Crítica | A Cura
De tempos em tempos, certos filmes bizarros brotam nas telas dos cinemas. Obras estranhas que exigem um esforço além do convencional para envolver o espectador e agraciá-lo com uma ótima história. É fácil afirmar que A Cura será um dos filmes que mais dividirá opinião do público neste ano. Aqui, na minha opinião, A Cura simplesmente é a obra-prima da carreira repleta de altos e baixos de Gore Verbinski.
Lockhart, um executivo que avança avidamente em seu ofício em Wall Street, é enviado pela diretoria da empresa que trabalha para um sanatório de repouso para idosos milionários localizado em alguma cidade remota dos alpes suíços. O jovem viaja para tão longe na tentativa de convencer um membro da diretoria, sr. Pembroke, em retornar ao escritório em Nova Iorque para assinar o contrato de fusão do escritório.
Porém, ao chegar lá, contrariando suas expectativas em apressar a saída de Pembroke do estranho lugar, Lockhart sofre um acidente e acaba virando um “paciente”. Em sua estadia, descobre que, entre as muitas rotinas de hidroterapia, há muitos segredos perversos por trás das aparências inocentes dos enfermeiros e médicos do misterioso lugar.
A Cura para a Ignorância
A Cura vem do argumento original de Gore Verbinski com Justin Haythe, que também trata o roteiro. O que é preciso levar em consideração logo que embarcar na história é que não se trata de uma narrativa de terror, mas sim de um bom suspense psicológico que bebe das fontes de clássicos romances góticos do século XIX.
Verbinski e Haythe constroem uma história de mistério que possui magnetismo exemplar. A própria estrutura narrativa é bastante similar de Ilha do Medo, ótimo filme de Martin Scorsese. Porém, isso não é demérito. A Cura tem bastante identidade por si próprio como veremos a seguir.
A maior proeza do roteiro é a honestidade para com o espectador. Enquanto Lockhart tem suas sessões de andanças pelo sanatório, atravessando as camadas de uma cebola linda, mas podre por dentro, temos sugestões de elementos bizarros, de cunho possivelmente sobrenatural, fugindo do discurso realista e cético que acompanhamos pelo ponto de vista de Lockhart.
O discurso sobrenatural, de uma mitologia sombria e amaldiçoada sobre o passado do castelo onde o sanatório funciona, é transmitido assim que o protagonista se dirige para o lugar. Uma história de assassinato e obsessão por pureza de linhagem aristocrática através do incesto que causou a rebeldia da comunidade cristã do lugar que, por sua vez, atacou o castelo o incendiando até suas próprias fundações. Logo, esses ares de “fantasia” permeiam a história inteira por oscilações, como um metrônomo.
Obrigatoriamente, o mistério precisa te prender até o filme se resolver no final e seguir ao clímax. Então, até lá, acompanhamos a investigação de Lockhart. Porém, Haythe usa de um artificio clichê para provocar conflitos internos com o personagem. Todo o elemento sobrenatural ou maligno que sugerem uma real natureza do sanatório, é posto em dúvida por outros personagens ou através de choques de realidade sofridos pelo próprio Lockhart. Com um ponto de vista pouco confiável, o mistério atiça a curiosidade.
Então, com essa narrativa que avança através de linhas côncavas e que parecem redundantes e repetitivas, é provável que o espectador se canse, pois fica a impressão de que as revelações pontuais que surgem a cada nova cena não valham todo o esforço das longas sequências – isso é bem subjetivo: eu achei o filme bastante fluído, mas é possível que ache uma chatice, pois as nuances de ritmo são perceptíveis, principalmente no final.
Acredito que a maior graça seja a sustentação da narrativa em um arquétipo conceituado na literatura e em diversos filmes há muito tempo: a jornada forçada para um ambiente inóspito disfarçado de inocente e puro. Verbenski e Haythe, como disse, bebem muito das influências de romances góticos como Drácula, Frankenstein, O Retrato de Dorian Gray, O Médico e o Monstro e alguns contos de Allan Poe para construir a mitologia “mística e amaldiçoada” que ronda o sanatório e da própria natureza do mistério. Revelar como as obras se encaixam na narrativa, seria um pecado.
Ainda sobre a natureza da jornada, diversas outras referências e similaridades surgem com outras obras consagradas do cinema como Um Estranho no Ninho, O Homem de Palha, Nosferatu (Herzog) e, principalmente, Suspiria, o clássico de Dario Argento. São narrativas similares que, quando compiladas, resultam na maioria das cenas de A Cura. Então o filme é um festival de clichês? Sim e não. Os clichês da estrutura narrativa já experimentada por outros filmes não é revolucionada aqui. Nem mesmo é a proposta de Verbinski que parecer querer homenagear tantos clássicos. O mistério é original e envolvente o bastante para suprimir os clichês utilizados para sustentar seu desenvolvimento através de muitas características peculiares e sádicas.
Creio que, na verdade, toda essa abordagem de homenagear os clássicos do terror é a maior força do longa. Como dito, ele não se limita apenas nos góticos como O Castelo de Otranto, nem mesmo com filmes de jornada para o conhecido desconhecido, mas também aborda terror “lovecraftiano” de Nas Montanhas da Loucura e até mesmo romances muito mais filosóficos de Thomas Mann como A Montanha Mágica.
Nesse caso, esses dois elementos ajudam a moldar o trato dos personagens. Tomemos Lockhart, o protagonista que é plenamente desenvolvido. O jovem empresário é ambicioso, disposto a fazer todo o possível para atingir seu objetivo ao ponto de prejudicar a vida e liberdade dos outros. Quando o arrogante Lockhart perde suas posições privilegiadas para entrar em uma descida à loucura que provoca catarses de sua fragilidade emocional, é possível delinear diversas comparações de desenvolvimento com os outros dois personagens importantes da trama.
Já ressalto que a linha de desenvolvimento da trindade protagonista conversa bastante. A evolução de Lockhart geralmente corresponde inversamente com a de Hannah, a única paciente jovem da casa de repouso. Já com Dr. Volmer, o diretor responsável, percebemos similaridades assustadoras entre os dois nos momentos finais do longa – embora Lockhart já tenha sofrido certa transformação nesse ponto.
Paraíso Idílico
É difícil falar de A Cura sem soltar qualquer spoiler, pois muitas de suas qualidades se devem às passagens interessantes das investigações intensas de Lockhart. Entretanto, não é somente de roteiro que A Cura consegue provar seu valor. Conforme dito no primeiro parágrafo do texto, esse filme é a obra-prima de Gore Verbinski até agora.
Algo que é inegável – até mesmo para o mais profundo hater, é a beleza visual de A Cura. É um manjar para os olhos que raras vezes aparecem nos cinemas, pois todo enquadramento é meticulosamente pensado por Verbinski. As cores dessaturadas obedecem sempre a paleta da trindade prata, azul e branco acompanhada de um filtro esverdeado nauseabundo estabelecido pelo maravilhoso design de produção. Os momentos mais coloridos e diversos só surgem perto do fim. De resto, é uma experiência sempre tensa e depressiva.
Embora sua encenação em termos de movimentos de câmera deixe a desejar, o trabalho diversificado da decupagem preocupada em mostrar pontos de vista peculiares supera facilmente essa ausência.
Também é possível interpretar esse estilo de filmagem com ênfase na montagem para explorar espacialmente como uma metáfora da dificuldade de locomoção do personagem. Praticamente, no filme inteiro, Lockhart está aprisionado figurativamente ou literalmente e com mobilidade reduzida por conta de um gesso instalado em sua perna.
Um dos principais focos narrativos que Verbinski martela incessantemente é a água. Obviamente, há uma bela simbologia que agrega ao discurso de promiscuidade contemporânea vs. clássica. A razão pela hidroterapia, além de ser peculiar e garantir espaços maravilhosos criados pelo design de produção, favorece uma busca por um ideal, uma cura. Almas velhas, mórbidas e cruéis que buscam redenção através de sessões intensas de uma limpeza que nunca lavará seus espíritos.
Verbinski apresenta muitos momentos valiosos aqui até mesmo recorrendo em criar diversos labirintos entre aposentos e corredores do sanatório. Uma das marcas mais presentes é o uso espetacular da montagem paralelo que consegue criar metáforas visuais estupendas. Outras vezes, insere algum plano detalhe de um objeto de cena com uma pequena ação para refletir um sentimento de Lockhart. Isso acontece já na primeira reunião com a diretoria quando o protagonista é confrontado para buscar Pembroke – uma gota gelada percorre no suor da jarra d’água gelada detonando certo frio na espinha de Lockhart em pensar nas consequências caso falhar em sua missão.
Não somente em questões de montagem paralela, mas também com alguns espelhamentos bem elaborados, além de outros momentos inspirados de foreshadowing em algumas cenas diferentes. Tudo trazido através do poder da imagem sem a necessidade de recorrer a exposição barata. Aliás, essa é uma característica que pode ser uma faca de dois gumes.
Verbinski realmente aposta no poder de suas imagens para contar ou explicar partes do mistério. Somente há um curto diálogo expositivo para explicar a tal “cura”. Logo, certas dúvidas que surgem ao redor do mistério do sanatório nunca são respondidas o que acho adequado para tornar aquele ambiente ainda mais surreal de onirismo de pesadelos. O que realmente é importante para a história está na tela e é suficiente – lembrem-se dos romances góticos, sempre.
Acredito que a maior graça no trabalho de Verbinski seja na mão firme que tem para conduzir a narrativa sempre de modo dúbio, mantendo um suspense kubrickiano – O Iluminado e Laranja Mecânica são inspirações diretas. Verbinski realmente consegue nos fazer entrar em dúvida sobre os fatos apresentados a todo o momento. Importante lembrar que A Cura basicamente veio de toda a inspiração que Verbinski teve para o filme abortado do game Bioshock, portanto, há também um forte clima de um game survival horror quando o protagonista perambula pelo sanatório.
Mas então onde que o diretor se excede? Exatamente em excessos. Não quero ser arrogante ao apontar que o filme “dura/se alonga demais” porque isso é um dos argumentos mais pífios para atacar uma obra. Entretanto, mesmo que eu tenha apreciado o filme em totalidade, há certos momentos que exclamam um déficit de ritmo que incomoda. Essa impressão é reforçada pela certa estrutura do roteiro que inventa diversos clímaces na segunda metade da obra. Outro excesso é o uso recorrente da melodia fantasmagórica de Hannah que pontua muitas cenas, muitas mesmo.
A Cura para o Bem-Estar
Infelizmente, A Cura deve agradar a pouca gente. A sensação das referências pode dar a impressão de que o projeto é apenas um coquetel de clássicos misturados que resultaram em um novo sabor, mas não é. Quem já é fã das obras citadas, certamente terá uma experiência muito melhor de quem não tem bagagem prévia. Ainda assim, isso certamente pode funcionar como perfumaria.
A história por si tem grande magnetismo, boas atuações e personagens interessantes. Além disso, é a oportunidade em ver Gore Verbinski em sua melhor forma criando um filme que deveria ser lembrado pelo seu visual exuberante repleto de simbologias. Apenas sua narrativa pode ter um formato antiquado que cause estranhamento – principalmente quando suas verdadeiras cores são reveladas.
A Cura receberá o ingrato destino de muitas obras visionárias: condenadas ao rodapé da História até receber seu devido valor em algumas décadas. Assim como o mistério que ronda o estranho sanatório sem nome, há muito mais em A Cura do que os olhos podem ver.
A Cura (A Cure for Wellness, EUA, Alemanha – 2017)
Direção: Gore Verbinski
Roteiro: Gore Verbinski, Justin Haythe
Elenco: Dane DeHann, Jason Isaacs, Mia Goth, Ivo Nandi, Adrian Schiller, Celia Imre
Gênero: Suspense, Thriller Psicológico, Horror Gótico
Duração: 146 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=NsADsl8oMZc
Crítica | Cinquenta Tons Mais Escuros
E.L. James conseguiu o mais improvável. E não dúvido nada que tenha acontecido por um feliz acidente do acaso. Tornar um projeto que se iniciou como uma fanfic da saga Crepúsculo em uma das trilogias literárias mais vendidas da História. A história de Anastasia e o excêntrico milionário Christian Grey movimentaram a imaginação das pessoas, seja pela enorme polêmica repercussão na mídia ou com a improvável eficiência da técnica de narrativa da autora ainda amadora.
Como de praxe, tudo que movimenta quantidades massivas de dinheiro na literatura, logo tem seus direitos cinematográficos comprados. O enorme desafio em adaptar uma história bastante erótica com diversas passagens de sadomasoquismo caiu nos colos do centenário estúdio Universal. O dilema enfrentado era a questão monetária. Devido às passagens de sexo que praticamente sustentam toda a relação entre os protagonistas, o filme receberia uma censura alta – algo quase sempre incompatível no desejo dos estúdios com seus blockbusters.
Entretanto, o ano de 2015 seria um dos melhores para a Universal. Dois de seus carros-chefe atingiram a marca do bilhão de dólares em bilheteria. E os fãs de Cinquenta Tons de Cinza foram fidelíssimos, mesmo com as notas abissais conferidas pela crítica especializada. O filme foi um grande sucesso, ainda que não tenha agradado a todos. Com muita polêmica nos bastidores das futuras sequências, a diretora abandonou o cargo que foi conquistado por James Foley, um dos diretores da prestigiada House of Cards. Com muito dinheiro para contornar as crises diversas da produção, é possível afirmar que Cinquenta Tons Mais Escuros é um longa superior ao original? De certa forma, sim, mas ainda deixa muito a desejar como discutiremos em detalhes agora.
