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Críticas

Crítica | O Ornitólogo

Identificado como um talento do cinema português desde o seu primeiro longa, O Fantasma (2000), João Pedro Rodrigues retorna às telonas para mostrar que o cinema português não deve nada ao cenário internacional. João Pedro Rodrigues é um provocador. E entende dos mecanismos da provocação como poucos. Não é sua intenção aproximar-se de um panfleto, de um movimento que rejeita as convenções, mas de uma subversão. Em O Ornitólogo, o cineasta, ao contrário, vai fundo nas matas do Cinema, do gênero, da religião, mito e transcendência. O emprego de um olhar, enfim, que sabe o que está buscando garante sucesso ao longa.

Fernando (Paul Hamy) é ornitólogo. Na primeira parte do filme, somos apresentados cruamente à sua atividade e ao seu cotidiano na expedição que está realizando em um floresta portuguesa. O primeiro contato com a imagem em movimento, de teor puramente de registro, quando a ficção ainda não havia aproximado o cinema das outras artes, no começo, foi maravilhamento (entenda-se também espanto) completo para o público. João Pedro Rodrigues parece instalar uma catraca na entrada do seu filme, de maneira mais extensa do que o monumental Manoel de Oliveira, e seus enigmáticos planos iniciais. Catraca essa que não vale manifestação contra o hermetismo, que acusa “esse cinema” de insuficiente, malogrado em suas experiências, inconclusivo, pregação para convertidos. É um aviso profético que confia no poder sugestivo da natureza e do olhar (não só do ornitólogo, mas também dos espaços e dos animais) cuja transposição garante a entrada no metafísico mundo do filme. Depois de vinte minutos de pura observação, de uma apresentação metódica e minimalista do personagem (Fernando é ornitólogo, ateu, homossexual e tem que tomar seus remédios), o próprio protagonista é levado pela força de um rio.

Ele é resgatado por duas turistas chinesas, que crêem estarem seguindo o caminho de Santiago de Compostela. Fotos da viagem das duas mediam o acidente e o resgate. O registro de um, as gravações em voz de Fernando em meio ao silêncio e à solidão, entra em choque com as recordações dos corpos desse primeiro contato. O estranhamento e a simbologia, a partir desse momento, se instauram definitivamente para abrir as porteiras do que é O Ornitólogo. A contemplação é vista sob uma perspectiva diferente, a dilatação do tempo é dispositivo para a força do imprevisível (tal como nos espaços dos filmes de Lisandro Alonso). A nudez, num primeiro momento natural, porque solitária, ativa seu Eros por um símbolo cristão. Fernando acorda amarrado. Sua ereção é ressaltada. As religiosas pretendem capá-lo.

O diretor contou, ao apresentar o filme, que tinha vontade quando criança de ser ornitólogo. Com essa pequena informação extra-filme, pode-se pensar que O Ornitólogo trata de duas Paixões, contínuas e paralelas, uma manifestada em campo, e a outra que se revela nos momentos finais. A Paixão de Fernando/João Pedro Rodrigues. Desse episódio em diante, passamos a caminhar como essas turistas chinesas, um tanto incertas, seguindo o caminho de Fernando até sua final transformação (a transubstanciação pessoal de João Pedro Rodrigues) em Santo Antônio, interpretado pelo próprio diretor. Caminho prazeroso e espinhento, num tempo e espaço suspensos, afastando-se gradativamente do mundo moderno (o protagonista larga os remédios, queima as pontas dos dedos para perder as digitais, risca sua carteira de identidade…), tal como um predestinado que entende sua jornada. Será batizado pelo mijo, terá relações com o pastor surdo-mudo chamado Jesus, depois com São Tomé, passeará por uma floresta com animais empalhados…

A natureza abunda nos planos, diferentes de um momento para outro, uma diversidade que combina temática e esteticamente com o filme. Dentro desse projeto que põe religiosidade e erotismo, O Ornitólogo localiza-se na intersecção entre as duas esferas, o êxtase. No final das contas, as forças opostas se atraem e se complementam. A morte do Jesus vem logo a seguir do gozo sexual. Fernando tateia a ferida dele como se estimulasse uma vagina.

Quando se trata da mistura do sacro e do profano, na cultura ibérica, Santo Antônio parece ser a figura mais exata para ser o ponto final (ou de recomeço). O homem que largou tudo para ajudar os pobres. Depois que Fernando é forçado a abdicar dos seus artifícios modernos para se tornar Antônio, volta para a cidade, Pádua (onde inclusive reencontra as turistas) e sai de mãos dadas com Tomé (nome que significa “gêmeo”), dito irmão de Jesus. Os momentos finais do filme são todos construídos na dualidade, usando muito do campo-contracampo. As duas identidades são sobrepostas. Chegamos a observar uma espécie de visão de deus, manifestada nos pássaros e numa lua que mais parece um olho gigantesco. A metafísica alia-se ao cinema de forma definitiva em O Ornitólogo.

O Ornitólogo (idem, Portugal, França, Brasil – 2016)
Direção: João Pedro Rodrigues

Roteiro: João Pedro Rodrigues
Elenco: Paul Hamy, Xelo Cagiao, João Pedro Rodrigues, Han Wen e Chan Suan
Gênero: Drama
Duração: 117 min


by Redação Bastidores

Crítica | Cães Selvagens

Às vezes, é importante que existam filmes ruins e que estes estejam gerando debates. Cães Selvagens é um exemplo disso: por trás de seu estilo estético fabulosamente instigante, o novo trabalho de Paul Schrader (que roteirizou obras-primas dirigidas por Martin Scorsese, como Taxi Driver, Touro Indomável e A Última Tentação de Cristo) apresenta problemas graves no roteiro e na maneira como retrata a violência cometida pelos personagens, se julgando original e competente quando, na verdade, está sendo apenas sádico e incômodo. Em contrapartida, é bom que uma discussão possa ser originada a partir desta interpretação - e gosto de acreditar que a Arte (mesmo quando exercida de modo irregular) é fundamental para promover reflexões.

Escrito por Matthew Wilder com base no livro que Edward Bunker escreveu em 1996, Cães Selvagens tem início nos introduzindo a Mad Dog, um maluco que se diverte cheirando cocaína, falando um "fuck" em cada frase, transando com mulheres que conheceu há pouco tempo, revelando um estilo de vida nojento e assassinando pessoas sem pensar muito. Depois disso, somos apresentados a Diesel, um homem cuja grandeza de seu tamanho se reflete na amargura que há em suas memórias, e Troy, um sujeito que tenta esconder sua personalidade agressiva e imunda dentro de uma personalidade que se inspira no charme de Humphrey Bogart. Juntos, os amigos que se uniram na prisão arranjam alguns crimes que rendem centenas de milhares de dólares ao trio; o que culmina numa proposta que pode servir como o êxito definitivo para eles.

Do ponto de vista estético, Cães Selvagens é um deslumbre desde o começo, onde vemos Mad Dog no meio de uma sala completamente dominada por rosa até que uma porta se abre introduzindo um azul igualmente vibrante - o que não deixa de ser curioso, já que ambas as cores denotam uma pureza que se contrasta diretamente com a truculência do que vem a seguir. Além disso, Paul Schrader acerta ao rodar cenas em preto e branco que criam uma caricatura do estilo noir, inverter o posicionamento da câmera a fim de brincar com a gravidade numa sequência multicolorida que envolve o efeito de drogas e compor uma câmera subjetiva que ilustra o ponto de vista de um projétil do momento em que é disparado até o instante onde acerta uma pessoa. Por sua vez, o uso de substâncias ilícitas remete à overdose sensorial que Danny Boyle apresentou em Trainspotting e traz uma série de planos-detalhe que, aliados à montagem frenética de Benjamin Rodriguez Jr., estabelecem um ritmo surtado que funciona bem.

