Como já vinha explorando desde sempre, a Pixar investe nos contrastes e, possivelmente, Up é o filme que mais trabalha com esse nível de linguagem e simbologia de entendimento universal e poderoso.
https://www.youtube.com/watch?v=VR8hlvLghrs&ab_channel=valetom19
Não é apenas pelo contraste tremendo entre “frio” e “quente”, mas também pela cena pontuar diversos elementos-chave de toda a narrativa. E, pela primeira vez na história desse site, sinto que é hora de explorar uma vertente possibilitada pela crítica de catálogo: usar trechos. Por isso, é pertinente que assistam as cenas encaixadas para melhor compreensão do fenômeno cinematográfico, pois, como bem sabem, o cinema é a arte do indizível.
Aqui, o que mais se destaca, além do choque do encontro, é a importância do balão azul de Carl que pontua todo o contato de Ellie com ele. Primeiro, toda a apresentação da menina praticamente explicita que ela é a personificação da aventura de uma vida que Carl tanto procurava. Quando o balão escapa de suas mãos, logo vemos Ellie tomar esse lugar, puxando Carl pela mão – o filme praticamente respira para pontuar essa ação importante do contato físico.
Só nesses pouquíssimos minutos, os diretores já associam Ellie a três objetos que viram sagrados para Carl: a casa, o balão e o broche do clube solitário da menina. Depois, já no quarto de Carl, vemos o balão invadir e interromper sua leitura apenas para anunciar a presença de Ellie novamente – segunda conexão. Aqui, outros elementos que fazem de Ellie a vida de Carl, são apresentados: o seu livro de aventuras (representando todos os sonhos dela) e do juramento. Então a cena é encerrada, com Carl sonhando vivo, claramente apaixonado, se apoiando no balão até ele estourar. Segue então a sequência mais bela do filme todo (preparem-se para chorar).
https://www.youtube.com/watch?v=9yjAFMNkCDo
É perfeição cinematográfica em forma de desenho. A sequência difícil consegue despertar emoções fortíssimas na gente por conta de termos acompanhado a história dos dois personagens desde o momento mais puro de suas vidas até, literalmente, a morte. Não é à toa que os filmes mais emocionantes da Pixar tenham o nome de Pete Docter envolvido na direção: Monstros S.A. e Divertida Mente são seus outros dois filmes.
São outros quatro minutos que também jogam diretamente em favor da construção de Carl. Os contrastes são claros em toda a sequência seja nas cores extremamente vivas do começo, para as menos tonificadas nos momentos mais tristes da história. Vemos Carl se casar na mesma igreja que é realizada o velório de sua esposa. Vemos momentos-chave acontecer no mesmo morrinho do velho carvalho. E também vemos como os imprevistos do cotidiano sacrificam o custo da viagem dos sonhos de ambos. Além de, claro, as dicas dos balões de hélio levitando o carrinho de vendas.
Mas o mais importante é sutil de toda essa sequência é a presença dos diferentes tons de magenta. A cor está associada com Ellie em todos os momentos, seja no vestuário ou na iluminação. Repare que até mesmo quando Carl acorda, já em outra sequência do filme, vemos um resquício de magenta ainda presente na luz que banha o lado da cama que Ellie dormia enquanto Carl está totalmente encoberto pela penumbra.
A reafirmação do compromisso do juramento é indicada pela inauguração do potinho de economias e, no final, com Ellie portando o livro de aventuras – os diretores focam na expressão de Carl que claramente se culpa pelo fracasso de não ter realizado o sonho da esposa. E é essa culpa que guia o apego à memória de alguém que já não está mais lá.
Saindo de toda essa introdução mais comportada como uma longa lembrança de Carl, vemos como o personagem ainda está apegado a todo o materialismo afetivo que “ressuscita” a presença de Ellie. O problema é que o tempo passou e há um enorme shopping em construção ao redor de todo o terreno no qual a casa é fundada. Fica claro, pelo choque da imagem, que Carl não pertence mais àquele lugar, um estranho no ninho. Toda a estética desse pequeno segmento de luto se torna uma extensão da espiritualidade de Carl.
Os diretores fazem rimas visuais com planos mostrados na sequência anterior e mostram sempre a ausência de Ellie em poltronas ou na profundidade de campo. As cores acompanham esse desprazer em viver que o personagem sente. E o cenário só piora para Carl quando agride um mestre de obras, sendo processado e condenado a viver em um asilo pelo resto de seus dias.
Encontrando novamente o livro de aventuras de Ellie, a culpa retorna e a motivação fantástica surge. Pela 1ª vez o filme larga seus ares realistas para injetar a magia fantástica que a Pixar sempre adiciona em seus filmes. Finalizando o primeiro ato, Carl iça sua casa aos ares com a ajuda de milhares de balões, em uma viagem repleta de poesia, parando toda a cidade a observar sua proeza. O destino: Paraíso da Cachoeiras, o lugar dos sonhos de Ellie.
Porém, para trazer novos conflitos e mais fôlego ao filme, um companheiro indesejado é adicionado: o garotinho escoteiro Russell.
Ensina-me a Viver
Muito se discute sobre os atos posteriores de Up. Saindo completamente do propósito otimista e de redescoberta do sentido da vida, é possível traçar toda a jornada de Carl no Paraíso das Cachoeiras como sua própria jornada aos céus. Nesse cenário, o protagonista morre antes de fazer sua casa voar pelos ares, mas passa por uma trajetória no purgatório, encontrando demônios e seus acólitos, assim como anjos que guiam Carl até o Paraíso. É perfeitamente possível associar os elementos apresentados no segundo e terceiro ato com essa interpretação, mas não pretendo me prender a essa visão. Up é um filme mais bonito quando visto pelo prisma apresentado pelos diretores.
Com Carl totalmente estabelecido, inserir Russell é outro trabalho de mestre para criar mais contrastes pertinentes em um choque de gerações. Russell é apresentado já como um solícito ajudante para Carl, afinal ele precisa conseguir uma insígnia de ajuda ao idoso nos Escoteiros. Mas com o temperamento aborrecido, Carl sempre nega a presença de Russell.
Ao longo do filme, nuances de carinho entre os dois vão brotando até Russell virar o filho e o neto que Carl nunca pode ter por conta da infertilidade de Ellie. É aqui que o humor do filme aflora a partir da relação de ajuda desastrada de Russell: a perda do GPS, o fracasso da montagem da barraca e, principalmente, pelos aborrecimentos causados por conta de outros dois inesquecíveis personagens: a “narceja” Kevin e o cão falante Dug.
O mais interessante é que Russell não apenas um mero alívio cômico muito carismático, mas sim um personagem completo contando com seus próprios problemas. Apesar de não muito desenvolvido, sabemos que Russell não tem o pai presente como queria, além de ser pouco felicitado por suas conquistas. Logo, ele preenche a lacuna da figura paterna com Carl até o velhinho acabar assumindo o garoto como neto postiço posteriormente. Há então um bom desenvolvimento para Russell.
O mesmo ocorre com Dug, um cão não muito eficiente por ser carinhoso em demasia. Rejeitado pela matilha, todo o conflito de Dug passa a tentar ser aceito por outro grupo o que também leva a mais perigos originados por sua traição. Não há ponto sem nó no roteiro de Up por conta dessa maestria de condução narrativa.
Na estética, com os quatro reunidos na busca do lugar desejado para “estacionar” a casa de Carl, a estética da animação vibra. Carl é todo quadrado com cores neutras refletindo o modo sisudo. Russell é todo arredondado, amistoso, muito corado e cheio de insígnias. Kevin é a ave do paraíso – a mesma que Charles Muntz buscava no começo do filme, toda colorida mas com movimentos de galinha e poses desengonçadas. E Dug, um labrador todo amarelado de feições igualmente arredondadas e expressivas – em completo contraste com os cães mais escuros de Muntz.
O surgimento de Kevin desvia o caminho original que o roteiro seguiria. Com ela, temos um legítimo macguffin para movimentar ambos os lados. Um, interessado em libertar a ave, a guiando de volta para a família. E o antagonista capitaneado por Charles Muntz em capturá-la para reconquistar o prestígio perdido. Mas enquanto funciona como um artifício ordinário de roteiro, Bob Peterson consegue adicionar elementos humorísticos fascinantes para a ave. Todo o humor é pensado para a expressão corporal do bicho com inspirações claras ao trabalho de Charlie Chaplin. A subversão de expectativas, repetições de esquetes e contrastes de diferentes naturezas pontuam o humor sempre eficiente da carismática ave.
Paraíso
Mas mesmo no paraíso há maldade. E também a sacada genial de centrar o antagonismo do filme justo no herói de infância de Carl e Ellie. Charles Muntz, mesmo sendo o personagem mais superficial da trama, é um dos melhores vilões da Pixar. A sua circunstância de isolamento já o torna complexo pelas informações que o filme transmite na introdução. Deduzimos que, através de sua solidão, acabou criando mecanismos de fala para conversar com seus cães, enquanto se isolava em uma busca mística impossível.
Apesar de não ser dita em palavras, os diretores tornam a busca de Muntz ainda mais trágica por conta de Carl e Russell encontrarem a ave do paraíso em questão de minutos enquanto o explorador a procurava por mais de quarenta anos.
Existe muito poder visual para contar a história de Muntz quando Carl e Russell são convidados para conhecer o dirigível do, até então, herói. Ali, tudo o que sabemos da busca dos cães por Kevin é deixado em escanteio. De certa forma, a estética nos obriga a acreditar que Muntz não se tornará um tirano e prejudicará a dupla protagonista. O que realmente acontece, em primeiro momento.
Toda a primeira sequência no Espírito de Aventura é confortável e fascinante. Vemos as conquistas de explorações passadas de Charles, assim como é gratificante ver Carl verdadeiramente feliz depois de um bom tempo. Durante a excelente cena do jantar, os diretores dão um show de domínio de atmosfera ditada apenas pela iluminação e bom guia musical.
O jantar à luz de velas conforta os heróis e deixa o ambiente aconchegante. Mas tudo isso muda quando Muntz se afasta com o lampião e começa seu solilóquio sobre a sua busca ingrata pela ave. Então temos a mudança no discurso com a revelação que Russell conhece o bicho que Muntz caça. Ali, então há a insinuação que o herói de Carl assassinou outros exploradores daquele lugar e que eles seriam os próximos. As cores quentes somem até Muntz mergulhar para o azul da escuridão indicando a ameaça e sua verdadeira natureza.
A crueldade do personagem acaba complicando a relação de Russell com Carl quando o vilão ateia fogo na casa do protagonista a fim de afastá-lo de Kevin, permitindo a captura. Ainda totalmente apegado àquilo que a casa representa, Carl se torna um vilão e entrega a ave para salvar a casa. Russell se decepciona com a fantasia do herói que tinha vestido a figura paterna. No amanhecer, vemos um banho de luz magenta os envolvendo completamente – a memória de Ellie nunca esteve tão forte como nesse ponto decisivo. Rompendo sua amizade com Russell, Carl arrasta a casa até o lugar tão sonhado na infância dos dois, mas não sente plenitude, afinal, o custo de aquilo tudo é tremendo.
Nisso, temos outra cena genial carregada de toques delicados de Pete Docter na direção:
https://www.youtube.com/watch?v=wsG2S_1PRnk
A casa não reflete nenhuma felicidade, pois ela é só um objeto. Sempre vai refletir o estado de espírito de Carl. Por isso, as cores são monocromáticas até a difícil leitura do livro de aventuras de Ellie. A culpa que guia o velhinho finalmente é cessada, mas por acidente quando Carl descobre as outras páginas preenchidas do livro com as aventuras que ambos tiveram ao decorrer de toda a vida.
O ato de virar a página é de simbologia tremenda, pois era justamente aquilo que Carl precisava. Com o recado de Ellie pedindo para Carl ter uma nova aventura, finalmente há a catarse no protagonista. Nada daquilo vale, mas sim sua própria vida, as novas amizades e novas aventuras divididas com quem amamos. Por isso, nesse ponto de virada, Docter usa o mesmo enquadramento do plano conjunto das poltronas. Agora as cores estão vivas mais uma vez e, na poltrona de Ellie, está a faixa das insígnias de Russell. A indicação é bela: Carl precisa deixar que Russell entre na sua vida agora que Ellie não está mais presente.
Sabiamente, os roteiristas não deixam essa transição light: é necessário sacrifício. Com Russell fugindo para resgatar Kevin, Carl não hesita em se desfazer de toda a quinquilharia da casa para permitir que ela “voe” novamente. Até mesmo a postura de Carl e a velocidade da movimentação são revigoradas. Finalmente ele se torna o herói de aventuras que tanto queria ser ao partir para o resgate.
Todo o humor é retomado, principalmente na hilária cena da luta entre Charles e Carl. O importante nela, além das piadas, é denotar quão profunda é a obsessão de Muntz pela ave a ponto de destruir todo o seu museu pessoal, seu passado, identidade e história durante a batalha. Como Harvey Dent diria, Charles viveu tempo o suficiente para se tornar um vilão.
E seu final é igualmente trágico. Caindo para o esquecimento, mesmo amarrado pelos balões de Carl. É como se a própria Ellie ajudasse os heróis ao prender Muntz nas cordinhas dos balões. Aliás, novamente nessa cena, há o uso diferenciado da mangueira. Esses objetos do cotidiano de um idoso sempre ganha um propósito novo em seu uso para tirar a dupla de diversas enrascadas. Portanto, os objetos intrínsecos ao cotidiano de Carl apenas refletem essa jornada de descobrimento e renovação que ele também passa ao longo da história.
Também é preciso comentar de apenas duas coisas para enfim encerrarmos essa análise. A primeira é a força da cena que Carl entrega a insígnia de Ellie para Russell, literalmente deixando a herança da aventura para o pequeno menino. Quase da mesma forma que a aventura foi simbolizada para ele através desse presente da esposa quando ainda jovens.
E a segunda, obviamente, é a trilha surreal de Michael Giacchino. Uma música que dá tanta leveza e orientação ao filme é tão colada em sua estética que, somente com uma assistida ao longa, fica impossível escutar as melodias e não ficar levemente emocionado somente com elas. É uma força musical raramente vista nos cinemas e que provavelmente Giacchino nunca mais atingirá em vida. É daquelas obras-primas únicas que marcam a vida de um compositor para todo o sempre.
O que a deixa tão viva é sua consistência se comportando quase como um manifesto. Há alguns lunáticos que dizem que a trilha de Up é repetitiva e que, por isso, é ruim. Por isso digo, é óbvio que a música é repetitiva, pois há um propósito por trás disso. Quase todas as faixas são alterações do tema de Ellie. Nada mais justo, afinal é a onipresença invisível da personagem que guia as decisões de Carl a todo o momento. O protagonista só pensa nela e, como extensão do personagem, a trilha “ressuscita” Ellie com diversas alterações de ritmo e compasso. Nenhum outro tema consegue superar o brilho desse, porém existem outras composições que agregam para criar diferentes atmosferas.
Te conheço há tempos e continuo te amando
Up funciona exatamente como uma flechada de um cupido. É muito difícil não se apaixonar pela fantástica história de amor e aventura trazida Docter e Peterson. É um estado de realização estupendo conseguindo injetar e desenvolver praticamente todos os elementos com um nível de satisfação que tanto faz falta no cinema atual.
Mesmo apaixonado pela história, é sempre difícil revisitar esse filme por conta das muitas emoções e memórias afetivas que ele desperta em mim. Aqueles detalhes da infância que nunca cessam de existir.
Porém, assim como Dug tão sabiamente fala: Acabei de te conhecer e já te amo – uma premonição do que o espectador sente depois da primeira exibição – posso afirmar com bastante critério que, mesmo depois de oito anos da minha mágica primeira visita, o amor que sinto por esse filme é verdadeiramente eterno.
E agora, mais do que nunca.
Up – Altas Aventuras (Up, EUA – 2009)
Direção: Pete Docter e Bob Peterson
Roteiro: Pete Docter, Bob Peterson, Tom McCarthy
Elenco (vozes originais): Edward Asner, Christopher Plummer, Jordan Nagai, Bob Peterson, Delroy Lindo, Jerome Ranft
Gênero: Animação Infantil, Aventura, Drama
Duração: 96 minutos
Crítica | Carros 3
É inegável. A Pixar sofreu mudanças profundas em seus, até então, dogmas. Apesar da primeira sequência de Toy Story, era praticamente lei priorizar histórias originais que sempre desafiassem a equipe criativa do estúdio a nunca estacionar na zona de conforto. Mesmo que quase todos os dezoito filmes sempre contenham uma dose de “fator Pixar”, algumas obras deixaram bastante a desejar. É praticamente um consenso que os filmes Carros marcam os trabalhos mais decepcionantes da louvada produtora. Porém, Carros 3 chega para mudar esse senso comum.
Na verdade, há muita coragem envolvida nessa terceira incursão na franquia Carros. Enquanto o primeiro filme continha audácia em sua conclusão, o segundo caminhou para uma narrativa de espionagem completamente alheia a mitologia do universo, além de marcar a primeira vez que o estúdio apostaria em uma obra guiada pelo coadjuvante do original – isso se repetiu com Procurando Dory.