Ciclo Sem Fim
Previamente, era esperado que E.L. James, autora dos livros, adaptasse sua segunda obra como roteirista. Porém, quem assume a escrita é Niall Leonard. Como esperado, a narrativa se dedica a mostrar uma reaproximação do casal após o rompimento do contrato no filme anterior. Grey percebe que sua vida fica vazia e sem sentido com a ausência de Anastasia e se prontifica a reencontrar a moça.
Anastasia conseguiu um emprego assistente de um jornalista da mídia independente de Seattle, tentando normalizar sua vida após os episódios intensos com Grey. Após reencontrar a antiga paixão, Anastasia aceita reatar com o milionário, mas sob algumas novas condições em seu contrato: dessa vez, eles terão um relacionamento normal como namorados e Grey terá de mostrar seus segredos mais profundos de seu passado que, infelizmente, ressuscitará alguns fantasmas que prometem ameaçar a vida do casal.
Mesmo com uma premissa mais interessante em oferecer um estudo maior ao personagem de Christian Grey, o roteiro de Leonard costuma falhar, apesar de manter uma integridade aceitável até metade do segundo ato do filme. Aqui, os holofotes abandonam a protagonista de outrora para oferecer insights dramáticos sobre o passado do homem milionário tentando justificar, em uma versão de boteco da filosofia de Édipo, as taras sadomasoquistas praticadas constantemente pelo personagem.
Sua misoginia de outrora é desconstruída passo-a-passo de modo bastante frisado. Os diálogos continuam bastante expositivos entre as muitas conversas entre o casal. Christian é apresentado como um homem vulnerável e mais humano para Anastasia e, por consequência, consegue virar um personagem com maior empatia por parte do público. Seus ataques de ciúmes e possessão ajudam a criar um humor involuntário em torno de diversas das ações que toma quando confrontado por Anastasia. Claro que seus eventos traumáticos do passado obscuro que flertam com horror, são totalmente clichês, manjados e nunca explorados de fato, já que o roteirista tem imensa pressa para contar uma narrativa deveras simplória.
O personagem expõe os abusos sofridos por conversas que rapidamente são interrompidas ou através de algumas situações bregas para definir certa ‘transformação’ como quando desenha limites em seu corpo cheio de cicatrizes para que Anastasia possa tocá-lo e demonstrar afeto amoroso. O maior progresso do trabalho de Leonard é mesmo desenvolver Grey no limite da possibilidade que o material base oferece. O personagem cresce solidamente tentando se livrar dos vícios sadomasô – mesmo que nada disso seja mostrado em tela, apenas discutido em diálogos.
Aliás, um dos pontos mais criticados de Cinquenta Tons de Cinza foi a péssima qualidade que os diálogos carregavam. Aqui, há certa melhoria. Como o filme inteiro acompanha a dinâmica do casal praticamente investindo somente cenas nas quais os personagens contracenam, a maioria deles se concentram em joguinhos de sedução apaixonados, propostas de audácias sexuais e muita, mas muita discussão de relacionamento que trazem à tona as breguices genuínas da franquia. Raramente isso é quebrado quando ambos encontram outros coadjuvantes totalmente pálidos, mas que trazem conflitos mais pertinentes para tirar o filme de um marasmo repetitivo dessas conversinhas.
A volta dos que não foram
Os personagens que quebram o ciclo insuportável de "confidências amorosas > sexo > discussão de relacionamento > sexo > confidências amorosas/passado obscuro de Grey > sexo" também são pálidos, porém injetam mais vida ao filme. Três pontas antagonistas fazem presença para mover um conflito externo ao casal. O mais interessante e funcional é o chefe de Anastasia que claramente tem segundas intenções para com a moça. Jack Hyde é justamente o monstro sob a pele da inocência. Seu nome é referência direta ao romance O Médico e O Monstro no qual o protagonista Jakyll é possuído diversas vezes pela sua personalidade assassina, Hyde. É algo bem rasteiro, no nível da escrita de E.L. James.
Apesar do potencial que o personagem poderia ter em tornar a relação de Anastasia com Grey mais interessante e explosiva, autora e roteirista desperdiçam Jack para cumprir um papel clichê de vilão renegado obsessivo que deve dar as caras no próximo filme.
As outras duas personagens que também tentam desestabilizar o romance protagonista acabam prejudicadas pelas más escolhas de Leonard em não investir tanto tempo para que elas se tornem criveis. A primeira é Leila, uma ex-submissa obcecada por Christian Grey. Tão logo, ela passa a perseguir e tentar machucar Anastasia. O problema é que essa mulher é considerada uma grande ameaça latente, porém Leonard parece esquecê-la completamente por enormes segmentos do filme. Mesmo que haja propósito em sua existência ali, o espectador nunca levará a sério uma antagonista tão ausente por tantos minutos de projeção.
Na conclusão de seu arco, praticamente nada é aproveitado. Gera um conflito tosco e injustificado entre os dois personagens que também logo se resolve em uma das muitas sessões de sexo de reconciliação. Por fim, Kim Basinger encarna a cougar Elena Lincoln, a srta. Robinson – referência de A Primeira Noite de Um Homem – de Christian Grey. A base do conflito de Lincoln com Anastasia é fundamentada com bastante preguiça e seu desfecho é pior ainda ao conseguir transformar uma das últimas cenas em uma verdadeira novela mexicana com direito a tapa na cara e outros clichês do tipo. Impossível conter o riso.
E a protagonista?
Bom, toda a trilogia de Cinquenta Tons é a história de Anastasia. Mesmo que aqui a ênfase seja em Grey, Anastasia tem seus momentos. O roteirista tenta criar uma mulher mais independente, irreverente que tenta virar a dominadora da relação. Infelizmente, o desenvolvimento de Anastasia é bastante fraco devido a enorme inconsistência da escrita de Leonard. A protagonista praticamente quica por todos os lados continuando sempre restrita ao mesmo lugar.
O texto a transforma em uma bipolar por conta das indecisões sobre a desistência ou a fascinação com as sessões de sadomasoquismo. Não somente com isso, mas em praticamente tudo que ela finge decidir para então ceder a alguma pressão de Grey que acaba em sexo. A compreensão dos terrores do passado de seu namorado também não é algo elaborado. É tudo muito simplório resolvido em diálogos fracos traindo a proposta de transformar Cinquenta Tons Mais Escuros em um filme de drama.
Nem mesmo no núcleo que acompanha seu crescimento profissional, há algum tipo de boa realização. Enquanto o texto se mantém medíocre em contar uma história de namorados como qualquer outra, o filme é ótimo. Se sustenta pelo carisma do casal e das boas tiradas de humor ou pelos pequenos momentos de criatividade nas atividades sexuais com brinquedos. Porém, a partir do instante no qual Anastasia é confrontada por Leila, o filme descarrila.
É uma curva descendente que impressiona os mais céticos dos espectadores. O ápice do besteirol sem sentido surge na cena mais deslocada e tosca do ano: um passeio infeliz de helicóptero com Grey. Sua função é provocar uma catarse básica sobre tempo e vida para Anastasia, porém tudo é resolvido de modo tão pateta e inacreditável que eclipsa até mesmo o joguinho de sadismo psicológico que a protagonista arquitetava contra Grey. Novamente, é difícil conter o riso.
Nisso, ao longo das inacreditáveis duas horas de projeção, Anastasia termina exatamente no ponto que o filme começa o que revela uma falta de capricho completa por parte do roteirista ao submeter o espectador na tortura cíclica e redundante que o filme revela ser.
House of Bondage
Se havia algo para ser elogiado em Cinquenta Tons de Cinza, certamente era o trabalho de Sam Taylor-Johnson na direção, além do competente setor técnico do filme. Dessa vez, temos James Foley ocupando o cargo e, estranhamente, consegue ser um trabalho tão bipolar quanto a protagonista.
Por vezes, Foley tem um capricho absurdo com encenação como a famosa (e desperdiçada) cena do baile de máscaras que marca o ponto mais alto do filme. Em maioria, o diretor faz o básico se preocupando em fornecer enquadramentos bonitos. Mas já nesses momentos, em estranhos jogos de plano/contraplano, Foley enquadra os personagens com um enorme espaço vazio no terço direito do plano. É algo que não agrega nada simbolicamente e sacrifica o equilíbrio dos enquadramentos que moldam o restante das cenas. Certamente não é algo que incomodará muitos espectadores, porém é uma imperfeição técnica sem sentido.
Também é bizarro notar como Foley aposta em uma mesma encenação em cenas de “suspense”. Repare, toda vez que a música de Danny Elfman fica um pouquinho mais tensa, a fotografia mais sombria de cores mudas, alguém surge na profundidade de campo, completamente desfocado. Todos os três antagonistas têm momentos bregas com essa mesma encenação já datada que confere roupagem de novelão de Jorge Fernando a uma obra cinematográfica.
Outro detalhe que é uma grande fraqueza do longa são as cenas de sexo. Enquanto Taylor-Johnson conseguia configurar um aspecto único para cada uma das anteriores, Foley basicamente repete o modo de filmar nas que surgem na história. Também é um tanto engraçado notar como o roteiro não é nada inventivo para as atividades ou brincadeiras sexuais que os protagonistas trocam. Cinquenta Tons Mais Escuros é um dos filmes eróticos mais broxantes que eu já vi. Justamente no aspecto de encenação que o longa tinha que brilhar, ele falha espetacularmente.
Claro, Foley traz decupagens que valorizam o corpo de Dakota Johnson e também de Jamie Dornan para fazer o gosto dos espectadores em geral. Não que o diretor nem se esforce em trazer algo mais apimentado para as telas. Em certos momentos, até tenta sincronizar as batidas mais fortes de uma canção com reaction shots de Dakota esbanjado expressões de prazer. Entretanto, é um recurso pífio utilizado em uma cena enquanto as outras carecem de qualquer identidade, além de uma fotografia diferenciada. Filmes dos anos 1990/200 como Proposta Indecente, Infidelidade, Pecado Original ou Instinto Selvagem estão a anos-luz em termos de linguagem visual do que o material apresentado aqui.
Não se trata de pornografia, obviamente, porém cenas que deveriam nutrir sentido ou exalar paixão são totalmente estéreis prejudicando a história de amor proposta. Esses problemas de encenação e montagem assombram outras diversas cenas da obra, principalmente todas as cenas concentradas após o arco do helicóptero.
No que Foley consegue se sair melhor e imprimir alguma identidade sua se dá com as atuações de Dorner e Johson que demonstram melhor química e menor constrangimento em cena. Como as cenas entre os dois são divertidas, o filme se torna fluído até certo ponto no qual se arrasta em uma chatice sem fim. Outro bom elemento, é o design visual bastante distinto do filme anterior.
Enquanto tínhamos uma paleta monocromática emulando os 50 tons de cinza, este aqui conta com cores saturadas acompanhadas pela elegante iluminação de John Schwartzman. O visual abandona aquele clima soturno e secreto para representar a vida de Grey. Tudo é mais “normal” acompanhando a proposta de Anastasia em ter um namoro ordinário com Christian.
Ode ao Nada
Apesar de tudo o que apontei no texto, Cinquenta Tons Mais Escuros não é um filme de todo ruim. O crescimento de Christian Grey como personagem e os doces momentos iniciais do novo namoro do casal conseguem sustentar o filme em um leve tom divertido. A última meia hora é que realmente desmorona a qualidade de uma obra que seria boa em retratar a efemeridade corriqueira de um começo de relacionamento.
Todavia, há muitos erros técnicos, algumas bizarrices de narrativa, os péssimos antagonistas, o mau uso de trilha licenciada que conferem ares de videoclipe para muitas cenas, além da estrutura cíclica irritante para contar uma história tão simples que não exige tantas reviravoltas tontas para estender sua duração.
Em geral, mesmo que o longa consiga agradar, a sensação que perdura no fim da sessão é a do enorme desperdício do filme que se contenta em transmitir nada para o espectador enquanto o potencial de sua proposta amarga esnobado na profundidade de campo, assim como os inimigos invejosos do casal Grey.
Cinquenta Tons Mais Escuros (Fifty Shades Darker, EUA – 2017)
Direção: James Foley
Roteiro: Niall Leonard, E.L. James
Elenco: Dakota Johnson, Jamie Dornan, Eric Johnson, Eloise Mumford, Bella Heathcote, Rita Ora, Luke Grimes, Kim Basinger, Marcia Gay-Harden
Gênero: “Drama”, Erótico, Romance
Duração: 118 minutos.
Crítica | Lego Batman: O Filme
O plano de dominação de mercado da LEGO é invejável. Com ótimo olho para negócios com licenciamentos, a empresa dinamarquesa já dava passos certeiros em apostar nos videogames ao trazer marcas como Star Wars e Indiana Jones para adaptação em games LEGO. A expansão de multimídia que a fabricante investiu consolidou um império de negócios especializados em séries de televisão e filmes animados, além dos jogos. A única coisa que faltava era uma expansão em longas metragem blockbusters de Hollywood. Bom, isso até 2014 quando Uma Aventura LEGO surgiu e surpreendeu muita gente com sua qualidade e humor refinados.