Já o trio de atores principais é relativamente bem-sucedido dentro do possível: se Nicolas Cage (que vem escolhendo pessimamente seus trabalhos há anos) é hábil ao compor Troy como um pseudo-Humphrey Bogart repleto de nicolascagismos, Christopher Matthew Cook faz o que pode ao viver Diesel como um brutamontes complexado. O que é uma pena, no entanto, é que o roteiro tenta conferir dimensão dramática aos personagens a partir do segundo ato, pecando especialmente ao transformar a fixação que Troy tem por Bogart em algo mais significativo do que o necessário e nunca definir se o comportamento de Diesel deve ser divertido ou melancólico. Enquanto isso, Willem Dafoe vive uma versão live-action de Trevor Phillips, que co-protagonizava o game Grand Theft Auto V e que, assim como Mad Dog, elevava ao extremo o conceito de um psicopata viciado em drogas, sexo e sujeira.

Por outro lado, é aí que começam os impasses de Cães Selvagens: ao contrário dos desenvolvedores de jogos da Rockstar e de diretores como Paul Verhoeven e Quentin Tarantino, Paul Schrader acredita ser capaz de retratar a violência como algo risível quando, na realidade, sua maneira de retratá-la é muito mais perturbadora e desagradável do que imagina. Quando Trevor pisoteava o rosto de um motoqueiro até matá-lo em GTA V, aquilo soava mais como uma situação engraçada do que como um evento chocante; quando um homem era corroído por materiais tóxicos antes de ser explodido num atropelamento em RoboCop, aquela brutalidade era hilária em vez de trágica; quando Django dava um tiro que arremessava uma mulher para outro cômodo da mansão de Django Livre, o espectador gargalha diante de algo que era claramente uma piada; quando inocentes são executados após experimentarem momentos de pura tensão em Cães Selvagens, nos preocupamos com o impacto que aquela morte vai gerar nos familiares da vítima em vez de seguirmos concentrados na jornada de Troy. Aliás, acho que nenhuma cena vai me agoniar tanto em 2017 quanto a que abre a projeção e traz uma mulher sendo esfaqueada uma mulher e uma menina que implora por misericórdia ao ser perseguida até seu quarto (uma sequência que, inclusive, é dirigida com uma comicidade asquerosa).

De todo modo, o projeto poderia até ser bem-sucedido - apesar dos pesares - caso soubesse contornar o problema utilizando a violência de forma eficaz; o que, infelizmente, não é o caso, já que o roteiro (que é o calcanhar de Aquiles da produção) parece não fazer a menor ideia do que pretende realizar. O plano que abre o filme revela uma entrevista com um indivíduo claramente favorável ao porte de armas para civis, mas este detalhe soa gratuito já que a obra simplesmente não sabe se deseja discutir o assunto. Assim, existem vários momentos onde Cães Selvagens poderia estar servindo como discurso contra ou a favor de certos temas, mas que se perdem em razão do roteiro tremendamente disperso em suas ambições - outro exemplo disso é a sequência onde Troy, Mad Dog e Diesel se disfarçam de policiais, rendem uma pessoa e conduzem esta a um destino específico: a cena remete imediatamente à truculência adotada por autoridades quando interagem com negros, mas isso não se define como piada (sem graça) ou denúncia social (rasa). Para concluir, é triste que o roteirista Matthew Wilder crie situações intensas sem se dar ao trabalho de desenlaçá-las (para perceber isso, basta notar como o conflito encontrado na penúltima cena não é concluído antes que saltemos para o final da projeção).

Constrangedor na maioria de suas piadinhas, que se acham subversivas e insanas (há um instante onde Troy pergunta o nome "daquela coisa que você põe na boca de um bebê" e Mad Dog questiona "Um pinto?". Acho que nem Trevor Phillips diria algo assim.), Cães Selvagens é um filme terrivelmente incômodo e que gera essa sensação sem sequer saber se isto foi proposital ou não. Sim, é um longa visualmente belíssimo, mas isso não é o suficiente para ocultar o sadismo, a falta de foco e a imaturidade da obra. Talvez Paul Schrader não devesse ter se contentado apenas com o cargo de diretor, pois um roteirista talentoso como ele poderia ter transformado Cães Selvagens num clássico instantâneo.

Direção: Paul Schrader
Roteiro: Matthew Wilder
Elenco: Nicolas Cage, Willem Dafoe, Christopher Matthew Cook, Omar Dorsey e Paul Schrader
Gênero: Comédia, ação
Duração: 93 min


by Redação Bastidores

Crítica | Ghost in the Shell 2: Innocence (Repost)

Depois do estrondoso sucesso que foi o primeiro filme de 1995, Ghost in the Shell se tornou uma franquia. Com uma série animada em 2002 e logo uma continuação direta ao primeiro sucesso começou a ser feita. Mamoru Oshii foi incumbido de continuar sua obra prima e em 2004 é lançado Ghost in the Shell 2: Innocence.

Ghost in the Shell é uma das minhas franquias favoritas de anime. Toda a temática cyberpunk da série me fascina. As questões do pós-humano estão mais relevantes hoje do que nunca, a tecnologia faz parte da nossa vida e as vezes a nossa vida faz parte da tecnologia, como por exemplo, o celular, não conseguimos mais viver sem ele, pensamos nele o tempo inteiro, é quase como ser um ciborgue. Apesar de eu não concordar 100% com a radicalidade da ideia do pós humano, é inegável que ela produz ótimas obras de ficção científica e, como estamos cada vez mais dependentes da tecnologia, a franquia continua sendo relevante até os dias de hoje.

Foi inspirada por livros como Neuromancer de 1984 e filmes como Blade Runner de 1985 e Akira de 1988 e posteriormente acabou inspirando várias outras obras do gênero como o filme Cidade das Sombras e a extremamente popular trilogia Matrix, dos irmãos Wachowski, sendo uma franquia de extrema importância dentro da cultura pop.

Oshii estava ciente que fazer um filme a altura do clássico de 1995 seria uma tarefa muito difícil e, por isso, decidiu ir por uma abordagem um pouco diferente. O filme é uma adaptação livre de um dos capítulos do mangá original de Masamune Shirow, “Robot Rondo” O orçamento era maior, então investiram em uma nova tecnologia, o CGI. 

O visual é belíssimo, tem um equilíbrio quase perfeito entre as tecnologias mais tradicionais de animação e as digitais. O filme teve uma ótima recepção, recebeu o prêmio de Melhor Filme de Ficção Científica no Nihon SF Taisho Awards e foi a primeira animação japonesa a ser indicada pra a Palma de Ouro em Cannes.

Inspirado pelos filmes de Jean Luc Godard, Oshii optou por fazer um filme cheio de citações, entre elas frases de Nikolai Vasilevich Gogol, Ryoku Saitou, Descartes, Confucio e muitos outros. Todas essas citações podem complicar a narrativa para o espectador, mas ela requer um pouco mais de atenção, cada frase do diálogo aqui é importante para o total entendimento do filme.

O filme se passa dois anos após os acontecimentos do primeiro e somos informados por um letreiro que a major Motoko Kusanagi continua desaparecida. O herói da vez é o Batou que precisa, ao lado de seu novo parceiro, Togusa, investigar um caso em que alguns robôs sexuais (não por acaso muito parecidos com a boneca de Hans Belmer) fabricadas pela empresa Locus Solus (referência ao romance de Raymond Roussel) se voltaram contra os seus mestres, matando-os.

O filme estabelece desde o inicio que Batou ainda não superou o desaparecimento da major que está em algum lugar da net (que, aliás, é vasta e infinita) sendo impossível de ser rastreada. Reparem que a maior parte do filme é escura e lembrem-se da cena em que a Motoko sumiu no  primeiro filme, o sol está se pondo, por isso nesse filme, para o Batou, sempre é noite.

Assim, um dos temas aqui é o luto. Isso é reforçado por recursos visuais como a boneca que Batou tem pendurada no retrovisor de seu carro, a senha para destrancar o carro, 2501 (número que originalmente era a identificação do mestre dos fantoches), e também pela sua relutância em falar quando a mencionam, o próprio corpo de criança da major aparece em uma das cenas e pode passar despercebido.

