Crítica | Resident Evil 3: A Extinção
Mantendo o nível de sua franquia, Resident Evil: A Extinção (2007), não impressiona. Apesar de algumas pequenas surpresas e diferenças das entradas anteriores, a vontade de se tornar um sci-fi brilhante persiste. Quem dera a trama chegasse ao nível de brilhantismo que os games trouxeram.
Com direção de Russell Mulcahy, o diretor de Highlander (1986), e produção do já frequente Paul. W. S. Anderson, temos um filme de ação comum, que lança personagens conhecidos em um cenário novo do que vimos até então, mas desperdiça potencial em viradas previsíveis e pouco intrigantes.
Ao fim de Resident Evil: Apocalypse, Alice (Milla Jovovich) fugia da Umbrela Corporation juntamente com o policial Carlos Rivera (Oded Fehr) e L.J. (Mike Epps). Nesta entrada, Alice começa sua jornada sozinha, andando de moto e buscando respostas em Nevada, que se transformou em um gigante deserto após o T-Vírus sair de Raccoon City e infectar o planeta.
Não existe uma explicação exata de como ela se separou do resto do grupo ou o que aconteceu com alguns personagens dos filmes anteriores. Aparentemente, para a franquia de Resident Evil, continuidade não é algo muito importante. O que importa aqui são as cenas de ação e algumas reviravoltas científicas para prender o espectador hábil o suficiente para suspender seu senso de descrença durante os poucos (mas longos) 94 minutos da fita.
A já comentada mudança de cenário é muito bem vinda. Alterando a paleta de cores dos tons escuros e azulados para cores mais secas e tons marrons do deserto, o filme passa uma sensação diferente da que tivemos até então. Se antes tínhamos pessoas lutando contra o desconhecido vírus zumbi e correndo por suas vidas, agora temos grupos de sobreviventes organizados e equipados contra os monstros que rondam as ruas vazias da cidade do pecado, Las Vegas.
O sentimento, para ser mais específico, é muito semelhante ao que The Walking Dead traria à televisão três anos depois. Existe a luta pela sobrevivência, manejo de mantimentos, pessoas e suas tragédias pessoais e a proximidade da morte que paira sobre os personagens. Os veículos antigos, com modificações feitas de sucata, também acena de leve para os filmes de Mad Max. O que é algo muito bem vindo como inovação dentro do universo. O valor de produção maior que os dos dois últimos filmes é bem utilizados em cenas de hordas gigantes e caminhões atropelando dezenas deles.
A nova coloração do filme passa uma maior sensação de aridez e cansaço, que ecoa nos figurinos, na respiração ofegante e nos abrigos de ferro construídos para permitir uma noite de descanso ao refugiados. Ao encontrar Alice, descobrimos que existe um local livre da infestação, que pode servir como um refúgio final para os sobreviventes exaustos da luta.
A direção de Mulcahy se faz sentir nesta jornada, com uma cena de ação em específico envolvendo pássaros zumbis e um plano em 360 graus que impressiona muito, considerando a ação que já estamos acostumados a esperar desta franquia. A câmera aproximando mais o rosto dos personagens, dando um toque emocional maior à cada um na tela também é superior.
Infelizmente, todos estes aspectos positivos são completamente ignorados em uma trama rasa, com furos e que poucas vezes faz sentido. Alice agora começa a desenvolver poderes de telepatia, além do aprimoramento físico que ela já havia recebido em Apocalypse. Seu personagem ganha até uma aura messiânica próxima a de Neo, em Matrix. A única coisa que falta é alguém a chamar de A Escolhida. Com estas adições, a série continua crescendo nessa necessidade de transformar a Alice em um personagem que aparenta ser mais do que é, mote que vêm sendo utilizado desde o primeiro filme.
Sem falar de toda a trama dos clones que surge como uma história de fundo que permeia a franquia. Não mais um filme sobre infestação zumbi e a humanidade frente a isso, agora temos a jornada de uma heroína "sci-fi" que foge de uma corporação maléfica que pretende dominar o mundo através da ciência, ganância e (surpresa) dinheiro. O que me parece um plano totalmente furado, visto que não existe utilidade nenhuma em dominar um mundo tomado por zumbis.
Sua conclusão permanece tão aberta e confusa quanto os outros. Algo que já parece ter virado assinatura da série: acabar o filme da forma mais nonsense e maluca possível. E isso mostra o quão perdida parece estar a equipe de produção, pois até então Resident Evil demonstra não saber a que veio. Com alguns sustos aqui e ali, cenas de ação medíocres e uma parte científica fraca e extremamente presente, é difícil classificar o gênero desta fita. Um pouco mais de humor auto depreciativo e atores menos talentosos deixaria Resident Evil como o filme trash perfeito. No entanto, ele se leva a sério o suficiente para que não seja interpretado dessa forma.
Vítima de sua própria ambição, Resident Evil: A Extinção descarta ideias e personagens coadjuvantes interessantes em nome de uma história que não prende o espectador. Até mesmo a cidade de Las Vegas, amplamente divulgada nos materiais promocionais, é deixada de lado; vemos pouco do que parece um cenário muito interessante. Apesar de continuar mostrando melhoria em relação à entradas anteriores, é difícil acreditar que as restrições auto impostas da franquia permitam que filmes bons sejam produzidos. Uma pena, Resident Evil é uma série famosa e querida de games que poderia se tornar muito mais do que uma onda de filmes esquecíveis e intragáveis.
Resident Evil 3: A Extinção (Resident Evil: Extinction, 2007 – EUA, França, Austrália, Alemanha, Reino Unido)
Direção: Russell Mulcahy
Roteiro: Paul W.S. Anderson
Elenco: Milla Jovovich, Oded Fehr, Ali Larter, Iain Glen, Ashanti, Christopher Egan, Matthew Marsden
Gênero: Ação, Pós Apocalíptico
Duração: 94 minutos.
Crítica | Até o Último Homem
Fazer Cinema é um ato de coragem. Duvida? Estranhamente, os grandes filmes da nossa História recente, aqueles que realmente são memoráveis dos últimos dez anos, precisam de um esforço tremendo para sem produzidos mesmo que seu custo seja nem 1/8 do orçamento total de um blockbuster de verão cuja qualidade seja questionável.
Porém, o que assusta no caso de Até o Último Homem não é exatamente o fato de 12 produtoras terem sido necessárias para que esse filme viesse a existir, mas sim a necessidade de 12 produtoras bancarem um projeto de Mel Gibson. Doze organizações, incluindo ele próprio, injetando dinheiro para ressuscitar Gibson como cineasta justamente em filme épico de Segunda Guerra – um tema sempre bastante rentável.
Gibson, galã dos anos 1990, já tinha demonstrado sua proeza técnica e criativa com diversos longas estupendos como Coração Valente, A Paixão de Cristo e Apocalypto, apresentando um estilo muito peculiar e apurado para com o assunto que seus filmes retratavam. Após um declínio ferrenho pelo alcoolismo e passando por divórcios motivados por agressões físicas, Gibson entrou na lista negra de Hollywood. Porém, como comprovado, o tempo cura tudo.
O infame e brilhante diretor retorna ao seu merecido posto de glória profissional, pois Até o Último Homem é um longa catártico que conversa com sua história pessoal tentando redimir os pecados do passado. Porém, ele não vale somente pela história prévia de Gibson, mas sim da admirável proeza realizada pelo soldado Desmond Doss: ir para a Guerra mais violenta de nossa história e não disparar uma única bala, conseguindo, assim, salvar mais de 70 vidas de companheiros feridos que agonizavam no campo de batalha.
Até o Último Homem
O roteiro da dupla Schenkkan e Knight tem a principal preocupação de explorar ao máximo o personagem protagonista. Para isso, é importante ressaltar o ferrenho peso ideológico e moral inusitado, raro de se ver, em filmes de grande destaque. O tratamento que deram para a história funciona normalmente como um ótimo épico de guerra, mas Até o Último Homem é muito mais que isso: é uma grande alegoria cristã. E isso é bem fácil de notar, pois diversas passagens do filme fazem de Desmond Doss um Jesus Cristo.
Funciona perfeitamente dos dois modos. O breve primeiro segmento do longa acompanha a infância de Doss e suas traquinagens com seu irmão. Ali, a moral cristã e a mensagem de antiviolência já se fazem presentes. O evento ocorrido norteia a ética do personagem pelo restante de sua vida.
