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Críticas

Crítica | Mãe! - O Novo Testamento de Darren Aronofsky

A expectativa é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que pode gerar resultados exorbitantes para produtos muito aguardados, também pode trazer a mais profunda das decepções. Obras de “terror” geralmente sofrem nas mãos do marketing dos grandes estúdios. Mãe! é mais um desses casos trágicos de marketing profundamente desonesto.

Portanto, estejam avisados: mãe! não é um filme de terror profundo como tanta gente espera. Na verdade, está longe disso. A história que traz o esforço da personagem de Jennifer Lawrence lidando com convidados indesejados em sua casa vai muito além do que podíamos esperar.

Para quem é estranho às obras de Darren Aronofsky, então o choque será ainda mais duro e cruel. Acima de tudo, seu novo filme é uma grande experiência cinematográfica acompanhado de um comentário crítico relevante enquanto tece leituras existenciais e niilistas sobre a humanidade, religião e o futuro. Logo, é um dos filmes mais relevantes do ano por conseguir trazer um nível de reflexão pós-sessão tão pertinente e profundo.

A História da Vida e de Tudo

Darren Aronofsky faz um filme de fé. A narrativa de mãe! se sustenta em uma enorme alegoria – por enquanto, não falarei qual. Basicamente, a história é essa alegoria. A personagem de Jennifer Lawrence é a nossa única guia e ponto de vista no cotidiano interrompido de sua casa quando um homem misterioso surge, pedindo ajuda ao seu bom marido, um poeta famoso e renomado.

O roteiro de Aronofsky é bastante peculiar em si, apesar de se valer de uma estrutura bastante clássica de histórias de horror sobre vulnerabilidade e corrupção sobrenatural. Enquanto a paz da casa é perturbada pelos outros novos residentes, vemos nossa protagonista investigar e descobrir características perturbadoras. O curioso é que os primeiros dois atos se comportam de modo bastante clássico, porém, assim que chegamos ao terceiro e último ato, tudo se desenvolve de modo extramente acelerado englobando tantos eventos que é impossível entender tudo o que acontece em uma só visita ao cinema. Particularmente, é o ponto mais alto da obra e da direção de Aronofsky que, em seu trabalho de câmera, cria uma sequência tão bem amarrada na montagem que praticamente temos a ilusão de ver um plano-sequência elaborado diante de nossos olhos.

Nela, uma sucessão de acontecimentos caóticos acontece a cada cômodo da casa enquanto acompanhamos Lawrence caminhando completamente perdida em uma residência já totalmente alterada. Para ter uma noção do quão bem realizado é esse momento, é digno comparar com as transições mais felizes e fantásticas de Arca Russa, filme de Sokurov gravado totalmente em um plano-sequência real. Mas novamente repito, em Mãe!, não há o uso dessa técnica. A montagem apenas confere essa ilusão perturbadora chocante de tão eficiente que é.

Aliás, perturbação é a palavra-chave de mãe! Toda a atmosfera criada pela estética rígida do diretor é sufocante, completamente incômoda enquanto a história se aprofunda cada vez mais em um surrealismo crescente e caótico. Nunca abandonamos a casa e logo viramos tão reféns quanto Lawrence conforme as coisas desandam e desabam. Não existe controle narrativo da protagonista completamente perdida em meio aos acontecimentos. Tudo é realmente caótico com acontecimentos que se atropelam a todo momento.

Basicamente mãe! é isso. Uma experiência cinematográfica desagradável na qual sentimos toda a angústia da protagonista transmitida com muita competência por Jennifer Lawrence em sua interpretação que carrega o filme nas costas.

A estética visual de Aronofsky delimita completamente as possibilidades do longa também. A câmera está sempre agarrada à personagem mostrando o que ela é e o que ela vê – tudo sempre com planos próximos e closes enormes para mostrar a personagem, enquanto os outros planos seguem o ponto de vista afastado da personagem (seu desconforto a afasta do marido e dos visitantes).

O mesmo se dá nos termos sonoros de mãe! Aronofsky busca o hiper-realismo no áudio tanto que a edição e mixagem sonora deste longa certamente se destacarão na época das principais premiações da temporada. Não ouvimos o que Lawrence não escuta – principalmente os diálogos dos estranhos com seu marido, mas todos os barulhos decrépitos e bizarros da casa são transmitidos com extrema clareza. O som nos conta o quão estranho é o marido para a mulher, enquanto a casa está intimamente ligada com ela. Essa relação entre casa e protagonista é a principal alma do filme, residindo uma das maiores forças da alegoria.

Mas como perceberam, comentar sobre mãe! sem falar objetivamente sobre que ele é, se torna um desafio completo. Isso, na verdade, é uma das fraquezas do filme. Se tirarmos complemente a graça de sua alegoria, o longa não funciona como uma típica história de entretenimento como outros grandes filmes que conseguem conciliar os dois planos em um só: ter uma boa história e funcionar metaforicamente tão bem quanto.

De certa forma, até mesmo o próprio filme reconhece isso, mas não assume sua verdadeira identidade até a sua última cena, afinal, não seria mercadologicamente interessante entregar o ouro para o espectador logo em seus primeiros atos. Isso, porém, não torna o longa desonesto. As pistas são fornecidas a todo o momento pelo visual, por frases soltas importantes em diálogos e, principalmente, pelo som.

O espectador mais ligeiro irá abandonar imediatamente o filme em sua importante função narrativa e embarcar na imersão alegórica que o diretor propõe. Porém, caso não o faça a tempo, no momento da revelação final, somente vazio e ira existirá nessa experiência. Você pode se sentir enganado e frustrado por ter vivenciado apenas uma boa experiência de angustia, mas não uma grande história por si.

Por essa condição, mãe! será o filme mais divisivo da carreira inteira de Aronofsky, além de ser um dos mais polêmicos do ano. Nessa história de invasão e caos, resta apenas amor e ódio em seu final.

Perturbação da Fé

A partir desse ponto, não há mais motivo de ficarmos em meias palavras com mãe! Spoilers permearão o resto da análise.

Darren Aronofsky é um dos realizadores contemporâneos mais felizes em sua assinatura cinematográfica. Acredito que aqui, temos finalmente o ápice dessa culminação autoral que vinha desenhando ao longo de todos os outros filmes.

Mãe! é um filme de proposta experimental e totalmente pessoal. De modo claro, é um exorcismo dos próprios demônios pessoais do diretor. Não é de hoje que Aronofsky aborda a fé e o cristianismo em suas obras. Aqui, temos o fim de uma trilogia sobre essa questão divina – os outros são Noé e A Fonte da Vida.

O longa é uma grande alegoria sobre o Antigo e o Novo Testamento segundo a Sagrada Bíblia, tendo um foco narrativo muito enfático na parte do Antigo Testamento. Logo, a personagem de Jennifer Lawrence é a Mãe Natureza em contato íntimo com seu lar, a Terra, o planeta. Seu marido, Javier Bardem, é Deus, o grande poeta e criador de tudo e todas as coisas. Juntos, vivem neste paraíso rústico e idílico, isolado de tudo.

O cinismo já é notado na abertura do longa com o estabelecimento de conflitos primordiais. A Mãe é bastante solitária (repare em todas as vezes que acorda sozinha no quarto) tentando inspirar Deus a criar novas obras, porém Ele sofre com um bloqueio criativo. A trata friamente, quase nunca dorme ao seu lado. Sua musa inspiradora não arranca um suspiro de graça e inspiração.

Pura, imaculada, angelical e inocente, a Mãe deixa Deus com seus problemas enquanto trabalha firmemente para restaurar e fortalecer a Casa que outrora foi destruída por um grande incêndio. Das cinzas, apenas restou um precioso Cristal guardado no escritório de Deus (Paraíso, Jardim do Éden).

A normalidade cotidiana quase perfeita aos olhos da Mãe é interrompida de súbito. Um visitante indesejado surge sem aviso prévio. É o primeiro homem, é Adão. Vivido por Ed Harris, o homem é completamente moribundo, doente e cheio de vícios (álcool e cigarro), mas consegue despertar uma grande paixão em Deus que se fascina pelas histórias contada pelo homem. Nós, presos à Mãe, nunca escutamos essas histórias. Deus é mais interessado em sua grande criação, criada à Sua semelhança, feita também para completar um vazio existencial – embora ele saiba, no fundo, que o homem é imperfeito.

Adão fica na casa por um dia e entra no escritório de Deus que apresenta o cristal sagrado – a maça proibida no Jardim do Éden. Quando Adão tenta tocá-la, Deus o proíbe. Adão obedece, pois ama e teme Deus e a Palavra. Enquanto isso, a Mãe provê a casa, arrumando já a desordem crescente causada pela sujeira e falta de cuidado do homem, além de servir Adão como pode.

Da Costela, vem o pecado

Em um dos melhores momentos da obra, vemos Mãe acordar de súbito a noite (novamente sozinha no quarto). Ela escuta as tosses incessantes de Adão e vai investigar o que acontece. Ao chegar no banheiro, se depara com Deus confortando o homem e sua angústia, pois Deus ama sua criação.

Na encenação, se o espectador piscar, vai perder um detalhe importantíssimo. Assim que Mãe vê o que acontece, percebemos que há um ferimento nas costas de Adão que logo é encoberto pelas mãos do Poeta/Deus. Ali, Aronofsky já dá o indício que Eva logo surgirá, pois falta uma costela em Adão.

Dito e feito. No alvorecer, Eva chega. E na interpretação de Aronofsky, Eva e o Diabo já são um só. Por mais que Adão seja um incomodo, nada supera a malícia de Eva, interpretada por Michelle Pfeiffer. A personagem tenta cumprir o papel da Mãe como anfitriã, mas é desastrada é mais prejudica do que ajuda. Não demora nada para também abusar da paciência da Mãe.

Como também representa o Diabo, Eva passa a incutir duvidas na cabeça da Mãe, ridicularizando a falta de desejo de Deus por ela e pelo sexo. Enquanto tenta agradar a dona da casa, Eva também só prejudica o ambiente e intoxica o lugar até entrar no Paraíso com Adão e cometer o pecado original: quebrar o cristal sagrado. Deus, furioso, os expulsam do escritório, segura os cacos daquele totem, sangra em seus restos e decide isolar seu lugar de trabalho. Nunca mais o homem pisará ali. Enquanto isso, Mãe procura o estranho casal que já está ocupado transando em outro cômodo.

Como perceberam, Aranofsky faz “pulos” narrativos de uma situação para outra. A lógica estabelecida na narrativa clássica geralmente exige a ação e então uma reação. Tivemos a ira divina e o enxotar do casal de primeiros homens, mas de modo nenhum vemos eles com seu próprio drama. Adão e Eva não lamentam ter decepcionado seu criador que tanto adoram. Eles agem com completa indiferença e já se ocupam com uma nova atividade pecaminosa.

Paralelamente a isso, Aronofsky busca construir a relação melhor desenvolvida do personagem: da Mãe com a casa. Desde o começo da alegoria, vemos o contato íntimo da Natureza com a Terra. Uma ligação realmente única. Ela sente a saúde cardíaca da casa minguar conforme o tempo de permanência do homem ali aumenta.

Nós, as pragas da Criação

O segundo ato da obra ainda pode funcionar bem para o espectador que não sacou diretamente a alegoria do filme. Basicamente, Aronofsky escalona o mesmo raciocínio empregado até então, levando a história para novo limites de estranhamento e desconforto.

Aqui, os diálogos já tornam a alegoria mais evidente com as discussões da Mãe com Deus, contestando o motivo pelo qual Ele não toma qualquer postura diante dos abusos dos visitantes. Fora isso, a própria narrativa já fica menos ambígua, frisando mais que a história se trata mesmo de uma alegoria. Isso é evidenciado pela presença de Caim e Abel, que invadem a casa reclamando sobre a herança que seria deixada por Adão.

Obviamente, Caim acaba matando Abel no meio da confusão. Deus, Adão e Eva socorrem Abel e o levam para o hospital deixando a Mãe sozinha na casa. Se fossemos focar sobre o tal do “terror” da obra, essa seria a parte mais assustadora, pois o assassinato “corrompe” ou acelera a degradação da casa, afinal um dos maiores pecadas foi cometido na Casa de Deus, já enfraquecida.