Uma das cenas mais importantes é quando Batou e Togusa vão investigar os robôs a polícia local e se encontram com uma mulher chamada Haraway (referência a Donna Haraway, que escreveu o manifesto ciborgue). Aqui recebemos as primeiras explicações sobre os problemas com os robôs, ela explica que os robôs tentam suicidar-se após matarem seus donos por terem quebrado a terceira lei da robótica do Isaac Asimov.

Após isso, o diálgo se aproxima muito do surreal Haraway e Batou começam  filosofar sobre como os robôs se sentem, citando Descartes, refletindo sobre as semelhanças de robôs com crianças, o porque dos humanos quererem fazer algo tão semelhante a eles e tudo mais. Todos esses diálogos são importantes para entender a mensagem  que Mamoru Oshii quer passar. Togusa, sendo o personagem mais humano da seção 9, tendo como única parte cibernética um implante no cérebro, é o que mais representa o espectador, enquanto Batou e Haraway divagam sobre a natureza dos robôs, ele solta um “Que diabos vocês estão falando?”

Oshii usa todas essas citações pois, segundo ele, elas ajudam o espectador a refletir sobre o tema, remodelando-as para o contexto do filme e não são somente “filosofia pretensiosa barata” como muitos acreditam, é realmente uma ótima sacada, tudo faz sentido, contanto que você esteja disposto a pensar um pouco sobre o filme.

O longa tem um ritmo um pouco mais lento que o do primeiro. Toda a primeira metade é uma investigação comum, com algumas poucas cenas de ação, mas há uma cena específica que é impressionante: quando Batou e Togusa invadem o covil da yakuza e Batou usa suas habilidades de ciborgue de elite para derrotar a máfia, em outra cena, Batou é hackeado e surpreendido por alguém em uma loja de conveniências, mas ele ouve um sussurro em seu “ghost” e é aí que ele fica sabendo que tem um “anjo da guarda” a seu lado.

Quando Batou e Togusa chegam em Etorofu, eles tem um dialogo sobre como um individuo e toda uma sociedade se assemelham, um individuo por si só é um conjunto de informações, seus genes e tudo mais que são passados de geração em geração, sociedade e cultura também não passam de um grande sistema de memória, logo depois temos a cena de uma parada oriental, exemplificando uma manifestação cultural passada de geração em geração, sendo uma alegoria ao diálogo que acabamos de presenciar.

Na sequência em que Batou e Togusa chegam na mansão do Kim há uma estranha cena em que os protagonistas se encontram presos em um labirinto neural - aqui acontece alguns dos diálogos mais interessantes do filme. Kim argumenta que os robôs são muito superiores aos humanos em sua natureza e que juntamente com os animais são as criaturas mais próximas de Deus. Na segunda “volta” pelo labirinto ele começa a argumentar sobre o medo que as pessoas sentem dos robôs e bonecos, é simplesmente porque eles (robôs e bonecos) simplesmente se parecem com humanos e que uma pessoa chamar a si mesma de humana é pura vaidade e começa a argumentar que não há muita diferença entre nós e eles.

Depois há uma bela cena de ação quando Batou invade o navio da Locus Solus e enfrenta as robôs, se reencontrando com a major que carregou parte do seu ghost em uma das bonecas, confirmando que ela realmente estava dando assistência a ele todo esse tempo pela net, os dois logo desvendam o segredo por trás das bonecas assassinas.

Ghost in the Shell 2: Innocence é visualmente bonito, tem ótimas sequencias de ação e pode ser considerado difícil, por suas constantes citações história que em um primeiro momento parece confusa. Mas é uma obra que realmente tenta fazer com que o espectador pense. Eu acredito que para total apreciação desse filme mais de uma assistida é necessária, é simplesmente um clássico da animação japonesa.


by Daniel Tanan

Crítica | A Vigilante do Amanhã - Ghost in the Shell

O que nos define como indivíduos? É o corpo que nos envolve? É a substância que vive dentro dele? Ou as memórias que criamos ao longo de nossas vidas?

Dirigido por Rupert Sanders (mais conhecido por Branca de Neve e o Caçador) e produzido pela Paramount Pictures, A Vigilante do Amanhã - Ghost in the Shell adapta a animação homônima japonesa de 1995 para as telas hollywoodianas. Com um histórico de péssimas adaptações de obras japonesas - do abominável Dragon Ball Evolution passando por uma versão medíocre de Old Boy -, será que esta nova versão americana consegue entregar um filme à altura do original?

Na história, Major, vivida por Scarlett Johansson, uma ciborgue de origem humana e comandante da força tarefa Seção 9 especializada em ciberterrorismo, é encarrega em uma investigação de atentados contra a vida de membros da empresa fabricante de robôs, Hanka Robotics. Essas investigações levarão ela a questionar seu passado obscuro e seu propósito como uma arma comandada pelo governo.

As Inevitáveis Comparações

Vamos primeiro tirar a principal dúvida sobre o filme: Não, a adaptação hollywoodiana não tem a mesma sutileza do original e não adapta literalmente as passagens do longa de 1995 (apesar de pegar muitos elementos e cenas, mas isso será detalhado mais à frente).

Desde a primeira cena, vemos a formação do corpo robótico de Major. Aqui, o filme já nos entrega em alguns diálogos pela doutora Ouelet (Juliete Binoche) e o presidente da Hanka Robotics, Cutter (Peter Ferdinando) que Major é vista como uma arma e uma maravilha tecnológica, sendo o primeiro caso de salvamento humano bem sucedido. O grande dilema da personagem é não conseguir lembrar claramente de seu passado, com glitches e bugs que sustentam elementos que Major não reconhece de suas memórias. Ao contrário da obra original, temos uma protagonista humana com um passado desconhecido, misterioso, se tornando o grande problema da trama.

Há elementos visuais muito parecidos com o desenho mas em contextos diferentes. Isso pode ser visto logo de início, com a cena de Motoko salvando um dos membros da Hanka Robotics de um ataque terrorista, enquanto na cena do original, Motoko está em uma missão que está investigando um suposto hacker, envolvido com o vilão Puppet Master. Elementos visuais e recriações de cenas tiradas do anime acontecem frequentemente e acabam dando imagens familiares mas não previsíveis para quem já assistiu ao original.

É interessante notar como a adaptação, em um aspecto generalizado, acaba tendo os mesmos problemas que a sua obra de origem. Para muitos, a animação de 1995 peca por sua superexposição em diálogos e conversas longas com termos tecnológicos que fazem pouco sentido para o público. Aqui temos a mesma quantidade exagerada de diálogos expositivos, mas que acabam cometendo um crime mais grave do que meramente tentar explicar conceitos científicos e tecnológicos, mas que acabam expondo de forma exagerada e redundante grande parte dos temas do filme. Um exemplo disso é a repetição quase cômica da comparação que os personagens usam para explicar a situação de um indivíduo sem uma identidade corpórea, um “fantasma sem uma concha”, como é repetido múltiplas vezes. Os diálogos se tornam enfadonhos e empalidecem a narrativa em relação ao original.

Admirável Mundo Cibernético

O grande mérito do filme é a construção de uma identidade visual própria, pegando emprestado elementos da animação de 1995, mas sem medo de desenvolver seus próprios conceitos. O filme esbanja cyberpunk desde seus primeiros segundos, se utilizando de uma belíssima sequência onde vemos o corpo robótico de Major sendo construído. Os tais ciberaperfeiçoamentos em humanos, capazes de melhorar o rendimento de órgãos e partes do corpo humano, criam imagens fascinantes frequentemente.

A computação gráfica é em sua maior parte muito bem executada. Em imagens arrebatadoras das fachadas da cidade, até pequenos detalhes como as mini-pulsações eletromagnéticas da roupa de Major, até a forma "líquida" que os hologramas se desfazem, mostram o nível de atenção que a produção teve para criar um mundo rico e complexo. Nesse aspecto, um ponto fora da curva no cinema hollywoodiano atual.

