logo
  • Início
  • Notícias
    • Viral
    • Cinema
    • Séries
    • Games
    • Quadrinhos
    • Famosos
    • Livros
    • Tecnologia
  • Críticas
    • Cinema
    • Games
    • TV
    • Quadrinhos
    • Livros
  • Artigos
  • Listas
  • Colunas
  • Search

Matheus Fragata

Crítica | O Vencedor

O boxe é um esporte muito antigo – não se sabe a época correta que ele surgiu. Só foi considerado um esporte olímpico legítimo nas Olimpíadas de 1904. Marcado muitas vezes por ser um esporte corrupto e sujo, o boxe sempre foi alvo de adaptações cinematográficas sobre suas personalidades. Desta vez, o alvo das câmeras é o lutador Micky Ward conhecido por lutar contra Arturo Gatti três vezes, ganhando apenas uma.

Micky Ward é uma promessa em ascensão do boxe. Passa seus dias treinando com seu meio-irmão, Dicky Eklund, um lutador aposentado e viciado em crack. Com a paciência acabando cada vez mais graças aos problemas com drogas e policiais de Dicky, resolve seguir a carreira por conta própria, após seu irmão ser preso e receber a oportunidade de competir pelo título mundial de peso meio-médio.

Muito além de socos e nocautes

O roteiro de Scott Silver e Paul Tamasy não acompanha desde o inicio a carreira de Micky. Já começa com o documentário sobre vicio de crack na vida de Dicky e com as três derrotas seguidas de Micky. Ao contrário do que muitos pensam, ele não é um drama descarado arrancador de lágrimas. A divisão entre os momentos tocantes e os cômicos é praticamente perfeita sendo impossível sair da sala sem dar umas boas risadas.

O conflito principal segue seu rumo e não desperta muito interesse do espectador. Afinal, o próprio título do filme já mostra que ele vence a luta da disputa. Entretanto, os conflitos secundários são os mais instigantes e imprevisíveis. Por exemplo, a relação abusiva da família de Micky com ele, sua falta de confiança e autoestima graças às constantes derrotas, o vício e a superação de Dicky em relação ao crack, entre vários outros, faz com que o roteiro ganhe seu mérito. Aliás, o vicio é o elemento mais importante do filme, não só o do crack, mas sim o da família e do passado – Dicky sempre comenta de ser o “Orgulho de Lowell” e de sua luta contra Sugar Ray Leonard nos tempos de glória.

Geralmente, a solução dos conflitos é satisfatória e bem humana, visto que o filme é baseado em personagens e fatos reais. Apenas uma conclusão a respeito do divórcio e o destino da filha de Micky são deixados de lado. Talvez a maior falha do roteiro fosse ter escolhido Micky Ward para ser o protagonista ao invés de Dicky, visto que o pugilista é um personagem bem desinteressante, passivo e monótono.

O patinho feio

Mark Wahlberg fez de tudo para que esse filme acontecesse, além de produzir o filme, encarnou o papel principal. O maior mérito de Mark foi seu longo preparo físico para encaixar no personagem, já em sua atuação não existem muitos elogios a fazer. Na maior parte do filme, ele atua completamente sem carisma, sempre franzindo a testa com uma cara de aparente preocupação. Fora isso, não desenvolve a autoconfiança de Ward ao longo do filme sempre parecendo covarde, desacreditado, usado e passivo sobre seu destino. Se não fosse seu par romântico, Amy Adams, ele tomaria o posto de ator mais medíocre do filme. Eu discordo totalmente de sua indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante. Sua atuação resume-se a ficar emburrada e inflexível na maioria das cenas, causando certa antipatia com a moça.

Após não impressionar em “O Cavaleiro das Trevas” e “Terminator Salvation”, Christian Bale rouba a cena e talvez o Oscar de melhor ator coadjuvante. Sem dúvida, o melhor personagem é o dele, graças a sua atuação espontânea e competente. Incrivelmente magro e um tanto careca, Bale consegue fazer várias caretas realmente dando a impressão de um cara completamente pirado por causa do vício do crack. Energético do inicio ao fim da projeção, o ator alegra a o público com as babaquices que faz e, ao mesmo tempo, consegue emocionar nas cenas com maior carga dramática.

Melissa Leo ao contrário de sua concorrente no Oscar, Amy Adams, sabe o que realmente é fazer uma antagonista invisível e entregar uma atuação formidável. Com seu papel de agente de Micky e matriarca da família Ward, conquista o público com seus chiliques, sua cegueira a respeito de si mesma – consome os outros com o seu “amor” sem perceber, apesar de querer o melhor de seus filhos e a ajuda de sua prole nas cenas. As filhas de Alice, personagem de Melissa, são um espetáculo a parte do filme – todas tem um sotaque único, uma brutalidade em seus gestos, descabeladas e um aspecto grotesco graças ao constante trabalho pesado.

Entrando no ringue

Sabendo que o filme tinha que ser um retrato da realidade, Hoyte Von Hoytema, diretor de fotografia de “Deixe Ela Entrar” faz um trabalho inteligente. No aspecto de iluminação, não há muito a dizer, mas sim sobre a movimentação da câmera que dificilmente para por um instante. Logo na abertura do filme, existe um plano brilhante feito por um carro cinematográfico e as imagens ficam cada vez melhores nos treinos de Micky no ginásio e nas lutas de boxe. Para não deixar o parágrafo vago, darei um exemplo de uma movimentação. Em uma das várias cenas no ginásio a câmera rotaciona o ringue em umtravelling de 360º e, para aproximar a imagem discretamente, existe um pilar que aparece escondendo a cena de tempos em tempos. O plano parece bem distante de Wahlberg no inicio, mas no final a imagem já está dentro do ringue acompanhando o ator.

A direção de arte também é formidável. As reproduções dos cenários da prisão, da casa onde Dicky visita para se drogar, os cassinos onde Micky luta e a casa da família Ward são muito bem trabalhadas.

Salva por um detalhe

A música original composta pelo “brilhante” Michael Brook é irrelevante o filme todo. É quase impossível distinguir uma da outra graças à semelhança doentia e também pela péssima qualidade musical que possuem. Por algum milagre, as músicas licenciadas conseguiram salvar o filme. Todas elas contextualizam a cena e ajudam a energizar o espectador no meio das porradas. Ela conta com Led Zeppelin, Bee Gees, Red Hot Chilli Peppers, Aerosmith, Rolling Stones, Ben Harper e vários outros.

Com ajuda tudo fica fácil

Darren Aranofsky, o diretor perturbado de “Cisne Negro”, ajuda na produção do filme e é perceptível cada cena em que ele participa. Um exemplo disso está na cena onde acontece a confusão com os policiais e a difícil perda do vício de Dicky na prisão.

Quem dirige é David O. Russell conhecido pelo filme “Os Três Reis”. Sua direção deixou o filme leve, sem todo aquele melodrama que todos conhecem. Sua edição também é dinâmica é deixa o filme fluir naturalmente. Ele gosta de aproximar a câmera nos rostos dos personagens quando necessário para elevar o drama e garantir um lance físico entre o ator e o público. Fora isso, adiciona um filtro televisivo e alguns slow motions nas cenas das lutas de Micky a fim de deixar o filme com um tom original, visto que já foi amplamente explorado. Além do mais, conseguiu um resultado excelente com os coadjuvantes, mas desapontou com o pobre Wahlberg. Ele também foge dos clichês a respeito do tema – treinar como um touro e ganhar a luta e a mocinha “Adrian”, vide Rocky Balboa, tornando o filme completamente único.

Você sairá ganhando

“O Vencedor” é um filme inédito de boxe que foge de todos os padrões. Confira sem medo este concorrente ao Oscar e se deixe levar pelo seu ritmo energético e emocionante. E, claro, se encante com a atuação magnífica dos coadjuvantes que valem seu ingresso. Mas lembre-se que ele ocasiona alguns efeitos colaterais no espectador, é bem possível que você saia do cinema perambulando querendo desferir alguns jabs euppercuts no queixo de alguém.


by Matheus Fragata

Crítica | Tron: O Legado

Dezembro parece ser o mês dos efeitos visuais. Para os esquecidos, há exatamente um ano estreou “Avatar” nos cinemas. O “Tron” clássico de 1982 inseriu a moda da CGI nos filmes, mas, apesar de ser visionário, não emplacou e acabou esquecido. Agora, 28 anos depois, a Disney tenta reviver a franquia injetando milhões de dólares na produção e apostando nos efeitos visuais. Será que de fato ela conseguiu?

Kevin Flynn, CEO da ENCOM desapareceu misteriosamente e deixou o pequeno Sam para ser criado pelos avós. Depois de vinte anos, Alan, antigo parceiro de Kevin, recebe uma mensagem dele e avisa Sam que, por sua vez, parte para o antigo fliperama do pai. Chegando lá, encontra um velho computador que o lança para o Grid – o mundo virtual do filme – onde descobre que Clu, um programa, se tornou um ditador determinado a escapar do Grid. No meio tempo, ele tenta encontrar seu pai e sobreviver aos jogos deste mundo virtual.

Escrita em pixels

Para situar o espectador na trama, o roteiro relembra alguns personagens e explica, detalhadamente, porque Kevin ficou preso no Grid e como Clu conseguiu tomar o poder. Ele também possui referências ao filme original  – principalmente nos jogos e em alguns personagens –  e a época dos anos 80, as mais expressivas na passagem no fliperama. Infelizmente, não é bem desenvolvido apesar de ter uma trama/mitologia interessante e bem concluída.

Nas pausas obrigatórias entre uma cena de ação e outra ele peca. Estas passagens servem para desenvolver os personagens e a história, mas graças aos diálogos desinteressantes e monótonos elas tornam-se chatas, maçantes e previsíveis tirando o ritmo extremamente frenético das cenas de ação além de não cumprir seu papel de desenvolvê-los. Fora isso ele possui algumas frases de efeito mal elaboradas. O personagem que mais gosta de proferi-las é Kevin. Em quase todas suas falas existe uma como “Look at this!” e “Radical, man!”. O maior problema do fraco roteiro foi esse: ser conservador e não tentar inovar em praticamente nada.

Beirando o aceitável

As atuações do filme cumprem seu papel mediano. Jeff Bridges retorna e ironicamente está melhor em seu papel digitalizado de Clu do que como Kevin (o homem que brinca de deus). Michael Sheen é o destaque, aqui ele encarna Castor um personagem que parece uma mistura de Gato que Ri, David Bowie e Charles Chaplin. Shenn simplesmente atuou da forma mais caricata possível tirando proveito de suas inúmeras caras, bocas e gestos. Garret Hedlund conseguiu criar o protagonista mais sem graça que já vi. Seu personagem é completamente desinteressante (talvez por culpa do roteiro ou de sua total falta de carisma) não há nada em sua atuação que a torne única. Encare isto: ele é o avatar do espectador no mundo digital do filme. Por último a bela Olivia Wilde, ela conseguiu fazer uma personagem com personalidade e interessante, isto graças a relação que ela tem com Sam sempre tentando descobrir como é o mundo de fora.

Beleza virtual

A direção de arte do filme é o aspecto técnico que mais brilha, seja na fotografia, no figurino, no sempre presente neon, até nos cenários, em sua montagem e seus elementos. Durante as cenas que se passam no mundo real, a fotografia sempre puxa para um tom de marrom com planos abertos da cidade. Quando muda para o mundo digitalizado do Grid, passa a apostar no contraste entre o preto e o branco com o neon azul e laranja. Nas sequências de ação, tira o fôlego de quem assiste, tudo muito bem filmado sem deixar o espectador perdido no meio das correrias. Fora isso os efeitos visuais esbanjam qualidade e criam uma atmosfera única. Destaques para o rejuvenescimento de Bridges para o personagem Clu, a transformação dos bastões em light cycles e seus rastros translúcidos coloridos, na morte pixelizada dos programas, enfim, o filme inteiro.

O 3D merece um pequeno parágrafo. É mais utilizado na profundidade dos planos e, poucas vezes, o espectador verá um disco voando em sua cara. O efeito melhora ainda mais a beleza do filme, mas para os que estão empolgados em ter um passeio numa light cycle podem esquecer.

Simplesmente eletrônica

A dupla francesa Daft Punk compôs toda a trilha original do filme e a escolha não poderia ter sido melhor. Todas as músicas são envolventes e combinam com universo tecnológico do filme. Atente que na parte da “balada” do filme, têm uma breve participação especial.

Os efeitos sonoros também são incríveis e acompanham a qualidade técnica do filme. São responsáveis pelas características aos personagens – a voz de alguns programas é digitalizada. Vários ruídos e “explosões” são únicos, como a colisão das light cycles nos rastros de luz, o barulho dos motores das naves “firewall” e na queda dos cristais de pixels. Fora isso utiliza de forma brilhante a transição de um cenário para outro em respeito à música. Por exemplo, quando Sam chega no fliperama e liga a energia, começa a tocar “Separate Ways” e logo depois “Sweet Dreams” e conforme explora os quartos do lugar, a música fica distante e abafada E quando volta ao salão principal ela volta a ficar alta. Isto acontece também na cena da boate de Castor. Um dos primeiros filmes a brincar com a física do som foi o alemão “O Anjo Azul” na época que o cinema tinha cérebro (1930), ao contrário de hoje em dia, apesar das raras exceções.

Abrindo as portas da direção cinematográfica

O novato Joseph Kosinski estréia em alto estilo no cinema – logo de cara dirige um projeto milionário. Com certeza, ele sabe dirigir sequências de ação porque todas prendem a atenção do espectador e são dinâmicas, o que não acontece na edição das cenas que desenvolvem a história deixando-as bem forçadas e lentas.