Aqui, nitidamente podemos sentir os sacrifícios que Aronofsky faz para preservar o experimento cinematográfico de modo puro. Nessa altura, já estamos na metade do filme e praticamente nada foi devidamente desenvolvido do modo que estamos habituados a ver.

Por conta dos personagens serem parte dessa enorme alegoria, também se tornam completamente restritos a ela. Aronofsky preserva a todo momento essa pureza casta e trabalhadora da Mãe, dona de casa e esposa companheira. É através das nuances da excelente atuação de Jennifer Lawrence que sentimos a frustração da personagem em não conseguir provocar o fascínio em Deus do modo que os homens causam.

Até o final do filme, a Mãe não tem ciência que faz parte da alegoria, que ela própria também é uma criação de Deus. Infelizmente, a virada desse reconhecimento não é tão potente como poderia ser. A personagem ainda cumpre, benevolamente, sua função primordial de alegoria até mesmo em seus instantes finais, já ciente da divindade do marido. Seu amor pelo Criador é o mais puro possível, indo até as últimas consequências para comprovar isso.

Voltando ao miolo do segundo ato, ele se comporta bastante como um filme de terror sobrenatural ou de casa mal-assombrada. São momentos curtos que encaixam bem na cronologia do Antigo Testamento, mas envolvem o lado mais comercial da obra: a apresentação de algumas pragas do Egito enquanto Deus está ausente na casa. Novamente, ela apenas sente que tudo está errado e deseja que as coisas voltem ao normal, quando não haviam homens na casa, apenas ela e o marido.

A interpretação de Aronofsky é bastante niilista acerca da humanidade. De todos os homens e mulheres que passam na casa, apenas um se importa em cuidar e tratar a Mãe com respeito. Quando enfim o surrealismo realmente acontece, durante o velório de Abel com a chegada de milhares de visitantes bizarros, vemos apenas a pior face da humanidade, ainda que um pouco comportada se comparada ao clímax do filme.

Diversos pecados surgem na cena, ferindo todos os dez mandamentos. A humanidade é perversa, caótica e parece esquecer completamente do propósito original daquela reunião. Diversos povos, etnias e idiomas surgem, mas todos os homens ignoram e desdenham dos comandos e ordens da Mãe, tentando proteger a casa a todo custo.

O pretexto da justificativa é repetido diversas vezes: Deus nos ama, Deus abriu sua casa e coração para conosco, Deus mandou dividir. Todas essas frases belas soam totalmente hipócritas diante de sorrisos debochados, depravação e lixo que surgem daquela situação. O homem deixa Mãe ainda mais impotente com esse pretexto.

Para interromper esse enorme atropelamento narrativo e não jogar a história do seu em completo caos, o diretor-roteirista se vale do episódio do Dilúvio para reestabelecer a ordem – isso ocorre quando um casal quebra uma pia ainda não cimentada, após Mãe avisar diversas vezes para não sentarem sobre o lugar. Nesse ponto, Adão e Eva já se foram e nunca mais retornam na história.

Então, convenientemente, o diretor-roteirista finalmente desenvolve o conflito latente entre Mãe e Deus com um confronto direto em diálogo que também torna a alegoria mais óbvia. Depois da briga, Deus finalmente intercede ao desejo da Mãe: se tornar realmente mãe. Aqui, vale mencionar que temos o primeiro fade out do longa, mas ao contrário do que estamos acostumados, Aronofsky dissolve a tela para o branco pacífico e sereno, já anunciando a gravidez da protagonista e uma breve paz.

Quando Deus se dá conta que será pai e não mais o Pai, a inspiração volta e o bloqueio narrativo some. Finalmente começa a escrever um novíssimo poema: o Novo Testamento. Mas não interessa a paz a Aronofsky. A crítica do diretor sempre visa o caos e mesmo nessas cenas que antecedem a loucura do clímax, temos Mãe interagindo com a casa que, mesmo restaurada, já está corrompida em suas fundações – pelo sangue maldito do assassinato de Abel e também pelo isqueiro perdido de Adão. Ou seja, as marcas do homem se tornaram uma só com a casa, apesar dos esforços da Mãe em preservá-la.

Logo, algumas experiências sobrenaturais voltam a ocorrer, exatamente com as assombrações que ela testemunha quando fica sozinha na casa. Mesmo explodindo de grávida, Mãe permanece solitária. Deus está empenhado em sua nova escrita, na sua nova criação. Para Aronofsky, a Palavra vale mais que o menino Cristo ainda não nascido. Portanto, a alegoria sofre algumas alterações: a Mãe continua representando a Natureza, mas agora também faz a parte de Maria na narrativa bíblica.

Apesar deste abandono, Mãe parece estar em verdadeira paz e completamente realizada. No dia que Deus finalmente termina sua obra “perfeita”, a protagonista decide fazer um farto jantar em comemoração. Entramos enfim no terceiro ato e tudo vira uma montanha-russa ascendente insana.

Enfim, o Fim

Nunca antes na escrita de Aranofsky tínhamos visto algo tão intenso e provocador durando tantos bons e terríveis minutos. Enquanto os dois atos inteiros conseguem dar conta de metaforizar o Antigo Testamento e suas diversas passagens, o diretor decide colocar todo o Novo Testamento em questão de minutos para encerrar a obra de modo extremamente chocante.

A decisão é bastante acertada, pois nos pega totalmente despreparados, criando uma extensão de sentidos e sentimentos raríssimas vezes antes vista nos cinemas. Nessa enorme loucura estabelecida com o clímax, o espectador torna-se um com Mãe e Aronofsky finalmente torna seu cinema pura experiência.

Para justificar os acontecimentos, Deus recebe uma ligação de sua editora (Espírito Santo) – interpretada por Kristen Wiig, avisando que seu novo escrito é o seu maior sucesso. Mãe fica surpresa e decepcionada em descobrir que Deus já tinha mostrado seu novo trabalho para outros e que as pessoas já estavam consumindo essa novidade.

Como tinha mencionado acima, todos os personagens sofrem da natureza imperdoável da alegoria dessa interpretação religiosa de Aronofsky. Já sabemos que a Mãe é boa e pura e que a humanidade é desprezível. Mas e Deus? Para o diretor, Deus é um narcisista completo, hipócrita, inconsequente e despreparado por ceder o livre-arbítrio. Sua história é caótica justamente porque a história da Criação segue sempre sendo escrita por mãos diferentes, com tintas diferentes.

No filme, Deus não intercede no destino dos acontecimentos. Ele gosta de observar e conhecer as histórias novas criadas pelos homens. Deus aprecia o caos. Deus também é o Diabo – vemos a imagem do Criador rabiscada com chifres depois da morte de Abel (uma crítica de que até mesmo sob seu próprio teto, Ele é permissivo com homem a ponto de cometer o maior dos crimes sagrados).

Ou seja, ter ou não a presença de Deus é um grande tanto faz como tanto fez nessa leitura proposta pelo diretor, pois Ele se porta de modo indiferente, apesar de não se sentir desse modo. É um Deus solitário, imperfeito, egocêntrico que cria apenas para angariar mais e mais adoração. Aronofsky vê que o amor da divindade nada mais é do que a causa da própria miséria humana, da miséria de tudo e da frivolidade da vida.

E para debatermos Deus e o paradoxo lógico da Criação nunca poder ser de fato perfeita, entraremos em um nível de discussão filosófico que não cabe aqui, mas em outro artigo. É esse o nível da reflexão que o diretor propões com Mãe! Algo realmente fantástico e fascinante somente por trazer a tona um debate tão interligado com essência da nossa humanidade. Nos levar a pensar no Divino e no nosso papel no Cosmos e aqui na própria Terra.

Tudo isso por conta desse derradeiro terceiro ato nada menos que perfeito. Na noite do jantar, ocorre uma nova invasão na casa da Mãe. Deus novamente não se preocupa com a esposa – essa característica é plenamente compreensível por conta da Natureza ser uma Criação primordial e, logo, obsoleta com o alvorecer da humanidade, de propósito que já infere subjugação da anterior, afinal é assim como Ele diz: Sede férteis e multiplicai-vos! Povoai e sujeitai toda a terra; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todo animal que rasteja sobre a terra! (Gênesis 1:28)

Nesse cenário, Mãe já está derrotada mesmo que ainda carregue Cristo dentro de si. A casa é novamente povoada por uma turba ainda maior que a anterior. Novamente, tudo é vilipendiado, consumido e destruído enquanto Deus festeja o sucesso de sua Palavra com os homens.

A partir do momento que um personagem diz a seguinte frase para a Mãe: A obra dele é única! Ela se comunica com todos, mas cada um a sente de modo diferente, Aronofsky elabora o resumo de toda a história da humanidade – de um modo bastante semelhante a A História da Humanidade como retratada por Milo Manara em icônica arte. A história começa com a fundação da fé judaico-cristã – só na vertente cristã, existem mais de 34 mil igrejas que interpretam a Bíblia de modos distintos.

O que antes não havia, agora existe: diferentes líderes surgem para pregar a palavra do Senhor. Ao finalmente encontrar Deus no meio de toda a movuca, Mãe dá o ultimato: ou tira todos dali agora, ou lidará com o Apocalipse. Deus continua passivo como sempre e o Apocalipse se inicia. Através de imagens perturbadoras de Fome, Pestilência, Guerra e Morte a cada cômodo da casa tomada enquanto Mãe perambula desesperada salvando os cacos, Aronofsky cria seu melhor momento na direção da obra.

A montagem é assustadoramente eficiente e invisível tornando toda a sequência visual realmente única. É ver para crer, pois se trata do indizível cinematográfico. Me estender em palavras para descrever o que ocorre é totalmente redundante. A sequência apenas respira quando a Editora, o Espírito Santo, encontra Mãe no meio dos destroços dos aposentos arruinados da casa.

Ao contrário do que muitos devem pensar, creio que este seja o momento mais importante do filme, pois traz à luz a crueza da mensagem do filme. Subentende-se que nessa sequência, a humanidade avança por eras até o Apocalipse. Na ausência de Deus – repare que quando ele ressurge, alguns homens bradam: Ele voltou! Ele não nos abandonou! –, é o Espírito Santo, o viabilizador da Palavra divina, quem comanda as coisas na casa – o diretor então, finalmente, admite algum senso de ordem e hierarquia diante da anarquia que se instalava na casa.

A Editora assume um tom com Mãe até então antes nunca visto. Finalmente encontramos a Inspiração! Agora é hora de dar fim nessa loucura toda! A Editora decide dar fim à vida da protagonista, pois vivenciou toda a consequência da loucura originada pela Criação – lembrando que como a Natureza vem antes do homem, ela acaba inspirando a criação do mesmo. Na lógica do filme e dessa interpretação, a Editora sabe que se dar fim ao primórdio da Criação, não haverá homem e, portanto, haverá paz.

Para Aronofsky, a Palavra é perfeita, pois se mantém integra e decide sujar as próprias mãos quando se faz necessário. Ela é mais perfeita que Deus, pois Ele é conivente com o desmando das próprias Leis. Ele é um hipócrita.

Porém, obviamente, Mãe é salva. Primeiramente pelo único homem gentil que logo depois é morto. Só então Deus surge, camuflado entre outros, e a leva novamente para o Paraíso cujas portas são arrombadas pelo próprio Divino. Lá, enfim, Cristo nasce.

O Fim do Começo de Tudo e Todas as Coisas

Assim como em Noé, Aronofsky visa trabalhar a tensão de um suspense incerto. Nós já conhecemos a natureza de Deus nesse ponto e sabemos que ele pegará Cristo assim que a Mãe vacilar. Ele oferecerá para a turba de fanáticos que aguarda silenciosamente do lado de fora. Uma nova Criação, a mais perfeita de todas, trazendo assim ainda mais adoração.

Após agonizantes minutos sempre pautados pelo barulhinho incômodo de uma sineta escondida no quarto, dias se passam no quarto e Mãe, pela primeira vez, sente a necessidade humana do descanso – repare que antes, sempre ao menor indício de barulho, a protagonista já levanta da cama muito disposta a investigar o que ocorre.