Após estabelecido esse ato bem enxuto, mas muito eficiente – inclusive em já indicar o enorme conflito de abusos familiares cometidos por Tom, pai de Desmond e veterano da Primeira Guerra, ainda muito é explorado da vida pré-guerra do protagonista. Schenkkan e Knight basicamente vão na contramão dos roteiros sobre dramas de guerra o que, novamente, deixa o longa mais peculiar.
É um belo acerto para o formato do storytelling, pois o espectador se torna bastante próximo de Desmond, gerando grande empatia. Nessa ótima primeira metade conhecemos o homem, suas convicções, sua rotina, suas paixões, seus medos, seu senso de dever. É realmente bem construído e logo, assim que sua escolha de tomar parte e decidir salvar vidas na Guerra surge, sua motivação é clara como água. Na direção, Gibson trabalha isso muitíssimo bem ao pegar detalhes do olhar atemorizado de Desmond ao ver veteranos mutilados chegando em sua cidade.
O sentimento de sacrifício e grandeza também já surgem no primeiro momento, pois os roteiristas elaboram um belo romance entre Desmond a enfermeira do hospital local, Dorothy. Com os pilares do filme cravados com muito fundamento, além de oferecer um pequeno mistério e o romance leve para o espectador, o texto passa por um amadurecimento. Na verdade, a estrutura do longa é a clássica: Primavera, Verão, Outono, Inverno ou, se preferir, Infância, Adolescência e idade Adulta.
Claro que nada é tão simplista assim. Nos segmentos mais coloridos e leves do filme, há o desenvolvimento do intenso drama entre Desmond e seu pai que se opõe ferozmente à ida de seu filho para o front. Depois de expor sua intenção insana, de ir à guerra como médico sem portar qualquer arma, entramos no amadurecimento do protagonista.
O Leviatã
Neste segundo ato, com o ingresso de Desmond ao exército americano, o roteiro aborda conflitos mais intensos, deixando um pouco de lado a ênfase na religião para jogar contra a coerção estatal diante a liberdade de um terceiro – mesmo que a proposta de ir para a guerra sem a intenção de matar alguém ou de portar armas de fogo seja perfeitamente legal.
Assim como o sólido primeiro ato, os roteiristas mantêm a escrita impecável justamente por nos manter quase sempre no ponto de vista de Doss. Aliás, Até o Último Homem é um longa tão inteligente que praticamente condiciona o espectador a virar uma extensão direta do protagonista. Logo, nosso olha amadurece conforme o personagem cresce e passa por maiores desafios.
Os roteiristas até enganam bastante com os primeiros e divertidos minutos no acampamento militar com o bullying de sargento Howell nos recém recrutados. Mesmo que seja uma opressão que flerta com Full Metal Jacket, é um momento de comicidade já apresentando satisfatoriamente os outros personagens que fazem parte do batalhão de Doss. Como de praxe, o personagem conquista um rival que também recebe um tratamento satisfatório ao longo da história.
Todavia, o principal oponente de Doss nesse segmento realmente é o exército americano. O leviatã governamental ao se deparar com a anomalia do soldado que não quer empunhar armas, tenta massacrá-lo com opressões diretas e indiretas. Trava-se então, um embate Davi vs Golias no qual o protagonista não se resigna de forma alguma mesmo que diversas provas contra sua fé, sua fibra moral e principalmente de sua segurança enquanto indivíduo são colocadas à prova.
O personagem, que já era ótimo, torna-se ainda melhor. Isso se deve por conta do tratamento inteligente dos roteiristas não apostarem tanto em melodrama pesado, mas optam em martirizar o personagem com ações de seus colegas tão imorais quanto as dos inimigos que enfrentarão em Okinawa.
Guerra
Após toda a burocracia da batalha contra o Estado, Doss finalmente vai à guerra para salvar vidas. Como esperado, o segmento é o mais silencioso de toda a obra. Aqui, é praticamente impossível desassociar o ótimo texto com o renascimento de Mel Gibson como cineasta. As coisas fluem de forma tão sinergética que se complementam belissimamente.
Nisso, o trabalho de contrastes visuais fica cada vez mais apurado. Logo que Doss desembarca, Gibson aposta no clichê sempre eficiente da troca de olhares de uma tropa novata ante a melancolia e o vazio emanado pelo por batalhões veteranos mutilados. O seguinte já acontece logo após esse breve momento de calma antes da batalha mais sangrenta de muitos filmes de guerra.
Para isso é importante relembrar de momentos chave de alegria da vida de Doss: os passeios na montanha em Virgínia. A montanha, sempre convidativa, banhada e abençoada pela luz do sol é encarada como uma presença divina para o protagonista. Um dos locais mais sagrados que evocam espiritualidade e contato com a exuberante natureza. Ali acontecem momentos significativos como um abraço carinhoso no irmão e o primeiro beijo do namoro.
Através de enquadramentos similares, Gibson evoca esse pavoroso contraste, pois o campo de batalha de Hacksaw se encontra no topo da montanha morta, podre e cinzenta. A montanha não é convidativa com seu formato íngreme avassalador. Sua escalada já é uma batalha por si só. Seu cume subverte a simbologia religiosa de outrora. A montanha sagrada vira a montanha maldita onde só o ódio e a violência prevalecem.
Com essas simbologias por si, Gibson eleva seu filme a estado de arte, porém muito mais acontece em Até o Último Homem. Até então, o diretor mantém pulso firme com encenação apurada, enquadramentos ricos ordenados em decupagens bastante diversificadas. Porém, nada supera o estonteante trabalho de câmera e sincronia de encenação que acontece assim que a guerra começa.
O momento do início do tiroteio é marcado pelo terror explicito de um grito. Até então, assim como Doss, o espectador não está nem um pouco preparado para o que ocorrerá depois da gritaria. Gibson praticamente desperta Doss e a plateia com esse susto. E então o horror nos pega completamente desprevenidos. É um festim de sanguinolência e stress como se viu poucas vezes no cinema. A abertura de O Resgate do Soldado Ryan é light se comparada com a longa sequência de batalha que se sucede.
Soldados são rasgados, explodidos, queimados, esfaqueados, mutilados a todo momento e Gibson mostra tudo com o sentimento cru e opaco da guerra. Aqui também é a hora da edição de som brilhar com efeitos sonoros que emanam o impacto de cada bala que atravessa o crânio de um soldado, ou da ignição de um lança-chamas ou do som abafado de uma granada.
Assim como nos outros segmentos, Até o Último Homem se renova mais uma vez com os resgates de Doss na montanha. Diversas vezes, Gibson utiliza a encenação para lembrar os milagres de Cristo nas ações do franzino soldado. Seja nos Lázaros que Doss salva ou quando tira a lama dos olhos de um soldado que acreditava estar cego. Talvez, os únicos excessos cometidos pelo diretor estejam em alguns enquadramentos com slowmotions para enfatizar atitudes heroicas.
Enfim, Gibson consegue aliar a competência em criar passagens muito violentas com a doçura simples do protagonista encarnado tão maravilhosamente bem por Andrew Garfield.
Acredite, a indicação ao Oscar é mais que merecida. Garfield se torna Desmond Doss em tudo. O sotaque carregado, os olhares sempre muito adequados a cada situação, o sorriso meio boboca, um semblante de pureza e calma difíceis de reproduzir de modo tão genuíno sem nada parecer forçado. É uma atuação mais expansiva que a de outros concorrentes a estatueta, mas que não é diminuída pelo talento da concorrência. Desmond Doss só funciona sem cair no piegas justamente pelo equilíbrio sofisticado do ator.
Don’t Tread On Me
Raramente há um filme como Até o Último Homem em produção. Seja pelo caráter de sua mensagem que não se acovarda em mostrar suas vertentes cristãs e, muitas vezes, libertárias. Como já dito antes, não se trata de um longa limitado apenas por isso. De tantas qualidades cinematográficas envolvidas, da proeza da realização em recriar a guerra em seus meticulosos detalhes, além de exibir diversas naturezas do espírito humano, creio que dificilmente ficará decepcionado com este filme.
É a celebração da transformação causada justamente por um indivíduo, sua ideologia e seus atos pacíficos. De como em um ambiente tão inóspito, estressante, pútrido, um vale da sombra da morte, pode acontecer o mais belo dos milagres: o amor ao próximo.