Também insere corretamente em seu filme a última modinha do mercado, slow motions. Além disso, homenageou o projeto original com algumas referências, como o pôster do “Tron: Uma Odisséia Eletrônica” no quarto de Sam e a posição dos personagens no set durante o clímax do filme. Existem algumas ideias que ficaram muito interessantes como a cena que Sam se prepara para entrar na arena dos jogos “gladiatoriais”. Nesta parte as Sirens e Beau Garret se movimentam roboticamente evidenciando a artificialidade de suas personagens.

Vamos assistir?

“Tron – O Legado” não será lembrado por suas atuações “memoráveis” e muito menos pelo seu roteiro “brilhante”. Com certeza, marcará época graças a sua qualidade técnica e sua música viciante. Com toda a certeza, vale a pena mergulhar na distopia mecatrônica de Tron. Eu não sei vocês, mas meu ingresso para um retorno (agora em IMAX) já está no meu bolso.

 


by Matheus Fragata

Crítica | O Ritual (2011)

Eu já havia dito antes que “O Último Exorcismo” não seria o último filme de exorcismo que o espectador veria atingir as telonas. Possessão demoníaca sempre foi um tema que atraiu muitos espectadores para as salas de cinema, porém com o tempo a fórmula começou a ficar desgastada e, consequentemente, o público se desinteressou. Alguns até tentaram uma abordagem diferente, um pouco mais realista, como “O Exorcismo de Emily Rose”, baseado no caso de possessão mais famoso do mundo, mas falhou na crítica. Novamente surge outro filme de exorcismo e afins, mas será que realmente vale a pena assistir uma história que você já sabe o final?

Os membros da família Kovak não tem muita opção sobre qual carreira seguir – ou viram agentes funerários, ou viram padres. Michael ainda está perdido sobre qual rumo tomar em sua vida e decide esfriar a cabeça em um convento estudando para se tornar padre, mesmo não gostando da ideia. Após quatro anos no curso, Michael prova ser um aluno excepcional e um padre superior, Matthew reconhece seu talento e o manda direto a Roma para realizar um curso de dois meses de aprendizado do exorcismo. Lá, conhece Padre Lucas, um exorcista renomado, que o ensinará a arte da realização do exorcismo. No entanto, as coisas começam a se complicar graças ao ceticismo de Michael e um caso de possessão difícil de ser resolvido.

Novos ares a graças antigas

O roteiro de Michael Petroni, baseado no livro de Matt Baglio, que, por sua vez, é inspirado em fatos e personagens reais, tenta abordar de uma forma mais realista e entregar novas impressões ao caricato mundo do exorcismo. Ele consegue até causar um estranhamento no início, graças ao ritmo lento e a surpresa das sessões de exorcismo – ao contrário do que muitos pensam, o demônio ou espirito não é exorcizado da pessoa logo na primeira sessão…  Isto pode virar um ritual de dias, meses ou anos. E também deixa bem evidente que não são todas as pessoas que podem ser possuídas – tudo depende do estado de espírito. É perceptível que os personagens possuídos estão com uma instabilidade emocional pesada.

Os diálogos em si são bons, mas ocorre uma transformação fenomenal durante as conversas dos padres com o demônio, que ganha um fundo psicológico instigante graças ao ceticismo de Michael. Com essa proposta realista, não espere ver exorcismos non-sense. O próprio roteiro cita: “O que esperava? Cabeças girando, sopa de ervilha?”, uma referência canônica ao “O Exorcista”, de 1973, onde levitação era coisa de criança. Também há referências históricas como a mal explicada “mula” que, na verdade, trata-se do Diabo de Jersey que aterroriza pessoas até hoje.

Após construir uma narrativa original, envolvente e interessante, o ego fantasioso subiu a cabeça do roteirista, como de costume, destruindo todo o trabalho feito durante as longas horas do filme. O ato final do filme só é suportável graças a Hopkins, mas vamos deixar isto para seu parágrafo. A fidelidade com o plausível é completamente mandada para os ares no fim da película, graças a luta greco-romana-demoníaca e a incrível telecinese que Padre Lucas apresenta para o público. Fora isso, durante o último exorcismo, uma força sobrenatural tenta adentrar o quarto, onde acontece o ritual, desferindo pauladas ritmadas na porta, cujo único obstáculo era a maçaneta. Outro aspecto que incomoda é a relação de Michael com a jornalista Angeline criada do nada e completamente sem fundamento, colocando em dúvida as reuniões do padre com a moça.

Exorcizando Hopkins

Novamente, o filme é do coadjuvante. Anthony Hopkins está incrível como sempre. Mas desta vez aconteceu algo que não se via desde “O Silêncio dos Inocentes” – ele realmente encarnou o personagem e se divertiu enquanto atuava. Existem duas atuações no mesmo personagem – a primeira é divertida, caricata, descontraída e um tanto cansada com uma naturalidade difícil de ver hoje. Já a segunda é pesada, energética, cheia de tiques, com um psicológico mais interessante e completamente insana. Uma coisa que ajudou muito em sua atuação, foram as famosas linhas faciais de expressão, configurando um aspecto tenebroso e ameaçador ao personagem transformado.

O motivo de Colin O’Donoghue ter sido escalado como protagonista são obscuros, quem sabe até um pacto com o tinhoso? Seu desempenho não chega a incomodar, mas é simplesmente inexpressivo. Ele consegue criar um personagem insosso, desinteressante, apático e monótono, deixando o espectador ansioso para rever Hopkins em tela.

Outra que atinge as telonas é a brasileira Alice Braga fazendo o mesmo papel “survival” que tanto adora, portanto não há novidades em sua atuação – está com a mesma competência que todos já conhecem. Outra mania que Braga possui, é de fazer a mesma linguagem corporal vista em todos os outros filmes que já trabalhou – a famosa “cabeça inclinada” de Alice Braga. Ela também melhorou muito seu inglês ficando cada vez mais fluido e agradável de ouvir.  Ciarán Hinds, Toby Jones, Rutger Hauer e Marta Gastini completam o elenco com atuações acima do nível.

Quebrando tudo na fotografia

Ben Davis, diretor de fotografia de “Kick-Ass”, entrega novamente um trabalho maravilhoso. A fotografia sombria e azulada tem um trabalho com a modelagem de luz impressionante! Repare o trabalho de profundidade, em relação a luz, criado por Davis durante os rituais do exorcismo. Ele também eleva a dramaticidade com planos aéreos bem montados utilizando sempre algum elemento natural contrastando com a batina negra dos padres, como a chuva e a neve. Fora isso, aproveita as maravilhas arquitetônicas de Roma com vários planos, alguns realmente belos e outros nem tanto.

A direção de arte dá o ar de sua existência nos cenários da casa do Padre Lucas e, principalmente, no tratamento dado ao hospital. Todavia, a cúpula onde os padres estudantes se reúnem para discutir o exorcismo é bem fora de contexto, cheio de tecnologias. O cenário “Vaticano touch-screen” é bem feito e original, mas contrasta demais com os outros que são antigos e desgastados.

Infelizmente os efeitos visuais não acompanham os acertos das outras áreas técnicas do filme. Muitas vezes são toscos ou mal tratados, por exemplo, a “maquiagem virtual animada” de Hopkins no último ato do filme.

A metamorfose de Heffes

Alex Heffes é conhecido por seu bom trabalho na trilha de “O Último Rei da Escócia”, mas desaponta nas composições deste filme. As músicas simplesmente servem para encher os ouvidos do espectador e para não deixar a cena completamente muda. Somente duas músicas são inspiradas e dão alguma relevância para o trabalho despretensioso de Heffes. Se estiver interessado, elas ocorrem na primeira cena de exorcismo e na epifania alucinada de Michael.

Surpreendentemente, os efeitos sonoros merecem todo o destaque. Muito bem executados, criam uma atmosfera muito envolvente e profunda causando calafrios em alguns espectadores (eu). Os sons graves, as variações da voz dos possuídos, sussurros, gritos e tudo que você possa imaginar que tenha a ver com o contexto, foi recriado e sincronizado com absoluta perfeição – até mesmo miados de gatos e coaxar de sapos.

Na corda bamba

Mikael Håfström assina a direção do projeto e repete fórmulas vistas em outro filme que dirigiu, “1408”. Ele realmente sabe criar uma atmosfera única em seus filmes. Afinal, quem não se lembra do rádio amaldiçoado do Dolphin Hotel?

Aqui, aproveita os corredores escuros, escadas espirais infinitas e salas mórbidas para aumentar a tensão do espectador, embora falhe bastante devido sua edição imperfeita – o filme tem um ritmo muito lento e dura mais do que deveria. Também adiciona vários elementos “from hell” em seu filme como o tenebroso cavalo, os crucifixos invertidos e os sapos, sabendo brincar muito bem com seus recursos.

Entretanto, aposta em sustos óbvios e clichês, que só assustam os atores de sua obra. Também deveria ter razoavelmente censurado os absurdos do clímax criados pelo roteiro, fato que acaba demonstando uma falta de pulso com a equipe, ou que ele realmente tem um gosto duvidoso. Fora isso, usa e abusa de closes exageradas na testa/rosto de Hopkins durante o clímax, quase mostrando o cérebro do velho ator. Uma prova de sua assistência falha na edição esta na má dosagem dos planos no clímax, sendo que o filme inteiro havia mantido bons cortes e tinha uma variedade satisfatória entre os planos.

Deixe seus pecados no cinema

“O Ritual” é um filme totalmente direcionado para os fãs do gênero, pessoas que tem aversão a filmes parados devem manter distancia. Os admiradores de Anthony Hopkins também devem conferir seu retorno fenomenal aos filmes de suspense.

Ele é um filme esteticamente bem feito. Consegue envolver o espectador graças aos efeitos sonoros, apresenta um novo retrato para o tema e é uma experiência interessante, mesmo com os deslizes da direção e do roteiro. Porém, o mais intrigante disto tudo é a confirmação da extensa relação de amor e ódio de Hollywood com a Igreja Católica que, às vezes, é retratada como vilã. Mas quando se trata em mandar os demônios de volta para o inferno, não existe ninguém melhor para fazê-lo.


by Matheus Fragata

Crítica | O Rei Leão

Sem a Disney, minha infância não teria sido a mesma. Sou da geração de 1994 – ano do lançamento de “O Rei Leão” – e acredito ter sido privilegiado por vivenciar a chamada “Era de Ouro” da Walt Disney. A empresa alavancou assustadoramente a qualidade de seus filmes em 1989 com o lançamento de “A Pequena Sereia”, um clássico que muitos assistiram. Assim que os anos 90 chegaram, a Disney começou a criar um filme melhor que o outro. Foi assim com o impecável “A Bela e a Fera” – um dos meus favoritos da Disney, depois com “Aladdin”, “O Corcunda de Notre-Dame”, “Hércules”, “Mulan” e “Tarzan”. Entretanto, apesar de serem filmes excelentes, nenhum conseguiu atingir o grau de sucesso que “O Rei Leão” conquistou. Hoje é considerado um clássico. Suas cenas definiram uma linguagem inédita e as músicas tornaram-se inesquecíveis. Definitivamente, uma obra-prima de uma nova era.

O sol nasce no horizonte da savana africana. Os animais acordam e começam a se mobilizar. Um dia histórico está para acontecer. Chegando a Pedra do Rei, a cerimônia para comemorar o nascimento do leãozinho Simba, o filho do rei, começa. Tudo se aquieta novamente. O ciclo da vida continua. Mufasa confronta Scar, seu irmão traiçoeiro e pede explicações sobre sua ausência na cerimônia. O leão ignora a afronta de seu rei e continua a bolar uma tramoia para ocupar o trono de Mufasa. Alguns meses se passam e Simba cresce, mas continua filhote. Scar sabe que para assumir o posto de rei, precisa eliminar pai e filho. Enganando o pequeno sobrinho, o leão pede que  espere no desfiladeiro para presenciar uma surpresa. As hienas, aliadas do vilão, estouram uma manada de gnus que correm direto ao encontro de Simba. Para tentar salvá-lo, Mufasa dispara em direção ao desfiladeiro e acaba assassinado pelo próprio irmão. Seu filho consegue fugir, mas graças a alguns acontecimentos durante os anos de seu exílio, Simba jura retornar e salvar a Pedra do Rei do governo tirano de seu tio.

A história que encanta gerações

O roteiro de “O Rei Leão” é um caso surpreendente de cooperação. Pasmem, mas foram vinte e nove envolvidos para entregar esta história inesquecível. Porém, os responsáveis pela adaptação da narrativa para as telonas foram três, Irene Mecchi, Jonathan Roberts e Linda Woolverton. O que sempre me encantou nas histórias dos filmes da Disney eram seus temas-base. Não importava se fosse uma adaptação brilhante de um romance como “A Bela e a Fera” e “Pinóquio” ou se fosse uma visão mais romântica de um ditado/senso-comum como neste caso – o leão, o rei da selva.

Os filmes da Disney sempre tiveram uma característica muito interessante. Até hoje, auxiliam na formação da ética, moral e dos valores do espectador juvenil. Mufasa é a introdução perfeita para isso. O personagem sempre mantém um discurso didático durante o filme. As lições de vida que ele dá para Simba refletem diretamente na plateia – “O Ciclo da Vida” também serve para todos nós. Os roteiristas também sabem fluir a história com maestria. Não perdem tempo com muitos conflitos na narrativa. A ousadia marca o texto do filme. Esta foi a primeira vez que a Disney abordou a morte de maneira tão explícita e sensível – em “Bambi”, a morte da mãe do protagonista é sugerida para o espectador que toma aquilo como verdade.