Ela perde a guerra contra o sono. Ela perde seu único filho. E acorda sozinha.

Deus entrega a criança para os zelotes e fieis que a envolvem até matá-la – assim como na Bíblia, Cristo é enviado à humanidade para morrer e transformar. Em desespero, a protagonista avança contra os homens para encontrar o corpo do filho já parcialmente devorado, literalmente, pelos fiéis – alusão clara ao fundamento da Igreja Católica e do ato de comungar o “Corpo de Cristo”.

É o primeiro momento de pura revolta e ódio na personagem pura até então. A casa finalmente está morta, assim como o espírito de Mãe. Porém, antes de irromper ao assassinato de alguns homens e depois ser brutalmente espancada em resposta – a imagem é poderosa e bastante perturbadora, há um ponto crucial que desenvolve o personagem de Deus. E é justamente por conta disso que vejo o comentário de Aronofsky sobre a divindade menos cruel do que ele aparenta ser.

Para entendermos o desenvolvimento desse personagem, é preciso sacar que o mesmo se encontra no contraste entre as duas passagens mais importantes para Ele: a destruição do cristal e da morte de Cristo. Quando o cristal é destruído, Deus é tomado por uma fúria restritiva. Aqui, com a morte do filho, acontece o oposto. O personagem lamenta o fato e chora, mas clama para que Mãe compreenda a necessidade do perdão.

É preciso perdoar para evoluir. E Deus parece aprender isso ao longo da jornada. Ele frisa que Jesus vive, mas agora nas lamúrias da humanidade que tenta redimir seus pecados. Nesse momento, é curioso notar como a obra se torna realmente redonda. Em diálogos anteriores com Eva, Mãe reconhece que só “dá e dá e dá...”, nunca recebendo nada em troca, apenas angústia e sofrimento – esse diálogo se dá no porão da casa.

Ali, naquele ponto crucial, Mãe já não aguenta mais dar. A hora do fim realmente chega. Reencontrando o isqueiro perdido de Adão, a protagonista corre para o porão, no qual anteriormente encontrara um tonel gigantesco de combustível em uma parte incendiada da casa. Mesmo com Deus implorando para que ela não exploda toda a Criação, Mãe o ignora e encerra tudo que havia ali, se sacrificando em conjunto.

Porém, se ainda restava alguma dúvida anterior ao espectador sobre a natureza bíblica da alegoria, ela se encerra com a conclusão do filme que se trata da mesma sequência da abertura. Deus carrega a protagonista incendiada que admite ainda amá-lo. Ela se sacrifica e entrega o coração ainda pulsante para Ele. O órgão se desfaz em cinzas e dá origem ao cristal que inspira Deus a retomar toda a Criação novamente. A Casa é restaurada e uma nova Mãe acorda no quarto.

Logo, com a conclusão que encerra um ciclo, é possível interpretar mais coisas dessa visão do diretor. A primeira é que testemunhamos apenas a Criação que conversa com nossa História. Não sabemos nada da anterior que chegou no mesmo fim fracassado que a nossa e nem sabemos se a próxima será tão abominável quanto a que acabamos de ver. Por isso, interpreto que o Deus de Aronofsky é um ser também de constante evolução. Ele aprende com os erros do passado, por mais imperfeito que seja. Pode ser que nessa nova iteração, as coisas tenham um final mais otimista, pois Deus foi transformado pela jornada anterior.

Também é interessante que o Criador não tenha controle algum sobre suas criações, incluindo Mãe. Mesmo diante da completa destruição, o Todo Poderoso nada pode fazer para impedir a força destruidora da Natureza – o lado emocional da personagem é sempre contrastado contra a racionalidade e defeitos humanos do marido.

Outro elemento curiosíssimo que muita gente irá se perguntar é, se existe o Paraíso e a Terra, onde raios está o Inferno? Evidentemente que o Inferno é o porão da casa, sendo o demônio representado muito pela humanidade diversas vezes. Mãe sempre tem os piores encontros com atividades sobrenaturais e diálogos impuros quando está no porão. O instrumento de destruição também fica no subsolo da casa, além dele ser o único cômodo realmente intocado quando todo o resto já está em ruínas.

Obsessão Autoral

Mas limitar Mãe! apenas nessa evidente interpretação é um erro. Mesmo que o filme talvez não funcione sem essa alegoria, Aronosfky é competente o suficiente para fazer a obra dialogar de modo, provavelmente, único com cada espectador.

É possível tirar desse filme uma mensagem ambientalista importante, uma crítica ao culto à personalidade, na criação de falsas celebridades, no vazio existencial humano, na nossa incapacidade empática, na defesa da propriedade privada, na importância da originalidade, do mercado artístico em si, entre tantas outras.

O filme de Aronofsky é vivo e cheio de reverberações únicas que trarão conversas por anos a fio. Por suscitar algo que mexa tanto com o espectador, o diretor já merece diversos louros.

Em termos estéticos, Mãe! também sofre da obsessão do diretor em ser fidelíssimo a proposta original da obra. A estética visual do filme é limitada pela escolha de fixar a câmera na protagonista, nunca se afastando demais, sempre a orbitando. O suspense acaba viciado na encenação que encomenda jumpscares óbvios, além do diretor não dar chance do espectador ver tudo o que se passa nas situações mais estressantes da obra por conta da rigidez da decupagem restritiva.

É uma escolha plenamente consciente e, como sabemos, Aronofsky deve pouco se lixar se achamos ruim ou não. O elemento cinematográfico é vívido e isso é o que mais importa, mesmo que desejássemos que a abordagem fosse mais criativa visualmente. Por causa disso, a metáfora do texto muitas vezes supera a metáfora visual. Tirando os momentos de silêncio, nos quais a narrativa é toda guiada pela imagem, podemos ver poesia na paleta de cores do filme.

Ao contrário de muitas outras obras, aqui temos boas escolhas que complementam a alegoria. Mãe sempre traja tons esbranquiçados e pacíficos enquanto a Adão e Eva e outros homens estão sempre vestindo cores escuras. Até mesmo as paredes brancas da casa evidenciam uma serenidade que a protagonista deseja incrementar com a escolha da tinta levemente dourada e próspera na continuação da reforma do lugar.

O diretor também busca mimetizar passagens que claramente homenageiam o clássico O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski. A sinopse dos dois filmes pode ser praticamente a mesma, inclusive: um casal é visitado por vizinhos misteriosos que provocam o afastamento de um ao outro, enquanto a esposa acredita que sua vida está em perigo.

Em termos sonoros, também faz muito sentido Aronofsky ter escolhido não incluir nenhuma trilha musical na obra. Além do desafio da encenação ser maior e ele provar se capaz de guiar a emoção do espectador sem nenhum recurso musical didático, o diretor cria em conjunto com os designers de som uma das melhores experiências acústicas do ano. Fora isso, a música é uma criação humana e não divina – e a música só surge na casa quando a humanidade está presente.

A Tragédia de um Poeta

Assim como o Deus de sua história, Aronofsky deve sofrer um amargo fracasso com Mãe!. Os motivos são mais do que evidentes: não é uma obra fácil e sua proposta pode desagradar perfeitamente até mesmo os mais capazes dos espectadores em compreendê-la.

Alguns podem achar ofensiva, enquanto outros a taxam de genial. Para mim, se trata da culminação autoral de Aronofsky. É obviamente pretensioso, com uma história que pode ser só alegoria, além da estética ser extremamente dura e nada habitual. Ao contrário de Dunkirk, único filme semelhante em sua audácia neste ano, Mãe! não se preocupa em oferecer um entretenimento universal.

Mãe! acaba então sendo uma peça brilhante de experiência cinematográfica, mas tão imperfeita quanto o nosso trágico Poeta narcisista trazido por Aronofsy.

mãe! (mother!, EUA - 2017)

Direção e roteiro: Darren Aronofsky
Elenco: Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer
Gênero: Drama, Thriller Psicológico
Duração: 121 minutos.

https://www.youtube.com/watch?v=ugn1gqGl7rs


by Matheus Fragata

Crítica | Amityville 3: O Demônio

O terror é um gênero cinematográfico que, constantemente, precisa se reinventar. O que assustava as pessoas há dez, vinte, trinta anos atrás não necessariamente irá surtir o mesmo efeito no espectador da atualidade. Em razão disso, ao longo da história dos filmes de horror vimos obras que brincam com nossas expectativas, misturando doses de comédia com os ocasionais sustos, como é o caso de Arraste-me para o Inferno e O Segredo da Cabana. Amityville 3: O Demônio, também conhecido como Pesadelo Mortal – Amityville 3 faz algo parecido, mas de maneira não-intencional, criando uma paródia de si mesmo e da própria franquia, que traz mais risadas do que medo efetivamente.

A trama se passa após os eventos dos dois primeiros longa-metragens e nos apresenta a John Baxter (Tony Roberts), um repórter especializado em desmascarar charlatões que alegam conversar com espíritos ou possuírem casas mal-assombradas. Após sua mais recente revelação, envolvendo um casal que morava na famosa casa em Amityville, Baxter acaba comprando a propriedade, logo descartando a ideia dela ser possuída pelo demônio ou algo assim. O que não esperava é que, uma a uma, as pessoas à sua volta seriam afetadas pela entidade presente naquele lugar.

Desde cedo o roteiro de William Wales – sendo essa a única obra assinada pelo roteirista – brinca com a metalinguagem, dialogando com a própria maneira como esses filmes de espíritos é filmada. O grande problema não é a premissa do filme em si e sim a maneira como ela é executada. Para começar, temos a velha história de sempre, de alguém se mudando para uma “casa endemoniada”, descobrindo, aos poucos, a real natureza daquele lugar. Wales não foge nem um pouco do óbvio e a brincadeira nos minutos iniciais vai embora, dando lugar a uma sucessão de eventos ridículos, marcados pela estupidez e praticamente todos os personagens.

Bom exemplo disso é a morte do corretor de imóveis, logo no início da projeção. Atacado por uma legião de moscas, ele simplesmente permanece colado na parede, sequer tentando escapar do quarto cuja porta fechara sozinha. Em seguida temos o protagonista vendo esses mesmo corretor caído no chão, pedindo, com as mãos, em seus últimos momentos, ajuda. O que o personagem principal faz? Absolutamente nada, fica apenas parado observando o sujeito como uma múmia, sem qualquer expressão – característica que, aliás, se mantém durante todo o filme, com o ator sendo incapaz de demonstrar qualquer emoção mesmo quando a filha de seu personagem morre – esse ponto, por sinal, é bastante sintomático na obra, visto que o roteiro simplesmente ignora a morte de diversos personagens.

Enquanto o protagonista mantém-se no marasmo de sempre, outros personagens não fazem o mesmo. Seu total oposto é Melanie (Candy Clark), colega jornalista, que entrega momentos de pura histeria enquanto grita aos quatro ventos de forma desesperada, proporcionando outra dose de risadas ao espectador – estranhamente, ela decide se conter um pouco mais quando está à beira da morte. Outros pontos que explodem qualquer limite do ridículo também estão presentes no filme, como quando o protagonista está dentro de um elevador em queda e ele automaticamente cola no teto, como se fosse atraído por um imã gigante. E não irei nem entrar em detalhes sobre a caracterização de certa criatura, que mais parece o meme “rage guy” do que um demônio de fato.

Amityville 3, portanto, é um filme que nos diverte e muito, mas não como terror e sim comédia. Com roteiro tenebroso, repleto de situações ridículas e atuações terríveis, essa obra mais do que prova que essa franquia precisava ser exorcizada, mandada de volta para o Inferno junto com o meme, digo, monstro presente nessa história. Evidente que, assim como a casa, essa assombração de franquia não iria embora tão fácil, rendendo mais quinze outros longa-metragens, que, só de pensar, sentimos arrepios.