Até o Último Homem (Hacksaw Ridge, 2016 – EUA, Austrália)
Direção: Mel Gibson
Roteiro: Robert Schenkkan e Andrew Knight
Elenco: Andrew Garfield, Teresa Palmer, Vince Vaughn, Hugo Weaving, Sam Worthington, Rachel Griffiths, Luke Bracey
Gênero: Drama de Guerra
Duração: 139 min
Crítica | Paraíso
Os conflitos da exposição do chamado irrepresentável parecem não ter fim. E não terão nunca provavelmente. Nem espero que tenham, porque isso implicaria uma obnubilação da memória histórica, ou mesmo uma perda do senso crítico. Uma matéria que se estende desde a violência banalizada dos noticiários, da circulação patológica de pixels, até a intransponível desumanidade da guerra. De fato, é assunto que sempre ganha a atenção, especialmente no último caso. Ainda que as obras não tenham intenções de espetáculo, é muito fácil não escorregar nessa categoria. Vide O Filho de Saul, cinema de potência que fica só na pretensão. O que esse, no entanto, pecava em dramaturgia, Paraíso, do russo Andrei Konchalovsky, tenta suprir com sua abordagem.
O grande destaque do filme em relação a outras produções do gênero é as figuras que acompanha. Acompanhamos Olga (Yuliya Vysotskaya), uma aristocrata russa que fazia parte da Resistência e foi presa por ter escondido duas crianças judias. Ela é encaminhada para o delegado francês Jules (hilippe Duqesne), auxiliar da Gestapo na França ocupado pelo nazismo. A aristocrata quase chega a concretizar um relacionamento escuso com o policial para ganhar sua liberdade, mas algo dá errado e ela acaba prisioneira em um campo de concentração. É lá que ela vai encontrar um jovem nobre alemão, que conhecera muitos anos atrás, Helmut (Christian Clauss), oficial da SS, enviado para o campo pelo próprio Himmler para investigar e punir a corrupção que assola esse campo. Enquanto acompanhamos os acontecimentos, acompanhamos relatos desses três personagens, sentados, olhando diretamente para a câmera, imitando um interrogatório em que só ouvimos as respostas – apesar das falas insinuarem que um questionador está presente.
Konchalovsky tem uma trajetória curiosa. Dirigiu Tango e Cash, com Sylvester Stallone e Kurt Russel, e outros blockbusters americanos de segundo escalão. Mas também é diretor de As Noites Brancas do Carteiro, filme diametralmente oposto aos do gênero supracitado. Em parceria com Elena Kiseleva, Konchalovsky montou um roteiro que flui, apesar de assumir um caráter um tanto episódico, e dos diálogos não serem os mais refinados. Caso das prolixas referências que querem justificar o título, que caem na boca de personagens principais e secundários sob diferentes formas – repetitivas, levando em conta que o filme já insinua suas intenções no final do primeiro terço do filme, e explicita nos segundos finais do longa. As referências saltam da Divina Comédia para o mundo puro sonhado pelos nazistas.
Ainda que com essas pretensões (somadas ainda à fotografia em preto e branco, bem contrastada e a razão de aspecto de 1.37:1, que incitam um aspecto claustrofóbico e são coerentes com o destino unívoco e amargo da História), o arco dos personagens não é prejudicado, há uma harmonia entre as partes. Os acontecimentos per se, intercalados com os depoimentos dos personagens, dão dinâmica à história. A conversa direta com a câmera é um momento de verdade, de libertação do mundo real em que cada personalidade se desnuda das pressões sócio-culturais que obrigavam os personagens a mentir. Olga, por exemplo, não tem longos cabelos nessas partes, e sim, imita Joana D’Arc e seu cabelo raspado, expondo todas os seus pensamentos para o espectador. Trata-se de um artifício que liga o espectador diretamente aos personagens, uma técnica mais clássica e segura do que a estética radicalmente pessoal de Filho de Saul, por exemplo. Sua retórica é inclusive ligada a ideias religiosas. A guerra, toda desenvolvida entre o embate entre o Inferno e o Paraíso, tem seu fim, pelo menos em uma perspectiva, nessas mesmas duas figuras. E o filme responde a essa lógica ao inserir e retratar seu Purgatório. Porém, quanto isso adiciona ao repertório crítico cinematográfico?
A mesma dúvida vale para as reflexões sobre a imagem, que não dão passos longos. Não que seja a intenção principal, é um subtexto deslocado, que depois de ser tão usado (as entrevistas têm jump-cuts e momentos em que a película finge se desfazer ligam-se às memórias de Helmut e Olga e às fotografias chocantes analisadas pelo oficial nazista), quer inspirar pensamentos que não se encaixam bem com a obra.
De pronto, é possível afirmar que Paraíso é uma ficção da Segunda Guerra que merece ser vista, e que busca, em convenções clássicas mais do que em experimentações linguísticas e imagéticas, um relato brutal dos acontecimentos, sem apelar para o melodrama. Suas fragilidades, ao menos, são bem mais sinceras do que a falta de novidade do “filme estrangeiro” que a Academia premiou ano passado.
Paraíso (Ray, 2016 - Rússia, Alemanha)
Direção: Andrei Konchalovsky
Roteiro: Elena Kiselava, Andrei Konchalovsky
Elenco: Yuliya Vysotskaya, Viktor Sukhorukov, Philippe Duquesne
Gênero: Drama
Duração: 130 minutos.
Crítica | Resident Evil 6: O Capítulo Final
Quando Paul W.S. Anderson fez o primeiro filme baseado na franquia de games Resident Evil em 2002 era uma produção simples com um orçamento generoso de US$ 35 milhões, mas fez um grande sucesso faturando o triplo. O problema é que a partir do terceiro filme, que não lembra em nada os jogos, a franquia se tornou qualquer coisa menos uma adaptação dos games da Capcom.
Quando Anderson voltou para a direção do quarto filme o objetivo era claro: fazer uma franquia ação descerebrada, cujo intuito era transformar Milla Jovovich em estrela de ação e o diretor mostrar que sabia utilizar tecnologia 3D, mas jogando o roteiro para o espaço. Pois bem, agora a franquia chega ao fim com esse novo filme.
O longa mostra a heroína Alice (Milla Jovovich) em um mundo devastado pelo T-Vírus que transformou todos os humanos em zumbis. A heroína é avisada pelo computador Red Queen (Eva Gabo Anderson) que a organização criadora do vírus, a maldosa Umbrella Corporation, criou um antivírus que pode acabar com a ameaça e que Alice tem menos de 72 horas para encontrá-lo antes que a humanidade seja extinta.
Como deu para perceber, a trama é idiota, na falta de uma palavra melhor para descrevê-la. Nenhum problema em filmes em que tem tramas bobas, desde que saibam disso e assumam as deficiências do seu texto. Resident Evil 6 até assume nos dois primeiros atos, o que vale não é o desenvolvimento de personagens, motivações e arcos dramáticos, mas sim a ação. É Alice mostrando que é a badass do momento e que consegue derrotar os zumbis em lutas corpo a corpo, sem medo de ser mordida.
O roteiro - que é assinado por Anderson – funciona mais como uma escaleta de eventos, principalmente quando os heróis invadem o complexo chamado de Colmeia. Nesses momentos é quase como se fosse um videogame mesmo, pois há os capangas, os monstros medianos, os cachorros zumbis e os monstros terríveis feitos a partir de experiências genéticas. Nesse sentido, o “roteiro” até funciona. Mas quando chega no terceiro ato, o filme fica risível.
Não dá para entender o que o diretor quis fazer no terceiro ato, parece que ele queria terminar a franquia dando plot twist que eram geniais na sua mente, mas são tão estúpidas e incoerentes que transformam o que estava uma boa diversão B em uma comédia involuntária. As situações e os diálogos que já eram ruins,pioram no final do filme. E são decisões que não batem com a própria mitologia criada pelos filmes. Esse terceiro ato desse Resident Evil vale por ser uma das coisas mais engraçadas que vi em vida.
Se Paul W.S. Anderson se mostra incapaz de criar uma história como roteirista, como diretor ele tenta fazer cenas fortes que misturam ação e terror. No primeiro quesito há momentos de inspiração, porque as sequências de ação são inventivas. O problema é que se nos filmes anteriores, o diretor fazia planos de luta longos e mais abertos – mostrando que sabe utilizar bem o 3D nesse sentido – nesse novo exemplar enche essas sequências com cortes rápidos e acelerando os frames e fica difícil entender o que está acontecendo em alguns momentos, mas sabe utilizar bem o espaço onde acontece a ação. Já como diretor de terror, Anderson se mostra um bom diretor de ação.
Se ocorrer algum susto é por conta de jump scares, porque Anderson não sabe preparar a atmosfera da cena e os sustos são muito previsíveis. Na tentativa de mostrar que o mundo é ameaçador, o diretor usa a mesma estratégia durante todo o filme: susto e cena de ação a cada vinte minutos. Em alguns momentos funcionam, mas acaba cansando o espectador depois de um tempo.