A subjetividade também marca o texto de “O Rei Leão”. Ao retirar Mufasa da narrativa, deixam implícito que, mesmo com a posição social, a bondade, a paternidade e, principalmente, a invulnerabilidade do personagem, a morte não faz distinção entre valores e riqueza ao dar seu abraço fúnebre. A partir de então, a história se baseia na tragédia e, mesmo assim, a alegria e a superação aparecem. Isso acontece com a introdução tardia de Timão e Pumba na história, que conseguem inserir a comédia inesquecível dos personagens. Porém, o reerguer emocional de Simba também acontece por causa da dupla, deixando claro que a superação das piores adversidades só é possível com o afeto e amparo dos amigos mais queridos.

Com a companhia de Timão e Pumba, Simba vive sua adolescência – idade perfeita para o “Hakuna Matata”. Essa falta de amadurecimento é evidente na dupla de amigos. Timão é arrogante e orgulhoso ocasionando uma espécie de guilty pleasure no espectador, porém é companheiro, leal e protetor. Já Pumba é ingênuoem excesso. Se não fosse por Simba, os dois continuariam desamparados e renegados pela sociedade – outra crítica expressiva do roteiro apaziguada pela comédia. Entretanto, o personagem mais impressionante do filme inteiro é o macaco Rafiki. Através dele, os roteiristas passam a mensagem mais bonita do filme inteiro. Ensina Simba a lidar com a dor e a morte e, consequentemente, a superá-las, inclusive a grande culpa que acompanha o protagonista. Entretanto, isto tem um custo. Repare que o protagonista segue um caminho cheio de obstáculos ao atravessar um bosque lotado de árvores velhas para sofrer a epifania necessária. Assim como quando Luke enfrenta seu maior medo na caverna de Dagobah, Simba encontra o pai para achar sua redenção. É exatamente esse o maior trunfo do roteiro. Essa interdependência entre os personagens retrata uma sociedade em perfeita harmonia e cooperação.

A história do filme é baseada na tragédia “Hamlet”, escrita por Shakespeare em 1599. Enquanto os outros animais vivem em paz, a família de Mufasa é perturbada pelo maléfico Scar. O conflito familiar entre os dois irmãos é deslumbrante apesar de ser introduzido apressadamente. Scar apenas anseia pelo poder “monárquico” do irmão e tenta de todas as maneiras consegui-lo. O maniqueísmo exacerbado sempre foi uma característica notável da Disney. Repare. Os protagonistas bondosos sofrem uma perda significante, amadurecem e resolvem seu conflito interno e externo. Já os antagonistas são caricaturais em excesso, além de sempre apresentarem os piores aspectos da natureza humana. Tomemos Scar como exemplo, então. É egoísta, oportunista, hipócrita, cruel, traíra, desonesto e preguiçoso. Ele se aproveita do sobrinho ingênuo e das hienas famintas e ignorantes para atingir seus objetivos. Entretanto, mesmo perspicaz e esperto ao conseguir saciar seu desejo de poder, Scar não consegue manter o equilíbrio no ecossistema da Pedra do Rei graças ao predomínio de predadores.

É inacreditável o nível de subjetividade que essa história contém. Se o espectador comparar o reinado de Scar com o de Mufasa, perceberá ideais muito claros. Mufasa é capaz de manter a ordem no vale através do equilibro perfeito entre sua coerção e consenso. Os animais se respeitam mutuamente e entendem sua participação no “ciclo da vida” garantindo um sentido praticamente utópico ao governo. Porém, Scar, mesmo gracioso em manipular terceiros, é incapaz de governar sem o auxílio de leis, exprimindo uma grande falta de pulso e percepção da realidade. E mesmo assim, o antagonista é incapaz de recuperar a devastação que seu governo causou ao ecossistema.

Apesar de não contar com personagens antropomorfizados, a história de “O Rei Leão” nunca deixará de ser uma fábula. Os roteiristas miscigenam diversas emoções humanas com a natureza selvagem dos animais. A empatia que os espectadores desenvolvem com os personagens é proveniente disto. A forte paixão entre pai e filho, o primeiro amor, a misericórdia diante do inimigo, a amizade dos amigos, a adaptação a novos ambientes, o medo da perda e da dor, o abraço terno e o protecionismo paterno são meros exemplos disto. Interessante foi a decisão de dar pouco destaque para as personagens femininas da história. Sarabi, mãe de Simba, é irrelevante e Nala funciona como um catalisador para a breve epifania do protagonista.

O rugido do leão 

A dublagem da Delart marcou a infância de várias crianças inclusive. O estúdio foi responsável pelas inesquecíveis dublagens de “A Bela e a Fera”, “Aladdin”, “Pocahontas” e, claro, “O Rei Leão”. Inclusive, houve uma interessante polêmica na dublagem brasileira lançada nas fitas VHS do filme. Momentos antes de Scar ser devorado pelas hienas, o dublador Jorge Ramos solta um sucinto grito – “Eu sou bicha!”. Isso foi corrigido nas versões posteriores do longa. Entretanto, apesar do trabalho magistral com os dubladores brasileiros, admito que a dublagem americana é bem superior principalmente por causa das canções entoadas com muito mais vontade.

James Earl Jones dubla o icônico Mufasa. O ator se aproveita diversas vezes de sua dicção extremamente profunda e grave para comandar os discursos com Simba. A pose inquisitorial e forte do rei caiu perfeitamente para Earl Jones. O ator não trouxe sua característica mais notável para a atuação – Jones sempre mantém um ar ríspido e rabugento em seus personagens. Ele desenvolve muito bem o lado paternal do personagem exprimindo muita ternura e emoção em sua dublagem.

Jeremy Irons certamente é a voz que mais marca o elenco de “O Rei Leão”. O ator dubla Scar de um modo inesquecível. Sempre mantém a voz arrastada e levemente dramática mantendo uma teatralidade fantástica para o personagem. O ator também se expressa ironicamente com muita competência. São notáveis as inúmeras variações de dicção que Irons trabalha em Scar tornando o personagem completamente imprevisível em seus atos – uma hora covarde, outra, egocêntrico, porém sempre acompanhados de crueldade. Matthew Broderick dubla Simba já adulto, mas decepciona bastante não conseguindo superar o nível excelente atingido por Jonathan Taylor Thomas, dublador de Simba quando criança. A dublagem do ator não é ruim, pois consegue transmitir a grande falta de autoconfiança e a dúvida existencial que o personagem sentia no determinado momento do filme. Entretanto, o espectador não sente firmeza na voz de Broderick quando este braveja para expulsar Scar da Pedra do Rei. Com isso, Broderick cria uma relação interessante e um tanto prejudicial para a atuação da cena.

Robert Guillaume certamente é o melhor ator do filme dublando o histérico macaco xamã, Rafiki. O ator entoa sua voz levemente aguda e rouca de uma forma que consegue criar uma aura de inteligência e misticismo única para o personagem. Porém, mesmo com esse semblante sábio do personagem, o ator cria outra característica para Rafiki. Guillaume grita, canta e solta onomatopeias diversas vezes nas poucas cenas que o babuíno aparece. Assim, Rafiki cai no mesmo clichê – bem-vindo neste caso, de praticamente todos os gênios que já caminharam sobre este planeta. Completamente geniais e loucos. Guillaume também foi o único ator do elenco a se importar em criar um sotaque genuinamente africano. Pontos positivos para ele.

As últimas vozes, mas não menos importantes, também marcaram história na Disney. Whoopi Goldberg, Jim Cummings e Cheech Marin (consagrado pela cinessérie drogada “Cheech & Chong”) dublam as três hienas, Shenzi, Ed e Banzai.  O único que se sobressai é Jim Cummings interpretando o acéfalo Ed. Cummings baseia-se em apenas onomatopeias, grunhidos e gritos. Entretanto, a característica mais notável no trabalho da dublagem das hienas é as risadas. Os três atores criaram uma risada perfeitamente alucinada para os personagens Goldberg e Cheech conferem uma voz aguda, doente e áspera casando perfeitamente com as figuras de Shenzi e Banzai. E, por fim, Nathan Lane e Ernie Sabella como Timão e Pumba, respectivamente. Lane não ornamenta a dicção de sua dublagem e, com isso, garante a simplicidade marcante do personagem. O ator sempre mantém um discurso estridente, frágil, petulante, egocêntrico e irônico. Já Sabella é o completo oposto da técnica de Lane. Ele prefere gritar com sua voz grave e gutural conferindo uma dimensão estabanada e histérica para o personagem.

Rowan Atkinson, Moira Kelly, Madge Sinclair e Niketa Calame completam um dos melhores elencos de vozes já reunidos pela Disney.

As inúmeras cores da África

Além de contar com uma história estupidamente bela e cativante, “O Rei Leão” marcou época pelas inovações técnicas, artísticas e criativas em sua animação. Deixarei para comentar sobre a concepção visual dos personagens nos parágrafos destinados a direção. Enquanto isso, falarei sobre o emprego cheio de significado da fotografia e da direção de arte que orquestrou o resultado extasiante das belíssimas paisagens que compõe os quadros do filme.

Logo na majestosa e inesquecível sequência de abertura, os animadores mostram um trabalho de tirar o fôlego. Os planos gerais cheios de detalhes são uma representação fiel de toda a fauna, flora e geografia terrestre de uma porção do terreno africano. As cores primárias fortes dos animais desenhados com um traço bem realista contrastam diretamente com as cores mais elaboradas dos cenários. Também nesta cena, o espectador perceberá o esquema fotográfico que predominará durante o resto do longa. A luz incidente sempre deixa os contornos dos personagens com um aspecto leitoso e condensado denotando a forte riqueza de vida e calor – esse tipo de iluminação foi repetido em “Tarzan”. Somente em poucos momentos a luz incidente muda de característica no cenário e nos personagens – repare, em especial, nas cenas que se passam no Cemitério dos Elefantes.

A estética da animação é perfeita. Absolutamente todos os cenários ou no termo mais apropriado, landscapes, são belos e majestosos. Sempre enormes, metaforizam o ego inflado do jovem príncipe. Após a morte de Mufasa, tornam-se menores, além de contar com um excesso de elementos no jogo de cena. O espaço fica reservado e levemente claustrofóbico. Essas interessantes características denotam a retração e insegurança de Simba que não encontra saída para seu conflito. Entretanto, depois da epifania catalisada por Rafiki, os landscapes da Pedra do Rei continuam grandes, porém fotografados em planos bem menores onde nunca é possível avistar o horizonte. Somente no final do longa, os cenários grandiloquentes retornam.

“O Rei Leão” marcou época por utilizar diversas técnicas novas em sua animação e algumas características fotográficas pouco habituais em desenhos animados.  A Disney apresentou a maior gama de expressões faciais em uma animação até então. São feições extremamente bem construídas, fluídas, naturais e competentes em transmitir as emoções dos personagens. Fora isso, os animadores têm um cuidado notável ao tratar expressões de muitos personagens ao mesmo tempo. O uso da computação gráfica ganhou destaque e prestígio no campo das animações após o sucesso gerado por “Toy Story” em 1995. Poucos sabem, mas “O Rei Leão” foi um dos pioneiros ao introduzir a utilização de CG em suas cenas.

Cinco animadores especializados em computação gráfica trabalharam por mais de dois anos para criar apenas dois minutos e meio de animação da cena em que os gnus disparam movimentando-se de maneira imprevisível no desfiladeiro. Os animais eram totalmente digitais. O truque para não deixar a animação virtual explícita foi a introdução inteligente de filtros cel-shaded nos corpos dos bichos. O resultado de todo o trabalho dos profissionais foi espetacular. A cena entrou para a história do cinema graças à perfeição de sua técnica tanto artística quanto tecnológica.

Entretanto, apesar de todo o trabalho maravilhoso com a coloração e seus dégradés, cenários, artes conceituais, landscapes, concepção de personagens e expressões faciais, nada superará a conquista inestimável que a equipe conseguiu ao estudar os gestos de cada animal para reproduzi-losem animação. Issojá havia acontecido em “Bambi” no ano de 1942, mas nunca com tamanha amplitude como neste caso. Uma das grandes sacadas dos e animadores e da direção foi miscigenar expressões corporais selvagens com humanas.

Tomaremos uma cena como exemplo então. Simba está prestes a ser repreendido por Mufasa após a confusão no Cemitério dos Elefantes. Assim que Mufasa chama por seu filho, Simba assume uma postura curvada, tímida e deixando cauda e orelhas baixas. Isso exprime todo o medo que o personagem sentia. Logo depois Simba brinca com seu pai. Novamente a expressão selvagem aparece entre mordidas na orelha e cambalhotas. Já as expressões naturalmente humanas são mais frequentes em três personagens: Zazu, Scar e Timão. Talvez por serem os animais mais covardes e racionais. Scar geralmente gesticula com as patas, acaricia Simba com gestos tipicamente humanos, etc. Zazu cruza as asas, segura as barras de sua gaiola, etc. Já Timão sempre gesticula com nítido exagero, lambe os dedos após comer, cruza as pernas, coloca as mãos na cintura e mais uma infinidade de expressões similares às humanas. Destaque para o notório segmento da Hula. Até mesmo Pumba tem seus momentos. Um gesto, em especial, chama a atenção do espectador mais atento. Na cenaem que Pumba, Timão e Simba observam as estrelas, o javali acaricia sua pança abundante. Nos demais personagens, a humanidade sempre é concentrada em seus olhares.

Nants ingonyama bagithi baba!

Para quem sempre se perguntou o que raios a voz masculina cantarolava assim que o Sol começa a nascer na cena de abertura, a resposta está no título do tópico. A frase significa “Aí vem o leão!”. Simples e encantador. Os cânticos africanos acompanham as diversas músicas instrumentais arranjadas pelo mestre Hans Zimmer. Elas garantem o clima selvagem, exótico, pulsante, energético e extremamente cinético da trilha.