Entretanto, a parte final da trilogia indica um amadurecimento que dificilmente acreditaria ver em Carros. Aliás, é algo bastante corajoso, pois se trata de uma das marcas mais infantis da produtora, mas todo o conflito dessa obra é bastante abstrato para muitas crianças. Em si, os filmes da Pixar se comunicam bem com o público infantil por conta da natureza universal de seus dramas: seja um embate de inveja como em Toy Story, o drama entre pai e filho de Procurando Nemo, as amizades improváveis por conta de preconceitos de uma sociedade como visto em Monstros S.A. até a aceitação plena da necessidade da tristeza na vida de cada um em Divertida Mente.
Já Carros 3 certamente encontrará alguma dificuldade em mesmerizar o público infantil. Aliás, até imagino que muitas crianças sairão decepcionadas.
O Tempo Voa...
...E Relâmpago McQueen sente isso na principal proposta do argumento do diretor Brian Fee e mais três pessoas para essa narrativa que conclui a trilogia mais rentável da Pixar até agora. Aqui, McQueen sente o peso da idade. Quase sempre dominando as pistas, não há real desafio para o fenômeno das corridas. A pista vira um terreno de convívio social, entre amigos, de diversão e terapia para McQueen.
Porém, a chegada de um carro novo, mais tecnológico e treinado com simuladores chamado Jackson Storm inicia uma virada no jogo. Diversos outros competidores antigos são substituídos pelos companheiros high-tech de Storm. E McQueen perde, perde e perde. Por fim, também perde o temperamento, age impensadamente na vã tentativa de ganhar a corrida e acaba sofrendo um terrível acidente que pode trazer sua aposentadoria. Tentando recuperar a confiança perdida, McQueen se submete aos treinos de Cruz Ramirez, sua personal trainer, para conquistar uma última vitória.
Existe a audácia boa e exista a burra. Estranhamente, o texto de Carros 3 consegue atingir esses dois extremos ao mesmo tempo. A pura verdade é que a temática desse filme é muito abstrata para o seu público-alvo, mas traz mensagens interessantes para os adultos que as acompanharem no cinema.
Este Carros traz um debate sobre aposentadoria no esporte, sobre os limites de cada esportista e saber a hora de parar. Temas pertinentes, interessantes e totalmente alheios com o que essa franquia representa. Apesar da justificativa do fracasso de McQueen se centrar na obsolescência da tecnologia que compõe seu corpo, é completamente injustificado dentro da história a completa inexistência de alternativas que permitissem um upgrade em seu modelo, o colocando como um adversário formidável para o vilão. Mas, ironicamente, em Carros, cada carro é um carro absoluto, sem possibilidade de modificações que aperfeiçoem o desempenho.
Em vez de seguir esse rumo que seria familiar às propostas dessa trilogia, Carros 3 escolhe a típica narrativa do underdog assim como foi feito em Rocky 3, 4 e Rocky Balboa (principalmente este). Acompanhamos o árduo treinamento de McQueen para recuperar a glória de outrora, mas optando por seguir os passos nada ortodoxos da novata Cruz Ramirez (dublada por Geovana Ewbank carregando excessivamente no sotaque). Porém, por conta do sacrifício, o protagonista sente saudade de casa e de seus amigos, além de relembrar a todo instante do seu antigo mentor, Doc Hudson.
Aliás, esse é um ponto importante da história. A Pixar optou por matar o personagem quando Paul Newman morreu antes mesmo da estreia do primeiro filme. Agora, isso certamente deixará as crianças um tanto perdidas, já que os roteiristas tratam isso tudo com panos quentes, nunca deixando claro o motivo de Doc ter falecido na narrativa – o diretor tenta resolver isso com inserções de sonhos ternos nos quais McQueen imagina a presença de seu amigo e mentor.
É justamente nessa abordagem intimista de McQueen interpretar as motivações de seu mentor que os roteiristas desenvolvem o protagonista. Afinal, o que vale mais? Correr para sempre ou pendurar as luvas? Diversas sequências mostram os limites de McQueen enquanto ele mesmo passa a virar tutor da sua personal trainer ao decidir treinar no interior dos EUA em uma viagem até a Flórida, lugar onde acontece a corrida final.
Logo, há essa inversão de papeis de treinadores em uma boa experiência de troca de conhecimentos. McQueen também já é um personagem bastante diferente, mais humilde e menos aficionado à pista. O dito “vilão” da história, Storm, é basicamente um espelho do temperamento arrogante do personagem no primeiro filme – um fantasma personificado do passado caindo na velha máxima de “o seu maior inimigo é sempre você mesmo”.
E realmente, nessa questão, a Pixar vai fundo em desenvolver McQueen. Ele é o crowd pleaser da franquia e foi satisfatório ver tanta atenção para uma nova jornada de amadurecimento. O problema, talvez, resida no total esquecimento dos outros personagens queridos da franquia como Sally e Mate. É um espaço reduzido que tira humor e personalidade dessa história porque os novos personagens nunca cumprem o vazio deixado pelos outros.
A começar com a coadjuvante principal Cruz Ramirez. Ela toma uma importância enorme no clímax da obra e, sim, é sugerido que algo importante aconteça com ela. Mas é uma virada inacreditável que pode deixar muita gente frustrada com a conclusão da obra. O fato é que há muito pouco que sustente a personagem, pois todo o trabalho é focado em McQueen. Há algum backstory para ela, mas trata-se da mesma relação fã-astro genérica que marca diversos outros filmes.
Já Luigi e Guido, os únicos da velha guarda que acompanham McQueen, recebem menos trabalho ainda. Viram meros acessórios para auxiliar algumas sequências de treinamento, nunca colaborando de fato a jornada psicológica e o luto que o protagonista passa. Entram mudos e saem calados, fazendo as mesmas piadas em duas cenas. O novo personagem símbolo do passado, Smockey, também não recebe tratamento satisfatório, mas ajuda McQueen a atingir a catarse.
A Sabedoria Mística do Interior
Outra característica muito curiosa de Carros 3 é o seu elogio e crítica aos costumes interioranos do sul americano. Quando enfim os personagens começam a jornada para o treinamento “raiz” de McQueen, sem parafernalhas tecnológicas, o filme começa a se lembrar que se trata de uma obra infantil. Claro que o texto, apesar do tema complexo, não é denso a ponto de perder a atenção das crianças, mas o ritmo sofre bastante com sequências de corrida cada vez mais espaçadas.
Existe ação e carisma, mas os treinamentos em si não são exatamente corridas. Logo, há uma carência de set pieces para fazer o público infantil vibrar. A que surge no meio visa expandir o universo com a disputa de Thunder Hollow que é uma arena para carros se destruírem em competição (um UFC de carros?). A sequência é bipolar, pois é sombria demais para agradar a criançada e estúpida demais com personagens histéricos para os adultos. A ação que Brian Fee organiza também é bem confusa, não dando margem para uma apreciação melhor do que acontece em tela.
Já as outras novamente envolvem o treinamento de McQueen na cidade do mentor de Doc, Smockey, para enfim chegar aos finalmentes com o clímax da obra. Entretanto, novamente o segmento repetido de treino se sustenta por aprofundar mais a relação de Doc com McQueen revelando novas características da amizade.
É justamente aqui que as sutilezas surgem já justificando a virada inacreditável da corrida final.
Sob Nova Direção
Já era mais que hora para o gênio John Lasseter deixar a direção de Carros. A mudança para Brian Fee é sentida e bastante bem-vinda, apesar da confusão visual que ele cria para cenas de ação – as de corrida são os espetáculos visuais e sonoros de sempre.
O legal é o fato de Fee respeitar algumas marcas já icônicas da franquia vindas de Lasseter. O começo do filme acompanha a clássica preparação psicológica de McQueen enquanto interpola com rápidos planos de carros cruzando em alta velocidade. O efeito de nostalgia surge na hora. O mesmo começo eufórico visto no primeiro filme ilustra a alegria de McQueen em correr sempre com seus amigos.
Em uma sacada convencional, a música licenciada rapidamente é substituída pela trilha do ótimo Randy Newman quando o jogo começa a mudar com a vinda dos novos competidores high-tech. Depois, Fee assume uma função meramente descritiva para a câmera, sem inventar muitos floreios na linguagem simples da obra.
Claro que o momento tão alardeado, a do acidente que o protagonista sofre, é fortíssima. Com McQueen surgindo no topo do plano, já desmaiado, rodopiando em piruetas no ar até cair no chão em slow motion. O ponto alto de Fee é a atenção no olhar dos personagens. Certamente, Carros 3 oferece o insight mais valioso na expressividade desses veículos tornando todo o drama de McQueen muito mais realista e de rápida empatia.
Nesse domínio de clima e atmosfera, é difícil também ficar indiferente a recorrência constante à Doc Hudson. As memórias, sempre coloridas e de iluminação angelical, contrastam com a realidade mais opaca de um mundo onde correr já não é mais tão divertido. Até chegar na explosão de cores vivas no fim, o caminho por praias nubladas e cidadezinhas encobertas por névoa é constante. Aliás, essa névoa se dissipa após uma das catarses de McQueen. Logo, é uma singela analogia para o estado de ignorância e insistência do protagonista.
Pode parecer estranho, mas a qualidade de texturas e luz, apesar de ainda soberba, não consegue superar o trabalho visto em Dory ou O Bom Dinossauro. Até mesmo se comparada a Carros 2, dono de uma direção de arte estupenda, esse filme fica empalidecido, infelizmente. Os cenários fotorrealistas ainda capturam a beleza interiorana americana, além de Fee fazer uma jogada legal de montagem durante uma das sequências que mostram os carros viajando estrada a fora. Aliás, importante dizer que esse Carros é o mais NASCAR da franquia. Desde referências muito obscuras sobre lendas esquecidas do esporte até extrema fidelidade na física da pista ovalada, dos detritos diversos e das regras da corrida. Uma atenção que realmente destaca esse filme dos demais.
Uma das principais deficiências do diretor, portanto, é essa falta de coesão entre o visual e a proposta vinda pelo texto. Isso envolve diretamente McQueen. É claro que existe um contraste entre ele com os modelos novos que dominam as pistas, mas é bastante abstrato o conceito dos fracassos do personagem sendo que o seu visual continua o mesmo dos seus dias de glória. Envelhecer um pouco a lataria do personagem teria potencializado essa questão da idade tão martelada na história.
Carros para Adultos
Longe de ser a melhor obra da Pixar, Carros 3 tem suas doses de carisma e emoção pela bonita mensagem de altruísmo. Porém, como apontado anteriormente, seus problemas são graves, principalmente pelos segmentos desonestos que o filme indica que irá trilhar para subverte-los totalmente ao fim do terceiro ato. Enquanto para a plateia mais adulta a situação fará sentido, será difícil de lidar para as crianças cujo filme deveria ter sido pensado para elas, principalmente.
Mesmo com suas qualidades que elevam a obra e a tornam especial, muitas escolhas tomadas devem frustrar os pequenos. E quando uma experiência infantil pode dar margem à frustração, certamente há algo de estranho nos meandros explorados aqui. Com grande coração e passagens bipolares, Carros 3 perpetuará a marca registrada dessa trilogia: a divisão entre o público.
Carros 3 (Cars 3, EUA – 2017)
Direção: Brian Fee
Roteiro: Brian Fee, Ben Queen, Eyal Podell, Jonathon E. Stewart, Kiel Murray, Mike Rich, Bob Peterson
Elenco (vozes no original): Owen Wilson, Armie Hammer, Cristela Alonzo, Chris Cooper, Nathan Fillion, Larry the Cable Guy, Bonnie Hunt
Gênero: Animação Infantil
Duração: 106 min.
Artigo | Lições de Moral do tio Ben e da tia May para Jovens Revoltados
Se teve alguma coisa que fez bastante falta em Homem-Aranha: De Volta ao Lar, com certeza foram as pertinentes lições de moral de tio Ben e tia May em Peter Parker. Mas na trilogia de Sam Raimi, tivemos insights valiosíssimos para o nosso herói do homem comum. Pela proximidade do Aranha com nós, reles mortais, muitas vezes os conselhos de seus tios também acabam nos atingindo. Aqui, selecionamos cinco deles para ajudar a passar pelos momentos difíceis da vida. Tragam seus lencinhos e partam de coração aberto para essa leitura.
https://www.youtube.com/watch?v=_5d6rTQcU2U
Responsabilidade
Com certeza, ninguém gosta de levar um belo sermão. Desdenhando do conselho que guiará toda a sua vida, Peter Parker também não estava nem um pouco a fim de escutar tio Ben sobre os problemas oriundos da conturbada fase adolescente. Assim como Peter, muitas vezes estamos ávidos em atingir os objetivos no caminho mais fácil e rápido, porém sem muitas responsabilidades. Como descobre da pior forma, toda decisão terá uma consequência: umas graves, outras brandas. Por isso, há o discurso do "Grandes poderes trazem grandes responsabilidades". Podemos ser capazes de grandes feitos, tanto para o bem quanto para o mal, mas há que se pensar as consequências dessas ações. Pensar no próximo e em si mesmo. Algo que pode nortear melhor as relações interpessoais na escola e fora dela.
https://www.youtube.com/watch?v=iRJiF1lnGO8
Dever
Em uma das cenas mais bonitas de Homem-Aranha 2, Peter sonha acordado com tio Ben, buscando sua sabedoria para nortear novamente sua vida quando tudo parece estar perdido. Porém, em uma ótima reviravolta, é justamente nesse encontro espiritual que Peter segue o inverso do conselho de tio Ben e desiste abandonar os deveres. Com essa ausência, os picos de crimes retomam em NY, mas oferece tempo do herói endireitar sua vida pessoal. O conselho também se aplica no nosso cotidiano. Sem realizarmos os deveres com honradez, plenitude e amor pelo ofício, há a perda de sentido nisso tudo o que pode guiar para decisões egoístas assim como aconteceu com Peter. É preciso um equilibrar o Dever com a Diversão, nunca com um tomando o espaço do outro. No descompasso, somente quando sua amada corre perigo que Peter deixa o Homem-Aranha voltar em sua vida.
https://www.youtube.com/watch?v=Xo1-Gk1uWA4
Heroísmo
Ainda durante sua crise de identidade, Peter revisita tia May durante a sua mudança recebendo mais um sermão valioso para todos nós: a importância do heroísmo. Mas, no caso, não sobre o ato heroico que cada cidadão pode fazer com pequenos atos de caridade e amor, mas sim sobre a nossa necessidade de heróis como inspiração para as batalhas do dia a dia. "O que o Goku faria? O que o Batman faria? O que a Mulher-Maravilha faria?". Imagino que já tenha feito essa pergunta para si mesmo na infância. É justamente disso que a tia May ensina para Peter aqui: o heroísmo vai muito além do ato heroico. O discurso de ação e reação novamente entra aqui: pelo dever e responsabilidade, Peter influenciava e inspirava a vida de milhões de pessoas. O heroísmo vira símbolo e o homem vira lenda. Para o nosso cotidiano, é sempre saudável se inspirar por atos de pessoas bondosas que fizeram diferença crucial para melhorar a nossa qualidade de vida na História. Depois, da teoria e da meditação da ideia, é hora de partir para a prática.
https://www.youtube.com/watch?v=rvTCQ9DbMyw
Vingança
Os nossos desejos também são influenciados pela maldade. Quem nunca desejou o mal do outro na vida? Peter, cego pela raiva, decidiu colocar em prática sua sede de sangue depois de descobrir que Flint Marko era o principal responsável pelo assassinato de seu tio. Pagar sangue com sangue. Obviamente que a vingança nem sempre precisa ser extremada a ponto da morte ou de causar mal físico para alguém. Hoje, mais do que nunca, infligir dor psicológica está a apenas um teclado de distancia (e nem precisa ser do computador). Com o anonimato garantido e motivado por humilhações sofridas na vida real, é fácil nos seduzirmos a ponto de virarmos o monstro que também nos infernizou em algum momento na vida.
A impessoalidade da internet apenas deu força para propagar ódio gratuito, atacando pessoas somente pela banalidade da agressão, nos tornando animais estúpidos sem ao menos dar a chance ao debate civilizado de ideias. Sem percebermos, acabamos ultrapassando a vingança a ponto de nos tornarmos a maldade personificada. Participando de diversos grupos de zoeira, não é difícil notar como sempre alguém se torna o saco de pancada do outro. O que era para existir pouco, acaba se perpetuando pelo ciclo sem fim de agressões psicológicas estúpidas. Nos vingamos de pessoas que nem mesmo fizeram qualquer coisa para nós. É justamente por isso que May diz: a vingança é como veneno, vícia. Ou como eu digo: o Karma é infalível, o imponderável não perdoa, essas pessoas que estimam a maldade só acabam encontrando o infortúnio, a infelicidade e, merecidamente, o esquecimento.
https://www.youtube.com/watch?v=SEhITizhQbc
Perdão
Uma das virtudes cada vez mais raras nos turbulentos dias de hoje: o perdão. Ultrapassando a raiva, Peter compreende que sua ação não aliviou a dor. A violência apenas o guia para caminhos cada vez mais sombrios e com menor chance de redenção. May, sabiamente, intervém no meio dessa loucura de Peter, já em luto pelo fracasso do relacionamento com Mary Jane. O perdão aqui é o perdão pessoal. Ser capaz de largar a bagagem na consciência depois de realizar tantos atos ruins para os outros. Ficar remoendo a consciência não ajuda nada. O que ajuda é a ação, mover-se para corrigir seus erros. Por isso, o perdão em si é uma das atitudes mais corajosas que podemos ter na vida.