O que o diretor continua mostrando que sabe utilizar é a tecnologia 3D. Não em função de linguagem, pois exigir isso de um diretor tão limitado em um filme desses é ingenuidade. Anderson sabe aproveitar muito bem a profundidade de campo. As maiorias das cenas são em planos abertos que aumentam a imersão do espectador ao cenário, que é muito bem feito. E Anderson usa muito bem essa imersão nas sequências em slow motion, que dão uma identidade ao filme, mas só isso.
Mas e as atuações? Bom, se o roteiro é insistente, então pra que personagens? Não há personagens em Resident Evil 6, há atores dizendo falas e todos os personagens são desinteressantes, principalmente Alice. O que carrega é a presença física e o carisma de Milla Jovovich, porque a heroína é chata e unidimensional. E o resto do elenco só está ali para bater cartão, não merecem nem serem discutidos, pois os seus objetivos são carregar e portar armas.
O que mais pode se dizer de Resident Evil 6: O Capitulo Final? Simples: Nada. É um filme bobo de uma franquia que se alongou mais do que deveria, que mostrou ser completamente diferente do material original que cospe personagens para mostrar que é Resident Evil. Bom que acabou, pois é uma cinessérie que ninguém ficará com saudades, pelos menos dessa versão de Paul W.S. Anderson.
Resident Evil 6: O Capítulo Final (Resident Evil: The Final Chapter, 2017 - França, Canadá, Alemanha, Australia)
Diretor: Paul W.S. Anderson
Roteiro: Paul W.S. Anderson
Elenco: Milla Jovovich, Iain Glen, Ali Larter, Shawn Roberts, Eoin Macken, Fraser James
Gênero: Ação
Duração: 106 min.
Crítica | Resident Evil 2: Apocalypse
Resident Evil: Apocalypse, a segunda entrada na franquia cinemática baseada nos games de Resident Evil, nos mostra que uma sequência pode sim superar o original e ainda assim ser ruim. Mesmo alterando praticamente todo o elenco e deixando somente Milla Jovovich, os problemas de outrora permanecem. Mal sabíamos à época que Resident Evil havia chego para ficar e que ainda nos seriam cometidos mais quatro filmes.
Após o relativo sucesso de bilheteria de seu antecessor, Paul W. S. Anderson deixa a cadeira de diretor para ser somente escritor. Com sua saída, entra o estreante Alexander Witt. No entanto, sua presença é muito apagada, o que me faz olhar para a escolha dele com certa suspeita. Witt, com experiência de diretor de segunda unidade e operador de câmera, não agrega muito à obra e o filme ainda se parece muito como qualquer outra produção dessa franquia.
Nesta fita, temos uma mudança grande de ambiente. Ao invés de corredores escuros e uma instalação subterrânea, os personagens se encontram na superfície de Raccoon City, passando por ruas, igrejas, cemitérios e escolas. Seguindo os acontecimentos da missão na HIVE, um grupo de cientistas da Umbrela Corporation decide abrir as portas para verificar o que houve. Ao abrir, os zumbis que estavam selados escapam para a cidade e geram uma infestação incontrolável.
O que mostra pouco prendimento à narrativa, é a tratativa de filme de destruição ou de caos que temos na introdução. Os jornais comentam de relatos de pessoas internadas com sintomas de raiva e atacando outras pessoas na rua. Ora, se os zumbis saíram todos de um mesmo local causando danos e estragos, como que isso não foi notado pela mídia ou pelas autoridades? Porque a Umbrela não fez nada para conter a infestação quando os zumbis fugiam da HIVE em primeiro lugar?
Essas e outras perguntas removem totalmente a imersão do filme. Sendo cenas rápidas, com ação e entrada de novos personagens ou cenas mais longas com mais exposição, a suspensão de descrença exigida do espectador é absurda. Várias e várias vezes temos personagens que simplesmente se afastam do grupo e na cena seguinte aparecem andando sozinhos em um corredor escuro sendo caçados por algum monstrengo aleatório e eventualmente morrendo. Quantos personagens precisam morrer para que eles entendam que numa invasão zumbi você não deve ficar andando sozinho?
Após este início, somos apresentados à personagem Jill Valentine (Sienna Guillory), uma policial de Racoon City e ex membro da STARS. Essa personagem veio diretamente do primeiro jogo e é uma adição muito bem vinda, mesmo que não seja muito útil ao longo do filme, serve para tirar o gosto ruim da personagem de Michelle Rodriguez do primeiro. Com um visual muito similar ao dos jogos, ela faz sua entrada mostrando que não está ali para ser mordida por vampiros.
Falando em boas adições, Apocalypse conta também Oded Fehr e Mike Epps para engrossar o elenco de forma positiva. Suas entradas, junto com Jared Harris e Thomas Kretschmann mostram um cuidado maior em escalação de atores e faz bastante diferença no meio do fiapo de roteiro que Resident Evil é. Suas presenças e personagens são sentidas e cada um apresenta seu tom e diversidade para o grupo.
Jill se junta a um grupo de pessoas em uma igreja, onde são resgatados por Alice. Sua entrada triunfal é cheia de efeitos e firulas cinemáticas, mostrando que ela não é mais a moça indefesa encontrada no filme anterior. Com a chegada de Alice, a película passa a desenvolver a trama do policial Carlos Olivera (Oded Fehr) e sua equipe de soldados que abandonam a Umbrela após ela bloquear a saída das cidades, deixando os civis de Raccoon City para morrer nas mãos dos zumbis e armando o grande vilão: Nemesis.
Nemesis, o principal monstrengo do filme, lembra muito o Exterminador do Futuro, ao diferenciar ameaças e civis com a câmera frontal da retina. A decisão de o criar utilizando maquiagem e uma roupa, ao invés do famoso CGI, é acertada. Sua presença é imponente e entrega uma ameaça que assusta por seu poderio.
Como comentado anteriormente, o trabalho de Witt passa despercebido. Não temos grande conexão com a personagem de Alice ou de Jill, ou de qualquer outro ator fugindo das hordas de zumbis. O estilo de câmera parada que é comum aos games e Paul Anderson deixou presente no primeiro filme é abandonado para um estilo mais próximo de ação, com câmeras um pouco mais próximas e vários e vários sustos na montagem. A maquiagem faz um trabalho decente, com zumbis mais críveis e machucados mais bem elaborados. O aumento do valor de produção novamente é perceptível.
A ação do filme apresenta cenas que beiram o ridículo, com saltos e pulos e motos voadoras e câmeras lentas de dar inveja em Velozes e Furiosos. Ainda assim, consegue ser melhor que o primeiro. As cenas possuem bastante cortes rápidos, mas são mais rápidas e melhores produzidas de modo geral. Existe mais ação de fato, pois Alice, a personagem principal, agora se descobre portadora de uma versão do T-Vírus que lhe dá alguns poderes sobre-humanos. Ao invés da moça em perigo, Alice agora age mais como heroína, enfrentando zumbis com punhos, facas, armas e piruetas.
Como a maior parte do filme se passa pelas cidades e pelas diferentes locações que uma cidade permite, os figurinos são mais interessantes. Ao invés de pessoas com jalecos brancos em todo momento, agora encontramos uma diversidade maior de zumbis, inimigos e civis. Até crianças aparecem agora contaminadas, dando um tom mais pesado para o horror da infestação.
De modo geral, Resident Evil: Apocalypse é uma entrada superior à franquia até então. Com melhores cenas de ação e um elenco que entrega diferencial, os problemas de roteiro são mais fáceis de se superar. No entanto, com o excesso de auto seriedade na busca por se tornar um sci-fi inteligente, Resident Evil se perde. Talvez comprometer um pouco da seriedade e incrementar a diversão seria uma decisão um pouco mais acertada.
Crítica | Beleza Oculta
Partir de uma premissa pertencente à uma literatura tão nociva quanto a de auto-ajuda é receita certa para um filme descartável. A menos que as intenções sejam de subverter essa lógica comercial e irreal e expor as angústias humanas de maneira criativa. Beleza Oculta, no entanto, não chega nem perto de receber essa classificação. Beleza Oculta não guarda nenhuma beleza, senão a do sonho mais alienado, que leva a sério os clichês da publicidade, suas imagens vazias, seu melodrama desalmado. O filme serviria mais se estivesse escondido da humanidade. Note que as ironias que acabo de traçar com o termo no título é exclusividade brasileira, visto que o nome original é Collateral Beauty (beleza colateral) – desígnio que, mesmo brega, liga-se de maneira bem clara com a ideia do filme de incitar uma reflexão íntima partindo de paralelismos.