Amityville III: O Demônio (Amityville 3-D, Estados Unidos – 19823)

Direção: Richard Fleischer
Roteiro: Fred Schuler, Clifford Capone, William Wales
Elenco: Tess Harper, Tony Roberts, Candy Clark, Carlos Romano, John Harkins, Meg Ryan, Lori Loughlin
Gênero: Terror, Thriller
Duração: 105 min

https://www.youtube.com/watch?v=hcCRBjG4hMM


by Guilherme Coral

Série de It: A Coisa terá Bill Skarsgård como Pennywise

Crítica com Spoilers | It: A Coisa - Quando os Goonies conheceram a Hora do Pesadelo

Com Spoilers

Quando tiramos tempo e paramos para analisar a extensa carreira, particularmente no cinema, de um autor como Stephen King, é até embasbacante reparar o extenso número de adaptações, releituras, filmes e séries que sofreram grande influência de sua obra. Isso desde seus primórdios nos anos 70, aos dias de hoje, e não há de cessar por muitos anos a fio. É uma repercussão impressionante de uma fonte de inspirações e influências, que ouso dizer que talvez nem o próprio William Shakeaspeare tenha tido até hoje. É sua arte, seu legado que ele presenteou ao mundo em seus grandes clássicos literários para tantas outras mentes em busca da criação e originalidade.

Histórias sobre pessoas como nós enfrentando forças e poderes violentos e opressores, que muitas vezes ultrapassam a própria realidade, e despertam os sentimentos de angústia e ânsia dolorosa para vencer sobre estes. Mas isso não passa de um mero resumo de uma obra que está aberta a tantas interpretações de seus inúmeros fãs. O ponto principal de análise aqui é o recentíssimo It: A Coisa, a nova adaptação do célebre clássico de Stephen King, que talvez seja um lembrete digno de seu legado como autor e influente no cinema em grande forma! E como chega a isso? Vejamos:

Basta termos a noção de que quando você está lidando com It, você está tratando com o talvez mais amado dos livros de King. Não diria necessariamente o seu melhor (A Dança da Morte ainda mantém esse status em minha opinião), mas o mais mencionado, referenciado e aclamado entre seus fãs. Mesmo com suas certas bizarrices e poucas incoerências narrativas aqui e ali, é o livro com a perfeita cara de Stephen King. Tudo que o define em sua marca autoral está resumido no fantástico calhamaço de mil páginas que é It.

Não só o terror e o macabro fantasioso que ele sempre invoca, que estão perfeitamente caracterizados na figura icônica de Pennywise, mas também as questões existenciais; as encarnações dos medos; os sentimentos em turbulência de seus personagens perdidos em seus universos e se vendo ter que enfrentar a encarnação do mal que os assola para sobreviver. A luta contra forças maiores que eles mesmos, para no final assim, talvez, encontrar o seu lugar nesse mundo. E é desse ponto que o filme de Andy Muschietti procura partir e consegue cumprir essa tão rica proposta.

Afinal, não é exagero nenhum vir dizer, ou melhor, atestar que esse não é um filme que se preocupa (em boa parte do tempo) em ser um filme de terror. Ele é uma aventura, humorada e dramática, de seus jovens personagens e na sua luta contra o mal. Quer mais Stephen King que isso? Ok, claro, só adicione aí um maníaco com problemas psicológicos e que possuí uma arma letal; alguns personagens nojentos bizarros e misteriosos, todos com ar de duas caras; uma cidadezinha pacata sendo afetada com terríveis eventos; violência sanguinária sem pudor algum tanto com adultos ou crianças; uma história sobre amadurecimento e amizade, entre outras coisas; aí você terá todos os elementos Stephen Kingianos juntos em um só filme. Pera, mas tem tudo isso aqui! Hmmm

E sim, Muschietti se mostra um claro fã geek de Stephen King ao lado do trio de talentosos roteiristas (Chase Palmer, Gary Dauberman e Cary Fukanaga) que o acompanham. A construção da sensação nostálgica da obra é sentida logo de início. Seu filme começa em um ambiente caloroso e confortante, a casa de Bill (Jaeden Lieberher) e Georgie, ao singelo som falso diegético de piano tocando ao fundo. Isso é King em sua melhor forma: apresentar o público ao ambiente do desenrolar da história, um lugar confortável e belo, instigando sua atenção a procurar e desvendar esse universo, só pra depois mostrar suas facetas sombrias e violentas. Isso tudo toma forma na ótima introdução do filme, na FANTÁSTICA apresentação de Pennywise (Bill Skasgård) e a brutal morte de Georgie com seu braço comido fora (como eu disse, sem pudor algum). Uma breve e memorável sequência que de cara revela todos os pontos fortes, e também os mais fracos, do filme que estamos prestes a assistir.

(Aliás, repararam na pequena metalinguagem dada nessa cena? Quando Georgie diz que "Bill vai mata-lo" se ele perder o barco. Pennywise é interpretado por um Bill... Isso é mais assustador que a história do Pennywise matar a cada 27 anos e o filme ser feito 27 anos depois da minissérie).

The Losers' Club

Não entendam mal, It é um filme excelente como um todo, que melhora cada vez mais conforme você pensa nele, e é capaz sim de ficar um bom tempo com você caso se deixe se investir pelo rico universo que apresenta. Mas, como sempre, o hype é o colírio que cega da qualidade aos olhos dos mais exigentes ou ignorantes. É bem fácil encarar It como um filme de terror genérico, seu elo mais fraco (em partes) deveras, mas também ignorar sua real proposta de ser esse verdadeiro drama sobre seus riquíssimos jovens personagens, o grande triunfo de It, tanto no filme como no livro! Talvez já podemos considerar que esse se trata de uma perfeita tradução e adaptação do mesmo, ainda que tome pequenas (e inteligentes) liberdades aqui e ali. Em sua essência, é Stephen King de cabo a rabo!

É uma verdadeira piada o que tenho ouvido de alguns sobre It - A Coisa ser uma cópia derivada do sucesso de uma série que todos amam e conhecem, Stranger Things, sendo que é o absoluto contrário! Stranger Things é, assim como It, produtos de ouro inspirados no melhor do vasto leque pop e cultural que Stephen King presenteou ao mundo e que continua inspirando gerações atrás de gerações até hoje. Esse, com certeza, é um dos principais motivos pelo filme estar encantando a tantos, o resgate perfeito de vários desses elementos tão nostálgicos. A começar pelos já quase clássicos, The Loser's Club, ou o Clube de Perdedores, o cerne e estrutura de todo o filme.

As crianças são soberbas, ponto, nada mais a declarar. Não só os jovens atores se mostram como verdadeiros achados e são habilmente dirigidos por Muschietti, que traz o melhor de cada um em cena, como também são muito beneficiados pelo roteiro. Com a narrativa acertando em cheio na construção individual de cada um e na dinâmica do grupo, uns mais que os outros claro, mas o bastante para nos fazer conhecer cada um e simpatizar com todos. E na hora do showdown, se morder de ansiedade preocupado com cada um (também com uns mais que outros).

A influência disso vem, claro, do próprio livro que também despertava esse espírito da infância e da forte amizade e camaradagem entre o grupo, como também de outra amada obra de King, Conta Comigo, novamente tanto o livro quanto filme. Não só pelo encantador fato deles falarem como crianças normais, cheias de palavrão e conotações sexuais (sim, muitas crianças se comunicam assim caros papais e mamães), perfeitamente representado no personagem de Richie do ÓTIMO Finn Wolfhard, personagem que compartilha de várias semelhanças com o Teddy Duchamp de Conta Comigo, tanto por ambos usarem óculos e terem as línguas sujas e afiadas. Mas também no que se refere à composição dos seus personagens, na turbulência da infância e vida que eles enfrentam e os atormenta aterrorizantemente muito mais do que um palhaço monstrengo que come crianças.

Onde se é construído, em cada um, essas alegorias temáticas tão ricas e relacionáveis na composição psicológica e característica de cada personagem. O abuso de Beverly (Sophia Lillis); a solidão de Ben (Jeremy Ray Taylor); o aprisionamento manipulativo de Eddie (Jack Dylan Grazer); a perseguição (racial?!) de Mike (Chosen Jacobs); o medo do fracasso de Stanley (Wyatt Oleff); o medo da morte e desaparecimento de Richie; e o sentimento de abandono e desinteresse de Barry para o que aconteceu com o desaparecimento de Georgie e das outras crianças. Não só eles como o próprio Henry Bowers, o bully psicótico de Nicholas Hamilton que levanta temas óbvios de abuso e violência física e psicológica. Todos eles afetados por pais abusadores, neuróticos e onipresentes na vida dessas crianças, que moldaram aquilo que eles são.

É admirável a maturidade com que o roteiro consegue lidar com isso tudo sem nenhuma forma de embasamento, ainda mais se lidando com crianças. Não há um dos pais ou dos mais velhos que se salva, todos parecem tipos de monstros bizarros caricatos (mas sem exageros) ao olhar das crianças, e nem o próprio bully tem uma salvação. Ele é tanto um produto do mal causado por esse universo que busca destruir as crianças. Ainda assim eles nunca se mostram páreos aos corações e a pureza de seus protagonistas, que encontram na amizade e união a força que precisam para derrotar esse mal, a principal fraqueza do vilão.

Acredito que muito dessa textura alegórica criada em volta do grupo com certeza vem do toque inicial de Fukunaga em cima da história. Não querendo desmerecer o trabalho de Dauberman ou Palmer, claro, mas conhecendo o curto currículo do diretor até agora com os ótimos Jane Eyre, Sin Nombre e principalmente Beasts of No Nation, nota-se um pouco de sua marca aqui. Não só em respeito à lidar com as crianças de forma adulta, como também dar o tempo, bem calmo e lento, mas NUNCA cansativo, em moldar o relacionamento dos personagens de forma simplesmente perfeita. Talvez Stanley seja o que mais fique sobrando dentro do grupo em comparação às diversas ações que os outros tomam, mas a câmera de Muschietti cumpre seu trabalho de mostrar o papel fundamental de cada um na narrativa. E são nesses, e outros momentos, que sua direção brilha!

O Terror

O jovem argentino apadrinhado de Guillermo Del Toro finalmente consegue mostrar aqui seu grande talento em crescimento. Não que eu ache seu primeiro longa Mama um filme ruim, bem longe disso, mas lá mesmo com ele buscando evocar uma vibe de fantasia gótica, com clara influência de seu amado padrinho, o filme infelizmente caía em certos irritantes maneirismos de filmes de terror atuais. Aqui por outro lado parece um estranho misto. De um lado encontramos o diretor dando vida a essa história com uma aura fantasiosa e aventuresca, que ainda lembra em momentos os toques de Del Toro, mas que se personifica bastante melhor como uma aventura Spielbergiana, e lidando de forma tão rica e quase contemplativa o drama íntimo dos personagens. Mas do outro encontramos o diretor lidando com o "terror" do filme inicialmente de forma bem genérica eu diria.

E volto para aquilo que eu disse no início de como a intro do filme já revelava o melhor e o pior do filme. Quando o filme está focado nos personagens, como quando vemos Bill e Georgie trocando singelos diálogos entre irmãos, o filme flui de forma perfeita. Mas quando estamos com algum dos personagens sozinhos sendo assombrados pela encarnação de seus medos, como quando Georgie desce ao porão escuro sozinho (sim eu sei, outra dessas cenas. Pelo menos só há uma aqui) e vemos a tensão crescente se finalizando em um falso susto, vemos o elo fraco do filme. Mas tudo parece voltar ao normal quando o icônico palhaço aparece em cena, mas mais sobre ele depois.

E isso infelizmente se repete mais de uma vez no filme nas cenas quando vemos os personagens sendo introduzidos ao terror que os assola. Com direito à sons altos aguniantes pra criar tensão; altos estrondos de repercussão quando a figura monstruosa ataca; e alguns chatos jump scares. Exceto dois que funcionam muito bem, um deles envolvendo um retroprojetor que é simplesmente aterrorizante. Mas algumas coisas assim despontadas que já estamos cansados de ver repetidas vezes até hoje no gênero e que quase torna o filme cansativo nesses momentos iniciais.

Porém, e felizmente, não tudo de terror que o filme tem a entregar se resume a isso, e consegue garantir alguns ótimos momentos aqui! De todas as sequências onde os personagens são introduzidos ao mal que os cerca em forma de alguma assombração que lhes mete medo, quase como o bicho papão de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, a melhor disparada é a de Beverly (personagem esta que talvez seja gracejada com os melhores momentos do filme além de Pennywise). Com direito à vermos medonhos cabelos vivos lhe sugando para dentro de um ralo de pia, seguido de um apavorante banho de sangue cobrindo o banheiro em vermelho vivo, que deixaria o elevador de O Iluminado com inveja.