E não só pela bela fotografia e os visuais incríveis, mas a direção de Rupert Sanders, muito inspirada em Stanley Kubrick na forma como posiciona a câmera em algumas tomadas e o uso de alguns efeitos que chegam ao psicodélico, conduzem de forma a nos maravilhar ainda mais. A cada nova cena, Rupert parece ter uma carta na manga que nos surpreende visualmente com sua fotografia densa e sombria e os cenários que demonstram o contraste da cidade, com a fumaça saindo dos bueiros e a sujeira na parte pobre da cidade e o limpo e polido das partes nobres, muito tirada de outras obras como Blade Runner.

Blade Runner que, aliás, parece ser uma das grandes inspirações para a trilha sonora do filme. Flertando com o tema original de Ghost in the Shell, mas não se apoiando totalmente nele, une a sutileza das composições de Clint Mansell (conhecido por trabalhar com Darren Aronofsky em filmes como Réquiem para um Sonho e Cisne Negro), com claras inspirações ao som espacial e atmosférico de Vangelis. A trilha, apesar de esparsa, consegue adicionar ainda mais ao tom futurista e cibernético do filme.

E o que contribui ainda mais para a imersão nas cenas é o uso bem inserido do 3D, que aqui oferece profundidade a visuais (o efeito em slow-motion da água, o vidro estilhaçando de forma perpendicular à posição da câmera, etc) e não se torna um mero floreio visual e enriquece o mundo criado pelo filme. E apesar de certa escassez de cenas de ação, Rupert consegue muito bem conduzi-las, seja em locais fechados, como uma boate, até cenas em espaço aberto.

Human After All

A atuação de Scarlett Johanson como Major acaba virando um híbrido de uma interpretação robótica com emoções humanas que não funciona e parece não ter uma direção clara. Em alguns momentos Scarlett atua de forma a não esboçar emoções, como Hail Joel Osment em Inteligência Artificial, e em outros se torna extremamente emocional, expressando raiva e ódio. Isso acaba criando uma atuação que fica no meio termo: pouco capaz como uma personalidade robótica e forçando emoções humanas convenientes.

Apesar de uma interessante reviravolta acerca de sua identidade (ou o primeiro whitewashing justificado na história), Scarlett não apresenta elementos em sua performance profundos o suficiente para alcançar o nível esperado dos temas debatidos, e que acabam refletindo o problema do filme de se encontrar no debate de existencialismo que o original apresentava.

E isso acaba infectando alguns personagens coadjuvantes, já que em boa parte do longa eles contracenam com Major. Batou, interpretado por Pilou Asbaek, faz o seu melhor para dar personalidade ao personagem, mesmo não carregando o carisma necessário. Enquanto o lendário diretor e ator Takeshi Kitano parece atuar no automático em seu papel de Aramaki, líder da Seção 9. Sem a qualidade esperada do mestre do cinema japonês, ele parece estar ali para bater o ponto e representar o público oriental de alguma forma. Michael Pitt, o misterioso Kuze, traz uma interpretação interessante de um androide deformado, com bugs e tiques na sua fala, mas que não aparece o suficiente para se tornar memorável.

No geral, os personagens acabam empalidecendo em relação ao mundo tecnológico criado ao seu redor, se baseando em diálogos rasos e atuações pouco expressivas. No caso de A Vigilante do Amanhã, quem ganha é o mundo e não seus personagens.

Ao sair do filme, há uma sensação de vazio, mas não pela identificação com os problemas existenciais de Major ou com o dilema de uma identidade dualista, como o filme propõe. Muito pelo contrário. Em seus últimos momentos, o roteiro acaba caindo no erro de muitas produções hollywoodianas, com medo de dar uma conclusão digna ao tema debatido e se transformando um mero show-off de cenas e visuais maravilhosos. Melhor que a maioria das adaptações hollywoodianas de anime? Com certeza. Chega ao nível ou supera a obra original? Nem um pouco. Para um filme que bate tanto na tecla de um ser baseado nas suas memórias e na substância além da casca que o envolve, A Vigilante do Amanhã - Ghost in the Shell se torna a antítese disso, sendo uma maravilha superficial, mas sem momentos memoráveis ou algo que reúna as esparsas memórias visuais que o espectador terá após terminá-lo.

Veredito

A Vigilante do Amanhã - Ghost in the Shell é, como esperado, um clássico caso de adaptação hollywoodiana de uma obra estrangeira. Apesar de se esforçar para chegar ao nível filosófico e existencialista do original, falha na sua execução com um roteiro fraco e demasiadamente literal, além de personagens e atuações pouco inspiradas. Pegando partes da obra original, especialmente na réplica de cenas e visuais icônicos, não oferece a mesma sutileza da obra de 1995. É ainda um espetáculo visual, com efeitos incríveis e um mundo cyberpunk muito bem construído e que com certeza agradará os fãs do estilo. Mas que no final parece mais uma grande vitrine de seu gênero, nos mostrando por trás de uma camada de efeitos visuais algo que poderia se tornar, mas que nunca chega a seu potencial completo. Como muitas adaptações hollywoodianas, um filme visualmente deslumbrante, mas sem a essência do original.

A Vigilante do Amanhã - Ghost in the Shell (Ghost in the Shell, EUA – 2017)

Direção: Rupert Sanders
Roteiro: Jamie Moss, William Wheeler e Ehren Kruger
Elenco:  Scarlett Johansson, Michael Pitt, Pilou Asbæk, Chin Han, Juliette Binoche
Gênero: Ficção Científica, Drama
Duração: 106 min.


by Redação Bastidores

Crítica | O Espaço Entre Nós - Apenas mais um romance teen

Viajar para Marte é o grande sonho do homem moderno. Marte é o planeta mais pesquisado no momento e expedições para uma viajem de ida já estão sendo preparadas para 2020. No cinema o planeta vermelho sempre foi cenário de filmes de diversos gêneros como: Missão Marte, Perdido em Marte, John Carter entre muitos outros. Difícil era encontrar um romance ambientado no planeta vermelho.

Agora não precisamos mais procurar. Estreia nessa quinta (30) O Espaço Entre Nós, produção americana que lembra muito as obras de John Green. Na história Nathaniel (Gary Oldman) é dono de uma empresa que realiza voos espaciais para Marte. Ele envia uma tripulação que iria colonizar o planeta vermelho. Liderando a equipe de astronautas está Sarah Eliott. 

O que a tripulação não sabia é que Sarah viajou grávida e aí começa a discussão se ela deve ou não ter um filho, sendo que a criança não sobreviveria a gravidade do planeta vermelho. Ele nasce com os órgãos e ossos alterados pela gravidade. E aí que aparece o primeiro dilema do filme. Seria ele considerado um terráqueo mesmo nascendo em outro planeta? Teria ele direito de viajar para a terra algum dia? 

O filme trabalha com cenas rápidas e logo depois de seu nascimento se passam 16 anos em que se apresenta a criança já na sua adolescência, uma fase de autoconhecimento e descoberta e é nessa idade que muitas dúvidas aparecem. 

Gardner Eliott (Asa Butterfield) é um garoto que cresceu no meio de cientistas e em um planeta que nada mais tem que apenas terra vermelha. Não conhece o vento, o mar, a chuva, e muitas outras coisas que encontramos na terra em abundância. Em Marte sua única companhia é um robô e a uma garota terráquea que conversa pelo computador. Trata-se da jovem Tulsa (Britt Robertson), uma garota revoltada por viver com uma família que não a ama e por não ter ninguém em quem confiar. Gardner é seu único amigo. Ele não aguenta mais viver no planeta, então começa a pesquisar tudo sobre a sua mãe e sobre seu possível pai e nisso dá a virada para a segunda parte do filme. 

Ele consegue de um jeito fugir de Marte e ir para a Terra e parte para o encontro com Tulsa. A cena em que os dois começam a se conhecer são as que rendem as maiores risadas. Ambos saem em busca do possível pai de Gardner. E Nathaniel junto com a astronauta Kendra começam uma caçada para poder encontrar o garoto. Ele corre risco de vida, seus órgãos não estão adaptados ao planeta Terra e seu coração pode explodir a qualquer momento.