Na primeira cena do filme, Howard (Will Smith) é um figurão na sua agência de publicidade, dá discursos motivadores para os funcionários, um exemplo de sucesso. Ele faz aquele clássico discurso que mistura piadinhas e mensagens “sérias”, e cita pela primeira vez o trio Amor, Tempo e Morte, como características inerentes à vida humana. Na cena seguinte, um bom tempo se passou, e Howard está mudado. Após a morte da filha, nunca mais foi o mesmo. Agora vive como um zumbi, não abre a boca, vai para a agência, monta castelinhos de dominó por dias e depois os derruba. É só um cadáver ambulante. E a empresa está perdendo clientes pela inação da personagem.
Incomodados com a situação do colega, um trio de colegas – Whit (Edward Norton), Claire (Kate Winslet) e Simon (Michael Peña) – contrata uma detetive particular para entender o cotidiano de Howard. Descobrem que ele envia regularmente cartas para o Amor, o Tempo e a Morte, como uma criança que escreve ao Papai Noel. Só que uma criança deprimida e perdida em um pesadelo da qual não consegue despertar: da própria superficialidade ignorante do universo propagandístico.
Qual não é a ideia “brilhante” desse trio de colegas, senão de, baseados em um antigo comercial de calmantes feito por um deles, de materializar, com atores, as entidades com que Howard tenta conversar. A ideia é fazer com que ele pense que só ele é capaz de ver essas entidades, que materializaram-se na dimensão humana apenas para falar com ele. E, como a regra de três precisa ser amarrada, obviamente cada um dos colegas de Howard se liga a cada uma dessas características de maneira óbvia. Algumas cenas, por exemplo, são tão ridículas em indicar esses paralelismos que parecem deslocadas, inconclusivas em si mesmas. Beleza Oculta trabalha suas ideias no ritmo de um slideshow publicitário estendido ad nauseam.
Num primeiro momento, pode-se encontrar nas intenções desses colegas algum pedaço de fraternidade, misturada, em menor escala, com interesse profissional. Afinal, a depressão de Howard está afetando o desenvolvimento da empresa. Porém, quando Brigitte (Helen Mirren), Amy (Keira Knightley) e Raffi (Jacob Latimore) vão interpretar seus papéis respectivos, as palavras de alento são só grandes clichês que tangenciam o tema da perda, do ciclo depressivo.
Na primeira tentativa, a personagem rejeita os conselhos das entidades, apesar de crer no aspecto alucinógeno dos encontros. Não satisfeitos com os resultados, o trio insiste nessa ideia de alimentar alguém destruído pelo sonho com mais sonho, com mais ilusão, até finalmente convencer o indivíduo de sua loucura. Porque a atividade não revela nada de terapêutico. Só consegue provar a si mesmo e para os seus espectadores que a depressão (apesar do estado de Howard nunca ser definido por essa palavra, mas no sentido de abarcar todas as dores do protagonista) pode ser curada ao, de tanto entupir uma mente de mensagens estúpidas, convencer no poder das atitudes e dos sonhos. Logo, nada que o cinema americano não faça todos os dias, seja em filmes de robôs gigantes, ou em histórias de superação. Só que Beleza Oculta é evidente e descarado demais até para se esconder sob a carapuça de um subtexto. Prefere antever o concreto (oh!, l’argent!) ao inflar o cartaz com celebridades bem firmadas no gosto popular.
Um típico longa onde ativa-se o piloto automático em todos os aspectos, com um diretor e roteirista que só fizeram isso por toda a carreira, e não possuem um pingo de criatividade, e nem os autoristas defensores de Paul W. S. Anderson, ou dos irmãos Farrelly são capazes de enxergar méritos cinematográficos. Cabe deixar de identificar nas telonas esse tipo de pesadelo como sonho molhado de lágrimas e de esperança.
Crítica | Quatro Vidas de Um Cachorro
Quatro Vidas de um Cachorro é uma dessas produções que acabam tornando-se controvertidas antes mesmo de sua estreia por motivos que, em geral, não são especificamente cinematográficos. No caso do filme dirigido por Lasse Hallström, o que permanecerá por um certo tempo na memória não será exatamente a obra, mas possivelmente o infame vídeo das filmagens, no qual a equipe tenta obrigar um dos cães-atores a mergulhar numa piscina assustadora - evidentemente contra sua vontade.
Se o mundo fosse um interminável cenário de “La La Land”, onde jovens brancos e lindos sapateiam em engarrafamentos enquanto confrontam o terrível de dilema entre se tornar ou não uma celebridade milionária, provavelmente “Quatro Vidas…” seria o entretenimento familiar perfeito: é bem produzido, bem fotografado, a direção não perde tempo ofuscando as verdadeiras estrelas (de quatro patas), a metragem é precisa, há um delicado balanço entre risos e lágrimas.
Ocorre, no entanto, que não estamos num musical vintage de Hollywood. Então confrontemos a realidade antes de retornar ao filme.
Uma das maneiras possíveis de percorrer a História do Cinema é através da evolução do tratamento conferido a atores não humanos que, para proporcionar o resultado desejado pela produção nas telas, foram inumeráveis vezes submetidos a condições hostis - quando não perversas -, expondo uma face da indústria arrebatada por cinismo. Tão duvidoso quanto fingir que tal realidade não existe é supor que os abusos tenham tido início com “Quatro Vidas…” ou que a baixeza moral de colocar seres sencientes a serviço do entretenimento lançando mão de violência é exclusividade da “frieza capitalista” de Hollywood. Ou alguém se ilude imaginando que a galinha está se divertindo na perseguição que dá início ao brasileiro “Cidade de Deus”?
Embora no início do cinemão mais comercial e em gêneros clássicos como o faroeste (onde cavalos que pareciam estar se jogando de penhascos estavam, efetivamente, sendo jogados) os abusos tenham se tornado mais reconhecidos e incômodos ao longo do tempo, é difícil ignorar que figurões do “cinema de arte” como JL.Godard (em “Week-end à Francesa”). F.F.Coppola (em “Apocalipse Now”), A.Tarkovsky (em “Andrei Rublev“), Luís Buñuel (em “Terra sem pão”), M. Haneke (em aborrecida recorrência). Lars Von Trier (em “Manderlay”) e P. Almodóvar (no repugnante episódio de “Fale com Ela”) tenham se deparado, mais cedo ou mais tarde, com o conflito ético envolvido no assunto, sem aparentemente terem cortado suas tomadas até que a vaidade autoral houvesse sido satisfeita.
Mais recentemente, fato este potencializado pelo dinamismo da troca de informações em redes sociais, superproduções como “Cavalo de Guerra”, “Hobbit” e “Speed Racer” também foram flagrados em circunstâncias não exatamente auspiciosas pelo tratamento dado aos atores não humanos, obrigando a indústria e a audiência a mais uma vez confrontar-se com a pergunta incômoda: é correto submeter animais a constrangimento, cansaço ou simplesmente violência com o objetivo de divertir as pessoas e ganhar dinheiro com isso?
Sabe-se que o conflito tornou-se uma questão social mais ampla quando, durante as filmagens do opulento e fracassado “Portal do Paraíso”, de Michael Cimino, acidentes recorrentes levaram à morte de muitos cavalos (novamente, os pobrezinhos), acirrando o processo que desencadearia na obrigatoriedade de monitoramento dos animais em sets de filmagem, a qual supostamente deveria inibir os abusos na indústria norte-americana - o que evidentemente revelou-se fraudulento ou inócuo em casos como o de “Quatro Vidas de um Cachorro”, onde a indignidade talvez seja amplificada pelo fato de que o filme busca entre os aficionados por cães o retorno de seu investimento.
Embora o vídeo vazado das filmagens torne clara a constatação de que, possivelmente, conseguir excelência de resultados usando atores não humanos em grandes produções envolva, por si só, submeter tais animais a um estresse semelhante ao dos outros profissionais - pelo qual eles, contudo, não puderam optar - há ainda uma outra espécie de revelação que ajuda a formar um juízo mais razoável a respeito da produção e da Hollywood atual.