Cena esta aliás que já serve de ótimo exemplo para a excelente mistura em cena de efeitos práticos com computadorizados que o filme invoca quase sem falha alguma. E esse mesmo brilhantismo volta a se repetir em outras memoráveis sequências como quando vermos finalmente Pennywise dominando a cena no filme. À partir da cena onde vemos Eddie sendo atacado por um nojento zumbi leproso, parecido tirado de um filme de David Cronenberg, e vemos o palhaço finalmente se revelando pra ele, o filme pega o gás do medo e não o larga até o final!

Me, Pennywise

Mencionar o palhaço Pennywise de Skasgård sem citar o de Tim Curry da ainda celebrada minissérie é possível, mas quase inevitável. Curry estava soberbo e conseguiu ser a melhor coisa daquele filme ao ponto de marcar gerações até hoje. Só não digo que ele tornou o papel completamente para si porque Skasgård faz um trabalho tão bom quanto, e único, com o personagem aqui. Ele não é um palhaço engraçado maníaco com poderes macabros (ok, até é, só que muito mais que isso), ele é, em sua essência, um mistério eu diria. Uma encarnação do puro mal querendo se alimentar da pureza dessas crianças e de seus piores medos. Ele se mostra um aglomerado de tudo que é mal que assola os personagens, reunidos em um só ser. Não é por nada que ele aqui usa de Henry, um dos inimigos mortais das crianças e uma vítima de um tratamento abusivo, como uma de suas armas para atormentar e ferir o grupo.

Algo que ele muito bem pode fazer sozinho, mas o bel prazer dele está em atormentar-los. Em uma das minhas cenas favoritas do filme, que consiste no primeiro encontro de Bill com Pennywise onde ele vê a forma de Georgie sendo manipulada pelo palhaço como um fantoche e depois desata a correr pra cima de Bill de forma violenta que consegue escapar. Só pra Muschietti cortar de volta para a expressão de frustração do palhaço que muda para uma de prazer com ele abrindo um sorriso de deleite enquanto revira os olhos como se tivesse acabado de ter tido um orgasmo. Ele está simplesmente ADORANDO tudo isso!

Ele sim é o verdadeiro terror que carrega o filme para dentro do gênero, e o faz muito que bem sendo o encarregado dos melhores momentos do filme, para além dos mais íntimos e dramáticos com as crianças. Até Muschietti parece seguir o talento para o mal do palhaço e garante a criação desses bravos momentos onde ele toca o terror em cena, e deixa de lado os toques genéricos que ele vinha usando até aí. Mostrando até ter uma direção bem inventiva, não só usando e abusando da ótima fotografia de Chung-hoon Chung que garante um visual vívido ao filme, tanto no uso de uma câmera quase viva e ambiental como quando vemos Stanley mudando um quadro de posição e a câmera vai de um ângulo holandês para um enquadramento normal seguindo o movimento do quadro - Spilberg sempre presente; quanto no seu uso de montagem quase brincalhona como quando vemos ele salientando a paixão louca de Ben por Beverly quando ela vê o pôster de New Kids on the Block em seu quarto. Sua câmera apostando em pequenos momentos assim para se construir personagens, que saudades de se ver algo assim. Até aquele momento macabro já mencionado de Pennywise com tesão (?) meio que serve para dar um breve momento para o personagem.

Agora junte tudo isso, a direção estilosa de Muschietti com Pennywise em cena junto das crianças, e você tem o que pra mim é o grande momento do filme - o primeiro confronto entre os protagonistas contra o palhaço dentro da antiga casa de Mike.

É simplesmente um espetáculo escatológico enervante, que parte da tensão inicial com eles enfrentando os sombrios e claustrofóbicos corredores da casa assombrada pelo palhaço, que se sucede em vermos um menino com o braço quebrado e outro com a barriga cortada, e um palhaço demoníaco saindo de dentro de uma geladeira se contorcendo todo e atormentando as crianças violentamente no melhor estilo Freddy Krueger - e finalmente cumina-se com eles atravessando uma aste de ferro na cara do palhaço que pouco se preocupa com a dor.

Detalhe dessa sequência, e de todo o filme, é como Muschietti realmente busca usar a escatologia da violência evocando em parte Cemitério Maldito, outra célebre obra de King que recebeu uma também ótima adaptação, no que se refere em mostrar violência como fator deturpador de tudo que há de bom nos personagens. E na essência, isso serve também como importante fator de caracterização dessa nova versão de Pennywise, e que sim o diferencia de outras versões, a única sendo a de Tim Curry claro. Não sendo só um mero palhaço com poderes demoníacos, e sim uma coisa, um monstro espectro que se alimenta do mal criado à sua volta no ambiente tão opressor que as crianças vivem como já mencionado.

Algo que, mais uma vez, mostra se aproximar e muito de sua caracterização original no livro de King de forma perfeita e sem cair nas mesmas bizarrices. Mas fica aí a dúvida de como irão explorar suas origens místicas na continuação junto do desenvolvimento das crianças já em suas fases adultas, e que tem tudo para ser interessantíssimo. Só não me tragam uma tartaruga gigante de outra dimensão por favor, leitores do livro entenderão.

King mais vivo do que nunca

Já ouso dizer que essa adaptação de Muschietti, não só faz jus fidedigno a essência do livro de King, como também tornam o filme em um frescor dentro do gênero em que se propõe a adentrar, mesmo sofrendo de alguns irritantes maneirismos inicias. Faz um bom tempo onde não se via um filme de terror tão alegórico na caracterização de seus personagens e até interpretativo nos temas em que ressalta. Se O Exorcista lidava com a fé no meio social; Bebê de Rosemary com o enclausurado urbano; It - A Coisa, busca em suas entrelinhas ser uma ode à essência de Stephen King de forma tão realista e relacionável. O apego nostálgico à juventude; o verdadeiro sentido de família dentro da amizade verdadeira; e a forte união desses pobres rejeitados de seu meio social e familiar, para enfrentar o mal em suas piores formas.

A luta deles contra Pennywise se torna tão emocionalmente satisfatória no final do filme exatamente por ter conseguido nos fazer sentir tão investidos com os problemas íntimos que afetam cada um dos personagens, e já estarmos completamente apaixonado por eles. E daí também vem parte do fruto da essência de medo e terror do filme, nos preocuparmos com o destino de cada um nessa luta contra o mal. Contra tudo que os anda oprimindo em suas vidas, os abusos, a violência, a rejeição, que se resumem no final em uma verdadeira, e prazerosa porrada franca das crianças pra cima de Pennywise.

Com direito à tiros, voadoras, facadas, mordidas, mãos zumbis saindo da boca do palhaço, referência à Múmia, um pequeno espetáculo com todos depositando toda sua brava revolta pra cima da criatura do mal. Não lembra um pouco uma certa franquia que envolve pesadelos e um cara desfigurado com uma luva de tesouras?! Não é por nada que o título Hora do Pesadelo 5 aparece em um letreiro de cinema (só que nesse envolvia um duelo Kung Fu contra o Krueger, as coisas aqui são mais centradas).

É em certa parte broxante por esse embate ser em um espaço tão fechado e limitado, embora compreensível e até esteticamente interessante a forma como o covil de Pennywise é construído, um verdadeiro lar de um monstro da fantasia comedor de criancinhas. Mas na verdade não há o que reclamar aqui, afinal o que eu queria?! Algum feixe de luz apontando pro céu prestes a destruir o mundo? Já temos corpos e membros de crianças mortas cumprindo esse papel (bota dark nisso), e eles não são os vingadores, eles são os Gooni...digo, o Clube dos Perdedores!

Estes que no final entregam uma cena capaz de sugar lágrimas quando Billy finalmente encara e aceita o fardo da morte de Georgie, e é confortado em um caloroso abraço de grupo pelos seus amigos, sua verdadeira família. E isso meus caros, é a essência das mais puras de Stephen King sendo posta na telona. Seria muito ridículo dizer que o nível emocional aqui entregue pode se juntar à Um Sonho de Liberdade e A Espera de um Milagre?! Bom, pelo menos é quase tão bom quanto.

Pelo que ouvi King gostou bastante do filme, e espero que ele esteja orgulhoso deste. It - A Coisa é exatamente tudo isso que leram aqui e talvez mais a ressaltar. Uma adaptação fiel à essência de seu amado livro original, e digna dos melhores elementos de Stephen King sendo traduzidos para o público de hoje. E mostra como no gênero de terror é possível ainda encontrarmos boas histórias sendo contadas de forma tão classicista e alegórica, mesmo que com umas desafinadas genéricas, e conter ricos e excelentes personagens que conquistam seu público imediatamente e enfrentam de frente um antagonista que já promete se tornar um futuro clássico. E só tende a prometer e a nos deixar desejosos por muito mais vindo aí!

It: A Coisa (It, EUA – 2017)

Direção: Andy Muschietti
Roteiro: Cary Fukunaga, Chase Palmer e Gary Dauberman, baseado na obra de Stephen King
Elenco: Bill Skarsgård, Jaeden Lieberher, Finn Wolfhard, Sophia Lilis, Wyatt Oleff, Chosen Jacobs, Jack Dylan Grazer, Nicholas Hamilton, Owen Teague, Jackson Robert Scott
Gênero: Terror
Duração: 135 min


by Raphael Klopper

Crítica | Feito Na América - A nova aposta de Tom Cruise

Em 2005, ano em que anunciou publicamente o noivado com a atriz Katie Holmes, Tom Cruise mal sabia que estava prestes a enfrentar uma série de turbulências que culminariam no encerramento súbito do contrato assinado há anos com a Paramount Pictures. Desde então, como uma maneira de sobreviver na jaula de leões hollywoodiana, ele estreitou os laços com Paula Wagner - a sua colega de longa data - e montou um grupo de confiança capitaneado por Christopher McQuarrie e Doug Liman. Com este último, por enquanto, a parceria rendeu dois filmes. O mais recente deles é o divertido Feito na América. 

Baseada em eventos reais, a história gira em torno de Barry Seal (Cruise), um frustrado piloto de vôos comerciais. Dono de uma personalidade inquieta e aventureira, ele supre a inércia da profissão traficando objetos de valor. Ao descobrir as suas ações ilegais, a CIA decide transformá-lo em um aliado na Guerra Fria. Sobrevoando e registrando com uma máquina fotográfica os territórios inimigos, ele finalmente encontra a emoção que tanto procurava. No entanto, depois de ser rastreado pelo cartel de drogas colombiano, é obrigado a transportar vários quilos de cocaína ao território norte-americano. Isso acaba por lhe gerar muito dinheiro, mas também o coloca em um caminho de excessos e perdição.

Com uma trama repleta de reviravoltas e apresentando fatos que até um roteirista criativo teria dificuldade de imaginar, Feito na América é o tipo de filme que segura as mãos do espectador logo nos minutos iniciais e o leva aos instantes derradeiros, sem que haja muito tempo para refletir ou respirar ao longo do trajeto. Construindo o seu roteiro sob uma sucessão ininterrupta de acontecimentos, Gary Spinelli cria uma experiência envolvente na qual não há espaço para se ater aos detalhes, personagens coadjuvantes ou dramas periféricos. Para o roteirista, o importante são os desvios comportamentais do protagonista.

Nesse sentido, a performance de Tom Cruise é certeira. Carismático, intenso e engraçado, o ator mostra ter compreendido a essência do personagem e o quão importante é a sua atuação para que a proposta do filme se concretize. De fato, a história é interessante o suficiente para atrair a nossa atenção - imaginar que tudo aquilo aconteceu realmente é uma fonte de constante fascínio -, porém, inegavelmente, a força motriz empurrando a trama para frente é o astro. São os os seus típicos exageros e a sua entrega física sempre invejável que nos guiam durante a projeção.

Outros elementos que também contribuem para a criação dessa narrativa agitada são a montagem acelerada e a trilha sonora. A primeira é eficaz na manutenção do ritmo estabelecido pelo roteiro de Spinelli e a interpretação de Cruise e a segunda se ocupa de embalar a ação com exuberância. Em relação às canções selecionadas, é necessário dizer que, assim como a fotografia de César Charlone, a direção de arte e o figurino, elas são essenciais na recriação de época. A história começa nos anos 1970 e, por várias vezes, o filme passa a impressão de ter sido realizado na década retratada (a estética da Nova Hollywood é constantemente invocada).