O Espaço entre nós tem uma história muito parecida com duas obras de John Green: Cidades de Papel e A Culpa é das Estrelas. No primeiro dois jovens fogem de um lugar comum em uma saga de autoconhecimento o mesmo acontece em o Espaço entre Nós, Tulsa e Gardner viajam pelo país não apenas com a desculpa de procurar o pai do garoto, mas também é viagem de autodescoberta, como se estivessem procurando algo que não encontraram em si ainda. E nisso questões existenciais vão aparecendo e ajudando a compor os personagens. Já em A Culpa é das Estrelas os dois jovens tinham uma doença que poderia matá-los, o mesmo acontece nessa produção. Gardner tem um problema no coração e precisa ser salvo caso contrário morre.

Essa particularidade com as obras de John Green ficam nítidas e essa talvez tenha sido a ideia. Cidades e A Culpa são duas produções que foram muito bem de bilheteria entre o público jovem e adulto, são obras universais que acabam por atingir a todos os públicos de diversas faixas etárias e sem focar no sexo masculino ou feminino.

Esse é o principal acerto do filme, uma produção que sabe onde quer chegar e para isso vai construindo situações que vão prendendo o telespectador. Sua visita pelo planeta rende cenas engraçadas e outras forçadas. Outro acerto é a trilha sonora bem composta e bem empregada nas principais cenas. 

A principal falha dessa produção é o romance açucarado entre os dois personagens principais. O que ia muito bem até o encontro dos dois vai se tornando uma história de adolescentes que fica naquilo e não muda até o final. Acaba por cair na mesmice de outras produções do gênero. Acabou por se tornar algo cansativo e óbvio. 

A atuação de Asa Butterfield poderia ter sido melhor trabalhada. Ele faz o papel de garoto bobo e inocente que não conhece nada na terra e Britt faz o papel de garota forte que sabe a realidade da vida e faz de tudo para ir atrás do que quer. Quando os dois estão em cena ela tende a se destacar mais com sua atuação.

Peter Chelsom é um bom diretor, já havia feito alguns romances como a versão americana de Dança Comigo? com Richard Gere e é essa experiência de já ter feito romances que faz segurar o filme e saber qual o caminho certo a tomar. No geral O Espaço Entre Nós é uma produção competente, toma alguns caminhos estranhos algumas vezes, mas isso não tira o brilho da história. A mensagem é universal. A vida se faz de experimentações, se divirta, conheça o mundo com quem ama e se sinta livre.

O Espaço Entre Nós (The Space Between Us, EUA – 2017)

Direção: Peter Chelsom
Roteiro: Allan Loeb, Peter Chelsom, Tinker Lindsay
Elenco:  Asa Butterfield, Britt Robertson, Carla Gugino, Gary Oldman, Janet Montgomery, BD Wong
Gênero: Aventura, Drama, Romance
Duração: 120 min

https://www.youtube.com/watch?v=mLFVJzWf2oc


by Gabriel Danius

Crítica | Os Belos Dias de Aranjuez

Em semana de estreia, muitos blockbusters, além de dominarem as salas, saem com muitas cópias em 3D. São minoria os filmes que souberam utilizar dessa nova tecnologia já um pouco antiga. Há, no entanto, sempre tempo para a reaproveitar, movimento que, em certo limite, acaba sendo o de ruminar a técnica, ou voltar ao princípio, ao simples, sem esquecer da sua complexidade natural. Nos últimos anos, alguns cineastas se propuseram a incorporar as novidades experimentalmente em suas obras. Primeiro com o vídeo e a imagem digital a partir do final da década de 70, e com o 3D há pouco mais de uma década. Não surpreende que alguns nomes já fossem tidos como revolucionários e influentes antes mesmo do surgimento dessa problemática técnica. Jean-Luc Godard dentre eles, com seu último longa Adeus à Linguagem, depois de dar os “primeiros” passos em 3x3D. Outro, Wim Wenders. O alemão volta ao 3D que usou em Pina e em Tudo Vai Ficar Bem para pensar de vez nessa tecnologia. Wenders para para pensar. E essa pausa passa necessariamente pelo uso do 3D, o que uma projeção convencional tiraria, de cara, metade da fruição de Os Belos Dias de Aranjuez.

Nem documentário, nem um drama romanesco. Retomando a parceria com Peter Handke, roteirista de Movimento em Falso e As Asas do Desejo, o diretor transforma agora uma peça teatral em matéria de cinema. Em Pina, o 3D unia-se ao real para intensificar a imersão, a corporalidade da dança e aproximar a performance do espectador. Aranjuez nem preocupa-se tanto em ver o real que inspira o sonho, senão o sonho em si.

Visões deslumbrantes de uma deserta Paris em 3D são utilizadas como prelúdio para dividir o mundo externo, inativo, paralisado do espaço da ação. Ou seria o espaço da ação paralisado em relação ao mundo? Um escritor, dentro de casa, vê pela porta aberta o seu jardim. Uma mesa. Árvores, flores. Luz e sombra. A origem da imagem. A máquina de escrever e uma jukebox. A criação começa. Um homem (Reda Kateb) e uma mulher (Sophie Semin). Uma maçã. A origem do mundo. Such a perfect day, canta Lou Reed. Um mundo que não poderia ser tecnicamente mais próximo, e ainda sim tão distante. O mundo está feito, pronto. Entra em cena o verbo. A natureza que enche a tela não se repete nos discursos formatados, um tanto monotônicos (a falta de afetação visando a atenção ao conteúdo), que buscam numa certa força da palavra, pensar no amor, no idílio, nas descobertas do corpo, no Homem, no macho, na fêmea e na nostalgia. Essa dor da incapacidade do regresso para um outro tempo e lugar é manifestada cenicamente: os diálogos prolixos entre o homem e a mulher compartilham com alguns momentos musicais toda a extensão do filme (naturalmente teatral, sem deixar de ser cinematográfico). A nostalgia, por mais paradoxal que possa parecer, é o que Os Belos Dias de Aranjuez traz de mais atual, funcionando como subtexto político de comentário dos nossos tempos, em meio à força da amnésia, da memória confusa (como se a lembrança em si já não fosse impressionista o suficiente em si mesma) e da necessidade constante da previsão.

A dinâmica é auxiliada pelos cortes constantes e pela movimentação de câmera, que confia numa visão aberta que não perde os detalhes. Importa a alma dos personagens, logo, a alma do criador. As experiências passadas não param de surgir para construir uma forma de reconstruir esse passado, belos dias no presente, Aranjuez de Handke vira um espectro do Hiroshima de Marguerite Duras. A abstração (os personagens) serve de caminho para enxergar os problemas contemporâneos concretos.

Mesmo sendo um trabalho notável como um todo, o diretor ainda derrapa ao querer pensar em um presente (quase passado) que ele mesmo já dissecara tão bem em Um Filme para Nick, por exemplo, misturando película e a corporalidade suja do vídeo. A consciência da estria, do pixel, enche a tela nos momentos finais. O vídeo foi dispositivo para ver e crer. Agora, com a saturação dessa ideia, não se pode mais confiar na imagem (alguma vez se pôde?), resta a palavra. Mas ainda é uma palavra rebuscada, carregada de dizeres incompletos, fragmentária, muito afetada pela crítica à abundância de informações – o caos acaba invadindo o canal sonoro e quebra-se o “pacto” de não se fazer nenhuma ação, só diálogos. É uma quebra epifânica, previsível num filme que poderia ser bem menos cheio de si. Wim Wenders acaba afirmando demais e duvidando de menos. O homem que é mais ouvinte que contador de histórias que a mulher, termina num movimento desesperado. O criador enfrenta um entorno negro, tempestuoso. Retrai-se, olha para o quadro dentro da casa, dilata a imagem até o limite. Negro limite que é também umbigo. Um filme que ao entrar em crise, já chega com todo um aparato para voltar ao seu status quo.