O perdão guia a moralidade inteira de Homem-Aranha 3. Vemos Harry perdoar Peter, Peter perdoar Harry e Flint, Mary Jane perdoar Peter. Para alcançar esse esclarecimento pessoal, assim como no filme, diversos desafios precisam ser superados. Desafios que geralmente trazem brigas e memórias de mágoas passadas. Por isso, muitos optam por não seguir esse caminho, afinal o custo é tremendo. O perdão não é fácil, pois envolve também aceitar escutar a opinião alheia sobre nossos defeitos - algo sempre muito desagradável. Por conta da internet, há essa sensação de descartabilidade das pessoas que se resumiram a virar pequenos avatarezinhos que marcam outros em memes.
O problema é que na vida real, ninguém pode ser descartado dessa forma cruel, sem qualquer relevância. Para atingir o perdão, é preciso superar o medo. E, assim como em muitos casos na vida, acabamos sendo nosso pior inimigo. Pela covardia, acabamos perdendo amigos, oportunidades e, em casos piores, a nós mesmos. Claro, há de ser realista e as pessoas não são todas iguais. Assim como o perdão é uma virtude difícil, às vezes ela nem sempre é realmente requisitada. Pessoas danosas existem e é preciso saber diferenciar quem realmente aproveita da sua pessoa daqueles que merecem uma segunda ou terceira chance de resolver as coisas. Isso vale inclusive para uma auto-reflexão que pode levar a um esclarecimento que pode não te agradar. Mas é através da dificuldade que se atinge a maturidade para saber lidar com as coisas.
Esses conselhos da tia May e do tio Ben realmente são valiosos. Por eu ter crescido junto com o lançamento da trilogia Aranha do Sam Raimi, admito que sempre achava um porre essas pausas narrativas que ousava tirar minhas valiosas cenas de ação. Porém, hoje, revendo essas cenas, é fácil reconhecer a importância dela dentro e fora das telas. Espero que o artigo tenha ajudado a suportar um pouco as milhares de incertezas que cercam a vida como um todo. O que todos podemos concordar é: há beleza nos momentos de felicidade. E por mais que sejam breves, dependendo da realidade de cada um, merecem ser festejados, relembrados e alcançados o máximo possível, no melhor equilíbrio que a vida pode nos oferecer.
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Crítica | El Topo
Como já puderam ver em nossa extensa cobertura sobre a figura de Alejandro Jodorowsky, é imediato afirmar que o chileno é artista extremamente polêmico. Algo bastante engraçado de ver acontecer exatamente a mesmíssima coisa nos bastidores do site é como o debate se assemelha assustadoramente ao da única aula que tive na faculdade sobre o infame diretor.
Acho que é algo que será eterno enquanto ao menos duas pessoas assistirem a essas obras: Jodorowsky é um cineasta ame ou odeie. Por não ter visto praticamente nada de sua filmografia, além de El Topo, já fico contentíssimo de poder expressar esse fascínio misterioso que tenho por esse western subvertido – ou ácido, como bem batizou Pauline Kael.
Durante a projeção rudimentar na aula que assistia ao filme, havia um magnetismo naquelas imagens bizarras que o cineasta construía com facilidade assustadora. Enquanto eu e uns poucos ficaram vidrados naquela experiência inédita na vida, diversos outros alunos se retiravam da sala para fazer coisas melhores. Agora, quase quatro anos depois dessa fatídica primeira exibição, estou aqui escrevendo sobre outro filme que nunca imaginei resenhar.
O Antigo Testamento do Deserto
Desde seu primeiro longa, Jodorowski deixa claro obsessão por dois temas que guiarão toda a sua filmografia: o cristianismo e o sexo. Com El Topo, o diretor, roteirista e ator, consegue trabalhar com mão mais elegantes essas simbologias ao traçar toda a jornada de El Topo, o protagonista sem nome, como uma grande analogia ao Antigo Testamento.
Para não deixar quaisquer dúvidas, ele divide a obra em 4 atos: o Nada, o Gênesis, os Profetas e o Apocalipse. Graças a esse fio condutor narrativo, o filme é mais acessível para espectadores de obras alinhadas à narrativa clássica – mesmo que El Topo seja uma obra surrealista que flerta com o cinema experimental que já ganhava força desde 1960 com Andy Warhol.
Tratando o diálogo como mero acessório para remover a ambiguidade de onde não deve existir, toda a narrativa de El Topo é conduzida com eficiência através da encenação acertada de Jodorowsky. Não é preciso esperar nem três minutos para sentir a mão de ferro do diretor para chamar toda a atenção da cena para seu trabalho.
Trabalhando o visual e as cores com olhar apurado, logo contrasta El Topo, uma figura maliciosa totalmente vestida de preto, com seu filho, Hijo, um pirralho pelado na pureza de sua inocência. Durante esse Nada, o diretor joga os personagens em um vilarejo completamente ensanguentado por causa de um violento massacre. Ali, em uma das raras ocasiões de som hiper-realista, Jodorowsky cria uma atmosfera infernal graças ao crocitar altíssimo de corvos que não estão enquadrados.
Nessa situação irritante, assim que El Topo descobre quem são os responsáveis pelo massacre, logo há o corte para apresentar o primeiro lado antagonista que o “herói” terá que enfrentar. Aqui, com alguns dos capangas nojentos do Coronel, Jodorowski começa a trabalhar imagens absurdas sobre sexualidade. Há sempre um jogo de amor e ódio, fascínio e repulsa, entregue na encenação – isso tange, obviamente, o feminino.
Vemos um homem beijando sapatos de salto alto para logo depois atirar em todos eles. Outro picota uma banana em pedacinhos e, por fim, o último forma a imagem de uma mulher com diversos grãos para depois deitar em cima da rocha, devorando as sementes. São imagens que parecem não ser pertinentes para a história, mas pelo caráter fragmentado da narrativa, tornam-se peças que delineiam identidade estética para cada segmento.
No primeiro duelo de El Topo contra os bandidos, novamente há outra experimentação de sons hiper-realistas. Porém, no nível de linguagem visual, Jodorowsky sai do padrão razoável de “contra estética” que seguia até então. Para potencializar a piada de inserir uma bexiga como cronometro para a resolução do impasse, o diretor usa o bê-á-bá da linguagem de faroestes americanos consagrados por John Wayne e John Ford.
A cutucada funciona, mas o que realmente se sobressai e continuam a surpreender até o final do filme, é a qualidade fantástica de efeitos visuais e maquiagem para potencializar a violência chocante que marca toda a obra. Depois, em sua intermitência perene, o diretor parte para agredir o cristianismo. Outros bandidos que subjugam uma nova vila, torturam padres franciscanos e abusam sexualmente de cada um deles. Jodorowsky mimetiza figurinos de santas para travestir os padres e depois fazê-los beijar os bandidos hediondos.
É óbvio que se trata de uma provocação, porém, sabiamente, assim como William Friedkin viria a fazer em O Exorcista, Jorowski não comete o erro de A Bruxa que é apenas criar imagens provocantes por birra pessoal ou entrave ideológico. El Topo, em si, é Deus personificado, um libertador e também um tirano.
Então novamente há outra repetição em o nada, mas consideravelmente mais complexa. Enquanto os bandidos tocam o terror no vilarejo, há toda uma sequência majestosa de grandes-angulares para apresentar o temível Coronel, um falso deus que subjuga tudo e a todos conforme for a sua vontade. Ele escraviza uma Mulher e oferece para seus capangas até a chegada de El Topo.
Nesse embate, finalmente Jodorowsky explícita em diálogo que El Topo é Deus, o Deus verdadeiro. No duelo, quando derrota o Coronel e alguns capangas, o diretor insere planos rápidos mostrando reações satisfeitas dos franciscanos que não condenam a violência depois da tortura que foram submetidos – o intuito é desconstruir a figura beata para inserir camadas humanas em homens santos.
Extermínio
Opto por analisar a simbologia de algumas cenas-chave de El Topo para não cair naquele maldito lugar comum de dizer apenas que “o filme tem diversas simbologias provocantes que parecem condenar a religiosidade enquanto trabalha com elementos sexuais profanos”. Isso é apenas descrever a loucura que é a imagem de Jodorowsky e tocar apenas a superfície. Em El Topo, o cineasta consegue se comunicar bem com qualquer espectador que esteja na mesma sintonia do filme. Ou seja, apesar de ser um arthouse surtado, esse western é uma obra razoavelmente acessível.
O Gênesis em El Topo é marcado pelo abandono de Hijo. O protagonista opta em levar a mulher (sempre vista como uma presença diabólica em toda a obra) e abandonar o filho. Nisso, há uma frase que marca todo o arco posterior: “Nunca confie em ninguém”. Nesse miolo, a obra ganha tons mais narrativos, estabelecendo um objetivo claro para a jornada do herói.
Em uma versão hardcore de Scott Pilgrim, Jodorowsky cria uma missão para o personagem conquistar o coração da amada: matar todos os quatro pistoleiros lendários que vivem no deserto. Matando todos, ele se tornaria o pistoleiro mais perigoso de todo aquele lugar. O interessante é que, ao escutar a exigência da Mujer, El Topo se descontrola e a estupra numa vã tentativa de demonstrar dominação – essa é uma das maiores polêmicas dessa obra, pois pouca gente sabe que Jodorowsky realmente estuprou Mara Lorenzio para realizar a cena. Algo que é obviamente desprezível, pois não somente o ato é hediondo, mas como a própria montagem e decupagem dessa sequência são um verdadeiro desastre por conta do exagero de cortes – claro, é possível interpretar o efeito truculento da montagem como um espelho do estupro, mas, sinceramente, isso é forçar a barra demais.
Quanto enfim a jornada começa, Jodorowksy adota clichês de narrativas kung fu – o western chinês. Os 4 mestres oferecem lições de moral para o herói, ensinando maior sentido para a vida. Esses mestres são os falsos profetas, todos mortos por El Topo com exceção de um que se suicida – única vez que o herói perde o confronto.
Enquanto todos os falsos profetas parecem ser puros de coração, atingindo um nível de esclarecimento espiritual praticamente impossível para El Topo, sempre trajando as vestes negras. Cada mestre também possui elementos visuais impactantes. O primeiro certamente é que marca mais, por ser cego e possuir dois capangas amputados que tentam viver em perfeição simbiótica. O segundo deixa a questão religiosa muito mais clara, com nuances ciganas e incestuosas com sua mãe.
O terceiro mestre é um tanto menos interessante no texto, mas a carga visual é marcante. O homem cria coelhos brancos. Com a chegada de El Topo para o confronto, todos os coelhos morrem subitamente em clara metáfora ao assassinato da inocência. Isso reforça a mensagem que o Deus verdadeiro, El Topo, se trata de um embusteiro. Para conquistar a amada, parte para o genocídio de culturas e, mesmo inferior, derrota todos os seus inimigos na base da trapaça e da mentira. É justamente por isso que há um descontrole de El Topo no quarto deus, por conta da vitória do suicídio.
O Apocalipse
Com o fim dessa segunda narrativa, Jodorowsky consegue criar um bom desenvolvimento para o silencioso protagonista. Sem precisar repetir a frase, lembramos de “Nunca dependa de ninguém.”. Ao longo da jornada, fica claro que El Topo depende cada vez mais da Mujer. Durante o trajeto, uma forasteira os acompanha. Assim como El Topo, ela traja vestes pretas. Novamente a mulher é retratada como um ser diabólico que desestabiliza a ordem masculina, pois a forasteira claramente deseja Mujer – Jodorowsky monta diversas sequências experimentais para deixar isso claro.
Quando El Topo finaliza sua missão, espera pela recompensa: o amor de Mujer. Porém, ele é caçado pela Forasteira, o diabo. Nessa cena, a mulher atira nas mãos e nos pés do protagonista, mimetizando as chagas de Cristo – novamente uma subversão da simbologia cristã. Derrotado, El Topo vê sua mulher ir embora com a Forasteira – rima visual com a encenação do abandono de Hijo, e morre. Aliás, aqui ocorre uma nova experimentação para personagens femininos. O diretor praticamente não usa som direto nos diálogos sendo quase todos constituídos por dublagem. No ultimato e única fala da Forasteira, Jodorowsky insere uma voz masculina para a mulher. O mesmo acontece durante o estupro do escravo, posteriormente.
Então temos o começo da terceira narrativa da obra que “adapta” outros arcos bíblicos como Sodoma e Gomorra e o Êxodo. El Topo é ressuscitado e encontra uma sociedade inteira de deformados, frutos do incesto, que vivem em uma caverna. Assim como a toupeira que dá nome ao personagem, El Topo recebe uma missão redentora: escavar um túnel para que os deformados possam chegar no vilarejo próximo para ali viver.
Acompanhado por uma anã para auxiliá-lo na jornada, El Topo parte para o vilarejo. Aqui, Jodorowsky aproveita para tecer as críticas indispensáveis ao capitalismo tão presentes em obras desse cunho. Assim como anteriormente, o diretor aposta pesado na caricatura esdrúxula tornando todos os habitantes do vilarejo em seres desprezíveis.
A ordem religiosa pagã é uma clara provocação ao Iluminati, todos são racistas e escravocratas, mas totalmente depravados e malditos no âmago que revela toda a hipocrisia sustentada pela “moral e bons costumes”. A obsessão pelo sexo se faz presente, mas torna todo o ato em algo tosco pelas figuras obesas e ridículas que coloca em tela. É uma saraivada de críticas à burguesia como vista por Jodorowsky: ricos idiotas, armamentistas, famintos, vaidosos e cheios de impulsos sexuais hipócritas recorrendo a diversos tipos de submissão como estupro e tortura.
Nada leve, certo? Mas a chegada de El Topo no inferno vivo dos falsos profetas, condena toda aquela sociedade – assim como em Sodoma e Gomorra. Porém, para conseguir construir o túnel, o protagonista e a anã precisam parasitar aquela sociedade a fim de obter os recursos necessários. Logo, eles se tornam os páreas responsáveis em entreter e limpar a cidade pecaminosa.
Entretanto, novamente no que tange a sexualidade feminina, Jodorowsky torna a anã em uma figura sagrada, o único retrato feminino que não é diabólico. Ela vira a verdadeira companheira amorosa do protagonista. Então, da deformidade, há a benevolência e o sagrado segundo o diretor.
Esse segmento se estende além da conta, pois Jodorowsky está mais interessado em criar imagens que visam ofender essa dita burguesia do que realmente avançar a história. Quando finalmente o trecho do Apocalipse começa, as coisas ficam mais interessantes por conta de reviravoltas totalmente inesperadas. A bom manejo de encenação e exagero de zooms deixam claro um ponto crucial para o desenvolvimento da redenção de El Topo.
Sem muita enrolação, Jodorowsky dá sua própria versão do Êxodo e emenda outra crítica à guerra, em especial a do Vietnã, para concluir a trajetória do herói silencioso. É importante salientar que, em momento algum, o diretor apoia a religião que ele adapta na incorporação divina de El Topo.
Esse “Deus” é um personagem detestável, egoísta, estuprador, trapaceiro e, mesmo quando acredita ajudar toda uma população, na verdade a guia para a morte violenta sem qualquer chance de sobrevivência. Para encerrar de vez sua enorme crítica ao Cristianismo, Jodorowsky anarquiza justamente uma das simbologias mais sagradas a essa religião: as abelhas e o mel.
No túmulo de El Topo, o diretor mostra diversas favas e poças de mel em volta. Entretanto, acima delas, não há a benção da luz, lealdade e ordem representada pelas abelhas, um emblema de Cristo. Ali, existem apenas moscas para representar o putrefato, o vilipendioso, o profano – ainda mais quando consideramos que as moscas eram festejadas pelos egípcios, a civilização mais condenada por Deus devido ao falso profetismo.
A Toupeira
Interpretar as simbologias ditas surrealistas de Jodorowsky é um exercício divertido. El Topo em si mesmo é uma obra bastante divertida. Afastando totalmente minhas crenças pessoais, é muito interessante notar esse ponto de vista realmente único de Jodorowsky sobre pontos importantíssimos do Antigo Testamento. Seu completo desprezo é muito mais refinado nesse filme graças a criação de imagens fortes e eficientes para transmitir a mensagem desejada.
Há sim certa ambiguidade e muita gente pode tirar diferentes significados das viagens surrealistas psicodélicas do infame autor. Mas para mim, El Topo é tudo isso que acabei de descrever. E justamente por ser uma alegoria tão bem pensada, conseguindo até mesmo valorizar a trajetória de seus personagens principais e ter caráter totalmente episódico, se sustenta perfeitamente como um ótimo filme de ficção.
É muito arriscado afirmar isso sem ter visto nenhum de seus outros filmes, mas assim como ele, completamente desprovido de medo para afirmar suas ideias na obra, não temo em afirmar que El Topo é sua obra-prima. É uma daquelas viagens únicas que somente o cinema surrealista pode proporcionar. Só é preciso um estômago forte e partir de cabeça aberta.