O vídeo deixa claro, da mesma forma que o cachorro não está feliz em ser submetido à uma situação perigosa à força, que é ingenuidade acreditar no “diretor” como maestro rigoroso dos filmes produzidos em escala industrial, em sets de produção fragmentados e paralelos - portanto, é tolice quando alguém imagina que o diretor possa estar diretamente envolvido nas inumeráveis decisões tomadas o tempo todo nos meandros do complexo processo de produção cinematográfica (especialmente quando falamos de filmes que concentram dezenas de milhões de dólares e estão seriamente condicionados a cronogramas rigorosos, em cujos eventuais atrasos podem residir prejuízos também milionários).
“Eu não estava presente”, dirá Hallström - ele mesmo, longe de ser um neófito na indústria -, pretendendo não ser responsabilizado (o que é ridículo, visto que ele dificilmente usaria a mesma alegação para recusar uma premiação, para ficar no exemplo mais banal). O treinador do cachorro, por sua vez, é flagrado durante o vídeo vazado passando carinhosamente a mão na cabecinha confusa do bicho - ele também não é o culpado. Quem leva a culpa, então, se é impensável sequer imaginar uma cultura de “bem-estar animal” fora dos limites do capitalismo? (Sendo tal cultura decorrência direta do excedente de riqueza, uma vez que animal nenhum tem expectativa a qualquer “direito” numa sociedade primitiva ou onde as pessoas morrem de fome - vide os casos recentes da Venezuela e da Síria, onde cachorros convertem-se de companhias em refeições porque as pessoas estão famintas).
Se há alguma lição que todos podemos tirar do episódio é que “filmar a qualquer preço” tem, sim, um preço bem alto: no caso deste filme, talvez seja uma perda significativa do investimento porque nenhum homem foi capaz de perceber - durante a filmagem - que a suposta economia de forçar aquele cão, naquele momento, a fazer algo que ele não queria, para não atrasar o cronograma, por exemplo, seria uma indignidade muito cara a ser cobrada, mais tarde - especialmente quando os sets de filmagens estão repletos de câmeras (vejam só!) e, eventualmente, celulares por todos os lados.
Mas e o filme, o que dizer dele? Mais uma vez, é preciso salientar que o realismo (uma opção dos produtores) cobra seu preço. Enquanto o resultado de ter uma composição bem mais natural e orgânica na tela (os cachorrinhos estão lá, e são irresistíveis) posiciona o filme muito acima de boa parte das produções atuais (e mesmo as mais caras), tão mal resolvidas na tela do computador (porque falta disposição e coragem para resolver na hora de filmar), aqui podíamos muito bem ter animais computadorizados que talvez poupassem estresse e polêmica - mas aí não seria a vez de a “crítica” reclamar do artificialismo das cenas?
Inspirado no livro do cronista W. Bruce Cameron, “Quatro Vidas…” acompanha as peripécias de um cão (ou de sua alma, talvez) por sucessivas reencarnações em busca do reencontro com seu dono original. O enredo não problematiza algumas questões (como por exemplo onde estava a alma do cãozinho antes da primeira vinda ao mundo), mas resolve muito bem todas as outras às quais se propõe. Como não poderia deixar de ser numa produção como esta, o palco está todo armado para que os animais trabalhem (com todas as implicações disso, como se viu). Então, os atores humanos têm peso secundário, o que apenas reforça a proposta do filme e a torna mais bem-sucedida na execução.
Se você gostou de filmes como “Lembranças de Outra Vida” e “Marley & eu” (com os quais esta produção guarda notáveis semelhanças), irá inevitavelmente encantar-se com “Quatro Vidas de um Cachorro” - que é possivelmente um filme ainda mais atraente que ambos. Mas se recomenda não esquecer que a indústria do cinema (com seus inumeráveis sabichões) costuma ser péssima conselheira (em política, em economia, em conflitos internacionais) se não conseguiu resolver sequer o conflito a respeito de como tratar animais em sets de filmagem, atingindo ainda assim o realismo e o coração do público - sem, contudo, impor a quem não tem poderosos advogados ou agentes um sofrimento desnecessário e que nada tem de “cinematográfico”.
Crítica | A Morte de Luís XIV
Quando se fala em Luís XIV, a primeira imagem que vem à mente é o retrato feito por Rigaud. Nele, o Rei Sol, que hoje pode parecer afeminado, era no século XVIII – com a sua meia-calça, os sapatos de salto de alto, a pose de bailarina e a negra peruca longa – um símbolo da masculinidade. A pintura imortalizou sua expansividade e o luxo das cortes francesas. O Luís XIV de Jean-Pierre Léaud choca pela decadência: um rei barrigudo, a peruca branca despenteada, a face com a maquiagem não para ressaltar a juventude, mas esconder a velhice. As pernas entrelaçadas, antes signos de pompa, agora descansam esticadas sobre a cama, gangrenadas. São duas imagens diferentes que trazem o ponto culminante do absolutismo, do monarca sobre-erguido e rodeado pela grande sociedade, pinçada segundo seu nível social. É essa morte, fruto de uma ascensão e ponto de derrocada, que interessa a Albert Serra.
As fontes desse e do seu filme anterior (História da Minha Morte, de 2013) guardam uma semelhança para além do título. São ambas histórias inspiradas em relatos memoriais. Nos seus dois primeiros filmes, o cineasta catalão optou por registrar à sua maneira personagens da literatura mundial (Don Quixote e Sancho Pança em Honra de Cavaleiro; e os três reis magos e a sagrada família em O Canto dos Pássaros). Já no longa de 2013, Serra uniu Conde Drácula e Casanova, pensando no personagem histórico a partir do seu Histoire de ma vie. Seu interesse por diários e memórias ressurge de forma ainda mais pura em A Morte de Luís XIV, com roteiro baseado, principalmente, nas Mémoires do duque de Saint-Simon.
A câmera de Serra tem uma preocupação especial em ambientes externos de observar o horizonte, e de como a imensidão do céu e da terra relacionam-se com os atores em cena. Os excessos do contraste foram reduzidos em História da Minha Morte, em que planos externos ganharam tanto destaque quanto os internos. Sendo assim, A Morte de Luís XIV surge como um ensaio que aposta plenamente na tensão em quatro paredes, numa busca pelo íntimo. Literalmente, porque, à parte de dois planos que mostram o mundo exterior, o filme se passa todo no quarto do rei moribundo. Um rei que mesmo apagado esteticamente, ainda é um Sol político, motor da superficial vivência da corte. Um retrato do rei jovem está pendurado numa das paredes do quarto, como um passado constantemente associado ao presente.
Na maioria do tempo, os médicos rodeiam o doente, procurando mil e uma soluções para salvar o monarca. Albert Serra, apesar do peso do lusco-fusco de suas imagens, carrega uma chave humorística sutil e fina, outrora bem manifestada nos três reis/patetas de O Canto dos Pássaros. Umas das primeiras cenas, em que Luís XIV está na cama enquanto algumas cortesãs requisitam sua companhia, é hilária. Assim como a cena em que o rei pede água numa taça de cristal. Os planos extensos, que contribuem para a contextualização e imersão na época, servem, sobretudo, como dispositivo deste alívio. São momentos raros e distantes na narrativa. O aspecto bonachão divide espaço com um tom cordial, presente nas pontas da Madame de Maintenon.
Mas, mesmo com boas ideias e uma concepção visual competente – lançando mão, mais uma vez, do baixo contraste luminoso, mas com cores fortes, destacando o rubro e o negro dos cenários contra a palidez das faces –, Albert Serra ainda não surpreende o bastante para entrar figurar em um escalão de grandes talentos. Junto com O Canto dos Pássaros, A Morte de Luís XIV é um dos melhores trabalhos do diretor. A contemplação faz mais sentido do que as sequências estéreis de História da Minha Morte, além dos acontecimentos ganharem real destaque.
Apesar de poucas ações, a presença de Jean-Pierre Léaud, pelo seu talento como ator e, sobretudo, por ser um grande ícone da Nouvelle Vague, magnetiza a projeção. Porque o que Serra costuma fazer é justamente inserir elipses a esmo, procurando poesia em momentos ociosos. Aqui o tempo ganha importância perante a impotência, a imobilidade do rei, seu embalsamamento. Como é tradição nos filmes do diretor, e de alguns outros colegas, como Lisandro Alonso, a música é empregada de forma minimalista, com apenas um único momento em que o som não-diegético explode em um tableaux para adquirir traços transcendentais.