Os Belos Dias de Aranjuez (Les beaux jours de Aranjuez, França, Alemanha – 2016)
Direção: Wim Wenders

Roteiro: Peter Handke e Wim Wenders
Elenco: Reda Kateb, Sophie Semin, Jens Harzer, Peter Handke, Nick Cave
Gênero: Drama
Duração: 97 min


by Redação Bastidores

Crítica | O Poderoso Chefinho

Um dos grandes e mais comuns receios de pais prestes a ter seu segundo filho é como o primogênito irá reagir à inevitável divisão da atenção com esse novo membro da família. Naturalmente que, quando o primeiro ainda é criança a situação se complica ainda mais, visto que não só ele precisa entender que o mundo não gira em torno de si, como começa a questionar sobre a origem dos bebês. O Poderoso Chefinho lida justamente com essas questões, trazendo mais uma leitura criativa sobre os diferentes aspectos de se ganhar um irmãozinho, algo que Cegonhas também trabalhara em 2016.

A história é narrada em off com um tom de flashback por Tim (com a voz adulta de Tobey Maguiree criança de Miles Bakshi) e nos conta sobre o grande acontecimento que mudou sua vida: quando seus pais tiveram outro filho. O protagonista nos conta que sua vida era perfeita, recebendo plena atenção de seus pais, que brincavam com ele constantemente, participando de suas grandes aventuras imaginárias. Evidente que ele enxergaria a chegada do bebê com relutância, especialmente por haver algo claramente estranho em relação a ele, que chega na casa de táxi, usando terno e com uma maleta. Tim precisa, então, se habituar à presença desse novo membro da família, enquanto descobre que ele conta com um plano envolvendo o trabalho de seus pais.

Um dos aspectos mais interessantes de O Poderoso Chefinho (péssimo título, já que o bebê é um empresário e não um gângster) é como a história pode não ser nada mais que parte da vívida imaginação do protagonista. De início presenciamos suas brincadeiras, com a animação em computação gráfica sendo substituída por uma mistura (ainda digital) de animação tradicional com a 3D, dando vida à sua explosão de criatividade, nos entregando as que certamente se configuram como as melhores sequências do longa-metragem. Isso, portanto, nos prepara para o que está por vir, dando a ideia de que toda a aventura e até mesmo o comportamento do pequeno irmão não passa da criativa percepção de Tim sobre a chegada do bebê. E, como deveria ser, em momento algum temos certeza desse fato, tornando a narrativa mais profunda.

Infelizmente, a profundidade de sua premissa morre no desenvolvimento do enredo, que assume um grande teor de previsibilidade. Somente de ouvir a sinopse do filme já sabemos de imediato um possível caminho que ele poderá seguir, claro, e chega a ser triste constatar que o roteiro se mantém exatamente nessa estrada, não nos entregando absolutamente nada de novo, à exceção de algumas gags envolvendo o comportamento do Boss Baby. A construção desse universo imaginário, no qual as crianças vem de uma fábrica, portanto, é desperdiçada, a favor da velha história que já cansamos de ver nos mais diversos filmes de inúmeros gêneros.

A animação em si também não nos oferece nada de novo, não representando nenhum grande avanço tecnológico, o que não chega a ser um defeito, apenas um fato. Afinal, a técnica já se aprimorou muito desde Toy Story (ou Cassiopeia) e, naturalmente, novos avanços se tornam cada vez mais difíceis, ainda que exista, sim, espaço para o crescimento, especialmente em relação à texturas líquidas. O trabalho dos animadores, portanto, cumpre seu papel aqui, transmitindo o grau de “fofura” necessário para que o público se encante com os bebês que vemos no longa, cuja inteligência nos remete imediatamente a Bebês Geniais.

O grande trunfo da obra é aquilo que já esperávamos: a voz de Alec Baldwin. Escalar o ator como dublador original do Boss Baby é simplesmente uma jogada magistral, garantindo o tom irônico perfeito em seus diálogos. O melhor é que Baldwin não tenta mascarar sua voz com um tom mais infantil e a emprega como ela é na realidade, o que certamente garante algumas boas risadas durante a obra. Infelizmente, o caminho previsível da trama diminui a ocorrência de ótimas situações como a da revelação sobre o bebê ser um empresário, sequência, a qual, é mostrada nos trailers. Dito isso, a narrativa assume um teor repetitivo, que rapidamente cansa o espectador.

O Poderoso Chefinho, portanto, é um daqueles clássicos exemplos de uma ótima e divertida premissa sendo transformada em um filme comum, que parece ter vindo direto de uma fábrica tamanha é a falta de ousadia do roteiro em inovar. Por mais que nos entregue alguns trechos bastante cômicos e outros que fazem um belo uso da criatividade de seu personagem principal, o filme acaba cansando, ganhando nada mais que apatia do espectador, que não mais consegue se envolver com a progressão do enredo. Uma verdadeira pena, já que Alec Baldwin como um mini-empresário usando fraldas, que cai no sono de vez em quando, contava com muito potencial.

O Poderoso Chefinho (Baby Boss, EUA – 2017)

Direção: Tom McGrath
Roteiro: Michael McCullers
Elenco (Voz) :  Alec Baldwin (Bebê), Lisa Kudrow (Mãe), Tobey Maguire (Velho Tim, Narrador), Jimmy Kimmel (Pai), Miles Christopher (Tim)
Gênero: Animação, Comédia, Família
Duração: 97 min

https://www.youtube.com/watch?v=QYYsJkUl7TY


by Guilherme Coral

Crítica | Ghost in the Shell (1995)

Ghost in the Shell, animação de 1995 dirigida por Mamoru Oshii e inspirada no mangá de mesmo nome de Masamune Shirow, é um dos animes mais conhecidos no Ocidente por ter inspirado não só filmes como games, quadrinhos e diversas mídias, sendo um dos expoentes do gênero cyberpunk. Com um peso histórico tão grande em suas costas, será que a animação sobreviveu ao tempo ou se tornou um mero fantasma de um passado distante?

A ação se passa em 2029, onde a tecnologia e a criação de ciborgues e membros ciberaperfeiçoados se tornaram a base da sociedade.  A agente ciborgue Motoko Kusanagi, a “Major”, líder do esquadrão de serviço secreto da Shell, é encarregada de deter um criminoso chamado Puppet Master (o mestre dos bonecos, em português), hacker com misteriosas intenções e que podem envolver não só o governo, mas os dilemas que Motoko vem tendo sobre seu papel em uma sociedade onde há uma tênue linha entre humanos e robôs.

Máquina e Homem

O plot acaba se tornando a porta de entrada para um debate muito mais profundo e filosófico sobre existencialismo e dualismo. Motoko é uma andróide que luta constantemente para entender seu papel naquele mundo. Vista por muitos como uma máquina de combate, ela questiona constantemente se há alma dentro de si. A contemplação diante de seu estado como ser e indivíduo dentro da sociedade a torna uma personagem fascinante, e que ironicamente é reforçado pelo seu semblante constantemente estéril, com pouquíssimas manifestações de emoções. Ela é um mero reflexo de um ser humano? Há uma alma em sua casca?

 Tais cenas são pontuadas pelo icônico tema de Kenji Kawai, que traz aqui uma trilha sonora que transforma o clima do filme, muitas vezes indo na contramão com a expectativa do espectador. Em uma cena onde há muita ação e preparo da polícia para deter bandidos, o foco não está necessariamente na ação dos militares, mas na contemplação que Motoko está passando na hora, questionando seu papel no meio daquela missão.

Aliás, a trilha sonora se faz ausente por boa parte do filme, para ressaltar a atenção do espectador nos momentos em que surge, criando situações em que nós contemplamos junto com Motoko o espaço ao redor dela. Em uma das cenas mais marcantes de todo o filme, Motoko passeia pela cidade velha de New Pork City. Perdida no meio da multidão, sentido-se apenas um reflexo de um ser humano.

Major tem a assistência de Batou, um homem com ciberaperfeiçoamento e o segundo no comando do grupo, além de outros membros da Seção 9. Batou, um dos personagens mais importantes da franquia e protagonista da sequência, é o suporte emocional necessário para o espectador compreender os dilemas do homem versus máquina e ajudar a entender o existencialismo de Motoko. Junto com o espectador, Batou tenta compreender o que Motoko precisa.