El Topo (El Topo, México – 1970)
Direção e roteiro: Alejandro Jodorowsky
Elenco: Alejandro Jodorowsky, Brontis Jodorowsky, Mara Lorenzio, David Silve, Paula Romo, Robert John
Gênero: Western Surrealista
Duração: 125 min
Crítica | Homem-Aranha: De Volta ao Lar (Com Spoilers)
Clique aqui apra ler nosso texto SEM SPOILERS
Não é preciso pensar duas vezes. Se o Batman ergueu a casa da DC, o Homem-Aranha é igualmente responsável em sustentar a Marvel por anos. Apesar da Casa das Ideias ter um rol invejoso de heróis populares, as maiores histórias que mudaram toda uma indústria concentram-se nas decisões audaciosas que as diferentes editorias escolheram para contar a eterna história de felicidades e desgraças da vida de Peter Parker.
Vencedor de praticamente todas as decisões polêmicas da Marvel, uma delas certamente é a tragicômica venda dos direitos cinematográficos do personagem para a Sony nos anos 1990. Com a Marvel muito próxima de chegar à falência por conta das péssimas vendas dos quadrinhos por conta de fases horrorosas que assombraram seus personagens.
Para salvar a empresa, a Marvel vendeu o Homem-Aranha para o Sony e os X-Men e Quarteto Fantástico para a Fox (Demolidor também tinha sido vendido, mas como a Fox desistiu do personagem, os direitos voltaram para a agora Marvel-Disney). Uma das poucas cláusulas reveladas ao público era a necessidade de filmes sobre essas marcas saírem no mínimo uma vez a cada quatro anos. Se não acontecesse nenhuma obra nesse tempo, os direitos eram revertidos para a Marvel.
Obviamente, isso seria um doce sonho para a editora que, ainda mais agora comprada pela Disney, está longe de falir. Porém essa realidade deverá continuar por um bom tempo, mas saídas nebulosas foram encontradas para resolver o maior problema do MCU por tempos: como enfiar o Homem-Aranha dentro do universo compartilhado da Marvel?
A resposta é complexa demais, cheia de burocracias com dois estúdios se estapeando para receber mais vinténs que o outro sobre essa propriedade intelectual. Em 2016, finalmente os magnatas acertaram suas contas para “fazer a vontade dos fãs”: Homem-Aranha finalmente voltaria ao lar. Primeiro com uma rápida degustação em sua participação marcante no mediano Capitão América: Guerra Civil. Agora, depois de uma sucinta espera de um ano, finalmente temos Homem-Aranha em toda a sua glória. Ou algo que chegue perto disso.
De Volta ao Lar?
Antes que você pergunte (e também obviamente já sabe), a narrativa escrita por seis pessoas nada tem a ver com o famoso e elogiado arco de Straczinski nos quadrinhos do Teioso. De Volta ao Lar é um filme que tenta ser aqueles clássicos coming of age dos anos 1980 como O Clube dos Cinco, de John Hughes.
Na verdade, De Volta ao Lar pouco tem a ver com o próprio mythos do Homem-Aranha dos quadrinhos. Antes que você esmurre o computador ou xingue minhas passadas gerações, deixe-me apresentar fatos que, goste ou não, são firmados pelo roteiro do filme (escrito por inacreditáveis seis pessoas – tá difícil pensar em uma história pro Teioso, hein?).
Antes de começar, já deixo claro que as coisas mudaram bastante desde 2002 quando o Homem-Aranha surgia nas telonas pela primeira vez. As mudanças e o cinismo de De Volta ao Lar acompanham o feeling inteiro de uma nova geração que é o público-alvo da obra. Logo, há espelhamentos desse novo “clichêzão” do Ensino Médio americano.
Dessa vez, Peter Parker não é o nerd tosco ignorado ou odiado por 90% dos habitantes do colégio. Ele é um rapaz levemente descolado que consegue sair por cima de quase todas as traquinagens bully que Flash Thompson organiza para atacar ele (o casting de Tony Revolori para viver o valentão é bastante flácido). Possui amigos, não precisa se preocupar com emprego, não se culpa pela morte do tio Bem (por enquanto), participa de diversas atividades na escola.
O nerd recluso ficou para trás e a vida como Peter Parker não é mais tão ruim assim. Apesar de jogar fora toda a simbologia poderosa de libertação que é o ato de Peter tornar-se Homem-Aranha e, portanto, embriagar-se com o poder e boas ações, os roteiristas de De Volta ao Lar conseguem se salvar do desastre com boas desculpas psicológicas.
Isso é acertadamente afirmado pelo início bem-humorado e nada convencional com o minidocumentário direto que Peter Parker faz sobre sua viagem à Berlim para ser o trunfo máximo de Tony Stark na batalha do aeroporto. O efeito de lutar ao lado dos Vingadores “oficiais” deixa o personagem completamente alucinado e motiva sua jornada para se tornar um verdadeiro vingador.
O problema é o choque de realidade provocado em seu homecoming. No retorno à rotina banal, o uniforme high tech dado por Stark também vira um vício. Não pela liberdade, mas sim pelo sonho em ser efetivado como um verdadeiro Vingador. Muda-se a natureza do dilema de Peter Parker para algo bem menos complexo, mas condizente com o espírito teen do filme, afinal é um Aranha com apenas 15 anos de idade.
É nesse mérito que o roteiro de De Volta ao Lar se sobressai: o desenvolvimento pleno do protagonista (mesmo que seja bem básico). O MCU possui a irritante constante de simplesmente esquecer o desenvolvimento do protagonista no meio do caminho para injetar doses cavalares de setpieces de ação esquecíveis – isso tem mudado com a Fase 3, glória aos céus.
Dentre todos esses filmes, Homem-Aranha pode se orgulhar de ter o melhor desenvolvimento de personagem desde Homem de Ferro em 2008 – não incluo Guardiões da Galáxia por se tratar de uma jornada de grupo, distinta de uma jornada do herói clássica. Ao longo das duas horas, vemos conflitos muito pertinentes ao universo do Teioso.
Os roteiristas e Jon Watts conseguem conferir a atmosfera de vida dupla necessária para qualquer obra que ouse adaptar o herói mais famoso da Marvel. Peter precisa salvar o bairro de perigos comuns e investigar a trupe do Abutre enquanto concilia seus estudos, vida social e torneios de interescolares.
Em crescente, a vida de vigilante atropela decisões importantes, momentos de virada para Peter Parker, mas totalmente irrelevantes para o Homem-Aranha. Em uma fase conturbada de adolescência, na definição do próprio Ego do personagem, o encaixe da busca pela identidade do protagonista é mais que acertado e confere peso nas decisões que favorecem o vigilante que Peter sempre toma.
Logo, a empatia com o imaturo personagem é garantida rapidamente, afinal Peter Parker é adorável. É um pirralho excitado com tudo, histérico, cínico e humorista nato, tirando sempre a melhor metade da laranja de todas as situações. Nesse sentido, sim, o filme é muito fiel ao espírito mais famoso do personagem tão bem retratado por animações dos anos 1990 e de 2012.
Vida Escolar
Por causa dessa proposta que guiará toda a fase Holland de Peter Parker, o espectador é convidado a observar muitas, mas muitas cenas da vida escolar do personagem. A grande vantagem é esse núcleo inclui o obscuro personagem das HQs Ned Leeds (completamente reformulado, obviamente). Pelo timing fantástico de Jacob Batalon, o humor que transborda nessas sequências contagia. São piadas que funcionam com algumas potencializadas pela montagem inspirada – como a que acompanha Ned infernizando Peter em um dia de escola após descobrir que ele é o Homem-Aranha.
A amizade inocente dos dois guia o filme inteiro, porém, apesar de ser um excelente alívio cômico, Ned não é nada mais que isso. Quando o jogo tenta ser maior, o pior lado do MCU se faz presente em De Volta ao Lar: a falta de urgência, relevância. O perigo parece nunca afetar pessoalmente Peter Parker e a reviravolta principal da obra não é lá de grande gravidade para a integridade familiar do herói justamente pela humanização do vilão, mas seguiremos sobre isso mais adiante.
Aqui, o ponto é Ned. O personagem rapidamente vira de uma nota só, mesmo divertindo. Nunca as ações egoístas/altruístas de Peter decepcionam o personagem. Ele simplesmente aceita o que der e vier. Isso, novamente, não confere peso às ações de Peter. Porém, esse papel é cumprido por Tony Stark como visto nos trailers. Entretanto, seria mais interessante injetar camadas um tanto mais complexa em Ned já que é um cara cheio de potencial. Por enquanto, a amizade de Ash e Pikachu no 1º episódio de Pokémon consegue ter mais relevância do que a de Ned e Peter Parker em um filme milionário.
Se Ned ao menos desperta empatia, o resto do elenco escolar é uma tragédia pela completa irrelevância. Seja com Liz Allen, o primeiro foco amoroso consideravelmente mal trabalhado pelos roteiristas, ou com a esquisitíssima Michelle Jones, uma pseudo Claire Standish de O Clube dos Cinco. Com um discurso e performances irritantes, a personagem de Zendaya podia ser trucidada pelo Abutre que eu não daria a mínima. O mesmo acontece Laura Harrier e sua química tenebrosa com Tom Holland – a jovem sempre mantém uma expressão tanto faz em todas as cenas de tensão romântica com o ator.
O problema é que Liz Allen também não pode ser afetada pelo Abutre. Mas dessa vez a desculpa é melhor: ela é a filha do vilão.
A Reviravolta de Um Milhão de Dólares
Não demorou quase nada para enfim encontrarmos outro bom vilão no MCU após Guardiões Vol. 2. O Adrian Toomes de Michael Keaton é excelente. Muito mais pelo desempenho fantástico do ator do que pelo tratamento do roteiro. A vantagem é que o texto, ao menos, oferece motivação consistente para o vilão, o situando em uma função que faz jus ao nome da ave carniceira, além de mostrar melhor como a Batalha de Nova Iorque de Os Vingadores afetou profundamente a vida dos cidadãos comuns.
A Marvel finalmente aprendeu a utilizar, pela segunda vez, a introdução do filme para fincar com firmeza uma base narrativa para o vilão – algo que eu já tinha reclamado bastante com o medíocre Doutor Estranho. Mesmo que não seja desenvolvido por um tempo enorme, a presença de Michael Keaton a cada nova cena hipnotiza. Aprendemos a temer o vilão, mas seus atos de verdadeira maldade são perdoados com piadas furrecas a la MCU.
O que importa é o motivo do vilão virar traficante de armas modificadas com artefatos Krill: a sobrevivência de sua família. Por isso, quando Peter descobre que seu primeiro amor é justamente a filha do homem que ele tenta colocar na cadeia, há sim um impacto eficiente.
Nisso, Jon Watts busca a eficiência de Sam Raimi na primeira trilogia e recria a fatídica cena de Ação de Graças do clássico. Aqui, Toomes leva Parker e Liz até o baile homecoming. Durante todo o trajeto, pela completa transparência do pânico de Peter, o vilão saca rapidamente que o menino é o mesmo Homem-Aranha que vem atrapalhando seus negócios. Logo, há uma ótima jogada de decupagem e iluminação quando Toomes oferece um monólogo poderoso. No nível pífio de simbologia visual que esses filmes Marvel conseguem construir, a luz vermelha do semáforo, encobrindo sutilmente o rosto do Abutre, é ótima para pontuar a raiva lancinante que o personagem sente, mas que a mantém contida para não assustar sua filha.
O mais interessante é jogo mafioso que Toomes oferece. Ele dá a chance de Peter escolher o que quer: a morte certa ou oferecer uma noite agradável para Liz. Obviamente que o herói abandona a moça no fatídico baile, a decepcionando pela terceira vez (finalmente, Harrier consegue pontuar bem sua emoção frustrada), partindo para o confronto final contra o antagonista.
Essa questão da escolha é ótima para ilustrar a imoralidade de Toomes até mesmo diante com sua família. A busca pelo lucro é tamanha que usa a própria filha como mercadoria para subornar o herói. Essa é também, estranhamente, outra vez que o vilão ganha em um filme de super-herói. A falsa escolha oferecida a Peter o torna sempre refém do Abutre. Ou se torna conivente com o crime, ou triunfa e arruína completamente a vida da menina que ele ama – é óbvio que a morte não é uma opção real para os roteiristas.
Aliás, tamanho medo dessa consequência que é justamente por isso que o clímax é completamente flácido tanto narrativamente quanto na direção. O novato Jon Watts já tinha mostrado imaginação frágil para as setpieces de ação e com o clímax não é diferente. Errando feio na dosagem de planos e montagem, Watts cria uma das sequências mais incompreensíveis que o gênero já viu – também não ajuda em nada o fato do avião camuflado virar uma pseudo Bifrost arco-íris no meio da treta.
O que incomoda é a ausência que fizeram os filmes Raimi serem tão grandes: perigo e uso do cenário durante a batalha. O Aranha sempre foi um herói de tirar vantagens dos elementos mais improváveis e, aqui, isso praticamente inexiste. Igualmente, pelo fato de nem o avião ter pilotos, não há nada em jogo ali. O heroísmo de Parker consiste apenas em derrubar o veículo em uma praia deserta e salvar Toomes dos escombros. Mais sem graça, impossível – só relembre de todos os clímaces de cada um dos filmes Raimi e lamente.
A Eficiência das Boas Ideias
Felizmente, De Volta ao Lar pode se vangloriar por trazer muitas novidades para uma franquia cinematográfica que estava bastante carente de ideias inéditas. No caso, temos a assistente pessoal de Parker: Karen. A simpática I.A. de seu uniforme é o segundo alívio cômico (é bizarro escrever isso já que o filme praticamente não tem fatores dramáticos de peso) da narrativa.
Enquanto Ned representa o humor do cotidiano trivial, Karen é o oposto. Apresenta as quase infinitas possibilidades do traje do Aranha, além de figurar o melhor diálogo de toda a obra no qual Parker faz questões existenciais enquanto tenta matar o tempo dentro de um armazém tecnológico. Aqui, Jon Watts tem uma jogada sutil muito inteligente: manter Parker vestido como Homem-Aranha mesmo sem ter a necessidade disso.
Fica claro que, mesmo abrandando o teor dramático da esfera pessoal do personagem, Peter deseja apenas ser o Homem-Aranha flertando com um transtorno de identidade. Essa jogada é valiosíssima e lamento pelos roteiristas nunca seguirem nisso com firmeza. O evento máximo que força Peter a aceitar sua identidade é quando Stark retira o uniforme que fez para o menino. A conclusão desse “ser ou não ser” que guia Peter acontece no único momento que o personagem passa por perigo real.
Após ficar preso no entulho causado pela destruição do covil do Abutre, Peter teme morrer esmagado. A situação toda espelha a clássica HQ E Se esse for o Meu Destino. Entre pedidos de socorro e muito choro, Jon Watts (novamente em insight brilhante) coloca outro plano carregado por simbologia.
Sem forças, Peter olha para o chão onde sua máscara do traje caseiro parcialmente afundada em uma poça d’água. Quando repara que o reflexo d seu rosto preenche a metade oculta da máscara, a catarse ocorre com eficiência. Peter Parker é o Homem-Aranha. Os dois são um.
Outro fato que Jon Watts consegue lidar com eficiência e a relação de Peter com seu bairro quando trabalha como vigilante mascarado. Já nessa primeira sequência, o espectador compreende que o herói mais cria problemas do que os resolve. Mas as trapalhadas básicas evoluem para outras mais perigosas (apesar de nunca haver risco real, além da cena do Obelisco). Em maioria, Peter está sempre correndo atrás de resolver seus próprios erros.
Os roteiristas levam a máxima “você é o pior inimigo de si mesmo” bastante a sério, ainda que amenizada pelo humor perene. É um discurso válido que serve perfeitamente como jornada de amadurecimento do personagem como herói e também na esfera pessoal. Em vez de Peter destruir relações interpessoais com ações equivocadas, cria perigos que colocam a vida de diversos cidadãos em risco. Genial.
Enquanto mostra ideias bacanas como Peter ter que correr para atravessar um campo de golfe por conta da inexistência de objetos para fixar suas teias, outras novidades pesam negativamente. Uma das principais é a nova May. A personagem praticamente não tem peso algum nas cenas em que aparece, além de nunca oferecer insights valiosos para Peter em suas decisões éticas e morais praticamente ignorando a função primária da existência da tia May. Em suma, parece que a quarentona é tão imatura quanto seu sobrinho.
Outro ponto completamente fora da curva que afronta qualquer lógica é inserção de uma sequência inteira de merchandising da Audi na qual o Homem-Aranha, mesmo com fluído de teia, simplesmente dirige um carro até o destino onde está o vilão.
Sorte ou Azar de Principiante?
O diretor Jon Watts não é lá um nome muito quente da indústria. É outra figurinha do cenário indie jogado em uma produção importantíssima de milhões de dólares. Com uma voz tão inexpressiva, é de ficar surpreso que De Volta ao Lar não se trata um manifesto assinado somente pela vontade de seus produtores.
Como bem disse acima, Watts consegue criar simbologias visuais pertinentes, apesar de trazer as piores sequências de ação que a franquia viu desde O Espetacular Homem-Aranha. Seja pela falta de inspiração ou do manejo ineficiente da montagem, a ação aqui dificilmente empolga pelo fato de recorrer aos efeitos picotados nada realistas e confusos que parecem amaldiçoar essas produções contemporâneas.