Todavia, mesmo com todas essas qualidades, Feito na América não ultrapassa a linha do mero entrenimento, e isso se dá principalmente por causa da direção de Doug Liman. Conhecido pela destreza com que compõe cenas de ação e momentos apreensivos, o cineasta parece ser incapaz de adaptar o seu estilo às necessidades da história. No caso deste longa, era vital que ele abandonasse o seu jeito mais "clássico" de filmar e abraçasse o improviso, a câmera na mão ou investisse na sincronização de movimentos obtida através da montagem. Infelizmente, ele não faz nada disso. 

Aliás, em alguns momentos chega a ser evidente a sua falta de intimidade com o material, como, por exemplo, a cena em que Barry é preso e diz aos policiais ao redor que será solto em breve. A piada é óbvia, mas, ainda assim, ela funcionaria caso Liman acelerasse o passo e mantivesse o timing cômico do instante. No entanto, acontece o oposto. Cadenciando em demasia, ele suga todo o humor que poderia existir na gag e, ao tentar quebrar a previsibilidade da brincadeira feita pelo protagonista, acaba finalizando-a de uma maneira completamente anti-climática. Ele até tenta deixar o filme mais dinâmico, empregando lentes de diferentes milímetros, planos desfocados e ângulos inusitados, mas esses recursos criam apenas diferentes texturas, auxiliando muito pouco no dinamismo da obra.

Se esses defeitos atrapalhassem apenas o ritmo, não estaríamos diante de um problema muito sério. Contudo, eles acabam sabotando a intenção do próprio roteiro. É óbvio que o objetivo de Spinelli era fazer uma sátira sobre como a CIA (Agência Central de Inteligência), ao usar uma estratégia que considerava genial, permitiu que o cartel de Pablo Escobar crescesse a custo de vidas norte-americanas. No entanto, em razão da direção irregular de Liman, a mensagem não é transmitida e o filme nunca atinge o seu objetivo, ficando sempre na linha tênue entre o drama e a comédia (como em Sr. e Sra. Smith). Isso faz com que surjam outros tipos de deméritos, como a superficialidade dos conflitos familiares e a passividade do protagonista, aspectos que não incomodariam se o filme fosse o deboche originalmente pretendido.

É verdade que, durante a projeção, a narrativa é tão intensa que, à primeira vista, essas deficiências passam despercebidas e a sensação geral é de que testemunhamos um filme perfeito em sua proposta. Mas, assim como no consumo da cocaína que o protagonista leva de um lado ao outro, há primeiro o torpor e, depois, a eventual melancolia, geralmente acompanhada de um reconhecimento melancólico. Diverte enquanto é projetado, porém, o filme não resiste fortemente às reflexões posteriores, gerando um triste suspiro diante do potencial desperdiçado.

Deste modo, já que não oferece muito material para considerações futuras, Feito na América nos deixa com uma questão pertinente apenas, e ela tem a ver tanto com a obra quanto com a carreira de Tom Cruise. Depois de tudo o que lhe aconteceu, é compreensível que opte trabalhar somente com os profissionais de sua confiança. Quando funciona, essa opção se mostra completamente justificada. Entretanto, não é todo material que será compatível com o estilo desses artistas. Este longa atual não era, e o resultado ficou muito aquém do que poderia ter sido.

Feito Na América (Made In America,  EUA – 2017)

Direção: Doug Liman
Roteiro: Gary Spinelli
Elenco: Tom Cruise, Dohmnall Gleeson, Sarah Wright, Caleb Landry Jones, Jesse Plemons, Lola Kirke
Gênero: Ação
Duração: 115 min


by Redação Bastidores

Crítica | Amityville 2: A Possessão - Uma Sequência que Desaponta

A pessoa que assistiu ao longa de 1979 possivelmente achou tudo muito monótono e parado, ainda mais se comparado ao terror produzido nos tempos atuais de muita correria e sustos. Óbvio que com o sucesso do primeiro filme da franquia Amityville uma continuação seria feita, isso se levarmos em conta que esse gênero adora criar franquias sem pensar na estrutura da narrativa. Amityville 2 - A Possessão é um oásis se comparado com todos os filmes da franquia Amityville, difícil encontrar um que fuja a receita criada pelo primeiro longa que foi um sucesso.

Se no anterior se contava a história da família Lutz que se mudava para a residência e presenciaram diversos acontecimentos sobrenaturais, tendo que sair dali rapidamente, nessa sequência é apresentada a história da família DeFeo, moradores que viveram ali antes dos Lutz.

Os DeFeo se mudaram para Amityville no ano de 1974, e a família era composta por Robert DeFeo, sua esposa e mais cinco filhos. Desses filhos um seria o responsável pelo massacre na residência estabelecida no endereço 112 Ocean Avenue. Ronald 'Butch' Junior matou a sangue frio com uma carabina seu pai, mãe e quatro irmãos. Todos morreram de bruços, nenhum com uma posição diferente e nem com traços de reação. 

Ronald chamou a polícia e depois de muitas histórias contraditórias acabou assumindo que ele havia sido o responsável pela morte de todos da família. Disse que ouvia vozes e que ela o obrigava a praticar esses atos. Claro que ninguém acreditou de início, só iriam levar a história em conta depois dos relatos dos Lutz no livro que daria origem a todas essas produções cinematográficas. 'Butch' foi condenado ainda em 1974 a 6 prisões perpétuas em sequência e está preso até hoje. 

Amityville 2 começa quase do mesmo jeito que a versão de 79: com uma família (os DeFeo) se mudando para a residência. Daí em diante vai mostrando todo o processo de possessão que Ronald passa a sofrer do possível demônio que habita a casa. Aqui o mal é liberado quando é descoberta uma passagem secreta no sótão. Esse ser maligno - o filme não cita em nenhum momento um espírito - sai instantaneamente de lá e passa a atormentar Ronald, dizendo para ele matar seu pai, para matar todos da família. 

O diretor Damiano Damiani emprega bem na produção os acontecimentos, que realmente existiram e foram relatados por Ronald. Um deles foi o das vozes que ele dizia ouvir, outro foi o possível caso de incesto entre ele e sua irmã, isso com ele já em processo de possessão. Fora outros relatos que o diretor deu uma forçada, como a presença intensa do padre na vida de Ronald. Ele tem papel importante no filme, tanto que vai até o final tentando curar o rapaz do demônio que teria tomado seu corpo.

Provavelmente é um dos melhores filmes de toda a franquia Amityville, pois a maioria das produções tem histórias péssimas, são mal dirigidas e os roteiros são praticamente iguais uns aos outros. Esse se sobressai por ser original no sentido de contar a história dos DeFeo, de mostrar o processo de possessão sem forçar a barra, e trabalha bem toda a tensão gerada até o desfecho cruel de tudo.

Outra grande sacada de Damiano para enriquecer a história e tentar ser original foi a inclusão do padre na vida deles. Obviamente a referência é o Exorcista que havia estreado muitos anos antes. Na realidade, tudo lembra e muito o longa de 1973, os closes dado no padre dentro da residência, o enquadramento feito quando ele está do lado de fora com uma roupa preta, chapéu preto. Até os diálogos finais profanando o padre são claramente inspirados na obra de William Friedkin.

Só que o padre de tanto aparecer fica chato, ele não está na versão original da história e sua inclusão foi apenas para mostrar a batalha entre bem e mal de que nenhum ser maligno tem força suficiente para vencer Deus. Poderiam ter colocado um policial na história, padre já não era algo original, o pior é que em nos próximos filmes de Amityville terão muitos outros padres. Não seria nenhum erro ter um policial, mas há de se entender o porque do padre já que ele é o único capaz de vencer o diabo.

O melhor desse longa é que as coisas vão ocorrendo com muita rapidez, sem enrolação. Já descobrem o lugar no porão de início, sem dramatizar que lá devia ter algo ruim. Os sustos e a tensão já começam sem dar tempo de pensar no que seria tudo aquilo. Trabalham o fato de algo de errado ter na casa com o simples movimento de objetos, espelhos caindo, pincéis voando e pintando paredes. 

A ideia é aterrorizar desde o início o espectador, não dando tempo para imaginar o que vai ocorrer. Outro fato interessante é que não desenvolvem a casa no sentido de mostrar que ela é macabra simplesmente por ser. O público já sabe o que é Amityville, querer mostrar o que é ela novamente seria “chover no molhado”, além de ser bastante desnecessário. O filme anterior já havia desenvolvido bem a casa, pra que perder tempo fazendo a mesma coisa?

Há horas que a narrativa parece parada, mas isso é proposital para trabalhar a possessão do rapaz, como se ele estivesse em estado de hipnose. Até a hora que ele está no tribunal é lenta de forma proposital, para apresentar o caso como ele ocorreu de fato e para dar mais suspense. 

Tanto essa versão como a anterior desenvolveram bem a história, só que aqui tudo é bem mais aprofundado e bem desenvolvido. Os personagens não estão aqui à toa, apenas para compor cenário. A irmã de Ronald, por exemplo, tem um papel quase de protagonista e causa um choque o que irá ocorrer com a personagem, pois se fosse nos dias atuais o tratamento seria mais heroico e seu fim seria mais enérgico. Damiano decide de forma cruel seu futuro e de forma muito rápida. 

Ponto negativo é o final quando aparece o monstro. O processo de possessão foi bem apresentado, até chegar ao final, no momento que ele estava com uma maquiagem que lembra 'Thriller' de Michael Jackson (seria essa a inspiração do rei do pop?). Depois do confronto com o padre lá pelos últimos 15 minutos fica tudo estranho, para não dizer ridículo e forçado demais. O monstro que ele se torna só não ficou ruim porque em Amityville III terá um muito mais grotesco.

Uma falha também é não ter reproduzido as mortes do jeito que elas ocorreram. No filme houve resistência por parte de todos integrantes da família. Só que isso não ocorreu na realidade, todos foram mortos enquanto dormiam e estavam de bruços.

Aos amantes de filme de terror, que curtem uma boa história com boas doses de sustos essa é uma boa pedida. Aqui sim encontramos muitos elementos do gênero de filmes de terror e tudo muito mais aprofundado, diferente do anterior que era superficial e chato. 

Escrito por Gabriel Danius.

Amityville II - A Possessão (Amityville II: The Possession, Estados Unidos, Itália, México – 1982)

Direção: Damiano Damiani
Roteiro: Dardano Sacchetti, Hans Holzer, Tommy Lee Wallace
Elenco: Burt Young, Diane Franklin, Jack Magner, Rutanya Alda, James Olson, Meg Ryan
Gênero: drama, suspense, terror
Duração: 104 min

https://www.youtube.com/watch?v=lwIgPbOXKI0


by Gabriel Danius

Crítica | 2:22 - Encontro Marcado

O tempo sempre foi um elemento presente nas produções hollywoodianas, seja em uma bomba que está prestes a explodir, seja para contar uma história que aconteceu há muito tempo ou para marcar coincidências de fatos que ocorreram. O tempo se bem empregado ajuda a contar a história e dar um sentido para todos os acontecimentos estabelecidos em cena. 

Essa é a proposta de 2:22 - Encontro Marcado segundo longa-metragem dirigido por Paul Currie e que tem nos papéis principais Teresa Palmer (Quando as Luzes se Apagam) e Michiel Huisman (Game of Thrones). Aqui a coincidência é o tema principal, só que o diretor misturou tantos elementos que fica complicado aceitar como um filme desse possa ter sido feito, todo confuso e no final tentando explicar o porque de tudo aquilo.

Dylan é operador de tráfego de aviões, ele auxilia os voos a irem por uma rota segura. Com o andar da história ele se encontra com Sarah, mulher que ele nunca tinha visto antes. Logo de cara já parecem se conhecer há muito tempo, eles passam a viver um romance e cada vez mais parecem se apaixonar. Há um elemento no meio do romance que é Jonas (Sam Reid), ex-namorado dela que ainda a ama e fará de tudo para que o casal se separe. Na verdade só no final que essa obsessão por Sarah aparece, antes disso só mostram a obsessão do protagonista pelo número 2:22.