Enfim, apesar do constante romantismo, os caminhos de Serra continuam óbvios e confiantes demais em si mesmos. A reverência se confunde com o ego do cineasta e de seus métodos, postos a prova só superficialmente. Não basta uma presença marcante conjugada analogicamente a um importante personagem histórico e uma mensagem irônica nos minutos finais para construir uma afirmação/indagação contundente sobre o cinema. Um público acostumado a esse tipo de cinema, que preza pela busca de outras funções para o meio cinematográfico, não tem dificuldade em antever os passos do diretor. Como um adolescente convicto de ter achado a sua fórmula artística particular, Albert Serra esquece da inocência que qualifica os grandes cineastas. E esquece que a distância entre o formulaico e o maquinal pode ser muito curta.
Crítica | Resident Evil: O Hóspede Maldito
Em 2002 o mundo dos cinemas abriu as portas para uma oportunidade diferente. Alguns filmes de quadrinhos começavam a sair, como X-Men e Homem-Aranha, e Hollywood procurava uma nova fonte de onde beber ideias. Eis que surgem os games. Uma fonte quase inesgotável de material base para construção de blockbusters e franquias, com base de fãs pronta para aquecer a bilheteria. Adaptar Resident Evil para o cinema era, portanto, irresistível. Não só para os estúdios, mas para os fãs também. Quem não gostaria de ver seus personagens favoritos sendo interpretados em live-action?
Olhando para a proposta inicial, é difícil não rilhar os dentes em desgosto com o resultado. Em 1999, Sony e Capcom chamaram ninguém mais ninguém menos que George A. Romero, o pai dos apocalipses zumbis com influência presente no gênero de terror até hoje. Romero seria responsável pelo roteiro e pela direção da adaptação. Para a alegria dos fãs, Romero pediu ao seu secretário que jogasse e gravasse o primeiro Resident Evil, para que ele pudesse usar como recurso na criação do script. Os personagens famosos e queridos da saga estavam todos presentes e o final seria similar ao melhor final possível do jogo (você pode conferi-lo aqui).
No entanto, senhoras e senhores, vivemos em um mundo triste. O roteiro de Romero foi recusado e o desenvolvimento do filme foi suspenso. Ao fim de 2000, Sony chama Paul W.S. Anderson (um nome que os fãs da saga e do cinema aprenderiam a odiar) para dirigir e roteirizar o que viria a ser o primeiro de uma série esquecível de filmes desnecessários: Resident Evil: O Hóspede Maldito.
Início
A história começa com a liberação de um vírus na Hive, uma instalação subterrânea da Umbrella Corporation. Esta corporação é uma espécie de empresa farmacêutica e tecnológica gigantesca dentro do mundo de Resident Evil. Com este vírus dispersado, a Rainha Vermelha, a inteligência artificial que administra o complexo, mata todos os funcionários que ainda estavam dentro da propriedade. Como resultado da carnificina, uma equipe de elite é chamada para desativar o sistema tornado homicida.
A entrada da unidade de elite acontece enquanto estamos conhecendo Alice, a personagem principal interpretada por Milla Jovovich. Alice acorda no chuveiro de sua mansão sem memória alguma, deixando um ar de mistério pairando sobre o ar nos momentos em que caminha pela casa. Esses momentos iniciais com os ângulos distantes dos cômodos, cenas estáticas com somente a personagem se movimentando e parando para observar de perto algum objeto são trazidas direto dos games. O clima de suspense é forte e bem colocado. Uma pena que não dura quase nem cinco minutos. A chegada dos comandos com vários personagens irritantes e desnecessários encerra o silêncio e nos coloca dentro de um clima mais leve, com mais ação do que suspense.
"Trama"
Falar sobre a trama de O Hóspede Maldito é uma tarefa complexa. Com um roteiro furado e cheio de problemas, eu não posso acreditar que uma pessoa sozinha escreveu. Não porque é difícil de entender ou profundo mas porque ele é absolutamente uma confusão. A impressão que temos é que cada página do roteiro foi criada por uma pessoa diferente, tentando levar a trama para algum lugar que nunca alcança. Por vários momentos ao longo da fita eu me peguei questionando as decisões dos personagens e o que eles estavam fazendo. Não estava sozinho, eles também não sabem o que fazem.
Peguemos por exemplo o mote principal: desativar a Rainha Vermelha. Antes de entrar na base, a equipe tática coloca um aparelho com um timer, que mais tarde nos é revelado que selará todas as saídas da Hive, por segurança. Ora, se o objetivo era trancar o edifício, porque desativar a inteligência artificial totalmente perigosa dentro de uma construção contaminada por um vírus? E se o objetivo da companhia era fechar o prédio para que ninguém mais saísse, porque desativar o programa que estava justamente fazendo isso?
Se a missão fosse uma missão de resgate, com algum grupo dentro da base enviando um sinal de socorro, daria para entender a necessidade. Mas não, a missão do grupo é descer e desativar a Rainha Vermelha. E um parênteses aqui, que CGI fraco que usaram pra essa menina. Eu posso entender que o filme de 2002 têm suas limitações em computação gráfica, mas isso não impede utilização de efeitos práticos. Para comparativo, as conversas por holograma com Palpatine em Star Wars: O Império Contra-Ataca são muito mais convincentes. Tendo dito isso, a homenagem feita ao HAL 9000 de 2001: Uma Odisseia no Espaço é bem vinda. Fim do parênteses.
De Paul W.S. Anderson, no entanto, não se pode exigir muito. Por sinal, explicações são uma das muitas coisas que o filme não oferece. Personagens se movimentam dentro da base, se perdem, se encontram de novo, se separam... A Hive, que nos é apresentada como uma estrutura gigantesca em forma de colmeia que abriga centenas de funcionários parecem mais duas salas conectadas por um corredor onde todos podem andar para onde quiserem que em poucos minutos acabam se esbarrando de novo. A quantidade de vezes que personagens somem e reaparecem como se tivessem ido no banheiro é absurda.
Sem falar que para uma construção com tantos funcionários, a quantidade de zumbis que surgem é mínima e sempre aquém do potencial. Com problemas de não terem pessoas o suficiente, alguns produtores e namoradas da equipe tiveram que fazer pontas como zumbis. Quem me dera fizessem ponta como atores.
Atuações
Tirando James Purefoy, o resto do elenco é tão necessário quanto um pote de areia na praia. Milla Jovovich repete seu papel de O Quinto Elemento usando agora palavras e um pouco menos perturbada. Eric Malbius está completamente perdido dentro do filme como o policial que foi investigar o vírus. Sua presença em câmera e atuação me fazem pensar mais que estou vendo um péssimo pornô do que uma adaptação de Resident Evil. Michelle Rodriguez atua como Vin Diesel, seu parceiro do então recém lançado Velozes e Furiosos, repetindo frases prontas e de efeito em praticamente toda linha de diálogo, sem nunca perder seu olhar de quem acabou de ser possuída pelo Satanás.
Sua personagem deve ser de longe a mais irritante de todas. Além de ser uma tremenda incompetente que se deixa morder não uma, não duas, mas quatro vezes ao longo da película (sendo que TRÊS vezes são no mesmo braço!) ainda age de forma rude com todos de sua equipe e parece não se importar em ver todo o pelotão morrendo. Foi com total surpresa que eu recebi sua reação ao mostrar tristeza absurda com a morte de um colega em específico. Talvez tenha sido a minha maior surpresa ao longo dos extenuantes 100 minutos (deveriam ser zero) da obra. Outra surpresa é o vírus que se espalha com a já comentada mordida. Mesmo após ser mordida por quase todos os zumbis dentro do edifício, é só no final do filme que a sua personagem se transforma. Outros de seu grupo não tiveram a mesma sorte, se transformando pouco tempo depois da primeira mordida.
Por fim
Se existe algo nesse filme que merece um comentário que não seja derrogativo é a câmera. Temos belas montagens que relembram o suspense do jogo e que criam certa inquietação no espectador. A ação não é muito frisada, portanto a câmera acompanha as lutas contra hordas de forma mais direta e próxima, sem cortes rápidos para golpes ou lutas exageradas. As poucas vezes em que o faz com foco na ação, faz de forma competente.
As cores são sempre frias e azuladas, com exceção de Alice que usa um vestido vermelho o filme todo. Talvez ajude na locomoção?
A virada final lembra muito os finais de filmes de ficção científica dos anos 70 e 80, onde descobrimos que a vilanesca corporação está por trás de tudo. Infelizmente, só o final nos lembra ficção científica.
Resident Evil: O Hóspede Maldito não funciona como uma adaptação de games, não funciona como filme de ação, como filme de ficção científica ou como terror. Além de trote ou como castigo, não recomendo este filme a ninguém. Ler o script recusado de Romero pela internet ou assistir um gameplay dos primeiros jogos da série é uma atividade muito mais agradável e menos frustrante do que jogar no lixo desperdiçar 100 minutos de sua vida com esta película.