Zimmer captou o espírito da obra como nenhum outro compositor a trabalhar com o tema. A trilha instrumental, pouco lembrada, consegue arrancar lágrimas por si só. As composições são extremamente belas e, geralmente, acompanhadas pelos sons mais angelicais dos violinos. Os acordes são inteligentes e conversam diretamente com a cena. Todas são impregnadas de sentimento e emoção.

O compositor trabalha com uma gama assombrosa de instrumentos. Cada música do longa merece uma análise detalhada. Acredito que este é o único filme que apresenta tantas composições dignas de diversas interpretações, afinal estão carregadas de significado. Zimmer atinge tal grau de qualidade que consegue compor uma sinfonia. Sim, você não leu errado, uma sinfonia! “King of Pride Rock” é digna deste título mesmo com as compilações que encaixam perfeitamente nos minutos finais da música. Outra música, particularmente minha favorita da trilha instrumental, que merece destaque é “Under the Stars” – o cântico do final é simplesmente encantador.

Infelizmente, por algum devaneio errôneo dos diretores, a edição das músicas é equivocada. Incontáveis vezes pude perceber que as músicas de fundo repetiam conforme as cenas variavam.  Isso é comum em novelas, mas em filmes apenas Michael Bay tem a capacidade de realizar tamanho descuido. O mais estranho é que Zimmer compôs material o suficiente para preencher boa parte da metragem do longa sem a necessidade desta repetição expressiva.

Agora a vez de comentar sobre o genial Elton John chegou. Não é surpresa que a maioria das trilhas que este cara participa entre para a minha lista dos “favoritos”. A maestria apresentada em “O Rei Leão” apareceu novamente nas canções de “O Caminho Para El Dorado”. As canções escritas por John e Tim Rice conquistam gerações de fãs e tornam-se músicas que relembram a infância de várias pessoas. As letras poéticas e criativas completam o fundo musical estupendo.

O interessante é que Elton John arranjou duas versões com letras diferentes de “Circle of Life”, “I Just Can’t Wait to be King” e “Can You Feel the Love Tonight”. A versão cinematográfica é bem distinta da apresentada no álbum do filme, mas ambas possuem uma qualidade extraordinária. A versão apresentada no filme de “Circle of Life” é mais bonita do que a do álbum. Isso acontece por um simples motivo, a voz de Carmen Twillie expressa mais emoção que a de Elton. Além do fato dela contar com o auxílio do backing vocal africano sensacional.

“O Rei Leão” ganhou dois Oscars, Melhor Trilha Original e Melhor Canção Original – “Can You Feel the Love Tonight”. Não há dúvidas que a música do longa é um de seus maiores méritos. Transcende gerações e te conquista para sempre. A prova viva disto é a excelente “Hakuna Matata”. Uma canção que você precisa ouvir somente uma vez para se lembrar pelo resto da vida.

Poesia em Movimento

Na crítica de “Enrolados”, escrevi que na grande maioria dos filmes da Disney, uma característica era notável: dois diretores para um só filme. Se a química da parceria fosse perfeita, o resultado seria uma explosão de criatividade. Foi o que aconteceu em “O Rei Leão”, um dos melhores filmes dos anos 90. Roger Allers e Rob Minkoff são os responsáveis por esta obra-prima da Disney.

A direção já começa impecável na abertura do filme. Existe um provérbio no ramo cinematográfico – “Se você quer a atenção do seu espectador, conquiste-o logo nos minutos iniciais de seu filme”. Se esse ditado não existe, então acabei de cria-lo e  é a mais pura verdade. Tudo beira a perfeição nos primeiros cinco minutos do longa. Entretanto, do meio para o fim da cena acontece o fator que retira o filme de um produto reles comercial para uma obra de arte imortal.

Assim que Rafiki entra na cena, o espectador começa a entender “O Ciclo da Vida” e sua atmosfera que mistura o natural com o espiritual. O macaco surge banhado pelos mais puros raios solares iluminando os demais seres. Isso sim é um efeito poético e romântico. Após o ritual similar a um batismo, Rafiki pega Simba e o apresenta para os bichos que vivem no vale da Pedra do Rei. Os céus se abrem e Simba é abençoado pela luz divina e natural. Os demais animais se curvam ao reconhecer o sucessor do trono. Com a seleção muito inteligente de planos e aumentando o som da música gradativamente, os diretores conferem uma emoção inebriante para a cena. Certamente digna de lágrimas graças à beleza inestimável.

Como havia dito no tópico da animação, a direção da dupla concentrou-se muito na concepção visual inesquecível dos personagens. De primeira instância o espectador percebe o jogo de opostos que os diretores criaram. Começaremos por Mufasa então. O personagem tem coloração clara, é forte, grande, sadio, ativo e conta com uma juba mais voluptuosa. Scar é totalmente diferente de Mufasa. É fraco, preguiçoso, magro, recebe uma coloração mais escura e sempre está com as pupilas contraídas ao máximo. Isso denota o grande medo que o personagem sente em relação a seu irmão. Scar sempre está atento para não cometer nenhum erro em seus planos maquiavélicos. Note que o personagem sempre deixa suas garras a mostra reforçando ainda mais a ideia de insegurança transmitida subjetivamente.

Além disso, para discernir ainda mais os heróis dos vilões, os diretores usam efeitos de iluminação sucintos. Repare que Scar, com exceção de uma cena, nunca é iluminado diretamente pela luz do Sol – sempre aparece envolto pelas sombras de alguma caverna. Já as hienas também recebem essa espécie de iluminação sombria. Allers e Minkoff também fotografam as hienas de uma maneira bem diferente. Repare que nos planos que as hienas são ilustradas, os diretores abusam no close up nas faces alucinadas dos bichos causando um certo desconforto. A imagem é claustrofóbica, pois as hienas ocupam 90% do plano. A sacada é bem inteligente. Com essa jogada de imagem, os diretores denotam a personalidade instável e desordenada das hienas.

O sábio espetáculo de imagens não para por aí. Durante as cenas dedicadas às canções, os cineastas alteram bruscamente o traço da animação e a estilo de iluminação. Eles usam e abusam de spotlights (feixes de luz) durante os números musicais conquistando, assim, grande teatralidade para a cena – o segmento despojado, esverdeado e cheio de projeções de sombras de “Be Prepared” é o melhor exemplo disto.  Eles apresentam uma gama satisfatória de um estilo de desenho mais belo que o outro. Cada vez que o traço varia, a paleta de cores se altera.

Também é interessante a concepção visual dos outros animais que vivem no Vale da Pedra do Rei. Repare que os demais bichos possuem características bem realistas – somente uma vez, recebem um tratamento estilo “cartoon”. Já os animais protagonistas contam com feições humanizadas em suas expressões. Intencionalmente ou não, Aller e Minkoff criaram uma espécie de segregação entre os habitantes selvagens no habitat fictício do longa.

Outra segregação criada pelos diretores se encontra nos olhos dos personagens. Repare que a grande maioria dos animais possui sua esclerótica, o famoso “branco do lho”, de cor amarelada. Timão e Zazu são os únicos que contam com a esclerótica branca natural, porém durante duas cenas, Simba possui a coloração esbranquiçada. Imagino que os diretores tentaram transmitir subjetivamente, pela milésima vez, a perda do espírito selvagem de Simba já que ambas as cenas retratam os conflitos internos do personagem e sua superação.

A dupla de cineastas também utiliza técnicas pouco habituais em animações entre as mais interessantes estão o contra zoom – truque de lentes que faz o segundo/terceiro plano afastar do protagonista localizado no centro da imagem e zooms ligeiros. Eles também têm um gosto único ao utilizar closes no momento propício seja quando Simba acorda Mufasa na aurora do dia ou quando implora a Sarabi para ir brincar com Nala.

Depois de dezessete anos, “O Rei Leão” voltou aos cinemas, só que agora em 3D. A conversão foi muito bem feita e adicionou uma experiência interessante a obra, apesar de sacrificar boa parte da majestosa paleta de cores graças à escuridão causada pelas lentes dos óculos 3D. Entretanto, a recompensa é muito maior. Não existem palavras para descrever a beleza de ver os flamingos voando a um palmo de sua frente durante a abertura do filme. O efeito também garante momentos bem divertidos como quando Scar salta em direção a plateia. Mas, enfim, o que aconteceu com Allers e Minkoff após a produção do filme? Roger Allers está afastado do cinema atualmente e Minkoff virou diretor de filmes medíocres. O último filme dele é o ainda inédito “Assalto em Dose Dupla”. Isso sim é um ótimo exemplo de desperdício de competência e criatividade.

Para finalizar o tópico, aponto uma característica que acabou virando marca registrada da Disney: a queda, leia-se “morte”, do vilão nunca causada pelo protagonista, mas sim por um fator externo. Repare, a Rainha de “A Branca de Neve e os Sete Anões” morre ao cair de um penhasco após ser atingida por um raio (se eu não me engano, era isso o que acontecia). Malévola de “A Bela Adormecida” após se transformar em um dragão também acaba caindo do alto de uma torre. Gastón de “A Bela e a Fera” cai do alto de uma torre após se desequilibrar. Frollo de “O Corcunda de Notre Dame” também cai de uma das torres de Notre-Dame após uma gárgula lhe olhar com um semblante demoníaco. Mr. Clayton de “Tarzan” se desequilibra ao duelar com Tarzan na copa das árvores e acaba caindo. Scar é devorado pelas hienas após Simba arremessá-lo, “sem querer”, para um penhasco. Com exceção da morte de Scar, todas as outras acontecem debaixo de muita, mas muita chuva. Chuva animada o suficiente para acabar com a sede no mundo. Vale lembrar que recentemente, os antagonistas de “Up”, “Enrolados” e “Encantada” também encontraram seu trágico fim após despencar de grandes alturas.

O Retorno do Rei

Sem sombra de dúvida, “O Rei Leão” é um dos melhores filmes da Walt Disney. Sinto orgulho por ter tido a oportunidade de aproveitar uma das melhores fases da Disney. Se não fosse pela magia de seus filmes, minha infância não teria sido tão fantástica como foi. Ele foi remasterizado recentemente com a edição imperdível em Blu-ray. O filme ficou ainda mais emocionante, colorido e vivo do que nunca. Imagino que a versão em 3D já deve ter saído de cartaz, infelizmente. Mas você ainda pode conferir esta versão caso tenha uma televisão compatível com essa tecnologia. “O Rei Leão” é um filme que encanta gerações com sua história maravilhosa e com suas canções que são relembradas até hoje. Ele conta com um grau de subjetividade ferrenho e influi, de alguma maneira, na educação do espectador. Este é um dos filmes que eu terei gosto de apresentar para meus filhos. Agradeço aos que esperaram pacientemente pela análise, mas creio que a espera valeu a pena. E lembre-se: hoje à noite, aqui na selva, quem dorme é o leão.

O Rei Leão (The Lion King, EUA – 1994)

Direção: Roger Allers, Rob Minkoff

Roteiro: Irene Mecchi, Jonathan Roberts, Linda Woolverton

Elenco: Matthew Broderick, James Earl Jones, Jeremy Irons, Whoopi Goldberg,  Rowan Atkinson, Moira Kelly

Gênero: Drama, Aventura

Duração: 88 min


by Matheus Fragata

Crítica | Rocky: Um Lutador - A maior lição da vida de Sylvester Stallone

Revi e vi pela primeira vez nos cinemas, Rocky – Um Lutador, na semana passada. Depois de quase oito anos sem ver o primeiro filme que lançou a antologia de sucesso que hoje está repleta de pó e memórias na minha prateleira.

Foi uma experiência muito interessante notar como a mente envelhece. Fica mais sábia e tange outros sentidos. Quando tinha 13 anos, descobri os filmes ‘Rocky’ por conta dos meus queridos amigos Matheus Costa, Murilo e Antonio que ficavam discutindo qual a melhor cena de porrada, o filme favorito e sobre o joguinho vagabundo de PS2 que rendera horas de diversão para todos nós.

Realmente, naquela época, só me importava o quebra-pau e as brilhantes montagens de treinamento. Hoje, depois de anos escrevendo e estudando sobre cinema, história e política, Rocky virou outro filme para mim. E que filme incrível!

O resultado da crise financeira dos anos 70 atinge forte os filmes da nova guarda hollywoodiana. Pior ainda para a produção independente de Rocky. Nota-se claramente como o filme precisava de recursos que não estavam disponíveis na época. Tomadas longas e descritivas para preencher tempo de ação é que não falta no longa, mas faltava equipamento de luz, películas mais caras, um foquista mais apto, mais recursos de arte, etc.

Porém nada disso o afeta de verdade. Aliás, essas rusgas conferem seu status único. Temos aqui um genuíno underdog dos anos 70. Nada é mais evidente. A solidão, os subúrbios mal iluminados da Filadélfia, o desemprego, a propensão para o crime, más companhias, ambição e frustração, repressão sexual e o machismo. Está tudo lá! Tudo que eu não enxerguei por anos. Inclusive as cômicas inserções de outros filmes para simular o público da luta final. O embate do século foi gravado quase às moscas! Que experiência!

Mais incrível ainda é notar que Sylvester Stallone estava no momento de sua vida e atuando bem. Junto com Talia Shire, uma moça de traços únicos com sua beleza escondida e reprimida propositalmente pelo design de produção primoroso.

Porém, o grande trunfo do filme é colocar o Carl Weathers vestido de Tio Sam e com a bandeira dos EUA quando o fim da segregação racial tinha acontecido há menos de 12 anos. E também sendo ele a oferecer o sonho americano para um lutador branco de subúrbio – e também criminoso. Uma jogada muito audaciosa para aquela época que merece respeito até hoje.