Apesar de flertar tanto com os filminhos coming of age dos anos 1980, Watts, infelizmente, não oferece coração para esse Homem-Aranha. Falta certa alma, um feeling que talvez só surja com a experiência de uma longa carreira como Sam Raimi já possuía em 2002. O que Watts tem de positivo é seu olhar sobre as pequenas coisas, em criar um mundo orgânico para as cenas do colégio, focando em diversos estudantes, mostrando Peter tentando conciliar as duas vidas contrastantes, as diferentes tribos e as relações daquele microcosmo com as ações dos diferentes heróis e vilões que interferem em suas vidas.
Já para o núcleo antagonista, parece que há uma preguiça completa. Desde a apresentação estupidamente broxante do Abutre com seu traje pela 1ª vez até tudo o que envolve os péssimos Shockers, capangas de Toomes. Logo, há diversos altos e baixos no desempenho de Watts em seu primeiro grande filme. s primeiras perseguições do Aranha ao Abutre, todas as cenas envolvendo May e outras gags lacradoras que envolvem a personagem de Zendaya.
Mas há elogios para Watts na condução de Tom Holland e Robert Downey Jr. Mesmo com pouco tempo em tela, Downey Jr. domina as cenas pelo desempenho carismático e ótimo trabalho em conjunto com Tom Holland que merece um parágrafo inteiro para si só.
Uma das coisas que mais priorizo na atuação de um Homem-Aranha, são as poses marca-registrada do super-herói. Felizmente, Holland consegue incorporar a iconografia importantíssima do Teioso com perfeição. É uma linguagem corporal eficiente e que também contrasta com os gestos mais contidos do ator quando encarna o encabulado Peter Parker quando em público. Agora, se o personagem está em casa ou com Ned, as coisas mudam completamente. Holland cria uma faceta totalmente histérica e excitada para o Aranha imaturo.
O mais fascinante é a pontuação da tristeza do herói, algo que sempre precisa acompanhar a profunda melancolia que Parker carrega em seu coração. Em momentos-chave, por decepcionar figuras paternas ou a si mesmo, Holland chora. E é um choro tão genuíno, tão frustrado, pueril e inocente que, literalmente, dá vontade de entrar na tela e consolar o nosso amigão da vizinhança, dizer que tudo está bem e para acreditar em si mesmo.
Justamente por isso, não é a toa que dizem que Holland traz a performance mais poderosa de Peter Parker/Homem-Aranha até agora. O que o pessoal falha em identificar é a razão dessa impressão marcar tanto. Não é preciso enfeitar as palavras aqui: o ator é o melhor apenas por conseguir trazer o retrato mais humano do personagem que já vimos. Por favor, que não desperdicem o talento desse jovem britânico em não retratar a hora mais triste da vida do Aracnídeo: a morte do tio Ben.
Underdog
Depois de um hiato de três anos que parecem bem mais do que isso, vemos o nosso estimado amigo retornar em um bom filme aos cinemas. De Volta ao Lar traz vigor e muitas novidades para uma história que muita gente já acreditava ter se esgotado na sétima arte, ainda que carregue características que insistem assombrar quase todos os longas do MCU.
Jogando com segurança e fixado pelo carisma contagiante de seu humor, é difícil se frustrar com entretenimento simples que esse filme oferece. Porém, é inegável que falta refinamento, brilhantismo que tornam bons filmes em obras inesquecíveis. Ter assistido recentemente a trilogia pioneira de Sam Raimi certamente contribuiu para impregnar minha mente com um questionamento que não deveria existir. Por que, gradativamente, os blockbusters vêm ficando cada vez mais simples e irrelevantes em longo termo?
Já é hora dos estúdios se tocarem que seus filmes não são obras fugazes como virais de internet que explodem por poucas semanas. Mesmo sendo parte de outra forma de ver mercado e conteúdo, esses filmes ainda buscam o estado de arte. E, sinceramente, o público merece um espetáculo bem mais completo do que apenas o visual.
Quem sabe a indústria cinematográfica novamente olhe para o retrovisor e veja sua história recente. Que enfim reconheça o fator que tornava aquelas maravilhas dos anos 2000 em algo bem mais do que apenas mero entretenimento. Que, assim como Peter Parker, regredindo em suas pretensões, possa amadurecer novamente entregando novos filmes que resistam tão bem ao tempo.
Agora, sobre De Volta ao Lar, somente o tempo dirá do que ele verdadeiramente se trata: mais um viral da Marvel Studios ou um filme realmente completo. Por enquanto, eu só afirmo que se trata de um bom divertimento.
Homem-Aranha: De Volta ao Lar (Spider-Man: Homecoming, EUA – 2017)
Direção: Jon Watts
Roteiro: Jonathan Goldstein, John Francis Daley, Jon Watts, Christopher Ford, Chris McKenna e Erik Sommers
Elenco: Tom Holland, Michael Keaton, Robert Downey Jr, Marisa Tomei, Jon Favreau, Laura Harrier, Zendaya, Jacob Batalon, Donald Glover, Angourie Rice, Tony Revolori, Martin Starr, Bokeem Woodbine, Logan Marshall-Green, Michael Chernus, Michael Mando, Hannibal Buress, Kenneth Choi
Gênero: Aventura
Duração: 133 min
https://www.youtube.com/watch?v=U0D3AOldjMU
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Crítica | Procurando Nemo
Um misto de ironia e saudades marcam a escrita dessa crítica de Procurando Nemo. O quinto filme da Pixar marcou e deu origem a experiências memoráveis no campo da minha vida pessoal. Em 2003, eu não tinha mais de 9 anos. Um pequeno pirralho assim como Nemo. A primeira visita a esse filme deve ter sido uma das raríssimas vezes que eu teria ido ao cinema acompanhado de outras pessoas e não com a minha mãe. Depois, em uma das sete ou nove vezes que assisti novamente nos cinemas (ainda é o filme que mais vi nas telonas), tive minha primeira experiência de ir ao cinema completamente sozinho.
Eu vi Procurando Nemo passear da sala 1 até a sala 9 no multiplex do Frei Caneca em São Paulo em todo o seu período de exibição. Absolutamente uma obsessão que eu só tinha encontrado na minha infância com 101 Dálmatas e Jurassic Park.
Para completar, o filme que marca minha infância recebe sua sequência justamente na época em que começo esse site. E agora, quase exatamente um depois, encontro a ocasião de comentar sobre a maravilhosa odisseia de Marlin para salvar seu filho. Mais uma vez, Procurando Nemo está presente em uma época importante da minha vida.
Amadurecimento Natural
Em apenas seu quinto filme, a Pixar já colecionava outra nova obra-prima. Se aventurando em filmes sobre brinquedos falantes, insetos revoltados e monstros comediantes, o feeling e o tato da produtora mudam consideravelmente em Procurando Nemo. A animação basicamente inaugura uma nova fase intelectual que só possui Carros como estranho no ninho por destoar das propostas universais em abordagens nada convencionais.
A Pixar já dominava a animação e textura para humanos desde Toy Story 2 passando pelo teste de fogo com Boo em Monstros S.A.. A jornada de Marlin em busca de seu filho sequestrado poderia ser facilmente adaptada para um núcleo humano – anos mais tarde veríamos isso acontecer com Busca Implacável, mas, sabiamente, a Pixar não estava preparada para largar o tom de fábulas modernas que marcam sua primeira história.
Em uma história extremamente peculiar, Andrew Stanton leva o argumento original do filme no formato a la Odisséia de Homero. Há todo o ar de uma tragédia grega permeando a infeliz história do peixe-palhaço. Logo de início, Nemo possui o começo mais traumático dos longas Pixar até então. Tamanho trauma que consegue explanar a motivação de Marlin em apenas uma cena.
Nele, Marlin e Coral festejam a nova anêmona que compraram bem de frente ao mar aberto. Ali será a casa de uma infinidade de peixinhos-palhaço que estão prestes a eclodir de suas ovas. Porém, apesar da extrema alegria e plenitude de espírito, Marlin é obrigado a lidar com a maior tragédia possível, uma reviravolta que somente a indiferença crua da natureza pode proporcionar. Coral e quase todas as ovas são mortas por uma barracuda.
Desolado, as esperanças de Marlin se renovam quando encontra uma única ova solitária que sobreviveu ao ataque do predador. Em homenagem a esposa, ele batiza seu filho como Nemo. Anos se passam e, no primeiro dia de escola, Nemo é desafiado a encostar em um barco à deriva em mar aberto. Desobedecendo ordens diretas de seu pai superprotetor, Nemo toca no barco, mas acaba capturado por uma dupla de mergulhadores.
Desesperado, Marlin nada o mais rápido possível para salvar seu filho, mas acaba perdendo completamente o barco de vista. Porém, durante a frenética perseguição, acaba atropelando uma “peixinha” distraída com perda de memória recente chamada Dory. Apenas podendo contar com a ajuda de sua amiga disfuncional, Marlin segue em busca de seu filho.
O Simples Contraste
A palavra que marca a experiência da proposta de Stanton tanto no roteiro quanto na direção é uma só: subversão. No caso, de expectativas e clichês perpetuados por tantos filmes. Mesmo se valendo de uma estrutura de jornada bastante simples e antiga, o diretor injeta novidades a todo instante com um cinismo encantador capaz de se comunicar perfeitamente com crianças e adultos.
O começo em si, todo colorido e iluminado, sofre a brusca reviravolta da morte de Coral para justificar toda a paranoia de Marlin com o oceano e todos os seus perigos. O mais interessante da intenção de Stanton não é seguir o que tantos outros fariam que seria desenvolver o personagem o conferindo descrédito em suas convicções. No fundo, Marlin está completamente certo. O oceano é o lar de perigos inimagináveis.
Enquanto Nemo está em segurança no aquário do dentista com outros peixes ornamentais, Marlin é obrigado a enfrentar seus maiores medos para alcançar o objetivo de sua jornada – detalhe que alguns desafios são lançados em foreshadowing com um diálogo humorado com Nemo enquanto os dois seguem para a escola. Todo o seu desenvolvimento é pautado através das superações nada fáceis de diferentes obstáculos que aparecem no percurso. O primeiro deles é a indiferença dos outros peixes para o seu pedido de socorro durante a desesperadora perseguição.
Sabiamente, Stanton opta em deixar praticamente todos os animais com cores opacas, destacando apenas Marlin e Dory com cores vibrantes, mostrando como os heróis se distinguem dos demais. Logo depois, há o encontro com Bruce e os outros tubarões. Toda a construção de clima indica a morte certa dos peixinhos, porém ao chegar no lugar, o fator Pixar se sobressai com o humor causado pela revelação dos tubarões “vegetarianos”.
O diretor, entretanto, nunca mantém o ritmo sereno e seguro da narrativa. Não demora nada para jogar a situação aos ares ao transformar Bruce em um tubarão sanguinário enquanto revela que Dory sabe ler. Depois, o ritmo de expectativas subvertidas é mantido quase que matematicamente – assim como no ordenamento das cenas de Toy Story.
Nemo tem sua expectativa frustrada por ninguém o socorrer ao ficar preso no tubo do filtro do aquário marcando a primeira experiência independente do peixinho. Enquanto isso, Dory e Marlin se frustram com a luz hipnótica do Diabo do Mar que quase os devora. Para evitar que o texto se torne uma mera descrição das sequências de subversão, tente relembrar de todas as suscessões de eventos que Stanton organiza nessas provas que tanto Marlin e Nemo passam e perceba como absolutamente todas tem o clima virado ao avesso.
É justamente por genialidade de contrastes que absolutamente todas as cenas de mar aberto de Procurando Nemo conseguem ficar fixadas na memória por tantos anos. Digo isso pela incrível experiência que foi ver o filme em 2003. Já com uma bagagem boa de filmes na cabeça, Nemo conseguiu me surpreender em todas essa reviravoltas bem-humoradas. Corridas mortais em águas-vivas, baleias ajudantes, um “anel de fogo” nada perigoso, entre tantos outros. Por conta desse jogo de alívio e tensão construído nas cenas, o humor torna-se certeiro e permite, inclusive, acrescentar pequenas esquetes de causa e efeito que somente tem o propósito de divertir o espectador.
Para finalizar esse apontamento da subversão, Stanton é gênio em justamente criar a cena da fenda. O lugar totalmente obscuro cheio de cadáveres de peixes é justamente o caminho seguro para a correnteza que a dupla precisa chegar. A eficiência da ironia e da revelação mortal das águas-vivas marca a primeira vez que o diretor quebra a lógica do uso das cores e iluminação na narrativa.
Quando Marlin decide que eles têm que nadar acima da fenda, há o uso de águas límpidas e extremamente azuis indicando atmosfera segura. Não demora até as cnidários rosas aparecerem e tomarem todo o espaço que antes era garantido pela serenidade azul-clara. Mesmo que o roteiro indique antes para o espectador que algo ruim acontecerá acima da funda, não há como prever tamanho peso para uma reviravolta decisiva, pois ela marca a origem de um conflito secundário de Marlin extremamente importante.
Pais e Filhos
A alma de Procurando Nemo é, obviamente, seus personagens. Mesmo que a narrativa seja divertidíssima, com cenas memoráveis, não funcionariam não fosse a excepcionalidade de escrita e desenvolvimento que os personagens protagonistas apresentam.
Marlin, mesmo tomando atitudes infelizes que acabam ferindo gravemente Dory, ainda é um personagem extremamente carismático. O truque é a revelação do trauma logo de início. Assim, é fácil compreender sua depressão e medo crônico. E sua única razão de viver: Nemo. Quando seu filho diz que o odeia e logo depois é raptado, Staton introduz a sequência de perseguição frisando em planos distantes toda a solidão do personagem. As águas claras do recife desaparecem para as esverdeadas opacas no lugar onde encontra Dory pela primeira vez.
Aqui, talvez seja a primeira vez que a sublime trilha musical de Thomas Newman se faz realmente assustadora dando sequência orgânica à orquestra que pontua o desconforto tenebroso da cena do rapto. Com notas graves e pausadas do piano, não é exagero dizer que Newman fez uma música curta digna de Bernard Herrmann em Psicose – essa influência de Herrmann está presente na trilha inteira tanto que é explícita na gag genial de tocar os acordes mais famosos de Psicose na apresentação de Darla.
Pela completa falta de senso de comunidade, Marlin não consegue confiar em ninguém. Que dirá na simpática peixinha que esquece do peixe-palhaço segundos após prometer que o ajudaria. Esse arco de confiança é extremamente necessário para o desenvolvimento de Marlin abandonar o vício superprotetor que marca sua relação com Nemo.
Apesar de possuir sua jornada própria, Dory é o catalisador da epifania de Marlin em confiar em terceiros. A catarse ocorre baseada no contraste de situações dramáticas sempre encaixadas por Stanton. A primeira, como já mencionei, ocorre na fenda. Depois, para resolver o desenvolvimento, o roteirista coloca Marlin dependente do baleiês de Dory quando ela afirma que os dois precisam cair na garganta da baleia em um belo cliffhanger (literalmente). É aqui que Stanton, ao enquadrar a cicatriz de Dory, consegue resolver visualmente o complexo drama. Marlin finalmente aprende a confiar de novo – tanto que já pula para o bico do pelicano Nigel sem muita resistência, posteriormente.
Já Dory recebe o carisma que todo alívio cômico precisa. Mas, assim como Mike em Monstros S.A., a personagem inesquecível também ganha tratamentos profundos do roteiro envolvendo sua deficiência psicológica. Todo o dilema é conseguir lembrar, algo impossível para Dory até antes de encontrar Marlin.
Assim como fez com o peixe-palhaço protagonista, Stanton também usa recursos visuais para causar a catarse máxima em Dory quando ela encontra Nemo, mas não se lembra de quem ele é em primeiro momento. Aqui, o uso de linguagem é mais complexo, pois tange a simbologia visual tão querida aos filmes Pixar. Quando Marlin abandona Dory, vemos uma corrente em terceiro plano.
A corrente normalmente é interpretada como a ligação entre seres de um universo. Com Nemo encontrando Dory após a sua fuga, fica claro que é justamente ela quem desempenhará a função de juntar Nemo com Marlin novamente. Mesmo que muito sutilmente, entre águas novamente turvas e sombrias, o diretor deixa a corrente desfocada em um quadrante de evidência do plano. Uma delicadeza que felizmente é preservada em Procurando Dory.
Outro ponto que marcam os filmes Procurando é o discurso sobre a deficiência. Mesmo que utilizada com o viés de humor em diversos pontos, o drama assombra as figuras a todo o momento.
Os peixes mais disfuncionais estão, não por acaso, no aquário do dentista. Quase todos os ótimos coadjuvantes sofrem de transtornos psicológicos como obsessões diversas, stress e uma esquizofrenia abrandada. Somente Gil e Nemo sofre com deficiências físicas pelo defeito de ambos em suas barbatanas peitorais. Obviamente, pela direção de Stanton em frisar esses pontos com o auxílio da trilha e do poderio visual, Nemo e Gil são ligados.
O contraste entre as figuras paternas é sentido sendo que os dois compartilha mais semelhanças além da deficiência. Talvez, por também ter sofrido na infância, Gil não poupa Nemo. Suas intenções vão bem além de apenas ajudar o peixe-palhaço, mas de usá-lo como instrumento de um plano de fuga para todos retornarem ao oceano. Logo, tanto Marlin e Nemo sofrem provações de confiança e amadurecimento.
Isso, aliás, é pontuado no grande hiato da narrativa quando Marlin conhece a tartaruga Crush e seu filho Esguicho. A passagem mais tranquila serve para o protagonista perder um pouco o enorme medo que o cerca, provando que pequenos filhotes também conseguem se virar.