Porém, é justamente aqui que entra o olhar empreendedor atento às demandas do mercado. Com o teste da inserção do Batman como um personagem marcante da aventura anterior, a empresa se preocupou em reconhecer a repercussão entre o público para encaminhar um filme exclusivo para o personagem. Dito e feito. Três anos depois, temos a primeira aventura LEGO Batman para os cinemas que prova ser o melhor filme Batman desde a trilogia Nolan.
Meu Super Ex-Arqui-Inimigo
A narrativa de LEGO Batman é bastante interessante por se nortear através de um fiapo de história. Porém o insight do roteiro capitaneado por Seth Grahame-Smith, toca um cerne extremamente profundo da filosofia e psicologia por trás das histórias consagradas do Batman. Na história, acompanhamos Batman prendendo novamente todo seu grande rol de inimigos psicopatas. Porém, no desfecho de uma perseguição, Batman e Coringa discutem por conta das tentativas do vilão convencer o herói de ele é o seu arqui-inimigo mortal, o maior de todos os bandidos criminosos.
Com as negações de Batman, Coringa fica magoado e arquiteta um plano perverso para que o herói se dê conta que, sem ele e os outros vilões, ele não teria propósito em existir. Além de ter que enfrentar uma crise existencial provocada por um Coringa ciumento, Batman adota por acidente um garoto muito entusiasmado chamado Dick Grayson que em pouco tempo vira seu novo aliado, Robin.
Essa breve sinopse é o máximo que é possível revelar sobre a história do filme, pois se encaixasse mais algum detalhe do plano do Coringa, já teríamos chegado na metade da narrativa. Grahame-Smith é um autor muito famoso por suas paródias como Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros. Visto que o trabalho muitas vezes é medíocre, seu roteiro em Lego Batman surpreende muito justamente por captar tão bem a essência e o principal conflito do herói que com certeza ofereceria margem para um filme mais adulto do vigilante.
Mesmo com muita simplicidade e diversas esquetes cômicas que justificam os mais de 4 nomes que assinam o roteiro, Grahame-Smith oferece insights valiosos sobre família, solidão e propósito. Como esperado, o Batman é o melhor personagem do filme que percorre uma ótima narrativa baseada em contrastes. Como muito do desenvolvimento ser dá através de jogadas visuais inteligentes criados pelo diretor Chris McKay, o texto é focado em trabalhar com ironias e tiradas que moldam a personalidade narcisista, niilista e egoísta do protagonista. Em pouquíssimo tempo, vemos que o Batman desse universo Lego é um personagem escapista que mais trabalha como vigilante para atender suas necessidades de ego do que realmente salvar a cidade, fazer bem ao próximo.
O drama e o conflito aparecem com passagens bonitas sobre a memória do casal Wayne e alguns outros diálogos com o mordomo Alfred. Dick Grayson/Robin também é outra pérola cheia de bons significados disfarçada pelo humor excepcional trazido pelo roteiro. Smith praticamente transporta toda a excitação que uma criança teria em trabalhar com o Batman nessa versão do Robin apresentada aqui. O desenvolvimento não é tão elaborado quanto o do protagonista, mas é impossível ficar indiferente com a fofura atrapalhada do garoto-maravilha que busca apenas a aprovação de seu pai adotivo. A relação tragicômica que dá margem para abusos non-sense entre os dois é extremamente engraçada marcando um dos pontos mais altos do filme.
Porém, o que faz o trabalho de Grahame-Smith com essa história ser tão bom vai além do tratamento dos personagens e das parcelas iniciais do filme que acompanham o peculiar cotidiano do Batman. Assim como em Uma Aventura Lego, Lego Batman tem plena consciência de que sua narrativa se trata de um filme. Mas aqui, tudo é superdimensionado e mais explícito e, portanto, muitas vezes o filme não se leva a sério inventando algumas saídas de roteiro absurdas, mas que sempre elevam a criatividade do texto.
Amarelo e Preto
E é justamente no quesito criatividade que Lego Batman estoura a mente do espectador. Se você achou Uma Aventura Lego um filme divertido e corajoso, espere para ver o que apresentaram aqui. Já em primeiro momento, o diretor Chris McKay organiza uma enorme sequência de ação que define o tom do filme inteiro: muito barulho, muita ação e muita comédia. Nesse primeiro momento, o festival de referências tem seu início, além de uma ótima quebra de quarta parede. Toda a sequência com Coringa parece flertar diretamente com os minutos iniciais de O Cavaleiro das Trevas Ressurge.
Para reparar quantas referências há nesse filme, garanto que será preciso assistir diversas e diversas vezes, pois o design de produção encaixa desde referências ao seriado de 1966 com Adam West, aos filmes de Christopher Nolan até ao filme do Esquadrão Suicida lançado no ano passado. A Batcaverna é um dos cenários mais repletos dessas pequenas homenagens.
Esbanjando um trabalho precioso pela riqueza visual e do dinamismo das sequências de ação eletrizantes, a especialidade de McKay é o timing impecável. O diretor é veterano de uma das produções mais engraçadas da televisão americana: o seriado Frango Robô que até foi exibido aqui no Brasil pelo curto período de tempo que o Adult Swim ficou no ar na grade do Cartoon Network. Como o seriado se valia de diversos esquetes paródicos elaborados através da animação em stop motion, a experiência que McKay adquiriu foi um grande diferencial.
Trabalhando um humor que consegue divertir tanto adultos quando crianças, McKay trabalha consideravelmente com o slapstick aliado ao non sense principalmente entre os esquetes protagonizadas por Batman e Robin. Porém, mesmo seguindo com o exagero típico da comédia e das cenas barulhentas, McKay constrói um discurso de contraste temático exemplar e bastante óbvio. Dentre a quantidade considerável desse jogo de opostos os que mais se destacam estão a celebração de mais uma noite de sucesso no combate ao crime vs. a solidão pacata da mansão Wayne e, a segunda, um discurso sobre papéis de heróis e vilões. São jogos simples, mas de mensagens edificantes para as crianças.
Com o destaque da proeza técnica tanto do roteiro e direção, Grahame-Smith e McKay praticamente transformam o filme a partir de uma reviravolta nada previsível. Entrar nesse mérito é revelar um pouco das características surpresa do filme, mas vou me ater a poucos elementos, pois é injusto tirar a grata surpresa que tudo isso proporciona. Há participações muito especiais que aumentam o rol e possibilidades de humor. Pela magia do licenciamento da LEGO, temos uma segunda metade inteira transformada em uma aventura perto do que é proporcionado pelo jogo de sucesso, LEGO Dimensions.
É um humor muito inteligente que consegue casar características únicas daquelas participações com a mitologia Batman em geral. Aliás, é preciso enaltecer o trabalho estupendo da dublagem e localização do texto para o Brasil. Muitas piadas são originais para o nosso país, seja com gírias perenes que fazer parte da nossa identidade como cidadãos até encaixando com os costumes de treinamento pesado do Batman.
E a animação? Bom, assim como em Uma Aventura LEGO, a tecnologia empregada pelos animadores se vale do mesmo software que simula a técnica do stop motion. A justificativa da ausência da técnica real é a enorme dificuldade que seria trabalhar, criar e produzir todos os cenários e movimentos com as pecinhas de brinquedo levando a produção a custos exorbitantes, além de prolongar o processo de criação do filme em anos.
Entretanto, isso nada desmerece o estupendo trabalho apresentado aqui. O software ainda constrói digitalmente os cenários com pecinhas de LEGO existentes e graças ao ótimo trabalho de texturas, a animação realmente parece ter sido fotografada e não construída digitalmente em sua totalidade. O lado positivo disso tudo pode ser testemunhado com as enormes e complexas sequências de ação ao fim do longa no qual o humor beira o absurdo. O trabalho de cores e fotografia digital se vale muito de tons quentes, mesmo que haja uma clara predominância de paleta amarelada e alaranjada no decorrer do filme.
Já em termos de design de produção, há outro espetáculo na confecção de cenários em sua riqueza de detalhes, texturas e acessórios, além dos designs únicos criados para os gadgets e veículos do herói com destaque para o Scuttler, um meca em formato de morcego que se transforma no batwing. Com os personagens, há pouco para comentar. Muitos vestem trajes inspirados em outras diversas obras e quadrinhos do Batman, porém Robin e Coringa ganharam um toque de fofura essencial para a natureza de seus personagens nesse universo.
Não somente a condução visual e narrativa é primorosa: a trilha licenciada e original também brilham. A licenciada é funcional e conversa a todo momento com as cenas encaixadas sendo utilizadas como escapes de humor muitas vezes. Já o trabalho composto por Lorne Balfe também assume o tom de referências que predomina no filme.
Suas músicas possuem diversos compassos originais, mas em momentos-chave, sempre há algumas melodias de sucesso consagradas pelas trilhas de Hans Zimmer e Danny Elfman ou até mesmo da música tema do seriado de 1966. O trabalho de Balfe é muito rico e ao aliar suas composições com as outras de modo tão orgânico, tudo fica ainda melhor. Aliás, até mesmo o departamento de edição de som consegue arrancar umas risadas com os barulhinhos infantis que as armas fazem ao disparar projéteis. Torna toda a experiência em uma grande brincadeira animada.
A Casa que o Batman Também Erguerá
Até aqui, só descasquei elogios para a produção que finalmente pode ajudar um pouco o saldo da Warner nesse começo de ano (ou do biênio). Afinal, há alguma coisa desagradável em LEGO Batman? Bom, sim, elementos que certamente retiraram a possibilidade de o filme conquistar a nota máxima. Por vezes, devido ao ritmo muito acelerado, ele se torna um tanto cansativo. Também há um exagera na quantidade de vezes nas quais Batman começa a cantar seus raps.
Tirando isso, estamos diante de uma obra inesquecível que marca um renascimento leve e divertido que o herói tanto merece. Uma obra capaz de marcar desde a infância o quão incrível e rico esse personagem é, em sua máxima versatilidade de conseguir ilustrar histórias tão densas e depressivas quanto narrativas fofas e divertidas para todas as idades.
LEGO Batman: O Filme (The LEGO Batman Movie, EUA, Dinamarca – 2017)
Direção: Chris McKay
Roteiro: Seth Grahame-Smith, Chris McKenna, Erik Sommers, Jared Stern, John Whittington
Vozes originais: Will Arnett, Michael Cera, Zach Galifianakis, Ralph Fiennes, Channing Tatum, Jonnah Hill, Rosario Dawson, Jemaine Clement, Seth Green
Gênero: Comédia, Animação Infantil, Aventura
Duração: 104 minutos
Crítica | Uma Aventura LEGO
Chris Miller e Phil Lord conseguiram uma façanha inestimável mais uma vez. Após terem dirigido dois filmes que considero ótimos e que facilmente se enquadram nas listas de melhores do ano – “Anjos da Lei” e “Tá Chovendo Hambúrguer”. Agora, atingiram o estado de obra-prima. Vocês vão falar que é um absurdo, mas, para mim, é a mais pura verdade. “Uma Aventura LEGO”, que estreia nessa sexta-feira junto com “Trapaça”, é uma das melhores animações da última década superando até mesmo algumas animações de estúdios muito conceituados como Pixar, Disney e Dream Works.
Mas qual é o porquê disso? O primeiro motivo é que este filme está como referência para a animação em stop motion como “Toy Story” está para a animação digital. Ele pode não ser o pioneiro assim como foi no caso do primeiro filme da Pixar, mas o nível de qualidade da animação é simplesmente estonteante – aparentemente, a animação do longa é uma miscigenação entre stop motion e computação gráfica, mas é praticamente impossível de notar a diferença. Nunca fizeram algo de proporções tão gigantescas pensando em detalhes fotográficos e de movimentos de câmera belíssimos – todos os planos sequência do filme são capazes de te deixar boquiaberto. Para se ter ideia da sua complexidade basta olhar os outros elementos que não estão em primeiro plano durante planos majestosos. Tudo está em movimento constante narrando pequenas histórias ou esquetes cômicas – isso, claro, inserido em uma paleta de cores vibrantes como é característico da autoria de Miller e Lord. Até mesmo explosões e o movimento das ondas do mar são simulados em peças LEGO impecavelmente.
Mas o mérito não é apenas visual. O roteiro não se leva a sério na maioria do filme garantindo uma identidade única para este universo criado. Usa livremente artifícios mau conceituados pelos críticos como o deus ex machina (soluções arbitrárias para conflitos da narrativa), mas o faz de forma escancarada com finalidade de provocar o riso. A história é repleta de clichês, todos muito bem explorados e utilizados. Este é um dos casos que prova que se um filme é clichê, ele não é necessariamente ruim.
Apesar de o filme contar com piadas muito engraçadas, explorar o ridículo e a non-sense, não se levar a sério e explorar muitíssimo bem o universo dos estúdios Warner, o roteiro traz mensagens edificantes para as crianças e também para os adultos. Não quero estragar a grata surpresa que é a história do longa, mas seu desenvolvimento baseia-se na famosa Jornada do Herói que já foi explorada tantas vezes como em Harry Potter, Senhor dos Anéis e Star Wars – um homem comum destinado a salvar o mundo. Porém, o mais surpreendente para mim, foram os moldes para o antagonista da trama inspirado completamente em obras de George Orwell, no caso, “1984” – repare como o primeiro universo que o filme explora se aproxima muito da Pista Nº 1, mas claro que numa versão muito mais açucarada e inebriante. A verdadeira ditadura do ópio.