Qual a relação disso tudo com os números? Não deveria ter relação alguma, mas o diretor dá um jeito de inserir esse elemento na trama. Todos os dias, no mesmo horário às 2:22 Dylan tem déjà-vu de que já viveu esse dia, em todos locais que passa parece ver as mesmas pessoas fazendo as mesmas coisas sempre. Ele não está vivendo o mesmo dia, parece que tudo é apenas uma coincidência, tudo que ele vivencia segue um padrão. Isso começou depois que o avião de Sarah chegou ao aeroporto, seria o destino ela chegar e tudo isso começar a acontecer com ele?

As coincidências ditam toda a trama, só que é tudo tão mal jogado que o próprio diretor se confundiu em contar a história. Ele mistura destino com reencarnação, por exemplo. Ele não usa em nenhum momento a palavra reencarnação, mas dá a entender que é isso sim. Se é o destino que os dois ficassem juntos então ele parte da ideia que desde o nascimento os dois estavam destinados um para o outro. Ideia interessante, mas pessimamente desenvolvida. A obsessão de Dylan em entender o que são os números tira totalmente o foco disso. 

Outra ideia que poderia salvar esse longa é colocar o ex-namorado no centro de tudo, criar nele um ciúmes doentio que fizesse dele um vilão. Mas não entram nessa de que os dois se conheceram em outra vida e se amaram. Vamos concordar que um romance psicótico seria mais interessante. 

Com certeza Paul Currie fez um dos piores filmes românticos já visto, quis fazer algo sério mas caiu em uma história totalmente sem pé nem cabeça. Os números estão lá apenas por estarem, para mostrar que o tal padrão tem relação entre os acontecimentos com um assassinato ocorrido há 30 anos atrás no Grand Central. 

Quando o diretor e seu roteiro são problemáticos a esperança é de que a dupla de protagonista faça algo que salve toda a produção. Mas aí vem outro erro: Teresa Palmer tem um vasto currículo de atuações em diversas produções, Michiel Huisman faz o par romântico e apaixonado por ela, os dois são um fiasco total quando estão juntos.

Não deu liga. Teresa não passa em nenhum momento o ar de que está apaixonada e Michiel parece ter o mesmo rosto em todas as cenas, sua atuação é engessada e péssima. A dramatização final em que os três estão no Grand Central é horrível, tipica de romances água com açúcar.

O melhor papel foi para Sam Reid, o ex-namorado de Sarah. Ele atua dentro de seu personagem e em nenhum momento atrapalha o andamento da trama. O lado triste é que seu personagem é mal desenvolvido e não tem muito espaço no filme. 

2:22 começa bem e terminal mal, quando tudo começa a acontecer é que ele se perde. Fãs do gênero vão achar ele legalzinho, mas só isso. Infelizmente o tempo não volta, caso contrário o diretor poderia ter feito algo para mudar tudo. 

Escrito por Gabriel Danius.

2:22 Encontro Marcado (2:22, Austrália – 2017)

Direção: Paul Currie
Roteiro: Todd Stein, Nathan Parker
Elenco: Michiel Huisman, Teresa Palmer, John Waters, Kerry Armstrong, Maeve Dermody, Sam Reid
Gênero: Thriller
Duração: 98 min

https://www.youtube.com/watch?v=ZnWJkhmLZI0


by Gabriel Danius

Crítica | Terror em Amityville - Um Filme de Origem Decente

Crítica | Terror em Amityville - Um Filme de Origem Decente

Se há um gênero capaz de agrupar tantas franquias conhecidas pelo público esse é o terror. Dentro do terror existem vários estilos como o de zumbi, vampiros, bruxaria, seriais killers, mas um dos que mais rende em bilheteria geralmente é o da casa mal-assombrada. 

Invocação do Mal, Poltergeist e Atividade Paranormal tinham uma residência como lugar comum em que tudo acontecia. Mas talvez um dos primeiros a colocar uma casa como um local possuído por alguma energia maligna foi Amityville. Quando o primeiro filme foi lançado em 1979, não se esperava que fosse um sucesso tão grande como foi.

Tamanha foi a popularidade que ganhou pelo menos 8 sequências diretas e um remake, fora outras produções que passaram a tratar do assunto Amityville sem ter uma relação direta com essa franquia. No início de Invocação do Mal 2, eles mostram o casal de médiuns Ed e Lorraine Warren fazendo uma sessão na casa. Talvez essa pequena cena tenha sido uma das melhores ambientações de Amityville já feita. 

Amityville: A Cidade do horror foi lançado em 1979, apenas quatro anos depois do caso envolvendo a família Lutz e cinco anos depois dos assassinatos da família DeFeo pelo seu filho Ronald "Butch" Junior. Na história verdadeira a família Lutz comprou a residência um ano depois do massacre e não se importaram muito com os acontecimentos, pois naquela época não havia nada relacionado de que a casa era mal assombrada. 

Acontece que ao chegar ao local chamaram um padre para benzer o lugar, isso não foi o suficiente e em 28 dias eles foram embora de Amityville dizendo ter ouvido vozes, ter visto enxames de insetos, janelas que fechavam sozinhas entre outros elementos sobrenaturais de assustar qualquer um. Depois de fugirem correndo da residência tiveram a ideia de lucrar com o caso e contrataram Jay Anson para escrever um livro. Foi um sucesso imediato vendendo 3 milhões de cópias. Se tornou tão popular que serviu de referência não apenas para essa produção, mas para muitas outras que tinham casa assombrada como tema principal. 

E é aí que entra a história de Cidade do Horror, ela foi baseada no livro, não que seja fiel ao que está lá, mas muito do que ocorreu aparece nessa produção de Stuart Rosenberg (Brubaker). A ideia foi contar tudo detalhadamente, como os Lutz chegaram lá com seus três filhos, como pouco a pouco foram percebendo que havia algo estranho na casa, o enxame de abelha e portas e janelas que fecham sozinhas aparecem também aqui. Colocaram o principal que havia ocorrido com a família e que era de conhecimento público. 

Só que tudo é mostrado de um jeito como se apenas o que interessasse fosse mostrar a história e não dar susto em quem o assista. Uma das principais coisas para quem quer ver um filme do gênero é justamente levar susto ou pelo menos o de se surpreender. Há momentos que isso ocorre, mas de um jeito tão vago e sem profundidade que a tensão criada logo termina. 

Há algumas cenas desnecessárias que fazem com que se perca o foco na trama. A parte da festa não sabemos porque está lá ou aquela em que o irmão de Kathy perde o dinheiro na casa e não encontra mais. Talvez a colocaram ali para dizer que a casa tem vida e consegue fazer as coisas sumirem, mas isso já havia percebido antes. O aparecimento da babá e da freira na residência são tão mal exploradas que fica nítido que o diretor não quer se aprofundar nessas questões, o foco é na família e só.

Tudo isso vai deixando o filme com uma narrativa fraca. O suspense é pessimamente explorado, aí caímos na discussão da falta de sustos. O diretor quis contar a história do casal e esqueceu que estava fazendo um filme de terror. Ficou um filme soft de suspense, nada a altura de Amityville. Esse suspense com terror será melhor explorado na sequência intitulada Amityville II.

Ponto positivo fica para a atuação dos atores que interpretam o casal James Brolin (Dylan) e Margot Kidder (Kathy). Eles sim dão profundidade nas cenas que aparecem e se o filme não é um fiasco, é justamente pelos dois, principalmente por Margot que antes dessa produção havia estrelado Superman - O Filme. Brolin não fica atrás, enquanto vão mostrando que ele está ficando doente, como se estivesse sendo possuído por algo, realmente nos faz acreditar de que algo de ruim está acontecendo com ele.

A trilha sonora também dá o tom na trama. Em um filme de terror é importante que a trilha esteja de acordo com o que acontece em cena e ela é muito bem empregada aqui. Queira ou não ela ajuda nos momentos de tensão, mesmo que o roteiro não ajude muito. Dizem que essa trilha sonora seria empregada no filme O Exorcista de 73, mas foi abandonada e acabou sendo aproveitada pela equipe de Amityville. 

Amityville: A Cidade do horror ou Horror em Amityville como é popularmente chamado não é um filme ruim, é sim mal pensado e pouco explorado. Esse é um longa que ainda não recebeu o devido respeito nem atenção pela indústria de Hollywoody, a maioria das produções é fraca e mal produzida. Mesmo com tantos deslizes recebeu aquela fama cult que muitos outros filmes receberam depois de um tempo.

Amityville: A Cidade do horror ou Terror em Amityville (The Amityville Horror, EUA – 1979)

Direção: Stuart Rosenberg
Roteiro: Jay Anson, Sandor Stern
Elenco: James Brolim, Margot Kidder, Amy Wright, Baxter Harris
Gênero: Terror
Duração: 117 min

https://www.youtube.com/watch?v=6CC5IjKBtFY


by Gabriel Danius

Crítica | Louca Obsessão

É uma relação curiosa, aquela entre um artista e seus admiradores. Há uma polêmica muito grande quando, por exemplo, George Lucas anunciava algum tipo de alteração digital em suas versões de Star Wars, com os críticos apontando que, agora, a os filmes não pertenciam mais à Lucas, mas sim aos fãs. É um raciocínio interessante, e que o autor Stephen King levou a um outro nível de insanidade com seu livro Misery, logo adaptado para os cinemas na forma de Louca Obsessão, um primoroso suspense de Rob Reiner.

A trama nos apresenta ao escritor Paul Sheldon (James Caan), que ganhou fama pela franquia bem-sucedida de uma personagem chamada Misery. Após terminar o primeiro rascunho do último livro da série, ele sofre um acidente de carro durante uma nevasca, sendo resgatado pela enfermeira Annie Wilkes (Kathy Bates). Com as pernas quebradas e ombro deslocado, Sheldon é acolhido na casa dessa aparente boa samaritana, que logo revela-se uma fã devota do autor e da série da Misery. Ah, claro, ela também é uma psicopata obcecada por Sheldon, e o mantém em cativeiro.

Uma premissa riquíssima e que o próprio King deve ter elaborado a partir de um fantasioso “e se”, e que o roteirista William Goldman transporta com muito cuidado e eficiência. É uma história simples e direta, que se desenrola de forma intensa e surpreendente, à medida em que vamos aprendendo mais sobre a natureza de Annie e seu passado, e o espectador acaba comendo as unhas de pavor ao entender o tipo de situação onde Sheldon está metido. A obsessão de Annie acaba chegando a níveis pavorosos quando ela começa a agredir e drogar o autor, para mantê-lo ainda de cama por meses e meses, além de queimar seu manuscrito do livro final de Misery e obriga-lo a escrever uma nova versão que a agrade – Sheldon havia matado a protagonista da série na versão original, o que enfurece Annie. Isso me faz pensar na quantidade de cartas furiosas que George R.R. Martin já deve ter recebido pela saga Crônicas de Gelo e Fogo... Bem, espero que tenham sido apenas cartas.

Inteligentemente, a trama divide a narrativa ao nos fazer acompanhar o núcleo do policial vivido pelo excelente Richard Farnsworth, que vai coletando pistas plausíveis sobre o desaparecimento do autor e cria uma conexão com Annie e as obras de Sheldon. Claro, sendo esta uma narrativa imprevisível, o desfecho desse núcleo infelizmente não é o dos mais agradáveis.

A direção de Rob Reiner é outro grande ponto alto aqui. Desde os segundos iniciais, quando temos closes da máquino tipográfica de Sheldon, a taça de champanhe vazia e o cigarro com um fósforo aguardando, somos bombardeados com informações relevantes sobre o protagonista, e também importantes pistas para a resolução da história - e Reiner apresenta tudo isso de forma misteriosa e instigante. Quando temos a interação entre Annie e Sheldon, o diretor aposta em diferentes planos que variam de acordo com a intensidade do diálogo, como ao trazer um plongée absoluto para mostrar a enfermeira colocando-o na cama. Vale mencionar também o fascínio de Reiner com planos-detalhe, como quando Sheldon usa um grampo para destrancar uma porta, ou quando esconde uma cartela de remédios dentro da calça - este último, responsável por um dos momentos mais intensos do filme. E, claro, a cena da marreta, que choca justamente pela falta de floreios ou exageros, revelando a tábua de madeira entre os pés de Sheldon em um desses planos-detalhe, e o golpe frio em um plano médio.