3D e 2D

No início da explosão de efeitos em computação gráfica, Ghost in the Shell soube equilibrar muito bem a dose de efeitos em 3D comparados com a animação tradicional, tornando-se assim um produto atemporal, ao contrário de muitas animações que carregam nos efeitos tridimensionais. Para explorar a tecnologia mostrada no filme, Mamoru Oshii, junto com o estúdio Production I.G., introduz os efeitos apenas em situações onde a tecnologia se sobressai ao homem. Efeitos de camuflagem termo-óticas, monitores e radares de rastreamento de veículos. A princípio os efeitos em si parecem um pouco datados  mas que inseridos no visual futurista e sujo do filme, criam um ambiente particular que se torna atemporal. E que apesar da animação ter recebido uma versão que melhorava visualmente e acrescentava algumas cenas em CG, em uma espécie de “remasterização George Lucas”, a animação original continua incrível e envelheceu extremamente bem.

O que segura essa ilusão é a excelente animação 2D. Com um visual extremamente memorável, o visual não perdeu seu brilho devido a quantidade de quadros por segundo dedicados a cada movimento dos personagens. Como Akira, outra animação extremamente primorosa em seu esmero e cuidado nos detalhes, cada frame de Ghost in the Shell mantém a qualidade da animação e cria momentos de tirar o fôlego. Como a cena de Major enfrentando um ciberterrorista em uma rede de esgotos, ou o derradeiro encontro de Motoko com a aranha robótica no clímax do filme.

Mesmo sendo um filme lento, há momentos de ação extremamente intensos e cativantes para o espectador com uma violência brutal e visceral.

A criação de uma New Pork City formada por contrastes traz o peso e contexto desde nossos primeiros vislumbres, quando Motoko acorda no breu de seu apartamento, sendo iluminado apenas pela luz da cidade através da janela, já temos o contexto necessário para termos noção das proporções e riscos daquela cidade.

A cidade carrega uma influência tanto do ocidente quanto do oriente. Os outdoors em kanji, contrastando com as roupas e trajes ocidentais mostra uma  ambivalência no local onde a história acontece encapsulando exatamente o que se passa dentro dos personagens.

Motoko e o Mundo

Os perigos que Motoko enfrenta vão além de sua jurisdição e envolvem interesses de uma hierarquia muito acima das dela. Em um contexto político social muito interessante, Ghost in the Shell constantemente nos informa dos dilemas que aquela sociedade passa, com o avanço da tecnologia e o aprimoramento da inteligência artificial: dar tanto poder para a tecnologia pode ter suas consequências.

Além de todo o primor técnico que ainda persiste ao tempo, o filme debate assuntos extremamente atuais. Em uma sociedade engolida pelas redes sociais e a constante necessidade de se viver conectado, é fascinante assistir ao filme nos dias de hoje e refletir sobre o nosso estado como sociedade e como isso pode se tornar perigoso nas mãos erradas.  Mamoru Oshii constantemente coloca um filtro de câmera de vigilância. Há sempre alguém vigiando o outro, seja olhando uma tela, seja no topo de um prédio.

Um dos vilões mais fascinantes criados em uma animação, Puppet Master é a força motriz para o debate de existencialismo e dualismo no filme. A relação dele com Motoko vai sendo afunilada pouco a pouco, até o embate filosófico e existencial do final, onde a maneira encontrada pelo robô é fundir seu corpo ao de Motoko e se tornar um só. Concebendo um ser perfeito, único, indo além da matéria e transcendendo o dilema de matéria e espírito. Motoko é então libertada de suas amarras.

O final do filme não oferece uma conclusão simples e tradicional para o problema de Motoko, desafiando o espectador a pensar nos problemas micro e macro questionados no filme.

Ghost in the Shell e as Influências

As influências do filme são sentidas até hoje. Apesar de se inspirar em muitas obras do passado, como Blade Runner e Neuromancer, o filme se tornou referência tanto no Japão como no mundo.  O principal exemplo é The Matrix, dos irmãos Wachowizk, que pegaram referências tanto no visual (do letreiro verde em cascata até conceitos como o plug-in)  quanto em alguns debates filosóficos que a animação aborda.

Outro exemplo pouco citado é o do game Metal Gear Solid, lançado em 1997 e que se inspira muito na identidade visual do filme, com máquinas bélicas bípedes, camuflagens termo-oculares e . Pode-se dizer que o que Matrix fez para o cyberpunk ocidental, Ghost in the Shell fez para o oriental.

Estabelecendo uma identidade visual e tornando-se um exemplo de seu gênero para diversos títulos, Ghost in the Shell é um clássico atemporal que não só irá agradar aos fãs do gênero mas que traz à tona temas de identidade e existencialismo em uma sociedade onde a tecnologia e informação são consideradas a nova forma de proliferação da cultura e identidade humana. Ghost in the Shell trata do passado, presente e futuro.

Ghost in the Shell (Mobile Armored Riot Police: Ghost In The Shell, Japão – 1995)

Direção: Mamoru Oshii
Roteiro: Kazunori Itō
Elenco (Voz) :  Atsuko Tanaka, Akio Ōtsuka, Iemasa Kayumi
Gênero: Animação, Ficção Científica
Duração: 82 min.


by Redação Bastidores

Crítica | Fragmentado

Não existe uma carreira que melhor pode ser comparada a uma montanha russa do que a de M. Night Shyamalan. Despontando no cinema americano de forma bombástica com O Sexto Sentido, sua filmografia foi atraindo menos elogios a cada novo lançamento, começando com uma recepção morna a Corpo Fechado, Sinais e A Vila, até o diretor cair num limbo de críticas negativas e chacota, com A Dama na Água, Fim dos Tempos, O Último Mestre do Ar e Depois da Terra.

Porém, Shyamalan seguiu tomando as pedradas, pavimentando um caminho mais indie e que fugia de grandes orçamentos e blockbusters. Isso o levou à Blumhouse e o produtor de terror Jason Blum, onde juntos realizaram A Visita, suspense cômico found footage que surgiu como uma luz no fim do túnel para Shyamalan. Agora, praticamente de surpresa, o diretor mantém a parceria com Blum para o longa que definitivamente quebra sua maldição e oferece algo digno de nota com Fragmentado.

A trama gira em torno de Kevin (James McAvoy) um sujeito que sofre um transtorno que possibilita que 23 personalidades diferentes habitem seu corpo e tomem posse sem muito controle. Duas dessas personas mostram-se particularmente perigosas, e acabam raptando três meninas, Casey, Claire e Marcia (vividas por Anya Taylor-Joy, Haley Lu Richardson e Jessica Sula) para oferecê-las como sacrifício a uma entidade conhecida como A Fera, a 24a personalidade de Kevin que é descrita como algo desumano e sobrenatural.

É uma premissa apetitosa e que oferece a chance de Shyamalan retornar à sua boa forma de condutor de suspense. Também responsável pelo roteiro, a história diverte-se ao criar as diferentes personalidades do protagonista e as distintas interações com as três vítimas, em uma narrativa contida e que beneficia-se justamente da imprevisibilidade dos acontecimentos e das ações do protagonista. A inserção de uma psicóloga (vivida pela ótima Betty Buckley) é um recurso elegante e verossímil, servindo ao mesmo tempo para explicar e expandir nosso conhecimento sobre Kevin, assim como auxiliar na sutil transição para o sobrenatural, que funciona perfeitamente aqui, de acordo com todas a regras estabelecidas por essa mitologia.

Sim, quanto menos se souber de Fragmentado, melhor. A personalidade oculta da Fera oferece elementos fantásticos que de início soam deslocados, mas assim que o espectador compreende a natureza da história - e o universo no qual está inserido - tudo de desenrola como uma das melhores twists que Shyamalan já ofereceu ao longo de sua carreira, sendo inclusive uma que não confere o "único" brilho à história. Talvez o único fio narrativo que acabe um pouco mais alongado do que o necessário sejam os flashbacks da personagem de  Casey, que constantemente tiram o foco da trama central, mas que compensam pela catarse inesperada durante o clímax, onde Shyamalan traz uma moral complexa, mas compreensível - e enriquecem ainda mais a ótima performance de Anya Taylor-Joy, que parece destinada a tornar-se um dos grandes nomes de sua geração, saída de sua memorável estreia em A Bruxa.