Já nesse contexto, o filme me fisgou e fiquei completamente extasiado com as aventuras de Emmet, o protagonista. Sei que não sou o único. Todos riam em praticamente todas as piadas criativas do filme – os adultos até mais que as crianças, pois tem piadas que levam certa maturidade para entender (às que tangem os vícios da nossa sociedade, principalmente), além de inúmeras referências desde “O Exterminador do Futuro 2” a “Tron Legacy”.
Miller e Lord mantém outra parceria que se provou muito interessante com o compositor Mark Mothersbaugh. Assim como em “Tá Chovendo Hambúrguer”, há momentos em que a trilha musical se sobressai como durante a cena excelente que trata sobre o plano de Emmet, o protagonista. As músicas, num crescendo de vários instrumentos, lembram notas musicais que se sobrepõem remetendo a construção dos brinquedos lego.
Enfim, “Uma Aventura LEGO” é sensacional. Um filme que merece ser visto e revisto. Até mesmo a dublagem brasileira não desaponta. Com piadas inteligentes, o filme vai divertir tanto as crianças quanto aos pais. Sendo a primeira animação lançada oficialmente em 2014, ela já ganhou o mérito de ser uma das melhores do ano.
Uma Aventura LEGO (The Lego Movie, EUA, Austrália, Dinamarca – 2014)
Direção: Chris Miller, Phil Lord
Roteiro: Chris Miller, Phil Lord
Vozes originais: Chris Pratt, Will Ferrell, Elizabeth Banks, Morgan Freeman, Will Arnett, Charlie Day, Jonah Hill
Gênero: Animação infantil, aventura, comédia
Duração: 100 minutos
Crítica | O Chamado 3
O primeiro trimestre para lançamentos comerciais nos cinemas geralmente é reservado para os filmes bomba dos estúdios. Longas tão ruins e de baixo potencial de público que praticamente passam despercebidos em meio a tanta correria típica do início de um novo ano. Claro que essa regra não se aplica ao Brasil já que temos as estreias dos tão aguardados filmes do Oscar que quase sempre esbanjam tremenda qualidade.
Porém, mesmo preparado psicologicamente para encarar alguns filmes ruins nesse período do ano, nada poderia me preparar para a verdadeira bizarrice que se trata O Chamado 3. Outrora um filmão de terror em sua estreia com uma atmosfera inquietante, boas atuações, condução muito competente de Gore Verbinski, além de uma narrativa lotada de mistério, O Chamado foi reduzido a um filme de comédia involuntária. Nada pode te preparar para a experiência proporcionada por essa terceira parte. Nem mesmo esta crítica.
S.O.S - Sistema Operacional Samara
Três mentes pensaram na “brilhante” história de O Chamado 3: David Loucka, Jacob Estes e o infame Akiva Goldsman, um dos piores roteiristas do ramo. Esse é o melhor exemplo que nem sempre mais cabeças pensam melhor do que uma. A premissa até que é interessante. Um professor de biologia, Gabriel (Johnny Galecki, o Leonard de The Big Bang Theory, já tornando difícil levar o personagem a sério), compra um aparelho de VHS em um antiquário.
Ao ligar o aparelho, Gabriel descobre a fita Watch Me, o vídeo maldito que provoca a ligação de Samara avisando sobre os 7 dias. Nisso, a trama apresenta os dois outros personagens, um casal, que guiarão a história pelo restante do filme. Depois de algumas descobertas, o namorado de Julia assiste ao vídeo amaldiçoado. Para salvá-lo, Julia assiste a cópia tomando a maldição para si. Porém, o que ela não esperava, é que sua maldição é diferente e muito mais intensa do que as que já conhecia. A partir de visões, o jovem casal terá que resolver um grande enigma para quebrar a maldição de uma vez por todas.
O que já dá para perceber é o quão burocrático o roteiro é. A história começa três vezes antes de engrenar o conflito majoritário indicando o propósito da narrativa. Temos um prólogo completamente desnecessário que apresenta um ataque de Samara em um avião em pleno voo que já define, involuntariamente, o tom de pastiche que o longa carregará em sua totalidade.
Apesar de mudanças tão drásticas para justificar encontros que não precisavam de todo esse “cuidado”, os roteiristas apresentam boas ideias sobre um filme que teria sido mais interessante de assistir. Como já devem ter percebido, a história de O Chamado 3 é praticamente a mesma de O Chamado. Apenas mudaram algumas regras do jogo, definiram um novo mistério e colocaram outra protagonista para solucionar uma ameaça maior. A sequência lógica é praticamente a mesma da estrutura do original. Até mesmo revisitando o clichê clássico do “fantasma benigno que só quer a sua ajuda, mesmo tentando te matar a cada três cenas" que já pintou nessa franquia.
A boa ideia apresentada se trata do grupo de estudos de Gabriel, o professor aloprado de biologia, em tentar trabalhar a maldição de Samara em método científico, comprovando a vida após a morte. Para isso, ele dissemina a maldição para alguns alunos já os ensinando como se livrar da morte certa através das cópias do vídeo – que aqui tudo foi modernizado para usar gadgets eletrônicos contemporâneos como notebooks e smartphones. Essa espécie de “seita científica” teria sido uma das maiores proezas do texto abissal de O Chamado 3, porém, os roteiristas, em vez de enxergarem a oportunidade de criar uma história original em cima dessa ideia, rapidamente a descartam para trilhar o mesmo caminho da narrativa dos filmes anteriores.
Ou seja, o único ponto original que esse filme possuía, é abandonado rapidamente. Os diversos problemas do texto não necessariamente surgem a partir do ponto que os protagonistas investigam o passado “não revelado” de Samara Morgan. O festival de conveniências narrativas e diálogos expositivos beiram o absurdo, principalmente por conta de Julia se tornar uma verdadeira “xeroque rolmes” a partir do segundo ato que concentra o miolo da investigação do casal a respeito de Samara.
A mulher presume tanta coisa tão rápido que torna passagens do texto que deveriam transbordar tensão, em verdadeira comédia, pois Julia atesta o óbvio para toda a plateia. Alguns exemplos da exposição: “Prenderam ela aqui! Ela viveu aqui! Eu estava lá e nem percebi! ”. Até mesmo em passagens de solilóquio, quando a personagem fica completamente sozinha, Julia já se prontifica a explicar para si mesma que tal personagem morava ali ou quem estava grávida, etc.
Dentre tantos clichês do gênero, O Chamado 3 consegue atingir elementos mais graves pela cópia de conceitos de filmes muito recentes e melhor realizados. As principais influências são Premonição e Corrente do Mal para a primeira metade e O Homem nas Trevas para a segunda. E mesmo se “inspirando” em histórias melhores, o filme não consegue decolar.
Muito vem do fato do mistério não engajar ninguém, já que é difícil simpatizar com os personagens seja devido a nulidade de desenvolvimento ou pelos diálogos horrorosos. Logo, o terror que se pretende fazer é flácido, pois é difícil ligar para os personagens que não tem desejos, histórias próprias ou até mesmo um passado. Tudo jogado no pouco carisma dos jovens atores. Os roteiristas criam detalhes do mistério que servem para reviravoltas nada impactantes e também de quase nenhum sentido.
Praticamente nada tem uma lógica aparente, pois detalhes importantes da história são deixados de lado, esquecidos ou mal explicados. Outros problemas narrativos surgem com a inserção de novos personagens no segundo ato, principalmente do cego Burke, interpretado com boa vontade por Vincent D’Onofrio que, involuntariamente, arranca risadas pela óbvia associação de um dos seus papéis mais famosos: o Rei do Crime no seriado do Demolidor, um super-herói cego.
Não obstante em apostar nos caminhos mais manjados para delinear sua narrativa, os roteiristas conseguem embalar a crítica/analogia mais estúpida contra o cristianismo que eu já tenha visto em um filme de terror. Hollywood tem uma obsessão em pintar o cristianismo como o algoz da humanidade. Em certos filmes, isso funciona e ajuda a qualidade da história criando obras geniais como A Profecia e O Exorcista. Já em O Chamado 3 é extremamente gratuito que só consegue afundar ainda mais a deplorável qualidade do filme.
Em um momento específico, jogando uma situação bem similar a uma sequência de O Chamado, um personagem pega uma estola – o “cachecol” sagrado usado por padres em datas comemorativas, estampada com uma imensa cruz dourada para sufocar uma personagem enquanto prega orações. Não contentes com esse tipo de “simbologia”, ainda forçam uma equiparação esdrúxula inferindo que Samara seria um “Jesus Cristo” naquela diegese – que inclusive contou com 12 “seguidores”. Péssimo, simplesmente péssimo.
Azar de Principiante
Com uma história tão abissal, o que há para se salvar em O Chamado 3? Bom, nada, pois a direção e outros aspectos técnicos não conseguem marcar algum ponto relevante. A direção do estreante F. Javier Gutiérrez é competente no sentido mais básico possível: o filme é cinematográfico, como obrigatoriamente há de ser. Logo, há um cuidado simples com movimentação de câmera, jogos de magnetismo de plano e contraplano, além de alguma tentativa com simbologias e pistas visuais que são tão óbvias que revelam as reviravoltas previsíveis.
Porém, na sua função de tentar salvar o texto criando uma atmosfera genuína de terror, Gutiérrez falha bastante. É difícil ficar apreensivo por conta de sua mão pesada na encenação que praticamente revela onde um jump scare aparecerá por conta de algum barulho alto. Como na franquia de O Chamado os roteiristas quebram constantemente a regra mais básica: veja o vídeo e morra daqui sete dias, a direção arrisca flertar com outros clichês de encenação em vez de apostar na atmosfera densa e marcante do filme original.
Logo, diversas cenas têm essa comédia involuntária causada pelo exagero do diretor vide, novamente, a infame sequência do avião. Coisas básicas do gênero como a relação entre claro e escuro, solidão e confronto com a criatura são ineficazes pela completa falta de identidade que a encenação desse filme sofre. É algo batido demais que só deve assustar criancinhas.
Algumas ideias visuais são interessantes e até mesmo uma explícita simbologia com o mito de Morfeu parecem tentar elevar a chatice completa que é assistir a esse filme. Mas, como de costume, roteiro e direção tendem a esquecer as boas ideias e investem em peso nas piores. Outros elementos manjados do trabalho de Gutiérrez é a presença constante do número 7 em diversas cenas.
Outro bom exemplo de como suas decisões são equivocadas é o momento que Julia encontra o grupo de estudos do professor Gabriel. Ela se depara em um corredor mal iluminado que praticamente anuncia perigo. Depois, ao abrir uma porta, ela encontra a sala divertida dos encontros com música e joguinhos para todo o lado. São mudanças tonais bizarríssimas que permeiam a experiência inteira. Muitos dos problemas de atmosfera vêm justamente da péssima trilha musical de Matthew Margeson que parece não ter muita ciência de que compôs músicas para um filme dito de terror.
Altas, de melodias mais convenientes a filmes de super-herói, Margeson destrói a encenação através da trilha equivocada e da má inserção em diversas cenas. Gutiérrez, já sabendo que uma história como O Chamado é mais complicada de provocar sustos, não busca mimetizar o clima criado por Verbinski que exalava paranoia e presença maligna constante. Ele escolhe o caminho mais fácil: criar os jumpscares mais idiotas que você verá por um longo tempo.
Ele tenta te assustar sempre com a sonoplastia e através de transições ordinárias da montagem. Seja com um personagem abrindo um guarda-chuva, outros dois invadindo um quarto durante uma sessão de confidências via Skype, alguém quebrando uma janela com um tijolo, um cachorro latindo e outras coisas marginais bobocas. O terror e medo genuíno ficaram para trás, a comédia prevalece.
Fora o enorme problema que é o roteiro em termos de didatismo e exposição estúpida, a direção de Gutiérrez não fica atrás pegando vícios de Gore Verbinski no primeiro filme, mas os usando em extremo exagero. Toda bendita vez que a personagem visita um local que esteja no novo vídeo surrealista amaldiçoado, o diretor já encaixa rápidos frames com os filtros visuais rudimentares para que o espectador ateste o óbvio: se tratam do mesmo lugar e que a mocinha está cada vez mais próxima de concluir o mistério.
O Fundo do Poço
O Chamado 3 leva Samara aos níveis do pré-sal em termos de qualidade cinematográfica. A ressurreição da garotinha que mata quem ousar assistir ao seu vídeo-arte não consegue nem atingir a margem da mediocridade. As pouquíssimas boas ideias, o cuidado estético simplório do design de produção e fotografia são completamente obscurecidos ou “tampados” pelo trabalho horroroso da direção inexperiente, da trilha musical equivocada e, principalmente do roteiro esburacado que recicla os dois filmes anteriores a fim de engrenar uma promessa de uma nova “aventura”.
Difícil recomendar até mesmo como entretenimento banal, já que como terror, é um fracasso. Já como comédia, um sucesso. O maior medo de Samara pode ser testemunhado aqui: definitivamente, O Chamado chegou ao fundo do poço.
O Chamado 3 (Rings, EUA – 2017)
Direção: F. Javier Gutiérrez
Roteiro: David Loucka, Jacob Estes, Akiva Goldsman
Elenco: Matilda Lutz, Alex Roe, Johnny Galecki, Vincent D’Onofrio, Aimee Teegarden, Bonnie Morgan
Gênero: “terror”
Duração: 102 minutos.