Desbravando os sete mares
Em diversos momentos dessa análise, comentei sobre a direção de Andrew Stanton, pois no caso de Procurando Nemo, as marcas do diretor estão em praticamente todos os cantos. A coragem de Stanton em jogar com ironias macabras como a falsa morte de Nemo já não é mais vista em praticamente nenhuma animação infantil americana. Não existem os riscos e corrida contra o tempo de antes que tornavam toda a jornada divertida e urgente como deveria ser.
Sem o perigo real da perda, dificilmente Procurando Nemo seria tão marcante. Uma pena que a Pixar de hoje tenha virado uma sombra de outrora pelo pioneirismo tecnológico e coragem narrativa. Com quase quinze anos de idade, Nemo permanece atual. Ao contrário das quatro animações anteriores, ainda é fácil ficar deslumbrado pela riqueza de detalhes e fotorrealismo fantástico que os animadores e “texturizadores” se empenharam em entregar.
O grau de física é tamanho que quando Bruce surge e se movimenta em frente a Dory e Marlin, é possível sempre ver um pouco de areia que é arrastada por conta do peso do enorme tubarão. Eu só fui notar um dos trabalhos mais belos da textura do filme quando o assisti em blu-ray. Estranhava as “manchas” em Marlin e Nemo para depois descobrir que eram suas escamas muito bem desenhadas que refletiam as luzes cáusticas trabalhadas com afinco.
O único elemento que pode denunciar a idade de Procurando Nemo é a imobilidade da câmera. Na época, o movimento custava alguns milhares de dólares, ameaçando o orçamento contado de Nemo. Por isso, Stanton as utiliza como recurso narrativo como “espelho” de Marlin. No começo, praticamente estática, mas assim que a jornada começa, se torna mais móvel e livre refletindo o desenvolvimento do protagonista.
A expressividade dos animais também se comporta bem até hoje de modo orgânico. Para guiar os animadores, Stanton pediu que a equipe estudasse com dedicação as expressões faciais de diversos cães. Quase todas foram inspiradas pelos movimentos das “sobrancelhas” dos melhores amigos do homem.
Aproveito para repetir como o diretor soube aproveitar a inspiração ímpar de Thomas Newman em talvez sua melhor trilha musical. A música que atinge tons experimentais em momentos propícios costuma resgatar sentimentos em cenas-chave. Para mim, a mais marcante é a feita apenas com os graves do piano para ilustrar o desespero de Marlin por ter perdido seu filho. Apesar de curta, ela é reiterada novamente no último clímax da obra, na prova final de Nemo, Dory e Marlin: sobreviver à pesca (uma das vezes que Stanton pontua o sofrimento animal causado pelo homem).
Nessa cena, novamente os tons melódicos trágicos do piano aparecem com força, mas vão se esvanecendo até se transformarem em uma melodia completamente diferente, cheia de energia e esperança (note que a mudança musical ocorre justamente quando os peixes começam a nadar para baixo em conjunto). Ali, toda a jornada de Marlin é refletida. Seu medo é dominado pela confiança em seu filho, pela esperança há muito tempo perdida.
Encontrando Arte
Procurando Nemo é arte e, também, uma obra-prima da animação e do Cinema. Em apenas 100 minutos, Stanton e a Pixar conseguiram cravar o quinto acerto seguido do estúdio – mesmo que, em nível pessoal, eu puxe uma sardinha de preferência a Nemo. Com um rol de personagens tão marcantes quanto os que consagraram o estúdio em Toy Story, a aventura marítima da Pixar é inesquecível.
A paternidade vista por olhos animais, mas que acaba te marcando pela profunda complexidade sobre dois sentimentos muito humanos: amor e ódio.
Procurando Nemo (Finding Nemo, EUA, 2003)
Direção: Andrew Stanton, Lee Unkrich
Roteiro: Andrew Stanton, Bob Peterson, David Reynolds
Elenco (vozes originais): Albert Brooks, Ellen DeGeneres, Alexander Gould, Willem Dafoe, Brad Garrett, Geoffrey Rush, Eric Bana, Joe Ranft, Allison Janey
Gênero: Animação Infantil, Drama
Duração: 100 minutos.
Lista | As 15 Melhores HQs do Homem-Aranha
Convenhamos, falar de Homem-Aranha é sempre um prazer em qualquer época do ano. O maior herói da Marvel não precisa do lançamento de um novo filme para ter material publicado sobre sua vasta história nos quadrinhos, televisão e no cinema. Entretanto, com a ajudinha do hype de Homem-Aranha: De Volta ao Lar, o momento é mais que propício para relembrar a gloriosa história do personagem nas HQs.
Pelo montante absurdo de histórias excelentes que marcam toda a jornada do Homem-Aranha nos quadrinhos, tivemos o árduo trabalho de selecionar as 15 mais impactantes, as 15 histórias icônicas do herói que são adaptadas e readaptadas em tantas outras mídias.
15 – Homem-Aranha Superior (2013)
Ok, por essa pouca gente esperava. Mas na verdade, após eu perder um baita preconceito com toda a ideia proposta pelo corajoso Dan Slott, acabei encontrando uma excelente fase que durou 31 edições. Para quem desconhece a proposta insana dessa HQ, prepare-se. Slott teve a ideia de chutar o vespeiro com aquela bicuda de trivela do Tsubasa de Super Campeões ao decidir que o Homem-Aranha não seria mais Peter Parker, mas sim Otto Octavius – sim, o nosso querido Doc Ock.
Em uma de suas parafernalhas tecnológicas insanas, Dr. Octopus consegue atrair Peter para uma armadilha, aprisionando seu corpo. Notando que sua saúde está péssima e que a morte se aproxima, Octavius decide transferir sua consciência para o corpo saudável de Parker, jogando a mente do herói para o seu. Porém, mesmo com as consciências trocadas, Peter consegue acompanhar todas as ações de Otto que, obviamente, acaba gostando muito da ideia de ser um Homem-Aranha... Superior.
Slott conduz toda a fase com muita coragem propondo mudanças drásticas no modus operandi do amigão da vizinhança. Isso inclui matar inimigos que voltarão a causar problemas, delegar tarefas para assistentes tecnológicos, terminar com Mary Jane para protegê-la do perigo e ser muito mais obstinado em acabar com o Sexteto Sinistro. Os debates que Slott desenvolve são excelentes mostrando esses contrastes de diferenças entre a violência que Otto age, gerando até uma crescente popularidade do Aranha enquanto conhecemos ainda mais sobre o passado traumático do vilão. Abandone o preconceito e dê uma chance para essa fase inteira. Garanto que em poucas edições, estará completamente envolvido pela insanidade do autor.
14 – O Nascimento de Venom (1988)
Não restam dúvidas da importância infernal que Venom possui para Peter Parker. O simbionte maldito que veio do Espaço tentou seduzir Peter e, a muito custo, o herói conseguiu se desfazer da união venenosa da criatura com seu uniforme, voltando ao normal. Mas claro que essa presença retornaria para se vingar de Parker.
Nisso, entra a sacada de David Michelinie e do artista Todd McFarlane em criar Venom. O simbionte se une a outra pessoa que detesta Peter Parker, Eddie Brock (após os eventos que contemplam o arco de A Morte Jean DeWolfe). Com os dois sedentos por vingança, Peter terá que enfrentar a força bestial da criatura.
13 – Homem-Aranha: O Reino (2006)
Eis aqui o nosso Logan de Peter Parker. Situado em um futuro distópico, O Reino bebe na fonte de O Caveleiro das Trevas de Frank Miller, inclusive copiando propostas vitais. Mas nada disso realmente importa quando começamos a ler essa perturbadora história. Com Nova Iorque totalmente segura e sem liberdade, Parker aposenta o Homem-Aranha. Já consideravelmente velho, vive o resto dos seus dias como florista no Queens.
Sofrendo pela morte prematura de Mary Jane, não há muita coisa para Peter comemorar. Porém sua vida muda quando J. Jonah Jameson surge com o antigo uniforme do herói, clamando por mudança. O restante é pesado e devastador. Uma história emocionante sobre a última luta de Peter Parker contra o sistema.
12 – Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2001)
Apesar de ter o mesmo nome do novo filme do Cabeça-de-Teia, poucas semelhanças são compartilhadas nos roteiros da HQ com nova produção da Sony. O Aranha vinha de uma fase beeeem sem-graça dos anos 1990. A Marvel queria ressuscitar a importância do herói para o novo milênio e o homem responsável para isso foi ninguém menos que J. Michael Straczynski em parceria com Romitinha na arte.
Apesar da Marvel também ter conseguido implodir o trabalho de Straczynski na metade de sua fase, o primeiro arco batizado de De Volta ao Lar é muito eficiente. Aqui, Parker é confrontado por um homem chamado Ezekiel que também possui os mesmíssimos poderes do Aranha. Ele subverte toda a mística radioativa da aranha que o picou indicando que existem razões sobrenaturais para Peter ter recebido esses poderes.
Nesse arco, o autor também deixa a vida profissional de Peter menos conturbada ao virar professor de Ciências de seu colégio. Mas toda a calmaria é cancelada com a chegada do vilão Morlun, um ser implacável que drena toda a força vital de suas vítimas. O personagem é quase indestrutível gerando uma das melhores lutas da história do Aracnídeo.
11 – Best of Enemies: Espetacular Homem-Aranha #200 (1993)
O embate final mítico entre o Duende Verde de Harry Osborn contra o Homem-Aranha. A edição praticamente contempla a luta inteira dos dois, mas em uma reviravolta surpreendente, Harry salva a vida de Peter ao atirá-lo para longe de uma explosão.
Porém, já muito debilitado e com a mente destruída, Harry encontra seu fim. É justamente nesse pequeno segmento de roteiro que a tradicional emoção que domina as histórias do Aranha surge com força. No último diálogo, com Peter segurando as mãos de Harry enquanto a ambulância parte para o hospital, o herói pergunta por que o vilão salvou sua vida. E a resposta final, devastadora, esclarece tudo: “Porque você é meu melhor amigo. ”.
10 – Amazing Fantasy #15 (1962)
Uma das melhores, se não a melhor, história de origem de um super-herói da Marvel. Em estado de gênio, Lee e Ditko criaram a memorável origem do Homem-Aranha que já estamos bastante cansados de saber. Até hoje é intocada pelo nível de excelência. A história da luta livre, do bandido e da morte de tio Bem. Tudo está aqui, impulsionando a motivação genuína de Parker e sua eterna lição de moral: Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades.
9 – A Morte do Capitão Stacy (1970)
Outro arco triste e trágico do Homem-Aranha. Ninguém esperava que o pai de Gwen Stacy morreria durante uma perseguição do herói contra Dr. Octopus. Com o vilão jogando entulho de prédios para baixo, Stacy se joga para proteger uma criança desatenta. O ato heroico, infelizmente, lhe custa a vida. Com o Homem-Aranha chegando logo depois, Lee cria um dos diálogos mais ternos que a revistinha já havia visto até então. Stacy revela que sabia desde sempre que Parker era o vigilante mascarado e clama para proteger Gwen, pois ela o ama muito. Palavras finais que marcam e assombram Peter pelo resto de sua vida por conta de eventos posteriores.
8 – A Morte de Jean DeWolff (1985)
A fase sombria e violenta que marca o período do Uniforme Negro do Aranha rendeu histórias sublimes. Uma delas é A Morte de Jean DeWolff. Sem nenhuma cerimônia, a amiga policial de Peter é assassinada rapidamente pelo maníaco Sin Eater. Quando descobre do assassinato, o herói perde o controle emocional e parte para uma jornada de vingança e violência.
Para ajudá-lo no caminho e, também servindo de contraponto, o autor Peter David sabiamente insere a presença de Demolidor que faz de tudo para impedir Parker de cruzar a linha que nenhum herói deve flertar: a morte dos seus oponentes. Ao longo da narrativa assustadora com a disposição doentia do Aranha, David consegue mostrar muitas camadas de cinza no custo da vida de vigilante e do heroísmo em si. História imprescindível.
7 – Homem-Aranha: Se Esse for o Meu Destino (1965)
Uma das partes mais famosas da fase Lee-Ditko. Foi adaptada em diversas animações e até mesmo recebe uma bela homenagem no novo longa De Volta ao Lar. Aqui, Peter segue em busca de um remédio para tia May sobreviver a uma grave doença, mas logo é confrontado por Dr. Octopus que acaba destroçando todo o lugar onde está o que o herói busca.
Aprisionado pelos pesados destroços e preocupado em alcançar o remédio para salvar tia May, Peter precisa buscar forças que vão além do poder físico para se livrar do concreto que o esmaga enquanto mantém a calma para não se afogar na água que inunda todo o lugar. Em uma das sequências visuais mais célebres das História da Nona Arte, Ditko realiza um trabalho magistral para mostrar o herói conseguindo se livrar da morte certa e afirmando sua vontade como Homem-Aranha. É histórico, é brilhante.
6 – Homem-Aranha: Nada Pode Deter o Fanático (1982)
O nêmese mutante chega para abalar as fundações heroicas de Peter Parker. Não é carregada de emoção, mas contém doses cavalares de ação que tornam essa uma sensacional história de super-herói. A mando de outro vilão, Fanático é enviado para capturar Madame Teia com o intuito de usar seus poderes psíquicos para deter os X-Men.
Obviamente que o Homem-Aranha não deixará isso acontecer, mas acaba descobrindo que parar o Fanático é um dos desafios mais difíceis que já encarou em sua carreira de vigilante. Todos nós sabemos como essa história acaba, mas traz um dos retratos mais vulneráveis do Cabeça-de-Teia até então, além de conferir real senso de ameaça e perigo mortal nas lutas entre os dois.
5 – Homem-Aranha Nunca Mais (1967)
Adaptada com primor para as telas em Homem-Aranha 2, ainda uma obra-prima insuperável do gênero de super-heróis, Homem-Aranha Nunca Mais traz debates valorosos sobre a ação que a vida de vigilante inflige nas relações pessoais de Peter Parker. Após receber duas notícias péssimas: tia May está ficando mais doente e suas notas na faculdade estão péssimas.
Percebendo que ser o Homem-Aranha só faz sua vida pior, Peter Parker desiste de vez da sua vida como super-herói mascarado. No clássico desenho de John Romita, sentimos o impacto da decisão de Peter ao jogar o amado uniforme no lixo. Aqui, há a epítome da genialidade de Stan Lee em demonizar a vida de suas criações. Um arco existencial importantíssimo para compreender Peter Parker.
4 – O Garoto que Colecionava Homem-Aranha (1984)
Essa é uma história simples, sem ação e de escopo intimista. Peter descobre a existência de seu maior fã, segundo o Clarim Diário, Timmy Harrison. Descobrindo onde o menino está, o Aranha resolve fazer uma pequena visita ao menino, contando a história da origem de seus poderes, sobre o tio Bem e, em momento raríssimo na história das HQs, retira sua máscara revelando que é Peter Parker para o garoto.
Tudo isso tem um motivo nobre. Na mais triste das reviravoltas, é revelado para o leitor que Timmy tem leucemia e não sobreviverá por muito tempo. Fechando com a frustração de Parker ao perceber que nunca vencerá o câncer, a historinha virou um marco dentro da editora pela sensibilidade ímpar que separa o Aracnídeo de tantos outros heróis.
3 – Homem-Aranha: Azul (2002-2003)
Na melhor fase da dupla Jeph Loeb e Tim Salle, verdadeiras obras-primas surgiram da “trilogia das cores” da Marvel. Azul é uma delas. Toda a narrativa se concentra em explorar a fundo o amor dos sonhos que Parker viveu com Gwen Stacy ao recordar da falecida namorada no Dia dos Namorados. Igual a todas as grandes histórias do herói, a melancolia e a beleza do engrandecimento moral e ético, marcam profundamente a história de Azul. Para quem adora esse aspecto íntimo da vida de Peter, é imperdível.
2 – A Última Caçada de Kraven (1987)
Pessoalmente, essa é a minha história favorita de todos os tempos do herói. A Última Caçada é uma daquelas histórias que já te prende nas primeiras páginas te obrigando a concluir tudo em apenas uma lida. Marcando o ponto mais alto e tenebroso da relação de Peter com o traje negro, J.M. DeMatteis e Mike Zeck atingem a genialidade com a história sombria favorita dos fãs do herói.
A história marca o limite da paciência de Kraven em não conseguir derrotar o Aracnídeo. Nisso, o vilão decide capturar o herói, droga-lo com diversos tranquilizantes e enterrá-lo vivo. Com Parker fora de ação, Kraven decide se tornar um Homem-Aranha melhor do que Peter jamais sonhou. Mas obviamente o herói não morre tão fácil e, tão logo, caça Kraven. Aqui, a genialidade se concentra em subverter papéis ao explorar a fundo as motivações de Kraven e na retratação de um Aranha maligno.
1 – A Morte de Gwen Stacy (1973)
Mesmo com A Última Caçada sendo fantástica, há de se reconhecer a importância dessa história corajosa que afetou a vida de Peter Parker para sempre. Marcando seu maior fracasso, A Morte de Gwen Stacy elenca a máxima “grandes poderes, grandes responsabilidades” ao limite.