Por essas e tantas razões, Rocky é um filme incrível, com atuações excelentes, trilha sonora memorável, montagem inesquecível e direção justa. Tão impressionante para mim foi perceber pela primeira vez que Balboa nunca ganhou a primeira luta. Não era pra vencer que ele estava lutando. Era para provar a todos de sua resistência, a força de seu espírito e o amor por sua mulher.

É mais uma metáfora da vida. Essa que nunca achamos significado concreto. Que apanhamos fisicamente, intelectualmente e moralmente por diversos motivos mesmo se estivermos no nosso pior momento. Ela é dura, perigosa, frenética e incansável. Cansamos de provar todos os dias que não cairemos. Que não perderemos a dignidade e muito menos a humildade.

E que até mesmo nas piores pocilgas, nos lugares mais hostis, frios e abandonados por todos, pode surgir, independentemente, uma força que move montanhas e que clama por sucesso. Assim como fez Rocky Balboa.

Rocky: Um Lutador (Rocky, EUA - 1976)

Direção: John G. Avildsen
Roteiro: Sylvester Stallone
Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Carl Weathers, Burgess Meredith, Burt Young
Gênero: Drama
Duração: 120 min


by Matheus Fragata

Crítica | Rio

Fazia tempo que o Brasil não aparecia com tanto destaque no exterior como agora. Com as Olimpíadas e a Copa sediadas aqui, era questão de tempo para que aparecesse um filme comercial-turístico para agitar a Economia e o turismo da Nação. Na década de 40, Walt Disney estava passeando pela América Latina a fim de conquistar aliados para a 2ª Guerra Mundial, seguindo a política da “Boa Vizinhança”. Durante sua estadia no Rio de Janeiro, maravilhou-se com o lugar e resolveu presentear os cariocas com um dos personagens mais carismáticos da empresa do Mickey, o Zé Carioca. Agora, Saldanha e a Blue Sky Studios afirmam sua especialidade no terreno animado dominado pela Disney/Pixar com um filme que consegue ser um belo retrato do Rio, abandonando o papagaio e apresentando a arara azul.

Blu é uma arara que não tem contato com outras aves graças ao protecionismo de sua dona, Linda, que nunca deixa de mimá-lo. Mas tudo isso muda quando Tulio, um ornitólogo, visita Minnesota a sua procura e revela que Blu é o último macho de sua espécie e que ele e Linda precisam viajar ao Rio para que ele conheça Jade e perpetue a espécie. Chegando lá, Blu descobre um mundo completamente novo cheio de aventuras onde fará vários amigos.

Venha para o Rio!

O roteiro de Don Rhymer e Carlos Saldanha é feito para as crianças, mas não deixa de divertir os adultos com algumas piadas inteligentes. A história é bem básica e pode parecer clichê para vários brasileiros, mas lembre-se que é incomum para os estrangeiros. É cheio de críticas leves, mas marcantes sem soar moralista e didático, uma coisa rara hoje em dia. O retrato é bem interessante, inserindo o perigoso tráfico de animais, a marginalização infantil, o sequestro, a domesticação de animais exóticos e o péssimo hábito de “humanizar” a natureza – expressado através dos micos.

Às vezes, retrata o Brasil com uma versão muito “americanizada”, mas é preciso admitir que infelizmente nosso País é definido lá fora como um bolo de bunda, carnaval, futebol, praia, mosquitos, frutas e várias outras “tropicalidades” (eu já vivi isso e sei como é esta questão do “rótulo brasileiro”; quando viajei para Paris, havia um marroquino que vendia sanduíches em Mont-Matre e toda vez que eu passava o cara gritava com um enorme sorriso no rosto:  – A lalá, Brézilll, Ronalldo, samba, carnèval, futebol…).

Apesar disto, sua narrativa é surpreendentemente previsível – com apenas 25 minutos de projeção já é possível definir o felicíssimo final dos três conflitos majoritários, sem causar surpresa alguma ao espectador rotulando-o como o típico fell good movie. Mesmo assim consegue ser bem fiel a nossa fauna e flora e, claro, a nossa cultura. As espécies dos pássaros não fogem de nosso País, entre elas, o tucano, o colheiro (parece uma garça), o canário, o pica-pau, as maritacas, cacatuas, periquitos, papagaios e as araras azuis e vermelhas. Também é maravilhoso ficar deslumbrado pelos maravilhosos ipês-rosas, roxos e amarelos  que começam a florescer agora no outono/inverno. Além disso, explicita a importância das clássicas partidas de futebol entre BRA x ARG, a lendária camisa 10 da seleção, as feiras de rua, do esporte, do churrasco, até das baladas e acima de tudo, do carnaval.

É importante lembrar que esta é a primeira vez que a Blue Sky faz uma animação a parâmetros “Disney”. Ou seja, a narrativa é cheia de cantorias alegres e muito bem executadas com performances de dar inveja a outros estúdios de animação. Atente para a música de Nigel – que é apenas um pano de fundo para explicar sua vilania – e repare como ela se parece com o número musical de Iscar e as hienas em “O Rei Leão”.

Descobrindo um novo idioma

Já aviso que assisti a versão com a dublagem original então os comentários sobre este aspecto destinam-se a mesma. Jesse Eisenberg empresta sua voz ao protagonista com uma fala pausada, vacilante e tímida conseguindo transmitir perfeitamente para a plateia a falta de autoconfiança de Blu. Anne Hathaway faz uma voz doce e ríspida quando a impetuosa Jade indigna-se com o fato de Blu não saber voar e também revela ser uma bela cantora.

Jamie Foxx e Will. i Am proporcionam um ótimo carisma a dois personagens que eu não esperava nada – Nico e Pedro. Foxx também surpreende quando canta uma das melhores músicas do longa, já Will. i Am ganha seu mérito ao estereotipar sua fala na melhor frase do filme. Leslie Mann exagera em sua voz fofinha para Linda, mas diverte na maioria das vezes. Rodrigo Santoro não fica atrás de ninguém no trabalho das vozes. Cada vez mais com uma dicção perfeita, não cansa de reproduzir várias onomatopeias com o divertido e caricato Tulio.

George Lopez encara sem problemas um sotaque latino arrastado com o malandro “boa-praça” Rafael. Tracy Morgan se destaca em sua dublagem competente novamente impressionando com o carisma dado ao personagem. E por últimos, mas não menos importante Jemaine Clemant roubando todas as cenas com o antagonista do filme, Nigel. Ele trabalhou com muita vontade – fazia tempo que não via alguém dublar um vilão tão bem a ponto de eu simpatizar com o mesmo. Toda sua dublagem é caricata apostando com uma risada medonha, mas estranhamente bem feita.

Muito mais que verde, amarelo e azul

A fotografia é de Renato Falcão. Logo um brasileiro na fotografia resulta em um fenômeno visual em um filme que homenageia uma cidade amada por todos. Sua concepção de imagem esbanja de uma vasta (quando digo “vasta” é porque ela realmente é) palheta de cores apenas carregando nos tons pesados e escuros durante os segmentos na favela por motivos óbvios. A iluminação escolhida também sempre procura tirar proveito da cena e aumentar de uma maneira cômica sua dramaticidade. A luz é uma coisa muito trabalhada no filme principalmente nos devaneios apaixonados de Blu (contraluz muito presente) e durante as “festinhas” que os pássaros visitam, sem contar o Sambódromo. Ela é tão eficiente que até o sereno da madrugada é presente, ofuscando um pouco a imagem.

A animação da Blue Sky dá um salto gigantesco a cada filme realizado. “Rio” é o melhor trabalho do estúdio. O primeiro desafio era como construir expressões faciais em pássaros – uma coisa que realmente amedronta vários desenhistas. Felizmente, eles conseguiram e transformaram todas as expressões em uma explosão de fofura. Cada personagem conta com sua própria animação gráfica, por exemplo, um sorriso de Nico nunca será igual ao de Blu, tão pouco suas caras de tristeza, espanto, surpresa, medo…

O visual dos personagens humanos é bem “cartunesco” e assim acaba diminuindo um pouco o esforço de detalhar ao extremo. Entretanto, as aves da animação são muito fiéis às reais. Até mesmo o desenho, a forma de como as penas são distribuídas ao longo das asas e sua textura varia de ave para ave, um trabalho realmente impressionante. Os bicos também receberam um tratamento especialíssimo contando com ranhuras e imperfeições, além da variação da física da luz refletida por eles.

A fidelidade que reproduziram a cidade do Rio de Janeiro também é fenomenal. É impossível não ficar emocionado com tamanha riqueza de detalhes ao reconhecer as inúmeras paisagens da cidade como a orla de Copacabana, o Pão de Açúcar ou o Corcovado em várias perspectivas diferentes.

Samba no pé, eletrônica na mão, Bossa Nova na cabeça

De longe a trilha de “Rio” é a melhor de todos filmes de animação que já assisti. A música original é de John Powell, o mesmo de “Como Treinar seu Dragão”. Incrível é ver como o gringo consegue construir sambas nervosos com ritmos genuinamente brasileiros dominando todo o conjunto dos pandeiros, tambores, apitos, sininhos e todas as tralhas musicais do Carnaval. Fora isso, faz músicas muito agradáveis de ouvir misturando os dois idiomas com Ester Dean e Carlinhos Brown no vocal. Destaque para o samba da “Marques de Sapucaí” com a intrepretação de Brown.

O elenco também canta, mas o destaque realmente fica para Jamie Foxx e Will. i Am com seu maldito e eficaz “Auto-Tune”. A bossa nova também marca presença com a inesquecível “Garota de Ipanema” de Tom Jobim, “Mas que Nada” de Sergio Mendes e “Samba de Orly” de Vinicius de Moraes e Chico Buarque de Hollanda. Para se ter uma noção da eficiência viciante da música do longa é praticamente impossível sair do cinema sem cantarolar “Let me take you to Rio, Rio” ou “I want the samba” ou “in Rioooooo, in Rioooo you won’t find in anywhere elseeeee”.

Uma carta de amor

Carlos Saldanha começou como coadjuvante na direção em “A Era do Gelo”. Depois virou o protagonista e agora realiza um filme totalmente tirado de sua cabeça com saudades de sua terra natal. Sua direção é completamente apaixonada pela cidade e misturando o efeito 3D tudo fica mais bonito ainda. O 3D tem um impacto tremendo em “Rio”. Se você não assistir nesse formato, dificilmente se emocionará com as cenas do passeio na asa delta abençoado pelo Cristo somente com o som gostoso do vento e de Sergio Mendes, na volta no bondinho de Santa Teresa ou se sentir dentro do Sambódromo.

Saldanha homenageia também Fernando Meirelles com o clássico plano “corre para pegar a galinha”. Suas críticas são bem sutis – repare quantas vezes a correntinha na perna de Blu aparece em detalhe, porém  estereotipou os brasileiros e o Rio colocando gente semi-nua no calçadão, aves raríssimas voando na praia (detalhe, não aparece uma pomba no filme inteiro – se fosse em São Paulo…), seguranças esperando para cair no samba, etc. Isso não me incomodou, me divertiu. Mas é muito provável que várias pessoas acabem se ofendendo com os “tipos” que Saldanha escolheu. Repare que o diretor está começando a criar uma identidade para seus filmes. Em “A Era do Gelo 3”, Saldanha acertou em cheio na comédia quando inseriu a música “Alone Again (Naturally)” de Gilbert O’ Sullivan e aqui faz a mesma coisa com “Say You, Say Me” de Lionel Ritchie.

Sua direção é bem brasileira e cheia de sacadas. Por exemplo, quem teria a simplicidade de casar o samba com os assovios dos pássaros mais os barulhos da mata com os bichinhos dançando nos galhos? Poucos estrangeiros teriam. Saldanha reina absoluto como o único brasileiro a ter sucesso no ramo da animação. Infelizmente, ele aposta demais na comédia pastelão em seu filme (piadas baseadas na dor física alheia) que muitas vezes podem deixar os adultos no ócio. Mas no que erra, compensa sempre acertando em dobro, como a rotina interessante de Blu e suas manias.

Deixe eu te levar para o Rio!

“Rio” é o melhor retrato do Brasil e do nosso povo até agora no exterior. É um filme muito bem feito, muito colorido, musicalmente brasileiro, divertido, emocionante, um google maps detalhado da cidade. Não pense duas vezes em gastar um pouco mais para assistir a versão 3D, não há arrependimentos neste filme. Ele alerta sutilmente as crianças sobre os perigos do futuro plantando a ideia da preservação do meio ambiente. Finalmente, assisti um filme “turístico” que consegue quebrar a barreira panfletária. Você sairá feliz e cantando. Saldanha saiu feliz e mais rico e a Fox encontrou sua mais nova, merecida e competente franquia milionária.


by Matheus Fragata

Crítica | Sobrenatural

Lá pelos anos 80, o terror encontrou outro desdobramento, muito diferente do slasher,trash e do recente gore porn. O horror hardcore havia surgido com maior impacto e conseguia assustar a geração que vivenciou o evento. “O Exorcista”, “Poltergeist”, “A Cidade do Horror” (mais conhecido aqui pela sua refilmagem “Horror em Amityville”), “A Casa da Colina”, “A Casa Amaldiçoada”, “A Profecia” (apesar dele ser de 1976), entre vários outros são exemplos deste sub-gênero. Eu já achava que nunca mais assistiria um filme de terror que realmente me desse medo e parece que, finalmente, encontrei o que procurava.