Crítica | xXx: Reativado
Com o amadurecimento, vem uma noção melhor de abordar certas situações. Bom, geralmente é o ideal que isso ocorra. Por exemplo, se eu tivesse visto xXx: Reativado com meus quinze anos, teria detestado e achado tudo que vi um absurdo. É notório que alguns filmes não se levam a sério. Então, por que raios eu teria de levá-los também?
O retorno de Vin Diesel para a franquia que ninguém clamava por um terceiro filme é um desses casos: um filme tão ruim que até fica bom se não exigirmos absolutamente nada. Filmão Tela Quente bem boboca para tirar as mágoas ocasionadas por uma segunda-feira entediante e cheia de trabalho.
Após o agente Gibbons morrer ao ser atingido por um satélite enquanto recrutava Neymar Jr. para ingressar na iniciativa Triplo X, a CIA convoca uma reunião emergencial para definir o que fazer com um dispositivo chamado Caixa de Pandora que é capaz de trazer todos os satélites que orbitam a Terra de volta ao planeta transformando os equipamentos espaciais em armas de destruição em massa.
Nessa mesma reunião, um grupo de mercenários liderados por Xiang (Donnie Yen, sempre muito dedicado) rouba o dispositivo das mãos da diretora-geral da CIA, Jane Marke. Temendo pelo, Marke corre atrás do único homem capaz de resolver o serviço rapidamente: Xander Cage, o desaparecido e melhor agente da história do Triplo X.
Roger Moore regado a viagra
Pois é, o subtítulo deixará claro como é o roteiro bastante absurdo de F. Scott Frazier. O roteirista basicamente traz um remedo de histórias melhores de espionagens, muito embora o predomínio da comédia seja escrachada tentando mimetizar o espírito das aventuras de 007 enquanto protagonizado por Roger Moore.
Quem assistiu aos filmes da fase Moore lembram bem do cômico e do apetite sexual voraz de James Bond. Aqui, a sutileza britânica é deixada completamente de lado, afinal xXx é ação, testosterona, suor, adrenalina e tiroteios intensos. Como Cage e nenhum personagem tem alguma personalidade além da competência carismática dos atores, chamarei seu personagem de Vin Diesel, afinal, o filme parece ter sido criado para o ator se divertir à beça.
Frazier então faz com que a longa reapresentação do personagem seja calcada em ações. Os únicos diálogos possíveis comentam sobre como Vin Diesel é sarado e excepcional – depois disso, ele dorme com muitas mulheres antes de partir para a ação. Aliás, Diesel aqui é tratado como uma divindade, pois todo o elenco feminino não consegue resistir a seu toque. É tosco, com certeza, mas há quem se divirta, já que nem as cenas levam essas coisas à sério.
Depois de abusar de conveniências para encontrar o paradeiro dos vilões, novamente temos mais introduções de personagens caricatos que ajudarão Diesel terminar sua missão. Mas como disse, este triplo X é basicamente uma paródia de filmes de ação mais sérios e melhores como Skyfall e M.I.: Nação Secreta. Muitas das características das reviravoltas são retiradas justamente desses dois filmes tão recentes. Então é óbvio que você já cansou de ver essa mesma história antes. Até mesmo temos personagens semelhantes mimetizando M e Q.
Aliás, essa versão de Q disfarçada de Becky Clearidge (Nina Dobrev mostrando muito entusiasmo com as cenas de ação mais chatas), é o grande alívio cômico do filme. A agente é tem diversos toques característicos do inspetor Clouseau, de A Pantera Cor de Rosa, se livrando de capangas dos modos mais ridículos possíveis. Os outros personagens são pálidos demais para marcar qualquer presença, mas nenhum deles supera o DJ "pegador" tosqueira que acompanha o grupo.
Ao menos, as influências externas são boas e mantém o ritmo do filme, mesmo que ele seja estupidamente previsível e bocó. O lado antagonista também brilha pouco com desenvolvimento nulo. Não há motivação alguma para atentar contra à humanidade, além de motiva Vin Diesel a sair da aposentadoria.
Realmente não muito o que falar aqui. O roteiro deve ter menos de sessenta páginas, pois temos um fiapo de história regada a muitas frases de efeito ruins, muita exposição para que entendamos a história – acredite, é algo simples que se torna confuso pela completa inaptidão do texto – e péssimos diálogos que dão a impressão de ter sido escritos por um moleque ainda na pré-adolescência, além de toda a narrativa ser movida por um mcguffin de péssima qualidade.
zZz
Mas então o que salva em xXx: Reativado? Felizmente, D.J. Caruso consegue tornar a aventura divertida, pois como disse, o filme tem ritmo, embora se alongue demais para acabar enfiando diversas referências aos longas anteriores. A direção é sim melhor que o texto porco do filme, mas não por uma longa margem.
Caruso apenas consegue trazer uma decupagem bem diversificada aliada a um visual saturado com direito a diversos cenários exóticos. Como esperado, o filme está se lixando para as leis da física então não espere nada que tenha algum nexo realista. É um filme de espionagem escrachado a la seriados dos anos 1960 e da tentativa de revitalizar esse tipo de gênero exploitation nos anos 2000. Para ter uma ideia do quão absurdas são as cenas de ação, a do clímax consegue superar todas as loucuras apresentadas até então.
Nela, vemos Vin Diesel (canastrão como sempre) e Donnie Yen lutando contra alguns agentes dentro de avião de carga em plena queda livre. Detalhe: essa luta ocorre totalmente em gravidade zero. Não faz sentido algum, mas é tão idiota que diverte. E como filme de ação, xXx cumpre muito bem o que promete.
As peças podem não ser grandiosas, mas são mais inventivas do que a maioria dos outros filmes do gênero. Duas perseguições se destacam: uma com uma moto ski nas praias de uma ilha não mapeada e outra em uma grande rodovia. Tirando isso, há alguns flertes com 007 em um tiroteio contra uma milícia russa. Já o tiroteio final que acompanha os comparsas de Diesel é bastante sem graça.
Caruso também peca pelo excesso de tantos planos condensados na montagem frenética. O estímulo visual e tão intenso que o pisca-pisca da tela é similar ao efeito de termos o cérebro derretido aos poucos – algo conveniente para gostar desse filmão aqui. A ação, embora seja interessante, muitas vezes é prejudicada por conta de tantos cortes rápidos nas lutas. A cada soco ou empurrão dado, há um corte. Isso quando algum chinês acrobata realiza peripécias mutiladas pela edição, tirando a graça da coreografia.
O diretor mantém a encenação simples, afinal é um filme simples. Porém é de se valorizar o cuidado do desenho de produção com cenários que, mesmo prejudicados, conseguem transmitir a euforia dessa diegese com competência. A intensa sexualização que Caruso utiliza na câmera ao enquadrar as muitas mulheres voluptuosas é capaz de incomodar algumas pessoas. É linguagem publicitária de altas luzes com direito a muito slow motion para provocar desejo e sedução no espectador seja com poses “poderosas” nos tiroteios - sempre nas mulheres com os instrumentos fálicos nas mãos (facas, pistolas, rifles de precisão), no rebolado das garotas ou com os músculos protuberantes do herói.
Na verdade, é justamente o começo do longa que marca os piores momentos do filme. A conversa de Neymar com Samuel L. Jackson continua bizarra já que os dois não gravaram no mesmo local. A narrativa também não colabora em fazer sentido ali. Com tantos clichês e besteiras, o melhor mesmo é deixar a história desse longa bem afastada e não ficar pensando sobre ela.
Eu não sou herói. Sou crítico de cinema
Basicamente, xXx: Reativado é uma jornada alucinante e descerebrada regada à testosterona e adrenalina. É estúpido, mas divertido. É clichê, mas entretém bastante. Cabe apenas ao espectador já estar preparado para consumir algo que já conhece. Se é fã da franquia ou dos filmes com Vin Diesel desse tipo, é praticamente certo que vai encontrar lazer ao assistir um filme tão, mas tão bizarro que consegue transformar sua breguice na melhor qualidade.
xXx: Reativado (xXx: The Return of Xander Cage, 2017 - EUA)
Direção: D.J. Caruso
Roteiro: F. Scott Frazier
Elenco: Vin Diesel, Donnie Yen, Deepika Padukone, Kris Wu, Ruby Rose, Tony Jaa, Nina Dobrev, Rory McCann, Toni Collette, Samuel L. Jackson, Neymar
Gênero: Ação
Duração: 107 min.