Sequestrada pelo Duende Verde, Gwen é jogada durante a luta do vilão contra o Cabeça-de-Teia, mas as coisas dão terrivelmente mal no resgate da amada. Combinando N fatores, o efeito chicote causado pela parada abrupta de Gwen em atingir a água, o pescoço dela se fratura, levando ao óbito da amada. A ambiguidade do desenho força o leitor a considerar que foi Peter quem matou a namorada ao segurá-la no meio de uma queda brusca através da teia.
A decisão de matar Gwen não foi impensada. Tudo caminhava para um casamento e os editores não queriam aposentar o herói de maior sucesso da Casa das Ideias com tanta facilidade. Logo, optaram pela maior tragédia da vida do personagem para mantê-lo na ativa. Essa HQ é revolucionaria por dar origem a tantas histórias violentas, chocantes e corajosas que marcariam as décadas de 1970 e 1980 em quadrinhos posteriores de Frank Miller.
Bom, essa é a nossa lista. Gostaram? Qual é a sua HQ favorita do Aranha? Diga nos comentários!
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Crítica | Meu Malvado Favorito 3
Não é de hoje que repito que Chris Meledandri é um gênio da animação infantil muito embora geralmente desgoste de quase todos os seus filmes ou os ache apenas irrelevantes. Nitidamente o produtor tem uma abordagem nada comum na indústria de anunciar seu nome logo nos primeiros minutos de filme: Uma produção de Chris Meledandri. É algo que lembra a Hollywood clássica dos anos 1930, 40 e 50.
Isso aconteceu em Pets e Sing. Agora com Meu Malvado Favorito 3, a história se repete... Em todos os sentidos. Novamente temos um filme de alto valor de produção, com tecnologia de animação, iluminação e texturas equiparável às da Pixar e Disney, mas preservando o mesmo roteiro preguiçoso de sempre. Nisso, já dá para inferir que, no quarto filme dessa franquia, Meledandri está deixando o ego comer bom-senso: Gru e seus Minions estão trilhando um caminho bem parecido ao que aconteceu com Shrek.
Maleficamente medíocre
Não é novidade para ninguém que os roteiros das produções da Ilumination deixam bastante a desejar. Em sua maioria, contam histórias divertidas, com mensagens razoáveis, mas facilmente esquecíveis. O que é mais celebrado até agora são os minions e suas piadas que flertam com screwball e o nonsense. De resto, não há muito há destacar além das quantias exorbitantes de dinheiro que eles rendem na bilheteria.
A última vez que tínhamos visto Gru salvar o mundo de outro super-vilão foi em 2013 com a primeira sequência do original. A terceira incursão traz exatamente a mesma fórmula, expandido razoavelmente o universo da franquia.
Aqui, Ken Daurio e Cinco Paul trazem um declínio de Gru após ele causar a demissão dele próprio e da esposa, Lucy, ao falharem na captura de um novo vilão chamado Balthazar Bratt. Desempregado e sem planos de retornar à vilania, Gru não sabe o que fazer para sustentar sua família. Porém, sua vida sofre uma radical reviravolta quando descobre a existência de um irmão gêmeo ricaço até então desconhecido, Dru.
Com ele, Gru descobrirá mais sobre seu pai e tentará reaver o bem roubado por Brett na tentativa de resgatar seu emprego. Enquanto isso, o vilão favorito ainda tem que conciliar seu tempo para dar atenção à sua família e aos minions que preparam um motim.
Além de Minions, esse é nitidamente o primeiro filme dessa franquia que mostra uma junção de núcleos diversos para conseguir sustentar a narrativa ao longo de seus 90 minutos. Isso, na verdade, é um baita problema, pois confere um ar de episódio de seriado para um longa-metragem.
Não demora nada para abandonarmos o núcleo concentrado em Gru e Dru para encontrarmos outros focados em exibir Lucy tentando ser uma verdadeira mãezona para Agnes, Margo e Edith, elaborar a motivação recalcada do antagonista Balthazar Brett ou para inserir as gags totalmente deslocadas dos minions amotinados liderados por Mel. Mas não se engane, no meio do filme, outro arco surge focando na busca de Agnes por um unicórnio nas florestas do condado onde Dru mora.
É absolutamente normal termos animações com narrativas interpoladas como, por exemplo, Procurando Nemo. Mas na grande maioria dos casos, a interpolação serve para mostrar os diferentes núcleos seguindo objetivos semelhantes, para a conquista da jornada. Já aqui, como você pode ter percebido, as tramas são totalmente independentes em sua maioria. Não adicionam nada relevante ou uma passagem dramática de crescimento desses personagens que já estão nas telas há três filmes. Trata-se da velha e fraca “encheção” de linguiça. Puro filler fraco já que não a mínima atenção dedicada para os personagens da obra. Eles terminam exatamente do mesmo modo que começam – com exceção de Dru que também é escrito na base da mediocridade.
Ao menos, a adição dos novos personagens traz algum vigor a uma história natimorta. Apesar da atenção completamente rudimentar para as Agnes, Margo e Edith que servem apenas para virar donzelas em perigo (pela terceira vez seguida), Dru, o irmão cabeludo e afeminado de Gru, tem bons momentos. O personagem possui alguma motivação e o jogo de conquista para tentar atrair Gru de volta para a vilania rende passagens cheias de ação que tiram a obra de certo marasmo.
O problema é que as sequências de “maldades” são pouco inspiradas. Dru também, gradativamente, vai ficando mais idiota se comportando como um minion “crescido” durante outra invasão ao covil caricato do vilão da vez. Fica claro que essa troca de natureza para Dru existe apenas por causa da ausência dos minions que embarcam em uma aventura sozinhos mais se assemelhando a diversas esquetes cômicas de curtas-metragens envolvendo números musicais em um show de talentos e na prisão.
Porém, mesmo com essas constantes interrupções, pelo caráter bastante descompromissado da obra, dificilmente a audiência infantil ficará perdida. As histórias sempre carregadas com cores fortes e direção simplória, permite que a experiência de ver esse longa seja tão simples quanto sua narrativa. Não há grandes pretensões aqui, além do alto faturamento. Ao menos, no resquício mínimo de maturidade que a franquia desenvolveu, não temos tantas piadas escatológicas dessa vez. O humor é sim levemente refinado, mas passa longe de envolver – piadas repetidas têm a tendência de perder a graça.
Recalque Favorito
O que é mais estranho em Meu Malvado Favorito 3 talvez seja sua maior qualidade: o vilão Balthazar Bratt. O filme já é iniciado com um breve panorama sobre o passado tragicômico do personagem. Bratt era uma pequena estrela-mirim de um seriado de mal gosto dos anos 1980, porém, quando atingiu a puberdade, a audiência caiu levando o cancelamento da obra – tudo isso é jogado em tela através da exposição bastante preguiçosa de um apresentador de telejornal.
Porém, o menino não ficou contente com a destruição de seu sonho e trabalhou muito até se tornar um super vilão. Apesar do plano maléfico não fazer o menor sentido, Bratt segue uma jornada de vingança pessoal contra Hollywood. E, justamente por isso, é possível associar certo recalque ou ressentimento de Meledandri com a indústria em si.
Isso é jogado em evidência na tela com referências agressivas nada sutis à Pixar – um peixe-palhaço é destroçado pelo motor do jet ski de Gru para você terem uma ideia. Bratt também declama a todo momento que seu seriado deveria ter ganhado um Oscar ou um Emmy – Meledandri foi indicado ao Oscar de Animação por Meu Malvado Favorito 2. Enfim, são diversas menções odiosas à indústria como um todo. Não é preciso ter meio miolo para associar uma coisa à outra, ainda mais devido a força que o produtor impõe sobre esses filmes.
Rapidamente o personagem vira um vilão de uma nota só e perde o interesse do público já na metade da obra – principalmente por conta da repetição exaustiva da frase de efeito pedigree de Bratt. Uma pena, pois apresentação dele é um show à parte rendendo o melhor momento da obra embalada ao som de Bad! de Michael Jackson. A proposta principal é mostrar como Bratt é traumatizado pelo fim abrupto da fama e, por consequência, ficou preso na década de 1980 ainda adotando cortes de cabelo e moda pertencentes àquela geração.
Todas as canções ou riffs que embalam as ações do personagem são sucessos disco como Take On Me e Sussudio o que traz uma boa dose de piadas para os mais velhos. Mas as boas ideias se esgotam rapidamente nos levando, de novo, para uma espécie de minions robóticos que ajudam Bratt na vilania – algo mais rudimentar do que havíamos visto no filme anterior. Já as armas do vilão despertam bastante interesse também pela criatividade. Sejam os chicletes de bola ou o robô mecha, sempre há algo muitíssimo coerente para a característica oitentista do vilão. Aliás, a temática seria um prato cheio para os diretores, caso usassem a linguagem cinematográfica da época em passagens especiais - ao menos, utilizam a linguagem televisiva brega que se popularizou nessa década para mostrar trechos do seriado juvenil protagonizado pelo vilão.
Mesmo com uma narrativa tão insossa que adora desperdiçar boas ideias e negar qualquer desenvolvimento para personagens novos e antigos, Meu Malvado Favorito 3 merece muitos elogios pela técnica da direção de arte. Desde sempre, destaco que os filmes da Ilumination têm uma soberba criatividade para criação de cenários diversos e também para os designs encantadoramente caricatos dos personagens que figuram nas suas histórias.
Nesse exemplar, há diversos cenários memoráveis e novas armas e veículos para Gru usar em suas missões deixando as sequências de ação bastante dinâmicas e visualmente atraentes – destaque para o domínio dos diretores em tornar todo o trabalho visual fluido e coerente. Uma dessas grandes passagens envolve uma confusão na cidadezinha franco-germânica que Dru mora. Basicamente é a melhor cena do filme por, enfim, deixar os personagens evoluírem um pouco, além do encanto visual provocado pela criatividade da arquitetura do lugar.
Outro bom destaque é o covil ridículo que Bratt mora no qual existem mais referências de traquitanas dos anos 1980 que você pode absorver em apenas uma visita ao filme.
Nada de Novo no Front
Enquanto, Meu Malvado Favorito 3 passa longe de ser um desastre perfeito, Meledandri conduz a produção novamente em um terreno seguro ignorando o fato que o público-alvo desses filmes tem envelhecido e, logo, aptos para histórias mais interessantes e ricas. Claro, sempre há uma nova audiência de criancinhas muito novas que apreciarão as palhaçadas de Gru e companhia, mas ainda assim trata-se da segunda sequência de uma franquia muito bem-sucedida.
Esperava-se, no mínimo, alguma evolução. Mas o que ocorre é justamente o contrário. A narrativa regride após lançar suas cartas de maior interesse optando por caminhos convencionalmente patéticos até mesmo para crianças de sete anos. Ao menos, Meu Malvado Favorito, o primeiro, importava-se em contar uma narrativa convencional, mas valorizando a alma dos personagens que iam se apaixonando e formando uma família gradativamente. Aqui, fica claro, pelo formato bastante quebradiço da historinha, que pouco disso importa enquanto a máquina estiver saudável.
Mas, sendo bastante sincero, como entretenimento inocente e descompromissado, mesmo diante de todos esses “problemas” que pontuei ao longo do texto, Meu Malvado Favorito 3 funciona e diverte. Apenas tenha em mente que encontrará doses cavalares da mesma coisa que já consumiu três vezes antes. Pode ser que, nessa aventura, o sabor da rápida e enlatada experiência seja mais insatisfatório.
Meu Malvado Favorito 3 (Despicable Me 3, EUA – 2017)
Direção: Kyle Balda, Pierre Coffin, Eric Guillon
Roteiro: Ken Daurio, Cinco Paul
Elenco (vozes no original): Steve Carrell, Kristen Wiig, Trey Parker, Miranda Cosgrove, Dana Gaier, Pierre Coffin, Julie Andrews, Nev Scharrel
Gênero: Animação Infantil, Aventura
Duração 90 min.
Crítica | Invocação do Mal 2
O gênero terror é extremamente paradoxal – fácil de fazer, difícil de emplacar produtos de qualidade. Dá para contar nos dedos quantas obras verdadeiramente boas existem em cada uma das artes, seja na literatura ou no cinema. É como encontrar agulhas em um palheiro. Entre obras máximas como O Exorcista, A Profecia e O Bebê de Rosemary, o gênero já não recebia verdadeiros bons filmes há tempos. Tudo mudou quando o novato malaio James Wan apareceu no cenário cinematográfico com Jogos Mortais em 2004. Claro, não era a melhor técnica e se tratava de horror apelativo da vertente torture porn, porém nascia ali as experimentações de Wan. Passando pelo bom Sobrenatural em 2010 até chegar no refinamento ideal da técnica no excelente Invocação do Mal, o segundo filme de terror original que mais causou repercussão crítica e financeira desde O Exorcista. Obviamente, com o tremendo sucesso, a sequência logo foi encaminhada.
Agora, em Invocação do Mal 2, Wan e seu trio de roteiristas investem em um caso que chamou muita atenção da mídia inglesa, sendo chamado até de “Amityville Britânico”. Trata-se da assombração de Enfield, que acometeu a casa rudimentar onde morava a família Hodgson. As assombrações começaram depois de uma das quatro crianças ter brincado com um tabuleiro ouija. Com o avanço violento da infestação do além, o especialista paranormal Maurice Grosse contatou os Warren para solucionarem o sinistro caso e devolverem paz à família suburbana. Porém, ao chegarem lá, se deparam com um espírito que ameaça a própria vida do casal.
O time de roteiristas do filme levou a máxima “não se mexe em time que está ganhando” bastante à sério. Se o primeiro longa já trazia fórmulas narrativas consagradas, vindas diretamente de O Exorcista, a sequência também não se atreve a mudar. A vantagem do filme anterior se dava tanto ao belo equilíbrio de cenas dedicadas ao terror quanto das destinadas para desenvolvimento de narrativa e personagens. Felizmente, mesmo acompanhada de narrativa mais fraca, a experiência geral do longa consegue ser tão boa quanto a do anterior.
O roteiro se preocupa em oferecer uma apresentação decente da menininha Janet, interpretada impecavelmente por Madison Wolfe. Como a assombração se concentra nela, há um desenvolvimento nítido até o fim da jornada do desgaste emocional, físico e psicológico que a garota sofre. Também, trabalhando com firmeza em características reais do caso, vemos uma família fragilizada, sem a presença protetora paterna, com dificuldades financeiras, com alguns filhos doentes e carentes, além da presença da mãe ser restrita pelas horas de trabalho. Muito do que citei são características que não são levadas adiante através de um bom drama, mas que já fundamentam bem a vulnerabilidade dos Hodgson, apresentando o cenário complicado e nos proporcionando a tão estimada afeição na relação espectador-personagem.
Além disso, há boa preocupação em atentar ao núcleo narrativo de Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga), antes deles entrarem efetivamente na investigação paranormal, claro. Assim como a família inglesa, Lorraine se encontra vulnerável também por ter que lidar com uma presença demoníaca fortíssima que a incomoda profundamente, quase a levando a desistir de sua vida profissional. A atenção para a vida pessoal do casal é interpolada organicamente com o outro núcleo, sendo que, inclusive, somos apresentados como a mídia sensacionalista que importuna tanto a vida do casal quanto a família londrina. Aliás, algo raro de se ver em filmes de terror, é algum desenvolvimento do antagonista. No caso, do fantasma. Surpreendentemente, o resultado é interessantíssimo, conseguindo trazer até certa dose de humor para o filme.
Algo que já era original no antecessor retorna com mais força aqui. Os roteiristas e Wan conseguem guiar algumas cenas para terrenos mais leves, cômicos ou até mesmo românticos, momentos destinados para a narrativa respirar. Nessas cenas inspiradas, temos diálogos excelentes de Lorraine com Janet sobre como lidar com o tipo de maldição que assola a família, além de originar uma sequência em montagem ao som das canções de Elvis Presley.
Porém, nem tudo dá certo no roteiro de Invocação do Mal 2. Justamente nessa febre e obsessão de sequências maiores, mais graves e mais urgentes, as sutilezas de outrora se perdem. A presença da figura do produtor é sentida nitidamente, afinal o orçamento mais gordo do longa se iguala ao sacrifício criativo o guiando para terrenos de fácil consumo. Aqui, temos muitas sequências dedicadas ao suspense e ao terror. De tantas, algumas até acabam caindo na repetitividade, ou inserem elementos que simplesmente não funcionam bem, como o Conto do Homem Torto – uma cópia sem-graça de Babadook. Nisso, além de dilatar o filme onde não deve para inserir um horror de qualidade inferior, acabam sacrificando tempo de tela que seria mais adequado para aprofundar o arco de Janet e, principalmente, no clímax que diante de uma situação tão urgente e perigosa se resolve com extrema rapidez e facilidade. Além dessa enorme dilatação com o excesso de cenas redundantes de assombração, há uma reviravolta final importante, mas que acaba um pouco prejudicada por conta do nosso ponto de vista onisciente, característico em obras desse gênero.
Mesmo com o texto do longa vacilando em alguns momentos, a forma da obra supera com muita facilidade seu conteúdo. É inegável que, com esse filme, James Wan crava definitivamente seu nome como um verdadeiro mestre do terror. A direção do jovem diretor é uma das mais elaboradas que eu já tenha visto em um filme do gênero. A predileção pelo estilo clássico de narrativa visual é sentida logo nos primeiros minutos através dos muitos e belos planos sequência que ele encaixa de tempos em tempos – mesmo que pouquíssimos deles sejam feitos em função da narrativa.