Crítica | Jackie
As mulheres são grandes na História. O problema é ter o estudo e os meios necessários para encontrá-las. É um péssimo vício que ocorre, mas a importância feminina na nossa História, apesar de presente e celebrada, é muito pouco conhecida. Podemos falar de muitas personalidades masculinas com quase nenhum esforço que já reconhecemos suas conquistas, glórias, vícios e desgraças.
Até de mulheres que conseguiram superar e quebrar a barreira nublada da História como Marie Curie, Cleópatra, Rainha Vitória, Margaret Thatcher, Joana D’Arc ou Hannah Arendt, muitos desconhecem completamente seus feitos.
Porém, basta falarmos de Santa Teresa de Ávila, Margaret Fuller, Elizabeth Blackwell, Clara Barton, Pearl S. Buck, Amelia Earhart, entre outras, que grande maioria nem reconhecerá seus nomes, que dirá seu papel histórico.
A memória coletiva sobre a importância feminina na História tende a ser menos nublada no século XX – vide algumas exceções. Ainda que a força de coletivos ou movimentos quase consuma a personalidade, rapidamente já reconhecemos Simone de Beauvoir, Anne Frank, Audrey e Katherine Hepburn, Frida Kahlo, Helen Keller, Madre Teresa, Rosa Parks, Eleanor Roosevelt, Princesa Diana ou Malala, no exemplo mais recente possível.
Porém, de todas essas mulheres, onde estão as primeiras-damas dos Estados Unidos? Tirando Eleanor Roosevelt, basicamente ignoramos a importância dessas mulheres. Mesmo que para a cultura latina, tenham pouco significado, foi justamente o chileno Pablo Larraín o responsável em resgatar e preservar a memória da grande e sofrida Jacqueline Kennedy, ou simplesmente Jackie.
Horas de Horror
Jackie Kennedy ficou marcada na História pelo episódio de horror ocorrido em 22 de novembro de 1963. Em meio a muito sangue e desespero, Jackie precisou encontrar esforços para socorrer, em vão, seu marido e presidente, John Kennedy.
Jackie de Larraín e Noah Oppenheim trata-se justamente sobre a vida de Jacqueline Kennedy nos dois anos que viveu como Primeira Dama dos Estados Unidos. Entre seus momentos de singela alegria até o profundo luto após o assassinato.
O maior diferencial deste biopic é a escolha do roteirista Oppenheim em fugir dos elementos óbvios que tangem diversos longas biográficos. Acompanhar a semana de Jackie após o assassinato de Kennedy é algo que se provou extremamente digno de ser conferido, além de proporcionar outra camada de importância histórico a respeito da primeira dama.
Praticamente, a narrativa inteira se concentra em flashbacks inseridos durante a longa entrevista do jornalista de Theodore White, da revista LIFE, com Jackie após a morte do marido. Oppenheim caminha por partes, elaborando contrastes no primeiro ato para então nos jogar ao profundo melodrama carregado pela narrativa sobre luto e perda.
Vemos Jackie feliz ao chegar em Dallas, treinando o discurso em espanhol nunca proclamado, ante sua figura gélida, magra e antipática durante os trechos da entrevista, sempre oferecendo invertidas cínicas com aberturas de perguntas equivocadas do jornalista. Em contraponto, Oppenheim dedica muitas cenas para mostrar o histórico documentário do Tour na Casa Branca apresentado por Jackie em 1962.
Apesar dessas passagens parecerem tediosas, elas são de suma importância para definir o papel que Jackie desempenhava enquanto primeira dama. Seu trabalho de restauração, preservação e modernização de diversas alas da Casa Branca foi considerado um dos mais importantes já feitos na história do edifício. Essa preocupação com identidade, legado e tradição marcam o discurso de Jackie a todo momento na entrevista debatendo sobre como a História veria a passagem dos Kennedy na presidência.
Acuidade histórica
Como apontado, Oppenheim não constrói a história linearmente. São diversos flashbacks que ocorrem antes e depois do assassinato – e a partir do terceiro ato, temos flashforwards também. Então, de certo modo, é fácil se perder onde cada cena se situa na linha do tempo, caso se distraia. Apesar da história ser simples, mostrando o sofrimento de Jackie e das escolhas imediatas que ela tem de tomar após a perda do marido, ela exige sua atenção por conta dessa estrutura.
Alguns roteiristas erram muito ao escolher o esquema não linear de narrativa, mas em Jackie é uma decisão acertada. Tudo para realçar contrastes dos estados emocionais de Jackie ou para denotar tópicos importantes levantados em temas semelhantes nos diálogos entre Jackie e outro personagem.
Nisso, a personagem desenvolve seu luto e sofrimento, sozinha, enquanto batalha pelas súbitas mudanças trazidas em sua vida. Para essas confidências e explosões delineando a fina insanidade que a mulher está prestes a sucumbir, há bons diálogos com sua amiga Nancy e cunhado Robert Kennedy. O grosso mesmo da verdadeira qualidade do trabalho de Oppenheim estão nas conversas/confessionários de Jackie com o padre.
Poucos são os roteiristas que conseguem trabalhar tão bem com um tema tão complexo como a fé e o divino. Aqui, Oppenheim tira de letra, trazendo um dos padres mais humanos e genuínos que já vi em uma obra cinematográfica. São diálogos que flertam com o existencialismo, além da didática do luto, principalmente com mortes violentas. Não bastasse o personagem ter um tratamento excepcional do roteirista, há a excelente performance de John Hurt, conseguindo passar a ternura, zelo e compaixão necessários para comprarmos a ideia da bondade autoconsciente do padre.
Admito que o bom tratamento do melodrama e a sensibilidade dos diálogos religiosos me conquistaram bastante, mas o mais interessante é a abordagem mais realista de John Kennedy e seu legado. O tema de legado é recorrente para Jackie e Bobby Kennedy, nos quais ambos se perguntam ou confessam sobre atitudes tomadas pelo ex presidente. Através de uma simbologia religiosa, Jackie comenta sobre as constantes traições e das amizades duvidosas, de contatos mafiosos, dos quais Kennedy cometia. Já Robert, questiona como o mundo lembraria da resolução da Crise dos Mísseis e das tentativas de invasão organizadas pela CIA que resultaram no massacre da Baía dos Porcos.
Ou seja, Oppenheim, foge do senso comum histórico que cerca a figura de John Kenney que praticamente o torna uma figura imaculada, um salvador oprimido e silenciado. Nos poucos anos de presidência, Kennedy cometeu erros e acertos e esse olhar menos apaixonado por ele certamente é bem-vindo. Porém, importante lembrar, que apesar de dar descrédito à algumas políticas do presidente, Jackie é um filme narrado sob o ponto de vista de Jacqueline, uma mulher extremamente leal e apaixonada pelo marido. Logo, o discurso final favorece esta aura, mas se sobressai pelo relato tão sincero da personagem sobre a sonhada Camelot.
Jackie’s got an Oscar
Como o roteiro de Oppenheim aposta em muitas cenas silenciosas, todo o grande trabalho de estudo sobre Jackie seria perdido caso não fosse a performance arrebatadora de Natalie Portman. Ainda que não haja a menor semelhança nas feições, Portman domina o sotaque característico de Kennedy – isso pode te tirar do filme, embora não seja muito artificial. O que realmente conquista, é o manifesto do sofrimento tão real e palpável que Portman demonstra a cada cena.
A atuação de Portman é marcada por profundas mudanças tonais ao longo das cenas marcadas pela felicidade, desespero, insanidade e luto. As dos flashbacks concentrados antes do assassinato, a atriz esbanja olhares meigos, ingênuos e inocentes. Há muita euforia contida pela classe e elegância em seus movimentos lentos, porém, a atuação se torna muito mais rica após o assassinato.
Em termos gerais, a atuação é favorecida pela não-linearidade por tornar os contrastes gritantes a olhos vistos. O choque demonstrado por Portman, toda ensanguentada, decidindo sobre qual porta do avião que sairá, ou enquanto remove as vestes rosadas para banhar-se e abandonar os restos de seu marido ou quando tenta invadir a sala de autópsia. Depois, o luto, onde Portman explora uma linha muito tênue entre o sofrimento e a insanidade que rende uma das sequências mais poderosas do filme na qual é apresentada a principal simbologia do longa.
Passada a loucura e as difíceis escolhas, Portman mostra a transformação final de Jackie: totalmente pálida, mais magra e abatida. O estilo mais cru e opaco do figurino segue a mudança no emocional da personagem, agora muito amarga, cínica, assumindo um estilo passivo-agressivo que rendem os poucos momentos cômicos do filme. No geral, Portman oferece um show em Jackie. Praticamente, o filme só funciona graças aos esforços hercúleos de sua atuação que empalidece o desempenho do restante do elenco.
O Historiador, Larraín
Nada mais irônico do que um latino resgatar a memória histórica de uma primeira dama americana. Larraín, basicamente o diretor mais competente em termos de recriação histórica, possivelmente realiza seu melhor trabalho com Jackie.
Filmado em razão de aspecto de 1:1,66 – padrão pré-Cinesmascope, Larraín e o cinematografista Stéphane Fontaine optam pelo antiquado formato justamente para conferir todo o aspecto “sujo”, antigo e deveras granulado de alguns filmes dos anos 1960 – vide Mary Poppins, aliado à técnicas cinematográficas mais recentes de iluminação e enquadramento como no incrível plano sequência no qual Jackie perambula em diversos corredores e salas da Casa Branca, tornando estado de espírito “perdido” em algo literal, abandonando os diálogos alegóricos.
Larraín começa estranhamente mal com enquadramentos mal equilibrados que volta e meia insistem em surgir no longa. No geral, o trabalho é extremamente autoral. Larraín quer ser notado e usa a câmera para gritar sua assinatura. Isso é explícito com os enquadramentos centralizados em Jackie – embora alguns outros personagens também apareçam enquadrados desse modo para compor unidade visual na relação plano/contraplano.
O propósito é mais do que óbvio, no caso. Larraín mantém os enquadramentos centralizados para reforçar parte do discurso do filme: jogar uma figura que estava acostumada a ser coadjuvante para subitamente tornar-se a pessoa mais importante/interessante do mundo sendo obrigada a tomar decisões complexas.
Quando JFK aparece, Larraín sabiamente o joga para cantos de quadro. Mesmo quando vivo, o foco é sempre Jackie – tome nota um dos enquadramentos mais belos do longa com Jackie, JFK e convidados apreciando a performance de um violoncelista. Além de já cravar o ponto alto de sua estética, é ali que o figurino começa a exclamar sua voz.
Assim como o texto e a atuação de Portman, Larraín e outros setores visuais trabalham com contrastes bem fáceis de interpretar. Neste concerto, Jackie está reluzente, é o melhor momento de sua vida espelhado pelo estonteante vestido amarelo. Toda essa sequência explora a felicidade que ela sente. Seu último figurino verdadeiramente colorido é justamente o clássico rosa no qual usou no dia do assassinato.
Após isto, a figurinista Madeline Fontaine aposta única e exclusivamente em tons sóbrios, cada vez mais cinzentos, sem pompa, apesar de muito elegantes. Jackie explora beleza fúnebre, quase como Larraín transformasse seu filme em uma arte de natureza morta. A estética não tem essa virada absurda, já que o restante da cinematografia é bastante centrado em um tom.
Larraín, vindo diretamente do cinema latino – chileno, injeta o modo de filmar já característico a ele. Há muita câmera na mão com objetivas próximas ao rosto dos atores, conferindo ar claustrofóbico, de prisão pessoal e desespero. São diversos momentos que o diretor enquadra o rosto de Jackie, lateralmente, com o do outro participante da conversa. Em certos momentos, pela repetição, cansa e nos irrita o manejo excessivo da técnica, pois a mensagem é captada de primeira. É uma insistência no erro que praticamente joga a estética bela no lixo.
O diretor recriou o documentário já citado acima, no qual Jackie nos apresenta suas reformas na Casa Branca. Certamente algo que valoriza o longa, com todas as imperfeições e chiados provocados pelo equipamento da época. Aliás, que exemplar design de produção em recriar tantos cenários e objetos com orçamento tão limitado.
Aliás, um dos detalhes mais sólidos da direção do chileno são os momentos de contemplação nos quais seu filme respira profundamente. Vagaroso e cínico, Larraín constrói momentos cinematográficos poderosíssimos como o da saída final de Jackie da Casa Branca. Nesse momento, o discurso responde as ponderações da protagonista sobre a História. Ao olhar a nova primeira dama, fica nítido que ela não espera ninguém, é implacável, cruel, e que, principalmente, nunca escolhe lados mesmo que suas versões sejam contestadas à exaustão.
Camelot
Jackie é um filme completo. Logo, significa que há primor em todas suas áreas. Não terminaria este texto ousando ignorar a trilha musical maravilhosa de Mica Levi que compôs apenas meia hora de música para o longa. Assim como muito do filme, é explícito que não é uma música de gosto universal, afinal a compositora segue sua linha tradicional de trabalhar com músicas modais. Ou seja, cíclicas, perenes que puxam certos desarranjos sem praticamente nunca resolvendo os conflitos internos da estrutura da partitura.
Basicamente, os arranjos são simples quase nunca superando mais de quatro instrumentos. As músicas também não possuem grandes diferenças entre uma e outra. É como se as faixas perambulassem sozinhas, complementando-se perfeitamente. Absolutamente todas as composições visam refletir o estado psicológico da personagem – é impressionante como o filme completa tão bem a psique de Jackie.