Então, temos o elenco, praticamente movido inteiramente por seus dois protagonistas. James Caan acerta ao trazer uma performance física e desesperada, onde o espectador entende seu esforço e dor, e torce por ele quando Sheldon começa a embarcar em um jogo mais complexo com sua captora, fingindo elogiá-la ou admirá-la. Mas é mesmo Kathy Bates quem rouba todos os holofotes, em uma performance vencedora do Oscar de Melhor Atriz (único prêmio da Academia para uma obra inspirada nos romances de King). Annie transita abruptamente de uma moça inocente e simpática para um verdadeiro monstro, elevando o tom de voz e até esbugalhando levemente seu olhar – na medida exata para não tornar-se caricata -, e que ganham mais força com os zooms sutis da câmera de Reiner quando enquadra a personagem gritando. Uma das grandes vilãs da História do Cinema.

Sem dúvida alguma, uma das melhores adaptações de Stephen King para os cinemas. Movido pelas excepcionais performances de sua dupla principal e a direção envolvente, Louca Obsessão é um suspense intenso e imprevisível, e que também nos faz pensar sobre a cultura da fanbase. Nunca esteve tão atual.

Louca Obsessão (Misery, EUA – 1990)

Direção: Rob Reiner
Roteiro: William Goldman, baseado na obra de Stephen King
Elenco: James Caan, Kathy Bates, Richard Farnsworth, Frances Sternhagen, Lauren Bacall
Gênero: Suspense
Duração: 107 min

https://www.youtube.com/watch?v=VESCIlSfsVM


by Lucas Nascimento

Crítica | A Janela Secreta

Uma coisa em comum que pode encontrar nas obras de Stephen King é que quando o protagonista é um escritor, ele quer dizer algo pessoal. Sejam problemas com alcoolismo (O Iluminado), para mostrar as lembranças de sua infância (Conta Comigo), demonstrar algum medo externo (Louca Obsessão), entre outros casos. Em A Janela Secreta, a figura do escritor é mostrada como uma pessoa que não expõe os seus problemas e como a obra se torna o seu ponto de fuga. Infelizmente, mesmo com esse ponto de partida e com uma atmosfera envolvente, o suspense de David Koepp se mostra com problemas.

O escritor em questão é Mort Rainey (Johnny Depp) que decide se isolar em uma casa de campo, após o fracasso do seu casamento com Amy (Maria Bello). Em um dia qualquer, Mort é surpreendido por John Shooter (John Turturro), um homem perigoso e agressivo que acusa o escritor de ter roubado a sua história. Shooter dá a Mort um prazo para lhe devolver o crédito da sua história e arrumar o seu final e a única prova que o rapaz escreveu a história está em uma revista que se encontra na casa da ex-esposa, a qual ele ainda carrega muita ódio.

O primeiro ponto que merece chamar atenção no longa é o trabalho do elenco, já que todos cumprem muito bem o seus papéis, com destaque a Johnny Depp e John Turturro. O primeiro evita cair na caricatura em mostrar Rainey apenas como um depressivo, a composição do ator se mostra mais minimalista sendo que por trás do seu humor sínico e negro, vai deixando cada vez mais a vista todas as magoas do personagem. É um trabalho muito seguro e disciplinado de Depp. Já Turturro deixa John Shooter como um personagem realmente ameaçador, com a sua forte presença de tela e o seu sotaque carregado. Sempre que aparece em cena, teme pelo que pode acontecer.

O clima de mistério do filme funciona em vários momentos. O espectador realmente se sente desafiado a chegar a resolução do mistério de quem é Shooter e o que ele quer com Mort. Por mais que a narrativa seja intrigante e a reviravolta seja inesperada, o roteirista e diretor David Koepp comete o equivoco de deixar a grande revelação sem que o espectador tenha alguma pista anterior sobre ela. Parece que ele tenta te enganar em vários momentos e alguns dificilmente vão compra-lá por ela vir do nada e com poucas pistas. E isso se torna o grande problema de A Janela Secreta, por mais que o roteiro desenvolva bem os seus personagens e as situações, ele se arrisca desnecessariamente na sua conclusão.

Já a execução se mostra eficiente, já que Koepp utiliza bem os espaços e a casa para aumentar a atmosfera paranoica do filme e da isolação do personagem, além do jeito que sempre retrata Shooter de maneira assustadora, deixando o seu chapéu como significado da sua presença. Mas percebe que algumas escolhas do diretor poderiam ser evitadas, como o uso de péssimos efeitos especiais em alguns momentos. Koepp se mostra problemático nas cenas de ação física, sendo que algumas vezes soa muito falso. Mas é uma direção segura em boa parte do tempo.

Outra coisa que se mostra irregular é a trilha sonora de ótimo Phillip Glass. Em alguns momentos ela se cria uma atmosfera, sem que grite o que o protagonista esta sentindo e deixando o espectador tenso. Já em outro ele se mostra muito exagerada, parecendo que está forçando o espectador a sentir medo. E como a trilha sonora pode ser usada como um forte instrumento do terror, no caso ela fica a desejar por ir entre momentos bons e ruins.

Enfim, A Janela Secreta é um filme que tem os seus méritos: tem uma história instigante e uma ótima atuação de Johnny Depp. Mas o que faltou a David Koeep foi uma organização melhor do suspense e da sua reviravolta. Mas é um suspense eficiente. Poderia ser melhor? Sim.

A Janela Secreta (Secret Window, EUA – 2004)

Direção: David Koeep
Roteiro: David Koepp, baseado na obra de Stephen King
Elenco: Johhny Depp, John Turturro, Maria Bello, Timothy Hutton, Len Cariou e Charles S. Dutton
Gênero: Suspense
Duração: 96 minutos

https://www.youtube.com/watch?v=QboGT3v7c5A


by Redação Bastidores

Crítica | Lino – Uma Aventura de Sete Vidas

Quem gosta de assistir a bons filmes, sendo no cinema ou na TV provavelmente já ouviu a frase "cinema nacional não presta" e quando se fala de animação o resultado é ainda pior "brasileiro não sabe fazer animação". As duas afirmações estão erradas e Lino - Uma Aventura de Sete Vidas mostra bem isso.

Há muitos profissionais brasileiros trabalhando no ramo de animação, o problema é a falta de estrutura que eles muitas vezes não tem, já que para fazer um filme do gênero é necessário um orçamento polpudo e isso dificilmente se consegue. O pior nem é a falta de estrutura e de funcionários capacitados, falta também interesse do público.

Os cinéfilos brasileiros não estão acostumados com produções nacionais. Se animações de outros países já encontram dificuldade por aqui o que dizer das brasileiras. A bilheteria geralmente vai toda para megaproduções de grandes estúdios como Dreamworks ou Pixar e isso reverte em bilheterias gigantes o que faz com que as produtoras, distribuidoras e cinemas deem mais oportunidade para essas produções do que para estúdios menores. 

Veja o exemplo de O Menino e o Mundo, longa de Alê Abreu que concorreu ao Oscar e por aqui levou pouco mais de 60 mil pessoas para as salas de cinema. Não foram por não ter interesse e não pelo filme ser ruim. Existe um público que ama filmes de animação, mas não vai ao cinema por falta de interesse e talvez até pelo alto valor dos ingressos.

O público prefere ir ao cinema ver algo que é quase certo que seja bom e divertido que ter uma experiência nova e assim apostar em um produto que ninguém conheça. Claro que a concorrência de Disney e outros estúdios com maior valor de produção também ajuda a bilheteria a ser baixa. Espera-se que isso deva mudar com Lino, aposta da Fox para esse segundo semestre. 

Com direção de Rafael Ribas, Lino não é uma animação espetacular, mas também não é um produto ruim, longe disso. A começar pela excelente qualidade da animação que joga as produções nacionais do gênero a um outro patamar. Lino foi feito com tecnologia 3D de qualidade, os traços não deixam nada a desejar se comparado com animações da Disney/Pixar ou Dreamworks. É realmente um trabalho impressionante e que deve ser ressaltado, a animação surpreende e deve ir bem de bilheteria.

Lino é um rapaz que passa seus dias trabalhando como animador de festas, ele traja uma fantasia de gato que as crianças adoram encher de pancadas. Desde o início o diretor já o mostra como um perdedor, alguém acomodado e infeliz. E isso só vai piorando com o tempo, ele inveja seu vizinho por sempre chegar com pacotes novos. É aí que vai visitar um guru que sem querer faz uma mágica que o transforma em um gatinho. E aí toda história vai se desenvolvendo e tem início sua trajetória para voltar ao normal. 

A ideia é boa, fazer graça com o cotidiano e com a desgraça alheia. Ao mostrar a rotina de Lino, um cara azarado, sem vontade própria e prestes a cair na depressão ele diz que um dos maiores perigos é justamente cair na rotina e começar a se autossabotar. É uma mensagem interessante e que muitos irão se colocar em seu lugar, pois é uma fase da vida que muitos passam.

A ideia que nasce original é abandonada a partir do momento que ele se transforma no gatinho fofo. Você percebe que está assistindo a dois filmes diferentes, o início é uma coisa e da metade em diante é outra. Se ele antes buscava motivação para viver e era reflexivo, isso deixa de acontecer quando se transforma. Rafael Ribas abandona o humor adulto para cair de vez em uma aventura infantil, sem ao menos se preocupar com tudo que ele havia desenvolvido até ali. 

É um grande problema do roteiro, poderiam fazer o gatinho fugir da polícia, mas não abandonar seus problemas de vida, seus dramas pessoais que o assombravam. Virou uma animação de pura correria, ele passa a escapar de todos os jeitos dos três policiais porque está sendo acusado de um roubo que não cometeu. Até aí ok! Só que tudo ficou repetitivo, ele corre, corre, corre, se mete em confusões e é isso. 

Depois de um tempo e de tanta correria, você cansa. Ele até apresenta fatos novos fazendo o gato ir atrás de três elementos que juntos fariam ele voltar a ser humano novamente, mas para por aí. Na realidade o problema de Lino foi ter abandonado o início, a vontade do personagem em se tornar outra pessoa, ele perde todo o espírito e aura do personagem original.

Tudo isso para no final voltar a linha narrativa inicial antes abandonada. A lição de moral "confie em si para que os outros confiem em você" teria funcionado melhor se houvesse mais cenas em que ele pudesse pensar em sua vida, algo que o começo mostrou melhor.

Uma surpresa são os personagens secundários, uma linda bebê que lembra bastante a Bu de Monstros S.A. e um guru doido que ajuda Lino em sua jornada. Poderiam ter os desenvolvidos melhor, mas com correria de querer levar Lino a sua saga acaba se esquecendo deles. Uma nota zero apenas para a dupla de policiais que se torna apelativa e chata com o desenrolar da trama.

A voz de Lino é muito conhecida pelo público brasileiro. Ele é dublado originalmente pelo ator Selton Mello que começou sua carreira justamente como dublador. É um bom trabalho do ator e diretor que se mostra onipresente nas produções nacionais. Há uma mudança no tom da voz quando ele se torna um gato.

Mesmo com todos esses erros de roteiro e com uma direção limitada, há de dar os parabéns para Rafael Ribas por sua ousadia e esforço em fazer uma animação nacional que mais parece um produto americano de tão impressionante que ficou. Vamos ver se esse filme começa a fazer os brasileiros a terem melhor interesse por um produto 100% brasileiro e comece a ir aos cinemas, queira ou não isso é importante. Nenhuma produtora vai financiar um filme de animação sem que tenha um retorno certo. 

Escrito por Gabriel Danius.

Lino - Uma Aventura de Sete Vidas (Brasil – 2017)

Direção: Rafael Ribas
Roteiro: Rafael Ribas
Elenco: Selton Mello, Dira Paes, Paolla Oliveira
Gênero: Animação
Duração: 90 min

https://www.youtube.com/watch?v=7oPxjhBA-Ss


by Gabriel Danius

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