O domínio sobre a câmera é, literalmente, assustador. Mesmo inovando pouco, a firmeza de Wan sobre a encenação geral, movimentando lentamente a câmera via travellings ou panorâmicas bem inseridas, extraindo o máximo da expressão amedrontada convincente de seu elenco mirim, que se move sob passos relutantes pelos cenários sombrios auxiliados pela iluminação de ponta do cinematografista Don Burgess. Isso aliado ao uso correto do silêncio e com o visual horripilante da casa mal acabada, decrépita e hostil, trazida pelo desenho de produção exemplar, é algo absurdamente funcional.
Com esse tipo de preparação de atmosfera, cheio de jogos de “mostra-esconde”, nos induzindo propositalmente à uma expectativa de um susto que se ausenta, logo depois fazendo o público pular de um jeito bem elaborado, é impossível não sentir o medo desconfortável, o frio na espinha e a palma suada da mão em diversas das sequências. Muitas vezes, ele apresenta um jogo diversificado de encenação para que o público não consiga sacar os sustos com facilidade – eu, calejado em filmes do gênero, cai em praticamente todos. A técnica, mesmo refinada, é simples na concepção: trata-se da longa sustentação do plano que provoca a iminência do medo.
No terror, o poder do corte oferece um alívio da tensão para o espectador. Justamente por isso, James Wan segura ao máximo que pode seus planos bem movimentados. Quando se vê obrigado a criar um jogo de plano/contraplano, aproveita para inserir zooms que conferem magnetismo no olhar do espectador, além de enquadrar muito sabiamente seus fantasmas e monstros nos pontos de fuga favoritos que buscamos na tela. Além disso, se você já conferiu outros filmes dele, sabe que além da preparação da atmosfera, o diretor não sente vergonha de mostrar explicitamente as criaturas diabólicas presentes em sua obra – uma de suas muitas marcas autorais.
Aqui, ele apresenta dois dos momentos mais inspirados de sua carreira. Um jogo brilhante do uso de sombras e pinturas e outro, inspirado até mesmo em Paul Thomas Anderson, onde ele segura uma cena inteira somente com um plano, quando Ed Warren se põe a entrevistar Janet e a entidade que assombra a casa. Aliás, referências não faltam à essa obra. Wan homenageia grandes filmes como A Profecia, O Iluminado e O Exorcista com características sutis que somente fãs do cinema de horror reconhecerão. Há até mesmo experimentações novas com planos holandeses, enquadramentos muito característicos à linguagem dos quadrinhos – já treinando para seu próximo filme Aquaman, além de brincar até com linguagem visual de games consagrados como Alone in the Dark e P.T., através de uma sequência apresentada pelo ponto de vista subjetivo de um personagem. É simplesmente fenomenal.
Invocação do Mal 2 é uma obra fantástica que é digna do sucesso do original. James Wan tratou o longa com um carinho notável, elaborando sequências de realização complicada através de sua encenação inspirada. Consegue trazer uma boa história para o gênero contando com um elenco muito competente e carismático – Patrick Wilson e Vera Farmiga nasceram para o papel. Mesmo contando com muitos sustos, visual impecável acompanhado da trilha musical afinada de Joseph Bishara, o longa derrapa em algumas poucas coisas, sendo que boa parte delas se concentra ao já tradicional clímax histérico e fantasioso em demasia dos filmes do diretor – nesse caso, ainda há o agravante do uso de computação gráfica mal acabada. Provando que ainda há muito para contar da interessantíssima história do casal Warren, James Wan entrega o melhor filme de terror dos últimos anos.
Invocação do Mal 2 (The Conjuring 2, EUA – 2016)
Direção: James Wan
Roteiro: Carey Hayes, Chad Hayes, James Wan, David Leslie Johnson
Elenco: Patrick Wilson, Vera Farmiga, Madison Wolfe, Frances O’Connor, Lauren Esposito, Benjamin Haigh, Patrick McAuley, Simon McBurney, Joseph Bishara, Bob Adrian, Franka Potente
Gênero: Terror, Drama
Duração: 133 min
https://www.youtube.com/watch?v=5gN2uH3EJFU
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Lista | Os 20 Melhores Filmes de Terror da Década de 2010 até agora
Estamos nos aproximando do fim da década de 2010. Já em 2017, podemos dizer com segurança quais os 20 melhores filmes de terror que tivemos o prazer de ver até agora nesses últimos oito anos. O terror em si é um gênero muito interessante. Ele é vital para desenvolver futuros grandes cineastas seja para lançá-los no mercado ou para consagrá-los não somente no gênero, mas em blockbusters memoráveis. Porém, devido seu baixo custo e as liberdades tomadas pelos realizadores, muitas vezes se comportam como facas de dois gumes. Não à toa que o gênero é, em sua maioria, constituído por muitos filmes péssimos e medíocres.
Mas há luz nas trevas. E essa lista visa trazer esses 20 grandes filmes de terror que a década de 2010 concebeu até agora. Pequeno detalhe: caso não tenha visto alguma das nossas indicações, tente procurar esses filmes para ver. Garantimos que a experiência valerá a pena.
20. O Segredo da Cabana
Uma das maiores subversões do gênero de terror que já tenhamos visto. E justamente por isso, por seu tom cômico, é prejudicado em diversas partes. Entretanto, calcando sua narrativa com os mais diversos clichês do gênero e ainda aliando a toda proposta vista em O Show de Truman, O Segredo da Cabana é um dos filmes, ironicamente, mais originais que você pode assistir nesse milênio. Mesmo que não te garanta pavor, temos diversão de sobra e muitas, mas muitas criaturas malditas para infernizar a vida dos protagonistas.
19. Sobrenatural
Outro filmaço de James Wan. Essa boa experiência de casa mal-assombrada gerou uma franquia que até agora não rendeu um filme verdadeiramente ruim, mas que não chegam perto da premissa do primeiro. Contando com a elegância de encenação de Wan, esse filme relativamente barato consegue prender sua atenção do início ao fim, além de apresentar um dos núcleos de caça-fantasmas mais interessantes e divertidos que vi em tempos. O único porém é seu terceiro ato extremamente espalhafatoso que abandona toda a sutileza e sustos eficientes que havíamos visto até então.
18. Invasão Zumbi
E quando você pensa que o gênero Zumbi estava morto para sempre e a única representação decente era no ótimo e hilário Zumbilândia ou um blockbuster inchado como Guerra Mundial Z, vem os Coreanos com uma bofetada na cara entregando um dos melhores exemplares do gênero em anos. Não só por construir mortes gratificantes, mas por saber construir tão bem todas as vertentes que um filme Zumbi necessita com um look de um filme catástrofe dramático e trágico, com ótimas desconstruções de clichês e uma tensão enervante e sem perder o folego! Raphael Klopper
17. A Entidade
A peça de profunda eficiência cinematográfica do diretor Scott Derrickson. Assim como diversos filmes dessa lista, a narrativa é calcada em diversos clichês do gênero, porém o uso ativo de vídeos caseiros snuff e gore contendo a tal assombração da Entidade é bastante original. Digamos que seria um derivado de O Chamado, mas consideravelmente mais tenso diante de uma ameaça implacável e sádica que subverte qualquer noção de moralidade e ética. Os minutos finais são revoltantes e você provavelmente vai adorar ficar puto.
16. Amizade Desfeita
É incrível como o gênero do terror abre portas para inovações na linguagem cinematográfica e até subgêneros, vide o advento do slasher nos anos 1980 e o found footage com A Bruxa de Blair. Na era do novo milênio, a internet é o palco para o terror neste inteligente e envolvente suspense, que se desenrola inteiramente na tela de um computador, quando um grupo de amigos em uma conferência de Skype é perturbado pelo fantasma de uma colega. As soluções e as ideias de Leo Gabriedze são inventivas, rendendo a promessa de uma nova revolução de linguagem no gênero. Lucas Nascimento
15. Você é o Próximo
Um dos slashers mais honestos dessa lista. O primeiro grande sucesso de Adam Wingard, um dos maiores realizadores do gênero que veio a brilhar nessa década, é realmente merecido. Assistir a Você é o Próximo é uma diversão sádica, pois ao longo da obra a linha tênue que separa os antagonistas invasores da singela família fica cada vez mais estreita. Logo, um jogo de carnificina começa com dois times sedentos por violência. Além disso, os planos da protagonista envolvem engenhosidades a la Esqueceram de Mim. Impossível não gostar dessa belezinha sangrenta.
14. Deixe-me Entrar
O remake de Matt Reeves pertence em duas listas: essa e uma de melhores remakes. Apesar de alguns efeitos visuais muito toscos, Reeves contorna os problemas técnicos trazidos pelo baixo orçamento com sua fina elegância e direção de atores. Aqui, Chloe Moretz e Kodi McPhee brilham em sua relação de pseudo amizade até a revelação sedutora da menina ser uma pequena vampira. Reeves consegue o impossível e mesmo bebendo muito na fonte visual do original sueco, Deixe-me Entrar não deve nada para seu predecessor.
13. Invocação do Mal 2
Inspirado pelos acontecimentos que infernizaram a família Hodgson em 1977, Invocação do Mal 2 foi uma bela surpresa de 2016. As expectativas pela sequência do fenômeno que virou o original eram bastante altas e, mesmo vacilando com algumas ideias originais até demais, o novo terror de James Wan conseguiu satisfazer bastante. É um dos melhores filmes sobre poltergeists no gênero até agora.
12. A Morte do Demônio
Refilmar um dos clássicos do terror gore com uma roupagem mais séria é praticamente uma ofensa, mas o resultado da nova versão de A Morte do Demônio é surpreendentemente positivo, surgindo como um dos melhores remakes de terror já feitos. Tendo a aprovação e auxílio do criador do original, Sam Raimi, o então estreante Fede Alvarez cria um show de nojeiras, mutilação e espíritos demoníacos, mantendo a essência do original ao mesmo tempo em que oferece algo inovador, beneficiando-se de efeitos práticos fabulosos, um ótimo elenco liderado pela carismática Jane Levy e uma atmosfera sinistra. Ou melhor, groovy.
11. Eu Vi o Diabo
Dirigido pelo excelente Kim Jee-Woom, Eu vi o Diabo representa um ponto importante na carreira do realizador e foi o filme que abriu portas de Hollywood para o diretor. O filme possui uma história simples mas ganha frescor na abordagem e nos contornos que o realizador optou por tomar. Na trama, após sua noiva ser assassinada brutalmente por um serial killer, um agente secreto do governo sul-coreano resolve abandonar tudo e partir num jogo de gato e rato repleto de violência, tortura fisica e psicológica. Seria uma obra banal não fosse o virtuosismo do diretor. Destaque para a cena do taxi e para o final, que é sem dúvida um dos momentos mais impactantes do cinema do final da década passada. Heitor Guedert
10. Boa Noite Mamãe
Filmes de terror envolvendo crianças em papéis macabros tornaram-se corriqueiros nos dias de hoje e é por isso que “Boa Noite Mamãe” merece destaque. O filme não entrega certezas absolutas e evita maniqueísmos a todo momento. É fato que um espectador mais calejado pode antecipar as viradas e surpresas da história, mas nem por isso elas deixam de ser impactantes ou coerentes. Na trama, a mãe de dois garotos volta para casa, após se afastar devido a cirurgias plásticas. Os garotos, porém, não acreditam que aquela mulher que retornou com o rosto enfaixado seja sua mãe. Trata-se de um filme bem dirigido, com uma direção competente, suspense bem construído e momentos que fazem o espectador se contorcer de agonia. Heitor Guedert
9. Creepy
Kiyoshi Kurosawa é um mestre do Cinema. A sua habilidade de usar as mais diferentes ferramentas cinematográficas para manipular a expectativa e os sentimentos do espectador pode ser conferida tanto nos seus dramas quanto nos filmes de terror. E, no caso destes últimos, um dos que mais se destacam é o recente Creepy. Na história que gira em torno de um misterioso homem, o diretor constrói o suspense aos poucos até o grande ato final, quando todas as engrenagens narrativas se juntam e explodem numa catarse de violência e maldade.
8. O Lamento
Faz tempo que o cinema coreano vem se destacando no cenário internacional. Os filmes de cineastas como Park Chan-Wook, Joon-Ho Bong e Hong Sang-Soo são ansiosamente esperados por críticos e cinéfilos de todo o Mundo. Um dos nomes mais promissores a surgir nos últimos anos foi Hong-Jin Na, diretor do ótimo O Lamento. Com um ritmo enervante e uma trama enigmática, este filme de 2016 é um pesadelo perturbador.
7. Corra!
Para quem supostamente se encontra na posição de estreante, Jordan Peele impressiona ao se demonstrar maduro, competente e consciente do que quer fazer, alcançando uma proeza que poucos conseguem na carreira, que dirá em seu primeiro trabalho: a transição entre gênero e subgênero. Peele navega pelo suspense, thriller psicológico, humor tragicômico e terror de exageros com extrema fluidez, tudo regado a um toque pessoal com uma corajosa e afiada crítica de status social, fazendo desta uma das obras mais relevantes da década. Inesquecível. Leandro T. Konjedic
6. A Bruxa
O filme de Robert Egers é a perfeita prova de como o terror pode fugir da sua base fórmula genérica e famiiar, e construir o terror, o medo e o puro mal da forma mais natural possível aqui em seu verdadeiro drama de época com uma aura macabra e que desperta verdadeiras emoções aterrorizantes. Raphael Klopper
5. Corrente do Mal
Um retorno quase perfeito ao cinema de terror anos 1980. E seu diretor David Robert Mitchel ressuscita o clima da juventude contra as forças do mal e todo seu teor sexual sombrio, com um uso fabuloso da trilha sonora tecno que relembra dos bons e velhos dias de John Carpenter e Wes Craven. E a criação de expectativa do mal desconhecido é nada menos que enervante e tenebrosa! Também o fato do longa ser uma metáfora bastante criativa de DSTs é algo a ser valorizado. Raphael Klopper
4. Garota Sombria Caminha pela Noite
Garota Sombria com certeza é o filme menos convencional dessa lista e não só por isso merece ser relembrado. O filme iraniano é bastante arthouse em seu formato, com profunda contemplação e muitas coisas abertas para a interpretação do espectador. Entretanto, no que flerta com a narrativa, é o suficiente para conquistar qualquer amante de um bom filme. A diretora Ana Lily Amirpour toca em temas interessantíssimos como prostituição, vício em drogas na terceira idade e um valioso estudo de personagem para a vampira sem nome que observamos ao decorrer da trama (mesmo que muito pouco seja devidamente desenvolvido). O clima do filme flerta com westerns, obras expressionistas e até mesmo com o cinema noir hollywoodiano dos anos 1940. Com condução segura, fotografia magnífica e excelente trilha musical, Garota Sombria já é um clássico do gênero.
3. Sob a Sombra
Um filme de terror dotado de alguma originalidade merece sempre uma conferida. É o caso desta produção britânica, dirigida por um iraniano e filmada na Jordânia. Uma mãe perseguida pelo regime teocrático precisa proteger a si mesma e a filha de uma assombração, da guerra e do governo – tudo ao mesmo tempo. Diferente da regra do gênero, boa parte do suspense é construída em ambientes iluminados, e funciona muito bem. Daniel Moreno
2. Invocação do Mal
Invocação do Mal pegou muita gente de surpresa em 2013. Até 2019, acredito que será muito difícil superar a qualidade que esse filme apresenta. Mesmo calcado em diversos clichês narrativos e se valendo de características de núcleos investigativos experimentados em Sobrenatural, a obra é transformada pela direção e estética aterrorizante que James Wan investe com tanto cuidado criando sequências de verdadeiro horror sem a necessidade de ficar estressando o espectador com sustos estúpidos e efeitos sonoros irritantes. Exemplos para justificar a qualidade gloriosa dessa obra são muitos, mas basta lembrar do magnetismo da cena que uma das irmãs Perron afirma estar vendo algo horroroso no vão da porta. Mesmo quando Wan revela que nada havia ali, essa cena é uma das mais temerosas da obra inteira apenas por apostar na imaginação do espectador para criar os monstros que aterrorizam as meninas durante a noite.
1. O Babadook
Talvez essa seja uma escolha polêmica, mas o australiano O Babadook é uma excelente experiência cinematográfica que vai muito além do óbvio. A sua mensagem é extremamente sombria e perturbadora fadando seus personagens à uma tragédia familiar que nunca chegará às vias do fato. Não é um filme comum sobre monstros e assombrações, mesmo que a narrativa aproveite um ponto de virada bastante clichê e genérico. Não é somente por sua mensagem impactante que está no topo, mas pela atmosfera insuportável que Jennifer Kent constrói gradativamente. Por conta disso, O Babadook vira um dos filmes mais imprevisíveis da década. De primeira viagem, simplesmente não dá para presumir diversas coisas apresentadas pela diretora.
Menções honrosas: Águas Rasas, O Homem nas Trevas, Dêmonio
Por enquanto, esses foram os 20 filmes que consideramos os mais relevantes para o gênero até agora. Até o fim de 2019, algumas coisas devem mudar bastante. Também ressalto, agora, que buscamos não incluir filmes de suspense, ficções científicas e thrillers psicológicos. Esses merecem uma lista individual. Mas já que chegamos até aqui, eu te pergunto: como seria seu top 10? Mande para a gente nos comentários abaixo!