Como a personagem encontra-se totalmente perdida, em choque, deprimida e instável, o mesmo segue com a música lamuriosa, severa e fraca demais para explodir. As cordas graves se repetem, a composição praticamente não avança. O único instrumento que ousa em sair dessa penumbra lenta, morta, é o leve clarinete que oferece certo toque onírico, belo e feminino, mas ainda em lamentação. O clarinete, apesar de tentar avançar as graves cordas, é perdido, também repetindo sua melodia singela em meio a tanto pesar.
O instrumento representa o delicado sopro de esperança que pode resgatar Jackie da completa escuridão que a deixará inapta para travar suas batalhas diárias e confrontar todos os demônios que rapidamente se apossaram de sua vida. Duas músicas marcam a presença do clarinete divino: primeiro, a das crianças, e a segunda, que marca sua vaidade. Curiosamente, a faixa destinada para a vaidade é tremendamente mais forte no filme, com sopros menos sonolentos do clarinete. Enfim, é uma trilha excelente que rende um exercício fantástico de interpretação musical.
São poucos os compositores que conseguem criar narrativas através de músicas instrumentais. Muita atenção a carreira promissora de Mica Levi, artista de sensibilidade ímpar.
Agora, o x da questão, para quem é recomendado Jackie? É uma pergunta cretina, pois eu, como adorei o longa, certamente indicaria para todos. Porém, sei que é um caso complicado. A dica é fácil, se gosta muito de História Americana, principalmente do curto governo repleto de polêmica de John Kennedy e que já tenha algum interesse na figura de sua esposa, é evidente que é o perfil ideal. Um conhecimento histórico extra-filme é muito bem-vindo para apreciar o drama em outra dimensão, bem mais profunda.
Mesmo que Jackie sonhe e acredite que seu marido tenha conseguido criar uma Camelot – o reinado mágico e justo de Rei Arthur, para os EUA em seu governo, é prepotência minha afirmar ou negar. Todavia, me arrisco a dizer que Pablo Larraín conseguiu criar uma Camelot para a memória tão apagada de Jacqueline Kennedy. Uma mulher que, certamente, foi muito mais do que apenas um ícone estético para a moda dos anos 1960.
Lista | O cinema de terror em Resident Evil 7
Além de ser uma tremenda diversão jogar a campanha de Resident Evil 7, os fãs mais aficionados em cinema reconhecerão logo de cara as muitas referências de filmes de terror presentes no jogo. Bom, não somente restritas ao gênero, já que há toques de seriados policiais e de uma obra de ficção científica memorável.
Começaremos pelos menos óbvios até chegar nas referências mais explícitas do jogo:
True Detective (1ª Temporada)
Pois é, acreditem, há muito de True Detective em Resident Evil 7. Não exatamente em termos de narrativa, mas sim na estética do game que mistura diversas referências. O que é mais reconhecível de imediato é a localização da narrativa: ambas se passam em ambientes rurais dos canais e braços fluviais da Louisiana. A maior influência do seriado se encontra mesmo na arquitetura dos casarões que visitamos no jogo. Fora isso, todo o ambiente decrépito lembra bastante a direção de arte da casa do casal suspeito de cometer os assassinatos que a dupla de detetives investiga.
A Mosca
Novamente, nada narrativo, mas sim na estética. Entre as muitas vezes que Jack e Margueritem se transformam, o aspecto humano praticamente desaparece tornando-se montes de carne pútridas e assassinas vagando atrás de você. Um tanto similar com a transformação nojenta que Jeff Goldblum sofre no clássico de David Cronenberg. Detalhe: dica do Bruno Brandão Micali que acertou em cheio na referência.
O Chamado, Caso 39, A Profecia, Tara Maldita, Carrie – A Estranha
Apesar do uso ativo das fitas VHS para revelar porções importantes da história em flashbacks, a função narrativa delas em nada se assemelha ao instrumento de matança de Samara de O Chamado. Todavia, Evie, a menininha maléfica que assola o terreno dos Baker é uma mistura interessante de diversas outras crianças encapetadas trazidas pela sétima arte. Seja no visual ou na sua função narrativa, é possível identificar traços similares aos das crianças que aterrorizaram muita gente nos filmes mencionados acima.
A Bruxa de Blair
Há referências explícitas à Bruxa de Blair na história do jogo. A mais óbvia de todas se encontra na equipe de filmagem Sewer Gators, um programa sobre atividades paranormais. A demo The Beginning Hour incorpora o espírito found footage alçado pelo icônico filme dos anos 1990. No jogo completo, o mesmo efeito é incorporado com as fitas VHS que encontramos no jogo principalmente os segmentos de Mia tentando escapar de Marguerite e do segmento da equipe do programa.
Não somente pelos trechos de found footage, mas também por algumas iconografias explicitas como a casa antiga e os totens de Marguerite. A atmosfera de paranoia constante de ser observado, da ameaça latente insuportável e de diversas subversões de expectativas vem diretamente da encenação do clássico. A ênfase nas mãos do protagonista ao abrir portas também vem daqui.
1408
Em determinado momento do jogo, somos obrigados a confrontar Lucas em um quarto escuro. Para adentrar o quarto, é preciso digitar a senha: 1408. Referência direta ao conto de Stephen King que foi adaptado para os cinemas estralando John Cusack e Samuel L. Jackson. A graça da referência é justamente que naquele segmento, passamos por uma experiência similar ao protagonista do filme que precisa escapar de um quarto a todo custo, apesar de tudo conspirar contra ele. Aliás, é justamente nessa passagem que entra a próxima referência!
Jogos Mortais
O enigma disposto no quarto de Lucas Baker se assemelha aos joguinhos mortais construídos por Jigsaw. Mesmo que não tenhamos nenhum dispositivo para mutilar partes do corpo, o sadismo do vilão se revela em dispor dicas que visam te enganar levando ao óbito do protagonista.
Fome Animal e Evil Dead: A Morte do Demônio
É melhor juntar as duas referências em uma só no sentido da influência que exercem no jogo. O gore intenso, sanguinolência cheia de gosmas e canibalismo, além do humor escrachado presentes em segmentos que interagimos com os Baker são uma síntese da qualidade desses filmes presentes no jogo.
No caso de Evil Dead, há maior influência do segundo filme para a narrativa de Resident Evil. Ainda que Ethan não seja o rei do carisma como Ash, sua namorada também sofre episódios nos quais está possuída e tenta matá-lo em diversas passagens assim como Linda, namorada de Ash, no clássico de Sam Raimi. Aliás, Mia, a namorada sumida possuída do protagonista, recebe o mesmo nome da heroína que estrela o remake de Evil Dead dirigido por Fede Alvarez.
A perda de membros como a mão de Ethan através de serras elétricas e outros utensílios domésticos flertam com a violência de Evil Dead 2. Em certo ponto, até pensei que acoplaríamos uma moto serra no lugar da mão perdida, mas isso não acontece, feliz ou infelizmente.
Até mesmo o carro de Ethan é muito similar ao Delta dirigido por Ash nos filmes Evil Dead. Em uma batalha contra Jack, ao pegar uma motosserra, o vilão fala: Groovy – tirada de efeito clássica do filme trash. Todo o comportamento da família Baker também parece inspirado nos demônios de Evil Dead chamados Deadites. O humor aliado às ameaças violentas e as constantes mutilações entre si são pedigree dos antagonistas do filme assim como os do jogo.
Muito que vale para Evil Dead, também vale para Fome Animal outro clássico trash dirigido por Peter Jackson. Além do festim de sangue marcado pelas boss fights, Resident Evil 7 deixa a referência explícita na última luta do jogo na qual uma criatura transformada batalha contra Ethan destruindo tudo ao redor. Em Fome Animal, o clímax é marcado pela batalha do protagonista contra sua mãe que virou um enorme bicho grotesco. Toda a luta leva à destruição completa da casa.
O Massacre da Serra Elétrica
Eis a referência mais clara e pura possível para Resident Evil 7. O maior de todos os filmes slasher de terror rural está por todos os cantos do terreno Baker. A precisão da direção de arte em adaptar salas, totens, quartos e corredores inspirados no clássico dos anos 1970 é estonteante. O jogo pega parte da narrativa do filme e inverte uma ordem natural: não somos atacados pelos Baker em primeiro momento, mas sim somos nós que invadimos a propriedade da família doentia.
Enquanto a aura de Massacre da Serra Elétrica permeia o jogo quase que em totalidade, há uma cena em especial que praticamente mimetiza o clímax do filme. Trata-se da cena do jantar da família Baker no qual Ethan é o convidado especial para comer todo o tipo de nojeira canibal. No filme, a protagonista Sally também vira refém da família de Leatherface durante um jantar canibal cheio de bizarrices. Alguns personagens como Tia Rhodey, a vovó Baker, pega conceitos similares ao “vovô” moribundo que comanda a família de psicopatas.
Basta comparar e ver como as cenas conversam:
E então? Deixamos passar alguma referência? Diga nos comentários quais outros filmes que vocês identificaram que certamente influenciaram o resultado final do jogo.
Crítica | Resident Evil 5: Retribuição
Creio que faz pouco mais de dois anos desde que escrevi pela última vez sobre esta franquia de “estrondoso” sucesso. É inegável, “Resident Evil” teve um início razoável, mas conseguia se sustentar naquela base interessante devendo terminar por ali. Mas… Passaram-se anos, a direção saiu das mãos de Paul W. S. Anderson e a cinessérie, por fim, entrou em declínio absoluto. Se alguém me perguntar sobre um filme ruim, logo indico a segunda e a terceira parte da aventura de Alice no País dos Zumbis. Entretanto, por algum milagre, Paul retornou para encabeçar o projeto do quarto tentando, de alguma forma, reparar o estrago feito por Alexander Witt e Russell Mulcahy nos termos estéticos e de linguagem cinematográfica.
Entretanto, não defendo de forma alguma esse diretor limitadíssimo, pois todos os roteiros da franquia foram escritos por suas mãos hábeis em criar desastres fílmicos. Com a volta deste “espetacular” cineasta, a franquia revigorou. “R.E.: Recomeço” conseguiu alavancar nitidamente a qualidade da série – tanto que, na época, tinha avaliado o filme como “muito bom”. Entretanto, tudo que é bom, dura pouco. As inovações técnicas de Anderson foram eficazes no quarto filme, mas aqui a história é um pouco diferente. Enquanto sua direção melhora a cada projeto, suas proezas como roteirista retornaram ao nível de “R.E.: Apocalypse” para pior.
Nesta nova peripécia alucinante, Alice continua em maus lençóis. Seu tempo de paz é curto a bordo do “navio esperança” Arcadia, pois logo a Umbrella chega para explodir miolos e realizar outras vilanias – “afinal ela é uma empresa muito má” como disse Paul W. S. Anderson. Infográficos vão e vem e, enfim, reencontramos Alice nos mesmos moldes de “O Hóspede Maldito” – aprisionada e nua contando apenas com dois papéis toalha grandes que encobrem suas partes íntimas para a infelicidade dos marmanjos. Nesta cela high Apple tech touch screen, Alice é submetida por terríveis torturas comandadas pela sua “iniamiga” Jill – você também será torturado. Mas como todos nós sabemos a ajuda/solução arbitrária não tarda a chegar – mesmo que esta seja bem absurda.
O serviço de firewall dos softwares da Umbrella é podre. Logo em poucos minutos, Albert Wesker invade o sistema para retirar Alice de seu confinamento. Com tanta chatice em tela, Anderson sabe que está na hora de esquentar a história e, pasmem, ele consegue! Mesmo que por um breve momento. Depois de detonar com alguns mortos meio loucos, a heroína recebe um auxílio asiático fornecido por Wesker. Ada Wong e seus decotes estão na luta tentando conquistar um amor no fim do mundo. Depois de mais enrolação, uma equipe de resgate encabeçada por Leon S. Kennedy é enviada para os confins da Terra onde Alice está. Entretanto, para eles se reencontrarem, será preciso atravessar todos os desafios mortais que a base da Umbrella oferece. Eles terão de sobreviver aos terríveis cenários destinados a testes pandêmicos apocalípticos sendo eles Moscou, Times Square, Tokyo e o Subúrbio. E é basicamente isto durante o filme inteiro.
Evil Goes Global?
O mal se tornou global. Ao menos no planeta de Paul W. S. Anderson. Como sempre, seu roteiro é de erros e poucos acertos. No caso, o argumento do roteiro é muito bom e seria um ótimo filme se fosse destinado apenas à televisão como um spin-off da série – contando com outros personagens, claro. Mas este não é o caso de “Retribuição” que está mais para um filme caça-níqueis descarado, pois além de não adicionar praticamente nada significativo para a história de toda a série, é uma solução imbecil para resolver um conflito criado em “Recomeço” no qual Alice perde os poderes provenientes da fusão bem sucedida de seu DNA com o T-Vírus. E, meu Deus, fazer um filme inteiro para solucionar uma imbecilidade do filme anterior provou ser uma idiotice ainda maior. Aliás, é inexplicável como Alice continua a lutar tão bem, já que ela não possui mais seus poderes.
Após uma bela sequência em slow motion combinado com o bom e velho efeito rewind, A.K.A. rebobinar o filme, Anderson tem uma sacada “genial”, enfiar a cara tridimensional de Milla Jovovich no meio da tela enquanto explica todos os eventos que ocorreram nos quatro filmes anteriores. Sim, isso soa tão datado e maçante o quanto é. Além disso, existem vários pequenos hologramas circulando pela tela exibindo alguns trechos de outros longas. Depois deste presente “maravilhoso” para os espectadores, acontece o ponto mais alto do filme. A sequência que engloba a luta pela sobrevivência de Alice e sua filha quando o mundo está se acabando nem parece pertencer a uma obra de Paul W.S. Anderson.