Como diretor, Shyamalan continua elegante e inventivo, aqui finalmente abraçando novamente um clima de suspense pesado; como não víamos desde a cena da floresta em A Vila ou o terceiro ato de Sinais. Logo no começo, seu jogo de câmera para mostrar Kevin invadindo o carro das meninas e assumindo o volante se dá através de uma sequência de travellings muito bem coordenados e fluidos, com a revelação do sujeito no banco da frente sendo apropriadamente construída através desse suspense, e também da reação amedrontada de Casey. Shyamalan é capaz de construir sequências que evocam o puro terror, especialmente quando somos jogados na cela das meninas e observamos pela fresta da porta o lado externo, apenas esperando para ver qual identidade de Kevin cruzará a porta em seguida, da mesma forma que o clímax que envolve a Fera é um verdadeiro exercício de terror; a forma como a fotografia de Mike Gioulakis usa as sombras e silhuetas é primorosa a fim de capturar a animalização do personagem (há uma tomada magnífica das sombras das 23 escovas de dente do protagonista), e a trilha sonora perturbadora de West Dylan Thordson.

Mas mais do que uma condução forte e uma história concisa o suficiente, Fragmentado estaria literalmente em frangalhos não fosse o talento de seu protagonista, serviço que felizmente James McAvoy faz maravilhosamente bem. Cada diferente faceta de Kevin que vemos é radicalmente diferente da outra, seja no quieto e meticuloso Dennis, na calculista Patricia, ou no infantil Hedwig, onde o ator literalmente adota uma personalidade de 9 anos de idade - todos variando também em tons de voz, sotaque e características físicas. Isso sem falar, claro, em quando finalmente vemos a Fera que o personagem vinha construindo ao longo da projeção, o que exige uma performance física impressionante e assustadora do ator, que certamente entrega aqui a melhor atuação de sua carreira até agora. É uma pena que muito dificilmente o ator seja lembrado na temporada de prêmios do próximo ano.

Fragmentado é um ótimo retorno à forma para M. Night Shyamalan, que exercita de forma inspiradora sua condução do suspense e terror, explorando uma boa premissa e expandido-a de forma fascinante para subgêneros. Resta esperar pelo que vem à frente, já que a cena final do filme deixa aberta uma porta que definitivamente todos irão querer ver aonde leva.

Fragmentado (Split, EUA - 2017)

Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Elenco: James McAvoy, Anya Taylor-Joy, Haley Lu Richardson, Jessica Sula, Betty Buckley, Izzie Coffey, Sebastian Arcelus, Brad William Henke
Gênero: Suspense
Duração: 117 min


by Lucas Nascimento

Crítica | Com os Punhos Cerrados

O novo filme dos Pretti & Parente, da Alumbramento, remete ao marcante primeiro longa de Marco Bellocchio, De Punhos Cerrados de 1965. Concretamente, porém, não guardam nenhuma relação. Nem deveriam. Em Estrada para Ythaca (2010) a epígrafe de Sierguéi Iessiênin, o encerramento com as duas últimas estrofes de “Ítaca”, de Konstantinos Kaváfis, a reprodução da participação de Glauber Rocha em Vento do Leste, de Jean-Luc Godard – como uma sequência fantasmagórica; além da cantoria (Caetano, Gil, Paulo Vanzolini, Nelson Cavaquinho…) e das pontuais frases de efeito demonstravam o processo criativo dos diretores (também roteiristas, atores, produtores e montadores). O problema é que em Ythaca a auto-representação, cara e importante para o cinema independente, tinha intenções bem claras, revelava essa procura pelo cinema livre, “divino e maravilhoso”. Certa cinefilia e apropriação de textos literárias evocava uma potência para as imagens. O tempo era trabalhado liricamente, encontrando respiros no meio da abundância das referências.

Essa crença em ideais do Cinema Novo e do movimento concretista (a busca pela poética sincrônica) e no que esses movimentos estéticos tinham como referência pulam na tela em Com os Punhos Cerrados de forma menos deliberada, mais explosiva, intempestiva, no tom de manifesto livre que o filme propõe a desenvolver.

Por um lado, o filme tem intenções utópicas, revoltosas. Em meio ao seu método poético, não consegue se desvencilhar da fixação endêmica (e que o entretenimento encontrou uma mina de ouro) pela distopia. Não com pouca razão. O filme começa com os personagens numa praia deserta, coordenando uma rádio pirata, divulgando dizeres, textos e poesias com o intuito de despertar a revolução. A intersecção entre a narrativa e os dispositivos tecnológicos se apresenta desde o início, quando o som é suprimido ao toque do botão de um aparelho. A dissincronia, amadorismo que acompanha o veículo marginal ministrado pelos protagonistas, se apresentará nas cenas com o “antagonista” da história, personagem representante de valores conservadores, visto sempre de costas, uma figura sem rosto, um sujeito altamente abstrato e ainda sim concreto. Suas falas parecem sempre dubladas, não correspondendo aos movimentos percebidos. Uma manipulação? Ele contrata uma espiã (Samya de Lavor) para se infiltrar no grupo resistente e denunciá-los.

Não se pode negar que Com os Punhos Cerrados carrega um espírito juvenil. O que nem sempre é algo bom. Os cineastas buscam analisar o Brasil pós-protestos de 2013 (o filme é de 2014 e só chegou ao circuito quase três anos depois) sob a ótica do deslocamento. O método, no entanto, parece um tanto restritivo. Lê-se Oswald, lê-se as Cartas Pornográficas de Joyce sobre retratos de governadores, invoca-se Artaud. A belíssima Les Anarchistes de Léo Ferré sonoriza várias cenas. Mas as (re)leituras são muito pouco sucedidas, mesmo se descontextualizadas, vistas fora do seu ambiente de criação original. O filme embaralha os tempos que quer trabalhar e beira o trabalho estudantil, em que o experimental se confunde com a indecisão. Algumas sequências, principalmente as de leituras ou as redundantes cantorias são esvaziadas de emoção, não evocam reflexões, só constatações de ideais, não dão passo ao filme, são enfraquecidas a cada segundo. As variações são muito tênues para trazer momentos marcantes, ou ainda firmar um estilo sólido.

Se vale o pensamento ideal, onde está o legado, tão louvado nominalmente, de Godard, suas ideias fulminantes, sua câmera, parada ou em movimento, que filmava o trabalho de maneira única nos projetos do Dziga Vertov? Não é o caso de replicar, falta realizar o movimento antropofágico que as cenas em geral acreditam realizar. Rapidamente tornam-se vazias, fatigantes pela obviedade, anacrônicas, ora raivosas demais para serem brutais (a tela totalmente preta e a música agitada), ora calmas demais para aproveitar o ócio (as cenas com a personagem da espiã).

A dúvida ambulante que é Com os Punhos Cerrados procurar suspirar no idioleto do cinema sedizente marginal, que ganha mais destaque pela distância do eixo comercial. No final das contas, as opções estéticas parecem mais uma pátina impregnada na tela do que bem autênticos pequenos momentos de revolta, obstruídos por outras “visões” (o striptease é o exemplo mais notável). Que esse tipo de cinema venha, ele é mais importante na nossa realidade artística do que metade do que chega às salas de projeção. Às vezes, porém, consolidar uma raciocínio a tempo (o ser contemporâneo) requer mais do que conformar-se com um retrovisor quebrado no guião.

Com os Punhos Cerrados (Brasil – 2014)

Direção: Luiz Pretti, Ricardo Pretti e Pedro Diógenes
Elenco: Ricardo Pretti, Pedro Diógenes, Luiz Pretti, Samya De Lavor, Uirá dos Reis, Rodrigo Capistrano
Gênero: Drama, Experimental
Duração: 74 min


by Redação Bastidores

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