Josh e Ranai Lambert e seus três filhos acabaram de se mudar para uma nova casa visando uma vida de paz e sossego.  Entretanto, os espíritos que residem em tal humilde morada não desejam o conforto de seus hóspedes. As coisas começam a ficar preocupantes quando um dos filhos do casal, Dalton, entra em um inexplicável coma. Josh e Ranai cansam de serem atormentados pelas almas penadas do local e chamam a psíquica Elise que promete solucionar o caso. Infelizmente, Elise nunca havia enfrentado uma força tão poderosa como esta que vive nos corredores da casa.

Ressuscitando a fórmula do medo

O roteiro é de Leigh Whannell, o mesmo de “Jogos Mortais”. Logo de inicio, ele  tenta criar vínculos emocionais entre o público e seus personagens a fim de desenvolvê-los antes de tocar o terror. O filme adota uma postura bem interessante com uma proposta diferente. Ao invés de o espectador se deliciar com as traquinagens dos seres fanfarrões – como em “Atividade Paranormal” – , acompanha o drama e o terror mental que os antagonistas causam a pobre família. Esse terror psicológico desencadeia vários conflitos entre o casal como a desconfiança de Josh em relação  ao que Renai alega ver ou o aparente “medo” do marido voltar para casa ficando até tarde da noite no trabalho.

Isso não quer dizer que de maneira alguma a plateia não sentirá medo durante a projeção. Fique ciente que o filme é fortíssimo e recomendado aos que se divertem em tomar vários sustos oportunistas e sentir medo. Whannell aprendeu com o passado que é muito gratificante mostrar de tempos em tempos as criaturas para a plateia. Ou seja, você verá os seres demoníacos diversas vezes que custam a desaparecer para a escuridão novamente. Ele faz uma coisa esperta para respeitar aqueles que têm o coração fraco – sempre faz uma sucinta “sugestão” de que algo vai aparecer em tela momentos antes, mas aviso que é pior ficar de olhos fechados graças à música.

O primeiro ato da película é a melhor experiência de medo artificial que tive há algum tempo. Tudo funciona a seu favor, principalmente a dosagem de situações paranormais apavorantes. Infelizmente, o terceiro ato muda completamente a atmosfera aterrorizante que o filme havia construído até então, para tornar-se um ridículo passeio freak de trem-fantasma hiperexagerado. Nele, os conflitos são esquecidos, assim como os dois outros filhos do casal, para fechá-lo rapidamente em um final clichê, previsível e desprezível já que sugere uma sequencia porca.

O segundo ato é o mais perturbador contando com um clímax soberbo digno dos filmes que listei acima. Os elementos utilizados aqui são muito mais fortes, portando-se como lembranças reais do medo no intelecto do espectador. Ou seja, o roteiro de Whannell estimula o cérebro a procurar lembranças de sua própria vida em que você se encontrava com medo de alguma coisa semelhante àquela mostrada na tela como os terríveis corredores escuros ou o suspense das portas entreabertas.

Maior orçamento, maiores créditos

As atuações não deixam a desejar. Patrick Wilson é o patriarca da família e em momento algum chega a ser memorável. Suas expressões e gestos não variam muito, assim como o afeto do público com seu personagem indiferente. Rose Byrne é o oposto de seu par romântico no set. Toda sua frágil e elegante atuação exala medo. Seus olhares amedrontados, respiração ofegante, sua fala suplicante e desesperada, seu andar desconfiado acompanhado de gestos trêmulos encantam o público com o tempo de projeção do filme.

Com pouco tempo em cena, Barbara Hershey também surpreende caindo da cadeira enquanto solta o melhor grito de pavor do filme inteiro. Lin Shaye é a melhor atriz da película provando seu aprendizado com os inúmeros filmes de terror que já participou. Sua atuação é muito intensa e determinada – é impossível não ficar intrigado e impressionado apenas com sua expressão na cena do ventilador de teto.

A dupla de caça-fantasmas Angus Sampson e Leigh Whannell (o roteirista) tenta explorar a veia humorística do filme apostando na caricatura de seus personagens, porém não conseguem já que o público está aterrorizado. Entretanto, são eficientes e aliviam um pouco o clima pesadíssimo.

Marcante até demais

A fotografia de John R. Leonetti é fantástica. Sua escolha artística é impecável. Os tons frios e pálidos tornam tudo mais aterrorizador, denso, acinzentado e pesado. Além disto, ele consegue tornar tudo sombrio e fantasmagórico com o inteligente truque de suavizar a luz exterior com várias cortinas brancas expondo um contraste do branco leve com o preto. Também utiliza múltiplos desfoques, reflexos, gelo seco e flashes de luz para o mesmo propósito. A escuridão é outra coisa trabalhada com muito cuidado por Leonetti chegando a filmar tomadas inteiras com apenas uma fonte fraca de luz.

Seus movimentos de câmera também são um espetáculo a parte. Várias vezes ele realiza o clássico e sinistro plano que captura a diagonal da casa assombrada deslizando seu equipamento. Ou quando move a imagem freneticamente de um lado para o outro acompanhando um ser na varanda da casa. Várias de suas escolhas de como filmar o que ocorre diante de seus olhos conseguem amedrontar o espectador. Aproximar/fechar a imagem no relógio de torre que fica no fundo do obscuro corredor ou em outros objetos e seres, enfiar a câmera entre as frestas de uma porta que se abre lentamente, isolar a personagem em um plano distante em cima das escadas, girar o plano na diagonal a fim de tornar a cena mais dramática e dar uma impressão de desespero ou realizar uma subjetiva que bisbilhota um tenebroso dançarino na sala de estar, são apenas meros exemplos de como suas imagens ficam na sua cabeça.

Seus belíssimos planos-detalhe também merecem um destaque, sendo que o melhor deles se encontra na tomada onde os caça-fantasmas apresentam e ajustam orgulhosamente a parafernália usada por eles.

A direção de arte mantinha um padrão muito bom durante o filme inteiro, mas no terceiro ato tudo vai de pernas pro ar em que antigos cenários acabam reciclados, mais limpos e tenebrosos. Porém, o que realmente fica fora de lugar é o confim onde Josh se enfia no clímax predominando cores quentes e uma arquitetura gótica bizarra. Os figurinos e os figurantes que os vestem também são uma bizarrice freak do clímax em que tudo parece uma cópia desgastada de um videoclipe de Michael Jackson.

Violinofobia

A música de Joseph Bishara é um ode a todos filmes hardcore de casas assombradas dos anos 80. Os acordes agudíssimos dos violinos dão a sensação de que seus tímpanos estão prestes a explodir. Todas elas contam com um ritmo viciante que deixam o espectador cada vez mais tenso.

Ela é extremamente oportunista acompanhando vários sustos que fazem seu coração saltar. Para ter uma ideia da trilha inteira, basta escutar a música da horripilante e histérica introdução que destaca com pavoroso gosto o nome INSIDIOUS. Ela também mexe com sua imaginação, ou seja, é melhor ficar de olhos abertos e encarar o terror de frente do que criar os seus próprios demônios em sua cabeça fertilizada pela trilha.

A sonoplastia é muito presente o filme inteiro. É importante citar que ele é acima de tudo uma experiência sonora, uma coisa que poucos filmes se dão o trabalho de proporcionar o espectador. Todos os barulhos são aterrorizantes, rangidos de portas são aumentados ao volume máximo, gritos, sussurros, choros que ecoam entre a casa também são inseridos com malícia nas cenas. Passos, estalos, barulhos de galhos quebrando e o tique-taque do metrônomo também são ritmados com a música. Fora o inexplicável som que se assemelha ao de uma máquina de lavar em convulsão – acredite, isto também deixará seus cabelos em pé.

A edição dos elementos sonoros é tão eficiente que quando ela resolve cortar a música e deixar a cena somente com a sonoplastia o espectador implora para que a inquieta música retorne e quando ela volta, ele suplica para que ela suma.

Jogos sobrenaturais

James Wan finalmente retornou após deixar seu legado “Jogos Mortais”. Agora, provou que consegue fazer muito mais do que sanguinolência e órgãos expostos. Wan faz o espectador sentir medo sem derrubar uma gota de sangue no solo. Isso não quer dizer, entretanto, que ele não se faz presente. Sua direção apresentou-se muito mais madura levando o medo a sério e impregnando-o no espectador trêmulo na cadeira. Se você imagina que as coisas que acontecem na primeira casa onde o casal reside são fortes demais, nem queira imaginar o que ocorre na segunda.

Wan faz referências a “Poltergeist” com os galhos nas janelas e a própria série que criou, “Jogos Mortais”, que se apresenta em um desenho na lousa enquanto Josh leciona. Ele criou uma atmosfera muito envolvente e tenebrosa utilizando com sensatez diversos elementos criativos, entre eles o principal antagonista do filme. Além de Wan, Oren Peli de “Atividade Paranormal” auxilia na produção e claro que deixa uma influencia de sua franquia no filme. Repare que a única tomada que mostra quase todos os cômodos da casa vazios a noite se assemelha com a sequencia das câmeras de segurança do segundo filme de sua franquia.

Outra moda que pegou em filmes de terror foi amaldiçoar certas músicas antigas. Em “1408”, “We’ve Only Just Begun” dos The Carpenters foi a escolhida. Na refilmagem de “A Hora do Pesadelo”, “All I Have to Do is Dream” dos Everly Brothers foi taxada de assassina. Wan selecionou a dedo a pior música possível para aterrorizar seus ouvidos por muito tempo – “Tiptoe Through the Toulips” de Tiny Tim já era sinistra por natureza e agora depois deste filme, duvido que eu tenha coragem de ouvir novamente.

Não leve a assombração para casa

“Insidious” é um filme de terror que realmente lhe proporciona horas de puro medo. Se você está procurando um ótimo filme que te assuste, ofereça uma música típica do gênero, uma sonoplastia digna de blockbusters e uma fotografia impecável, vá sem duvida alguma. Além de se divertir, ficará tenso e enervado com o artístico suspense do longa. Porém fique ciente que o último ato do filme é simplesmente deplorável e acaba totalmente com a atmosfera aterrorizante construída assemelhando-se a um filme de comédia fracassado. E lembrem-se, não façam como eu fiz. Não assistam esse filme sozinhos de forma alguma, pois a insônia te esperará de braços abertos. Ou não…

Sobrenatural (Insidious, EUA, 2010)
Direção: James Wan

Roteiro: Leigh Whannell
Elenco: Patrick Wilson, Rose Byrne, Barbara Hershey, Leigh Whannell
Duração: 102 min.


by Matheus Fragata

Crítica | Reencontrando a Felicidade

A morte e o luto. Duas fases que toda pessoa passará na vida, querendo ou não. Também vai aprender a superá-las com o doloroso decorrer do tempo. Tudo na vida tem um sentido e a morte pode ser interpretada como apenas um recomeço tanto para o falecido quanto as pessoas que continuam vivas. Os filmes, muitas vezes, retratam a vida e, consequentemente, a morte está ligada a várias obras. Muitos encaram a morte de uma maneira caricata, cômica explodindo os antagonistas pelos ares, enquanto outras têm a sensibilidade de tratá-la com mais cuidado expondo, pela ficção, as dores, os medos, os desabafos e o triunfante reerguer que os personagens sofrem para continuar com suas vidas.

Becca e Howie tentam retomar o rumo de suas vidas após a trágica morte de seu filho de quatro anos por um atropelamento bem em frente a sua casa. Os dois já não tem a mesma vontade de viver como antes. Sentem-se completamente perdidos. Entretanto, o destino sorri para Becca quando ela reencontra Jason, o motorista responsável pelo falecimento de Danny e aprende a perdoar, criando um forte laço de amizade com o adolescente.

A força das palavras

O roteiro é de David Lindsay-Abaire baseado em sua própria peça de teatro homônima. A riqueza, complexidade e profundidade de sua história e de seus personagens são inúmeras. É interessante ver o progresso no conflito interno/emocional que o casal passa e como lidam, separadamente, com seus próprios problemas. Becca faz o impossível, de todas as maneiras, afastar as pessoas que tentam lhe ajudar a superar a morte do filho, preferindo o absoluto isolamento da sociedade. Ela também aposta no desapego material das coisas de Danny esperando amenizar a dor, mas a única coisa que consegue é eternizá-la em suas memórias. Becca também não suporta a ideia de sua irmã, completamente desprovida de noção e bom-senso, ter engravidado enquanto seu filho é tirado dela.

Várias vezes a personagem se desentende com sua mãe alegando que não deve comparar a morte de seu irmão com a de Danny, já que um era um viciado e outro era uma criança, deixando claro que Becca ainda não entende que um filho, por mais problemático que tenha sido, continua sendo uma pessoa amada pela mãe. As coisas só começam a melhorar para a personagem quando ela começa uma amizade secreta com Jason encontrando um alívio e uma fuga para sua dor, visto que os dois estão muito abalados com o ocorrido mesmo que tenham passado oito meses. É nessa bela relação de perdão e ajuda mutua que o roteiro faz uma das mais belas e delicadas metáforas sobre o tema explicando o confuso título “rabbit hole”. Mesmo assim, a personagem vê a vida que seu filho não teve a oportunidade de ter através de Jason como se formar e ingressar na faculdade.

Howie é um personagem tão complexo quanto Becca. Ao invés de se isolar do mundo como sua esposa faz para atenuar o sofrimento, busca desesperadamente pelo contato humano que o console. Ele se enfia em grupos de terapia – os quais sua mulher não suporta alegando que as pessoas usam desculpas fajutas para justificar a perda de seus filhos fugindo para um aspecto religioso – com casais que passaram pela mesma experiência traumatizante. Às vezes, foge para o uso de drogas meio para também tentar amenizar a dor, sendo que descobre o verdadeiro significado do amor por Becca em uma dessas passagens. Ele apresenta muita carência afetiva já que Becca não faz esforço para ajuda-lo a superar essa fase difícil que estão passando. Ela sempre assume uma relação egoísta no caso, jogando a culpa para si e tomando várias decisões sem consultar Howie, explicitado pela briga clímax entre os personagens.