Se este segmento fosse uma obra independente do longa, não hesitaria em conferir a pontuação máxima. Entretanto, a vida não é tão bela para esta franquia e muito menos para este filme. Após essa cena fantástica, o rendimento da obra entra em declínio em que melhora somente em seu clímax. Mas para chegar até lá, o espectador terá que aguentar o péssimo desenvolvimento do roteiro por um bom tempo.
Anderson não demora em jogar as melhores cartas de seu roteiro. Teorias conspiratórias são lançadas durante o primeiro ato que aborda a Guerra Fria. Durante a sequência excelente que havia já havia dito, o roteirista tem a pretensão de tornar esse quinto filme em um daqueles que marcam pelo “mindfuck”, ou seja, que embaralham seu raciocínio tornando possível várias interpretações de uma mesma obra. Entretanto, Anderson logo descarta essa característica interessante sem ao menos tentar tornar aquilo algo maior para o filme. Após isso, a narrativa entra naquele bolo amontoado de cenas de ação pelo resto do filme.
Como a história não vinga em sua grande maioria resta apenas aos personagens tornarem esse roteiro um pouco mais profundo, mas isto também não acontece. Mesmo com personagens novos como Leon e Ada Wong, Anderson não elabora nenhum tipo de conflito diferenciado para eles. Tudo se concentra em fugir da base da Umbrella e apenas isso. Isso é deplorável, já que são personagens muito importantes para a franquia de videogames. O tratamento dado a eles neste roteiro é uma vergonha. Porém, há uma transformação interessante que ocorre na metade da fita (SPOILER) em que Alice reencontra sua “filha” (Fim do Spoiler). Ali, o problema da personagem se torna maior, pois além de ter que salvar sua pele, tem que salvar a menina também.
Claro, isso é clichê e tudo mais sendo que a execução de todo esse arco narrativo é praticamente idêntica a “Aliens – O Resgate” em que Ripley tem que superar o mesmo desafio. Aliás, é igual – se você já viu ao filme de James Cameron, já sabe como essa história termina. Mas lembre-se, este é um filme de Paul W. S. Anderson. Só dele ter se esforçado de incluir esse clichê, já é uma dádiva.
No mais, não há nada de novo. Quem surpreende é o trio Milla Jovovich, Michelle Rodriguez e Aryanna Engineer. Milla consegue sair um pouco daquilo que foi apresentado nos outros filmes. Durante a sequência que foge dos padrões da série, Milla exprime todo o desespero da situação enquanto traça laços de ternura para tentar acalmar sua filha, Becky, durante o “fim do mundo”. É uma cena carregada de emoção que estreita rapidamente a relação personagem/espectador nos levando a torcer por Milla – coisa que nunca aconteceu comigo antes.
Do restante, é mais do mesmo: carinhas sexies, poses provocantes, postura rígida acompanhados do semblante sóbrio carregado de olhares frios e compenetrados. Já Rodriguez interpreta duas versões de si mesma. Como ela consegue escapar da sua característica principal – a macho woman, em uma delas, o público já sai no lucro ao testemunhar algo novo. A pequena Aryanna Engineer surpreende a todo o momento na sessão. Ao contrário de muitas crianças que acabam em filmes de terror, esta não é uma inútil que grita a todo o momento enervando os espectadores – quem não quis matar Dakota Fanning em “Guerra dos Mundos”?. A garota supera com facilidade Johann Urb que interpreta o icônico personagem Leon S. Kennedy.
Além de lembrar vagamente Leon graças à caracterização competente, Urb não condiz com a essência do personagem. O ator raramente confere senso de liderança e seu algoz de valentia não convence nem o mais fanático pela franquia cinematográfica. Bing Bing Lee trouxe Ada Wong para os cinemas, mas seu resultado também não casa com o original. Não digo que eles tem que entregar as mesmas características das apresentadas pelos videogames, mas como não conseguem nem chegar aos pés do carismas de personagens criados por computação gráfica. Um conselho: se você acha que não consegue superar o original, crie ao menos algo parecido. Este é mais um episódio da série “O Diretor que não estava Lá”. Conclusão, Paul W.S. Anderson é uma vergonha em direção de atores.
Let’s blow the whole thing!
Extremamente inspirado no design de “O Hóspede Maldito”, o departamento artístico fez um trabalho sublime ao criar e recriar. Sejam os cenários físicos ou os compostos em computação gráfica, tudo é muito belo. O salto da qualidade técnica entre o último filme e este é gritante o que me deixa muito otimista em questão aos avanços visuais que o sexto longa irá apresentar.
As representações dos “estágios” Tóquio, Moscou, Subúrbio e a Times Square são de cair o queixo. Tudo muito belo e fidelíssimo à realidade sendo que cada um deles recebem atmosferas completamente distintas, apesar do tom sombrio estar presente em todas. A iluminação da fotografia espetacular de Glen MacPherson é responsável por segregar estes cenários do restante da obra. Perceba, em Tóquio, MacPherson e Anderson utilizam a chuva como recurso estético combinado com as múltiplas luzes das publicidades montadas nos prédios, além da saturação das cores vibrantes dos guarda-chuvas que dançam na cena. O resultado disto tudo é fantástico. As luzes se misturam graças aos reflexos garantidos pelo chão molhado e, quando o slow motion é ativado e o caos, liberado, tudo fica ainda mais belo.
Durante a perseguição desta sequência, o diretor nos apresenta um dos cenários “originais” do filme. Ali, a fotografia aposta forte nos altos contrastes, note. Alice traja sua vestimenta a lasadomasoquismo totalmente preta enquanto o corredor é totalmente branco, muito polido, desprovido de sombras, logo, chapado, mas sem comprometer a profundidade de campo do cenário. Então temos o preto no branco durante alguns segundos. Logo depois, a carnificina começa. Assim, é adicionado o vermelho-sangue na paleta da cena. Três cores majoritárias: branco, preto e vermelho e, ainda assim, este padrão não é rompido, pois todos os zumbis, estranhamente, trajam roupas munidas de tons escuros. Logo, a unidade de cores não é comprometida e a composição dos planos se mantém única.
Infelizmente, não vou detalhar todos os esquemas fotográficos deste filme. Mas em síntese, todos apresentam texturas distintas. Como havia dito anteriormente, no antro tecnológico da Umbrella, tudo têm um design clean. Leitoso, desprovidos de sombras, polidos e um tanto chapados conferindo a atmosfera claustrofóbica necessária ao confinamento de Alice. O outro cenário de concepção original também é interessante de analisar, assim como sua iluminação. Vou me ater a apenas uma passagem de toda a cena que ocorre lá – no armazém depósito de submarinos. Em determinado momento, Alice vai resgatar a pequena Becky. Quando Milla está prestes a encontrar a menina, Anderson e MacPherson tem seu momento mais inspirado do filme inteiro. A cena acontece em um corredor acinzentado e pouquíssimo iluminado, mas o jogo de iluminação presente é interessante. O corredor inteiro possui fileiras de lâmpadas de LED em suas paredes. Os LEDs se acendem e apagam de maneira sequencial partindo da posição da personagem até o final do corredor.
Apenas com esses flashes luminosos, Anderson cria, enfim, alguma metáfora visual para sua obra que até ali era, em parte, ausente. Conferindo uma atmosfera totalmente tenebrosa, enervante e inconstante, o diretor também sugere o decorrer do tempo e que a cada segundo corrido, o perigo fica mais próximo. E é apenas isso. Sei que é pouco, mas estamos falando de Paul W.S. Anderson…
E por falar no capeta… Anderson melhorou sua técnica de direção. Ele deixou de ser um diretor péssimo para um medíocre. E que evolução! É notável que ele está mais violento e ousado. As cenas esbanjam sangue e carnificina como nunca antes, além de tomar proporções épicas em algumas batalhas. Ele realmente tentou fundir duas linguagens aqui – a cinematográfica e a dos videogames.Entretanto isso não funciona muito bem, pois compromete bastante a continuidade das cenas removendo a ilusão que temos ao assistir a um filme. Isso acontece porque Anderson ficou viciado em infográficos e hologramas, pois em praticamente todas as transições de sequências ou quando o espectador acompanha um personagem diferente, há um maldito holograma para quebrar a diegese fílmica. Claro que uma hora isto começa a te aborrecer, cedo ou tarde.
Anderson também desaponta em vários momentos. Ele erra no timing de todas as cenas de ação. Ou seja, elas são supersaturadas, muito longas, repetitivas e desprovidas de elementos novos para te manter acordado. Por exemplo, há um tiroteio entre zumbis comunistas e a equipe de Leon S. Kennedy. Se juntarmos todas as partes dessa sequencia – ela é eventualmente quebrada para dar lugar as cenas com Alice, teremos aproximadamente 15 minutos de tiroteios extremamente chatos e ininterruptos. Se a ação é falha, o roteiro também não sustenta a cena apostando nos diálogos. Quando eles existem, são banais e descrevem o que acontece na tela – como: “Oh, God! Fulaninho has been shot! Let’s kill those bastards now!”.
Até mesmo o clímax é inflado até não poder mais, fora a presença de uma visão raio-x para lá de brega – o efeito também é reutilizado exatamente da mesma forma por duas vezes. É igualzinho. Se já soa porco agora, imagine se houvesse mais desses efeitos repetidos no mesmo filme. Mas espere! Há sim! Durante o primeiro combate entre Alice x Zumbis, a moça encontra uma corrente localizada dentro da cestinha de uma bicicleta e esta passa a ser sua arma para explodir zumbis. Enquanto o visual é impecável, esta cena possui o pior desenho sonoro que já escutei desde “Skyline”. Durante seus cinco ou seis minutos de pancadarias chatas e bem coreografadas acompanhadas das medíocres composições musicais, Alice maneja sua corrente pelos ares e o mesmo efeito sonoro é repetido por incontáveis vezes. Seja quando a arma corta o ar ou a carne, a sonoplastia é igual. Em uma produção de US$ 65,00 milhões, isto é inadmissível. Talvez este seja o momento “vergonha alheia” do filme, pois esse equívoco é tão perceptível que até o mais desatento espectador perceberia.
O diretor também reutiliza monstros de filmes anteriores. Como o bicho açougueiro Majini. Claro que para não ficar igual a luta de “Recomeço”, Anderson insere dois monstros na cena. Também existe o famoso zumbi da serra elétrica aqui. Tudo isto como homenagem aos fãs da franquia milionária dos joguinhos. O destaque mesmo fica para o brutamontes de carne-viva Licker. Fora esses acertos pontuais, Anderson teve um cuidado muito especial em relação a fotografia maravilhosa, da atuação de Jovovich e do tema musical do filme. De resto, é a mesma porcaria de sempre.
O Caminho para o Fim
“Resident Evil: Retribuição” não é um filme ruim. Até consegue divertir no meio de suas tantas excentricidades que beiram o ridículo em alguns momentos. Apesar do roteiro supérfluo, das atuações meia boca, dos efeitos especiais reutilizados e da trilha sonora banal, Anderson consegue sustentar seu interesse durante boa parte do filme. Seja pela fotografia belíssima ou com o design de produção afiado. Mesmo sendo uma parte totalmente desnecessária, ela provou ser algo além de um filme caça-níquel descarado, afinal os cuidados estéticos visuais conferem certa elegância para este filhote torto de zumbi.
O amadurecimento de Paul W.S. Anderson é notável. Ao menos em seu esforço de tornar essa série algo especial seja para quem for. Quem sabe ele nos presenteia com um filme que seja realmente bom no futuro. Talvez seja apropriado chamar o sexto longa de “Resident Evil 6: Redenção” em que, enfim, está franquia acabe de modo decente. Mas que, pelos Céus, Paul W.S. Anderson não se atreva em solucionar a infestação zumbilomaníaca com algum maldito deus ex machina a lá bomba atômica. Vamos torcer para que este sexto filme realmente dê certo.
Crítica | Resident Evil 4: Recomeço
Depois de duas adaptações medianas e uma mais ou menos boa, o clássico jogo da Capcom finalmente ganha um filme que consegue sair razoavelmente na fita.
O mundo está acabado depois de quatro anos da infestação do vírus-T com cada vez menos sobreviventes. Porém, ainda resta uma esperança para a população: um lugar chamado Arcadia, que promete abrigo, comida e proteção aos não infectados.
Alice e sua balaiada clônica estão em Tóquio explodindo a sede da Umbrella com sede de vingança após os experimentos em seu corpo. Após a festinha privê de Alice e Wesker, ela tenta encontrar suas amigas (Claire e K-Mart) na tão encantada Arcadia.
Por mais incrível que pareça o roteiro do quarto do filme é satisfatório apesar do argumento boboca. Consegue seguir uma linearidade boa, um ritmo adequado e foge de alguns diálogos desnecessários, apesar de ser bem sério, puxando para o humor somente no fim do filme.
Milla Jovovich faz seu papel de Alice como sempre, ou seja, sem inovar em nada, a não ser novas poses de herói que deixaria Deadpool orgulhoso. A nossa querida e polêmica Claire (Ali Larter) consegue melhorar o seu papel graças ao seu maior destaque no filme, consequência da inclusão de Chris (Wentworth Miller), falando algumas frases de efeito somente para os fãs ficarem felizes.