A trama é redonda. A noção de progresso é completamente ilusória e isso é feito propositalmente. Quando se perde alguém querido, não há como progredir e se recuperar em um piscar de olhos. Isso foi uma característica muito inteligente do texto, porque assim o tema não foge da abordagem realista que propõe.

Mesmo assim, tem um problema que me incomodou bastante. É praticamente impossível ficar envolvido no drama que os personagens tentam transmitir já que o espectador nunca conhece o filho do casal. Bom para o teatro, talvez, mas na telona, a falta do personagem (ou de sua história) deixa um buraco no fim. Assim, tudo acaba ficando distante como se o conflito não fosse um problema da plateia deixando transparecer uma relação de pseudossadismo entre os personagens e o público. Poucos sentimentos são compartilhados pela plateia com o filme como a enorme sensação de vazio quando o filme acaba tentando te convencer de que tudo acabará bem para o casal, quando na verdade ainda tem um caminho muito doloroso a se percorrer.

Nicole Drama

Não é de hoje que Nicole Kidman sempre participa de projetos com temas depressivos e complexos – talvez para tentar almejar uma indicação ao Oscar, como conseguiu neste caso. Kidman estava muito mal vista pela crítica nesses últimos tempos, mas parece que finalmente conseguiu sua redenção.

Como sempre, Kidman está completamente madura demonstrando uma seriedade assombrosa em sua personagem. Sua atuação é lotada de expressões secas, amargas, tristes e depressivas. Até mesmo em seu jeito tímido de andar que muda subitamente quando sua personagem tenta mudar a situação em que vive. Seus olhares perdidos são tão profundos que o espectador cria uma forte conexão com ela conseguindo adivinhar até os pensamentos da personagem. As expressões de tristeza dão lugar às de alivio e paz interna momentânea enquanto a atriz contracena Miles Teller que, por sua vez, consegue criar um psicológico interessante de seu personagem deixando transparecer a grande culpa e pouca autoconfiança que ele carrega.

Aaron Eckhart demonstra um desempenho muito mais interessante do que aquele mostrado em “Invasão do Mundo”. Seu personagem tem uma relação conturbada com a de Kidman, assim mostra uma química (ou a falta dela) muito boa entre os dois atores. Ele deu conta do recado e mostrou ser capaz de interpretar um personagem em um estado emocional delicado. Além disso, consegue se expressar bem em cena, principalmente a dor e a dúvida que Howie sente.

Dianne Wiest é outro espetáculo em cena. Wiest já ganhou dois Oscar e tem vasta experiência no gênero. Sua atuação dispensa comentários, ela está muito confortável no papel. É a personagem que consegue firmar os pés no chão e superar as adversidades da vida, mas mesmo com esse aparente jeito de invulnerabilidade, demonstra toda a fragilidade que toda mãe deve ter e não aguenta as duras críticas da personagem de Nicole.

Tammy Blanchard, Sandra Oh, Giancarlo Espósito e Jon Tenney completam o competente elenco. Em suma, todos os atores trabalham muito bem em grupo, ou seja, em nenhum momento um ator ofusca a presença do outro.

Quebrando barreiras

A fotografia de Frank G. DeMarco também é depressiva como o filme inteiro. Opta por cores sombrias, pálidas, frias, gélidas e esbranquiçadas/acinzentadas completamente desprovidas de emoção assim como a protagonista. Ela é um aspecto do filme que casa perfeitamente com a personagem protagonista.

Somente nos trechos que se passam no parque quando Becca conversa com Jason, as cores ficam pouco mais vivas. Entretanto, mesmo com imagens belas, todas transmitem tristeza e solidão que a personagem vive. Seus planos-detalhe são belíssimos e cada um deles conte um significado a ser interpretado para cada espectador. Como os que focalizam o desenho de Jason, a água molhando as flores, a terra forte e rude, a fritura da comida, o terno e desesperado abraço de Howie com seu cão, a máquina de lavar, etc. Para mim, todas elas buscam a textura, o mundo palpável, o contato físico com os objetos que parecem ter sido esquecidos pela personagem.

Após o grande close da máquina de lavar, existe o plano mais importante e belo do filme. Nele, encontra-se apenas a silhueta de Kidman na imagem iluminada por uma fraca fonte de luz. Ali é retratado o enorme vazio que a personagem sente, como se seu corpo e alma não estivessem mais ali, apenas sua sombra esquecida e cansada apoiada debilmente no cesto de roupa suja. Destaque para a modelagem de luz nas cenas na sala de estar que, aparentemente, foi realizada apenas com os abajures que estavam em cena.

Protagonista da vez

A música de Anton Sanko rouba a cena diversas vezes. Sua trilha é uma das mais belas que já ouvi, mesmo que emanando uma profunda tristeza em todas as composições do filme. Ele utiliza vários instrumentos a seu favor como arpejos agudos e suaves no violão, várias notas calmas em uma espécie de flauta e um casamento de notas das cordas do violão e do piano. Apenas com estas composições simples e marcantes, tenta roubar lágrimas de seus olhos. A trilha nunca chega a ser melodramática e ridícula. Ela, simplesmente, funciona perfeitamente na cena.

O violino fica esquecido em várias musicas, mas quando aparece, todo o conjunto da obra torna-se muito forte praticamente esmagando seu peito contra um piso gelado como acontece na composição que fecha o filme – prepare-se!

Outra característica da trilha é ser cíclica. Ou seja, as músicas vão te emocionar de qualquer maneira graças isso. As escalas repetem-se diversas vezes parecendo que estão perdidas na partitura assim, como a protagonista está completamente desprovida de base na história. E também foge de finalizações pomposas, sempre optando terminar suas musicas no meio de alguma nota que passa despercebida aos ouvidos do espectador aumentando ainda mais a sensação de solidão – algo que estava logo ali e que, momentaneamente, desaparece… Abandona, simplesmente, o espectador.

Conversando com o público

Quem assume a direção do filme é John Cameron Mitchell, um diretor pouco conhecido. E é uma ótima surpresa.  O modo que conduz seu filme e seu elenco é único e encantador. O diretor possui muita delicadeza e sensibilidade em retratar um tema tão pesado e complexo como este – preste atenção no fim do filme!

O desenho de Jason é um apontamento de sua direção. A história do filme todo está naquele desenho e seus personagens são representados pelas colagens, afinal todos eles dependem, essencialmente, de uns aos outros – se um cair, a obra perde a sintonia.

Maneja, também, suas câmeras de maneira muito interessante e inteligente. Repare que, muitas vezes, a imagem se aproxima e se afasta do espectador a fim de deixá-lo desconcertado, tirar a sensação de estabilidade e enfatizar a dramaticidade da cena sendo que algumas vezes ele utiliza o truque da “câmera nervosa” deixando a imagem tremula.

Sua direção é brilhante por conseguir se comunicar com o público abertamente e encontrar vertentes para o humor e as fazendo funcionar – sim, o longa conta com algumas piadinhas – no meio de um tema muito triste. Cada cena do filme tem um significado para sua existência e te deixa reflexivo por um bom tempo.

Reencontrando a felicidade?

Com um título pobre, infeliz e enganoso, “Reencontrando a Felicidade” é um filme emocionalmente. Infelizmente, não consegue te envolver na maioria do tempo o que é um problema gritante. As poucas vezes que te emociona, provém muito de sua bela música, apesar de ser tecnicamente e artisticamente muito expressivo. Ele é sim um filme pesado e pouco recomendável para quem está em depressão ou anda de mal com a vida. Só assista se estiver muitíssimo feliz, porque senão quando o filme acabar quem vai ter de reencontrar a felicidade será você. Mesmo assim se você for e ficar triste, procure uma comédia em alguma outra sala. Assim, o equilíbrio torna-se perfeito!


by Matheus Fragata

Crítica | Padre

Em certo dia, uma mulher de classe média resolveu exercitar a pouca imaginação que tinha. Então, nada melhor que escrever um livro para aquecer a mente. Mas um livro era pouco – por que não uma saga? E foi assim que esta mulher destruiu a reputação de todos os vampiros da história do homem. Abandonando as capas sombrias para peles fluorescentes depiladas, os vampiros estavam reclusos em um canto escuro olhando toda sua glória ir para seres nefastos adolescentes. Mas, no fim do túnel, havia esperança. Após “Deixe Ela Entrar”, o tempo finalmente parece clarear para as criaturas sempre famintas.

O mundo já não é mais o mesmo. Os homens são confinados a viver sob a dura ditadura da Igreja em várias cidades cercadas de muros gigantescos. A causa deste futuro pós-apocalíptico foi à guerra travada entre os homens e os vampiros. Os homens, por fim, venceram a carnificina graças aos Padres – treinados pela Igreja com um único propósito, destruir vampiros. Após anos sem conflitos, um grupo de supostos vampiros rapta Lucy, sobrinha de um Padre. Com isso, este Padre deserta a cidade a fim de encontrar sua sobrinha, mas no meio do caminho encontra um parceiro, Hicks. Sabendo que o Padre havia desertado, o Clero ordena o grupo restante de Padres a caçar o fugitivo.

Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte…

O roteiro do novato Cory Goodman adapta vagamente o mangá de Hyung Min-Woo. No início, sua escrita é praticamente perfeita localizando o espectador em um universo completamente novo. Tudo é pensado: economia, energia, religião, política e a rica sociedade segmentada em diversas classes. Ele também elabora algumas questões sociais muito interessantes que revelam um pouco mais do psicológico da amedrontada população. O contraste que cria entre as cidades do deserto com as protegidas pelos muros funciona perfeitamente. Fora isso, a ditadura apresentada remete muito a de George Orwell em “1984” e seu Big Brother.

Os problemas começam quando seus personagens começam a falar. Os diálogos são esquisitos e desprovidos de propósito sobre sua existência. Aposto que se o filme fosse mudo, todos entenderiam perfeitamente sua historia. Outro aspecto interessante de sua escrita é que em sua adaptação pouquíssimos personagens têm nomes próprios – apenas dois. O resto é referido por suas características e seus cargos públicos como Priest, Black Hat, Monsignor, etc.

Entretanto, o maior problema do enredo é sua total falta de desenvolvimento. Todas as características que listei acima não são minimamente desenvolvidas. Simplesmente são jogadas ao público com desdém. Alguns podem achar um pouco ofensivo a maneira que os vampiros são retratados. Aqui eles são seres bestiais, sem olhos, puramente selvagens muito diferentes dos elegantes, cultos e sofisticados vampiros do tempo clássico. Porém, se a intenção do roteirista era intensificar o contraste social dos humanos com as criaturas – vide a filosofia de liberdade que Black Hat defende no fim do filme, pode-se dizer que funciona perfeitamente.

Outro problema do roteiro é o clímax. Durante a cena tudo indica um desfecho fantástico e empolgante, mas, na realidade, o que acontece decepciona o espectador com uma resolução simplória. Também no clímax, destrói a imagem inteligente do antagonista para mais um vilão raso tão desprezível quanto o resto dos vampiros do longa. Além disso, ele consegue ser extremamente clichê em várias partes. Algumas possuem até diálogos praticamente iguais a de outros filmes como a indubitável referencia a “Piratas do Caribe: A Maldição do Perola Negra”. Outras passagens remetem muito a “Matrix”, “Blade” e “V de Vingança”. Ironicamente, ele não conta com nenhuma que remete ao universo de faroeste que o filme é ambientado. Também é importante citar que a história do filme é muito diferente da apresentada nos manhwas em que os vilões eram demônios, não vampiros.

Silas 2.0

Paul Bettany é um ator competente como ficou provado quando encarnou o esquisitão Silas em “O Código da Vinci”. Neste caso, sua atuação coincide muito bem com o personagem silencioso e misterioso. Ele consegue despertar o interesse do espectador a respeito do passado e futuro do protagonista. O carisma que conseguiu dar ao personagem também é impressionante visto que trabalha muito pouco as suas expressões faciais, além de não variar o tom sereno e monótono de sua voz. Fora isso, as poses que realiza nas cenas de combate são bem orgânicas e dão muito dinamismo em cada cena.

Já Cam Gigandet não chega nem perto de tornar seu personagem memorável ou interessante. Ele é um ator fraco então não há muito que se falar sobre sua atuação. Seu personagem é chato e diversas vezes o espectador nota que a razão de sua existência é causar empecilhos na jornada de Priest. Já Karl Urban tenta criar um personagem um pouco melhor que os outros. Seu antagonista não esbanja crueldade, mas também não deixa o espectador no ócio. Já citei que o filme é clichê, mas aqui aconteceu uma coisa que eu nunca havia visto. Em determinada cena, Urban atua somente com sua expressão corporal que coincidentemente é igualzinha a de Hugo Weaving em “V de Vingança”. Apesar disto, o movimento de Urban é muito mais fluido é bonito tornando sua execução melhor que a de Weaving.

Maggie Q tem a melhor personagem do longa. Ela esbanja sensualidade apesar de não arriscar nenhuma pose provocativa. Assim como Bettany, Q não trabalha nada suas expressões e sua voz levando a crer que todos os Padres tem a mesma característica serena e triste. Christopher Plummer dispensa apresentações, está fantástico como sempre. Colocou profundidade em um personagem completamente raso e clichê – velho truque do governante velho iludido pela história de que o perigo está extinto quando na verdade está na porta ao lado.

Estética da Catedral

Desde o começo de sua divulgação, “Padre” mostrou-se ser apenas uma promessa visual. Isso ele cumpre em todos os aspectos. A fotografia de Don Burgess não desmerece sua indicação ao Oscar por “Forrest Gump”. A atmosfera de sua iluminação é extremamente sombria e gelada puxando várias tonalidades de azul e de vez em quando utiliza o verde – isso reforça bastante a ambientação gótica. Entretanto, a maior surpresa não é esta, mas sim é que ele não opta por deixar sua palheta de cores apenas com estes tons. O filme possui cenas extremamente iluminadas com forte predomínio de tons brancos deixando praticamente impossível distinguir o chão e o céu. Assim, cria quadros infinitos que revelam a devastação “nuclear” da guerra e a inospitalidade do deserto escaldante. Para mostrar isso, opta pelo gigantismo de suas imagens pegando planos baixos e muito abertos.

Ele também é consagrado por sua cinegrafia inteligente. O seu trabalho com sombras é impressionante. Algumas vezes, ele as projeta em objetos criando formas fantásticas de se olhar como na cena da parada do trem em Jericó. Porém, é possível notar com mais facilidade essa característica na forma de como a luz incide na face de Karl Urban – muitas vezes seu rosto é encoberto pelas trevas da sombra de seu chapéu deixando a mostra apenas o olho amarelado. Fora isso, ele também auxilia o diretor em vários planos-detalhe incríveis. Destaque para a transformação fotográfica que ocorre na cena que se passa em Jericó.

Os efeitos visuais do filme também não ficam para trás. Com um orçamento mediano, pode-se dizer que fizeram milagres. O nível de detalhamento das cidades digitalizadas é impressionante. Além da destruição das metrópoles, a animação e o visual das criaturas acompanham a qualidade restante do visual da obra. O tratamento dado a elas é magistral. Todos os vampiros têm uma caracterização orgânica absurda contando até com a pele úmida e a saliva esvoaçante quando berram – destaque para a sonoplastia.

A direção de arte não pode ser esquecida. A recriação de vários cenários como a cúpula, as grutas onde os vampiros vivem e a própria cidade de Jericó são exemplos do cuidado conferido ao tratamento dos cenários. Destaques para a moto e as armas que os personagens empunham durante a projeção. O figurino também é outro aspecto a ser ressaltado. Todas as personagens contam com uma caracterização marcante sendo a melhor delas a do personagem Black Hat – menção honrosa ao espírito “faroeste” que o filme carrega.

Mediocridade divina

A música em “Padre” não é um ponto forte. As composições são assinadas pelo medíocre Christopher Young.

Sua música não é forte o suficiente para chamar a atenção do espectador. Ele claramente se baseia em Hans Zimmer neste caso. Suas escalas de violinos lembram consideravelmente as de “A Origem”, mas mesmo assim não consegue elevar o ânimo do espectador. Poucas vezes consegue soar original. A única composição que consegue sair da mediocridade é a que abre o filme. Nela a criatividade do compositor é posta a prova. Ele mistura o som inigualável de órgãos clássicos mais um coro de vozes surpreendente com um fundo musical elaborado arquiteto por violinos e trombones. A música “Fanfare for a Priestess” também consegue sair da mesmice graças à bela composição das vozes do coral.

Todavia, ele cumpre a função de preencher as cenas com suas músicas. É incrível perceber como vários compositores de hoje não chegam aos pés dos músicos clássicos. Isso é provado pela força do conjunto de obra na cena “maximum clichê” do filme. O uso de “Réquiem” de Mozart ajuda muito a torna-la a melhor parte do filme. Isso também é copiado de “V de Vingança” na cena em que V orquestra a destruição do Parlamento Inglês ao som de “1812 Overture”, de Tchaikovsky.

Falta de Fé

O diretor também é novato no cargo. Com apenas o fraco “Legião” no currículo, já era de se esperar que Scott Charles Stewart não surpreendesse neste projeto. Diversas vezes a falta de experiência se mostra presente. Ele poderia ter censurado vários ápices clichês do roteiro e das coreografias das batalhas – estas claramente inspiradas em “Matrix”.

Felizmente, consegue manter um ritmo agradável em sua projeção, mas isto se deve muito a curtíssima metragem do filme (1h26m). Algumas vezes o diretor escolhe enquadramentos incomuns e sem significado o que acaba prejudicando o andamento de algumas cenas.

Para mascarar sua total falta de presença, insere vários elementos populares do cinema atual. Por exemplo, o uso de slow motions durante as cenas de ação e a conversão desnecessária do 3D estereoscópico – utiliza poucas vezes o efeito de maneira inteligente e elas demoram a aparecer. Além disso, deixa passar vários elementos que dariam um resultado inteligente se tivessem sido casados corretamente com o efeito.

Entretanto, às vezes, consegue ser esperto e poupar recursos do orçamento. Prova disso é a brilhante animação que apresenta o universo fantasioso da trama ao público. Outra característica muito presente em seu filme é a ultraviolência – espere ver muitos desmembramentos e sanguinolência.

A primeira faísca

“Padre” tem potencial para vir tornar-se uma franquia de sucesso. Porém, a falta de originalidade do roteiro e da direção condenam o filme ao esquecimento e ao fracasso. Ele é esteticamente incrível e algumas atuações não desapontam. Os fãs do graphic novel podem ficar muito desapontados devido a total falta de fidelidade da adaptação, mas aqueles que estão procurando uma miscigenação de gêneros sci-fi, western, terror e ação não sairão desapontados. A sensação durante o fim da projeção é a de que tudo saiu melhor do que o esperado, portanto “Padre” é um filme mediano que agrada no meio de seus tantos erros.


by Matheus Fragata

Crítica | Passe Livre

É interessante ver o desenvolvimento do humor ao longo das décadas no cinema. No início dos anos 20, Chaplin, Os Três Patetas (estes foram para os filmes nos anos 30) e o Gordo e o Magro faziam sucesso com sua ousada comédia pastelão. Conseguiram alegrar o povo contido, muitas vezes preconceituoso e escravo de seus princípios. Entretanto, com o passar do tempo a comédia foi se adaptando, chegando hoje em dois tipos distintos –  a comédia romântica e a comédia besteirol. Alguns diretores realmente se consagraram em fazer besteiróis como Todd Phillips, Steve Pink, Adam McKay, Judd Apatow, Jay Roach e os desaparecidos irmãos Farrely que retornam agora em uma comédia tão divertida quanto sua melhor obra, “Quem Vai Ficar Com Mary?”.

Rick e Fred são dois amigos que estão com uma crise sexual em seus casamentos. Um por causa dos filhos que roubam o tempo de sua mulher e o outro por causa do mau humor de sua esposa. Além não terem mais o sexo como pilar da relação, ambos tem que atender as vontades desatraentes de suas mulheres. Após algumas discussões, eles conseguem um “passe livre” – uma semana de folga do casamento para fazer o que quiserem. Todavia, eles não esperam que “voltar para o jogo” fosse um pouco mais difícil do que pensavam.

O surpreendente “inusitado”

O roteiro de Bobby e Peter Farrely, Pete Jones e Kevin Barnett é extremamente criativo conseguindo criar piadas inéditas e francamente, inimagináveis. Ele é perito em deixar os protagonistas em situações constrangedores e conseguir transmitir ao público a sensação da famosa “vergonha alheia”. Ele assume descaradamente o estilo besteirol da comédia e consegue não deixar o espectador sério por mais de dois minutos. E claro, não esquece as piadas “cretinas”, sendo que algumas são exageradas para alguns espectadores.

Apesar de ser bem interessante e divertida, a história não impressiona em seu desfecho caindo no clichê previsível. Entretanto, os meios que o roteiro toma para chegar a sua conclusão são absolutamente imprevisíveis para o divertimento do público. Infelizmente, a narrativa paralela das esposas de Rick e Fred, Maggie e Grace não chegam a empolgar o espectador dificilmente arrancando algumas risadas.

Ele retrata bem o cotidiano da vida dos casados em uma rotina inalterável e evidencia algumas verdades sobre o casamento, além de inserir o cômico devaneio paranoico de Rick – uma das melhores piadas do filme. De vez em quando, consegue até ser profundo quando apresenta a diferença de maturidade dos casais principais do filme denotando a importância do fato de ser pai acaba influenciando muito nas decisões do protagonista.

Dupla implacável

Owen Wilson e Jason Sudeikis são os maiores destaques do filme. A química desenvolvida entre eles é muito boa conseguindo divertir o público a todo instante com suas atuações imprevisíveis – principalmente, pela parte de Sudeikis.

Owen cumpre seu papel sem exageros, ou seja, não apela para a palhaçada sendo que, muitas vezes, sua atuação demonstra uma seriedade nunca vista antes revelando um lado um tanto desconhecido do ator, tornando-se bem descontraída diversas vezes. Já Sudeikis é o completo oposto de Owen, atuando da forma mais caricata possível cheia de caretas muitas vezes acompanhadas de gestos para enfatiza-las. Outro ator que revela um grande talento para a comédia é o inglês Stephen Merchant quase sempre roubando a cena. Richard Jenkins também tem uma breve participação especial muito carismática encarnando o personagem mais interessante do filme contando com uma caracterização marcante. Derek Walters também diverte o público com seu personagem neurótico e bipolar.

Já o elenco feminino não acompanha a sintonia e qualidade do masculino. Dominado por Cristina Applegate e Jenna Fisher, dificilmente conseguem arrancar risadas do público nas cenas que contracenam. Isso se dá muitas vezes graças a antipatia e falta de inspiração em suas atuações.

Efeito comédia

A fotografia de Matthew A. Lionetti é bem ordinária neste filme, não passa nem perto daquela envolvente apresentada em “Efeito Borboleta”. Segue o padrão da fotografia apresentada nos filmes de comédia, ousando apenas em seus belos planos aéreos. A única vez que sua fotografia realmente se transforma e fica criativa é na última cena do filme que é simplesmente fantástica contando até com uma iluminação um pouco mais elaborada. É bom citar que ele gosta de trabalhar com a iluminação natural dos interiores dos lugares visitados pelos personagens. O figurino também é um aspecto interessante de ressaltar, sempre vestindo seus atores com roupas típicas de americanos de meia idade, vide os trajes de Wilson durante o filme.

Precisa-se de um compositor

Surpreendentemente este filme não conta com um compositor e isso resultou em uma total decadência musical no longa. A música original – se assim posso chama-la no caso – é completamente irrelevante e quando aparece dificilmente é notada. Como sempre a trilha licenciada salvou mais uma vez a música do filme contando com vários sucessos pop, rock e folk recentes e clássicos, entre eles “Walking On A Dream”, “Wouldn’t Be Nice”, “Art isn’t Real”, “The Best of Times” e “Monkberry Moon Delight” sendo que algumas conseguem até ser cômicas graças às cenas onde são inseridas.

Um bom retorno

Os Irmãos Farrely – Bobby e Peter – estavam um tempo longe dos filmes. Para dar uma noção, o último filme que ambos dirigiram foi o fraco “Antes só do que Mal Casado”. Felizmente, retornaram a todo vapor e com um senso de humor bem aguçado. Eles entregam um filme tão inspirado quanto “Quem Vai Ficar com Mary?”.

A direção deles foi bem criativa e tentaram de todas as maneiras extrair o ridículo de cada cena provando o bom humor de sua direção. Fora isso, a escolha da edição em como dividir a jornada dos protagonistas consegue ser uma piada por si só, sempre aparecendo em horas inesperadas. Uma coisa bem interessante da direção deles foi ter mascarado muito bem um filme que, na essência, é uma comédia romântica disfarçada. Muito dos méritos deles também estão contidos no roteiro como as cantadas ensaiadas de Fred.

Precisando de um passe livre?

“Passe Livre” é um filme que diverte a todo instante com suas piadas únicas, mas algumas podem ultrapassar o limite do bom-senso e ofender alguns espectadores. É um filme que oferece um bom entretenimento para o público e começa a aquecer o terreno para o próximo besteirol “Se Beber, Não Case 2”. É uma pena que não consiga ser mais do que isso porque potencial e criatividade tinha de sobra.


by Matheus Fragata

  • 1
  • …
  • 852
  • 853
  • 854
  • 855
  • 856
© 2025 Bastidores. All rights reserved
Bastidores
Política de cookies
Para fornecer as melhores experiências, usamos tecnologias como cookies para armazenar e/ou acessar informações do dispositivo. O consentimento para essas tecnologias nos permitirá processar dados como comportamento de navegação ou IDs exclusivos neste site. Não consentir ou retirar o consentimento pode afetar negativamente certos recursos e funções.
Funcional Sempre ativo
O armazenamento ou acesso técnico é estritamente necessário para a finalidade legítima de permitir a utilização de um serviço específico explicitamente solicitado pelo assinante ou utilizador, ou com a finalidade exclusiva de efetuar a transmissão de uma comunicação através de uma rede de comunicações eletrónicas.
Preferências
O armazenamento ou acesso técnico é necessário para o propósito legítimo de armazenar preferências que não são solicitadas pelo assinante ou usuário.
Estatísticas
O armazenamento ou acesso técnico que é usado exclusivamente para fins estatísticos. O armazenamento técnico ou acesso que é usado exclusivamente para fins estatísticos anônimos. Sem uma intimação, conformidade voluntária por parte de seu provedor de serviços de Internet ou registros adicionais de terceiros, as informações armazenadas ou recuperadas apenas para esse fim geralmente não podem ser usadas para identificá-lo.
Marketing
O armazenamento ou acesso técnico é necessário para criar perfis de usuário para enviar publicidade ou para rastrear o usuário em um site ou em vários sites para fins de marketing semelhantes.
Gerenciar opções Gerenciar serviços Manage {vendor_count} vendors Leia mais sobre esses propósitos
Ver preferências
{title} {title} {title}