Algo estranho nesse longa é sua montagem que aposta em elipses muito espaçadas. Por exemplo, uma cena Alice está numa montanha com seus equipamentos em chamas e suas roupas rasgadas, logo após muda a cena e ela está com uma roupinha de Amelia Earhart e um monomotor sobrevoando o Alasca. Agora me perguntem como ela conseguiu um monomotor e a roupa de aviadora dos anos 30 no meio de um mundo infestado de zumbis tarados por carne. Eu não faço a mínima ideia e certamente nem Milla vai saber lhe responder essa.
A direção de arte do filme é muito boa, mesclando belas paisagens e a Los Angeles pós-apocalíptica com cores sombrias e cinzentas. Os efeitos visuais do filme sofreram uma melhora visível do terceiro para este. Apenas algumas CGs ficaram bem chulas, como o machadão do açougueiro maníaco-zumbi que, às vezes, parece mais um cabo de vassoura com um papelão pintado de guache vermelho.
O 3D é excepcional! Os efeitos não ficaram chulos como em outros filmes que foram convertidos posteriormente para o 3D. É bem legal receber uns tiros digitais e sangue zumbi nos seus óculos.
Outros detalhes dos filmes que vou apontar, são como algumas sequências de ação são parecidíssimas com umas cenas da trilogia “Matrix”. Chega a ser tão parecido que pode até chamar de plágio, vide os clones de Alice caindo da janela atirando para o alto, exatamente igual à Trinity em “Matrix Reloaded”.
A direção de Paul W.S. Anderson fica mesmo em destaque, graças à condução das filmagens com os efeitos 3D, realizadas com maestria.
Depois de alguns anos sem Resident Evil nas telonas, esse chega para arrebentar, é de longe o melhor dos quatro filmes existentes. Com vários zumbis tirados do quinto game da série e uma apresentação de créditos iniciais totalmente dispensável, Resident Evil 4 deixa de ser um filme de terror e torna-se um de ação desenfreada. Vale à pena dar uma chance a versão 3D da película, vocês não irão se arrepender de gastar um pouco mais no ingresso com esse filme. É demais tentar limpar os óculos quando o sangue espirra em você, confiram.
Crítica | Até o Último Homem
Fazer Cinema é um ato de coragem. Duvida? Estranhamente, os grandes filmes da nossa História recente, aqueles que realmente são memoráveis dos últimos dez anos, precisam de um esforço tremendo para sem produzidos mesmo que seu custo seja nem 1/8 do orçamento total de um blockbuster de verão cuja qualidade seja questionável.
Porém, o que assusta no caso de Até o Último Homem não é exatamente o fato de 12 produtoras terem sido necessárias para que esse filme viesse a existir, mas sim a necessidade de 12 produtoras bancarem um projeto de Mel Gibson. Doze organizações, incluindo ele próprio, injetando dinheiro para ressuscitar Gibson como cineasta justamente em filme épico de Segunda Guerra – um tema sempre bastante rentável.
Gibson, galã dos anos 1990, já tinha demonstrado sua proeza técnica e criativa com diversos longas estupendos como Coração Valente, A Paixão de Cristo e Apocalypto, apresentando um estilo muito peculiar e apurado para com o assunto que seus filmes retratavam. Após um declínio ferrenho pelo alcoolismo e passando por divórcios motivados por agressões físicas, Gibson entrou na lista negra de Hollywood. Porém, como comprovado, o tempo cura tudo.
O infame e brilhante diretor retorna ao seu merecido posto de glória profissional, pois Até o Último Homem é um longa catártico que conversa com sua história pessoal tentando redimir os pecados do passado. Porém, ele não vale somente pela história prévia de Gibson, mas sim da admirável proeza realizada pelo soldado Desmond Doss: ir para a Guerra mais violenta de nossa história e não disparar uma única bala, conseguindo, assim, salvar mais de 70 vidas de companheiros feridos que agonizavam no campo de batalha.
Até o Último Homem
O roteiro da dupla Schenkkan e Knight tem a principal preocupação de explorar ao máximo o personagem protagonista. Para isso, é importante ressaltar o ferrenho peso ideológico e moral inusitado, raro de se ver, em filmes de grande destaque. O tratamento que deram para a história funciona normalmente como um ótimo épico de guerra, mas Até o Último Homem é muito mais que isso: é uma grande alegoria cristã. E isso é bem fácil de notar, pois diversas passagens do filme fazem de Desmond Doss um Jesus Cristo.
Funciona perfeitamente dos dois modos. O breve primeiro segmento do longa acompanha a infância de Doss e suas traquinagens com seu irmão. Ali, a moral cristã e a mensagem de antiviolência já se fazem presentes. O evento ocorrido norteia a ética do personagem pelo restante de sua vida.
Após estabelecido esse ato bem enxuto, mas muito eficiente – inclusive em já indicar o enorme conflito de abusos familiares cometidos por Tom, pai de Desmond e veterano da Primeira Guerra, ainda muito é explorado da vida pré-guerra do protagonista. Schenkkan e Knight basicamente vão na contramão dos roteiros sobre dramas de guerra o que, novamente, deixa o longa mais peculiar.
É um belo acerto para o formato do storytelling, pois o espectador se torna bastante próximo de Desmond, gerando grande empatia. Nessa ótima primeira metade conhecemos o homem, suas convicções, sua rotina, suas paixões, seus medos, seu senso de dever. É realmente bem construído e logo, assim que sua escolha de tomar parte e decidir salvar vidas na Guerra surge, sua motivação é clara como água. Na direção, Gibson trabalha isso muitíssimo bem ao pegar detalhes do olhar atemorizado de Desmond ao ver veteranos mutilados chegando em sua cidade.
O sentimento de sacrifício e grandeza também já surgem no primeiro momento, pois os roteiristas elaboram um belo romance entre Desmond a enfermeira do hospital local, Dorothy. Com os pilares do filme cravados com muito fundamento, além de oferecer um pequeno mistério e o romance leve para o espectador, o texto passa por um amadurecimento. Na verdade, a estrutura do longa é a clássica: Primavera, Verão, Outono, Inverno ou, se preferir, Infância, Adolescência e idade Adulta.
Claro que nada é tão simplista assim. Nos segmentos mais coloridos e leves do filme, há o desenvolvimento do intenso drama entre Desmond e seu pai que se opõe ferozmente à ida de seu filho para o front. Depois de expor sua intenção insana, de ir à guerra como médico sem portar qualquer arma, entramos no amadurecimento do protagonista.
O Leviatã
Neste segundo ato, com o ingresso de Desmond ao exército americano, o roteiro aborda conflitos mais intensos, deixando um pouco de lado a ênfase na religião para jogar contra a coerção estatal diante a liberdade de um terceiro – mesmo que a proposta de ir para a guerra sem a intenção de matar alguém ou de portar armas de fogo seja perfeitamente legal.
Assim como o sólido primeiro ato, os roteiristas mantêm a escrita impecável justamente por nos manter quase sempre no ponto de vista de Doss. Aliás, Até o Último Homem é um longa tão inteligente que praticamente condiciona o espectador a virar uma extensão direta do protagonista. Logo, nosso olha amadurece conforme o personagem cresce e passa por maiores desafios.
Os roteiristas até enganam bastante com os primeiros e divertidos minutos no acampamento militar com o bullying de sargento Howell nos recém recrutados. Mesmo que seja uma opressão que flerta com Full Metal Jacket, é um momento de comicidade já apresentando satisfatoriamente os outros personagens que fazem parte do batalhão de Doss. Como de praxe, o personagem conquista um rival que também recebe um tratamento satisfatório ao longo da história.
Todavia, o principal oponente de Doss nesse segmento realmente é o exército americano. O leviatã governamental ao se deparar com a anomalia do soldado que não quer empunhar armas, tenta massacrá-lo com opressões diretas e indiretas. Trava-se então, um embate Davi vs Golias no qual o protagonista não se resigna de forma alguma mesmo que diversas provas contra sua fé, sua fibra moral e principalmente de sua segurança enquanto indivíduo são colocadas à prova.
O personagem, que já era ótimo, torna-se ainda melhor. Isso se deve por conta do tratamento inteligente dos roteiristas não apostarem tanto em melodrama pesado, mas optam em martirizar o personagem com ações de seus colegas tão imorais quanto as dos inimigos que enfrentarão em Okinawa.
Guerra
Após toda a burocracia da batalha contra o Estado, Doss finalmente vai à guerra para salvar vidas. Como esperado, o segmento é o mais silencioso de toda a obra. Aqui, é praticamente impossível desassociar o ótimo texto com o renascimento de Mel Gibson como cineasta. As coisas fluem de forma tão sinergética que se complementam belissimamente.
Nisso, o trabalho de contrastes visuais fica cada vez mais apurado. Logo que Doss desembarca, Gibson aposta no clichê sempre eficiente da troca de olhares de uma tropa novata ante a melancolia e o vazio emanado pelo por batalhões veteranos mutilados. O seguinte já acontece logo após esse breve momento de calma antes da batalha mais sangrenta de muitos filmes de guerra.
Para isso é importante relembrar de momentos chave de alegria da vida de Doss: os passeios na montanha em Virgínia. A montanha, sempre convidativa, banhada e abençoada pela luz do sol é encarada como uma presença divina para o protagonista. Um dos locais mais sagrados que evocam espiritualidade e contato com a exuberante natureza. Ali acontecem momentos significativos como um abraço carinhoso no irmão e o primeiro beijo do namoro.
Através de enquadramentos similares, Gibson evoca esse pavoroso contraste, pois o campo de batalha de Hacksaw se encontra no topo da montanha morta, podre e cinzenta. A montanha não é convidativa com seu formato íngreme avassalador. Sua escalada já é uma batalha por si só. Seu cume subverte a simbologia religiosa de outrora. A montanha sagrada vira a montanha maldita onde só o ódio e a violência prevalecem.
Com essas simbologias por si, Gibson eleva seu filme a estado de arte, porém muito mais acontece em Até o Último Homem. Até então, o diretor mantém pulso firme com encenação apurada, enquadramentos ricos ordenados em decupagens bastante diversificadas. Porém, nada supera o estonteante trabalho de câmera e sincronia de encenação que acontece assim que a guerra começa.
O momento do início do tiroteio é marcado pelo terror explicito de um grito. Até então, assim como Doss, o espectador não está nem um pouco preparado para o que ocorrerá depois da gritaria. Gibson praticamente desperta Doss e a plateia com esse susto. E então o horror nos pega completamente desprevenidos. É um festim de sanguinolência e stress como se viu poucas vezes no cinema. A abertura de O Resgate do Soldado Ryan é light se comparada com a longa sequência de batalha que se sucede.
Soldados são rasgados, explodidos, queimados, esfaqueados, mutilados a todo momento e Gibson mostra tudo com o sentimento cru e opaco da guerra. Aqui também é a hora da edição de som brilhar com efeitos sonoros que emanam o impacto de cada bala que atravessa o crânio de um soldado, ou da ignição de um lança-chamas ou do som abafado de uma granada.
Assim como nos outros segmentos, Até o Último Homem se renova mais uma vez com os resgates de Doss na montanha. Diversas vezes, Gibson utiliza a encenação para lembrar os milagres de Cristo nas ações do franzino soldado. Seja nos Lázaros que Doss salva ou quando tira a lama dos olhos de um soldado que acreditava estar cego. Talvez, os únicos excessos cometidos pelo diretor estejam em alguns enquadramentos com slowmotions para enfatizar atitudes heroicas.
Enfim, Gibson consegue aliar a competência em criar passagens muito violentas com a doçura simples do protagonista encarnado tão maravilhosamente bem por Andrew Garfield.
Acredite, a indicação ao Oscar é mais que merecida. Garfield se torna Desmond Doss em tudo. O sotaque carregado, os olhares sempre muito adequados a cada situação, o sorriso meio boboca, um semblante de pureza e calma difíceis de reproduzir de modo tão genuíno sem nada parecer forçado. É uma atuação mais expansiva que a de outros concorrentes a estatueta, mas que não é diminuída pelo talento da concorrência. Desmond Doss só funciona sem cair no piegas justamente pelo equilíbrio sofisticado do ator.
Don’t Tread On Me
Raramente há um filme como Até o Último Homem em produção. Seja pelo caráter de sua mensagem que não se acovarda em mostrar suas vertentes cristãs e, muitas vezes, libertárias. Como já dito antes, não se trata de um longa limitado apenas por isso. De tantas qualidades cinematográficas envolvidas, da proeza da realização em recriar a guerra em seus meticulosos detalhes, além de exibir diversas naturezas do espírito humano, creio que dificilmente ficará decepcionado com este filme.
É a celebração da transformação causada justamente por um indivíduo, sua ideologia e seus atos pacíficos. De como em um ambiente tão inóspito, estressante, pútrido, um vale da sombra da morte, pode acontecer o mais belo dos milagres: o amor ao próximo.
Até o Último Homem (Hacksaw Ridge, 2016 – EUA, Austrália)
Direção: Mel Gibson
Roteiro: Robert Schenkkan e Andrew Knight
Elenco: Andrew Garfield, Teresa Palmer, Vince Vaughn, Hugo Weaving, Sam Worthington, Rachel Griffiths, Luke Bracey
Gênero: Drama de Guerra
Duração: 139 min