Crítica | Santa Clarita Diet: 3ª Temporada - Uma Dramédia Suburbana
Santa Clarita Diet não teve um dos começos mais promissores do extenso catálogo original da Netflix. Sua proposta original por vezes cedeu a um excessivo gore em detrimento de uma narrativa convincente e um pano de fundo que ousasse desconstruir o gênero zumbi. Claro, não podemos tirar mérito de Victor Fresco de humanizar um personagem que, normalmente, é visto como inimigo – e dar ênfase para suas claras referências a obras como Todo Mundo Quase Morto. Tal qual foi nossa surpresa quando a série foi renovada e nos entregou uma deliciosa e hilária segunda temporada – carregada por um elenco incrível e um roteiro propositalmente autoexplicativo e sarcástico com diversos temas. E, continuando em uma onda de melhorias, o terceiro ano conseguiu renovar a si mesmo e transformar uma comédia pastelão em uma dramédia familiar nem um pouco convencional.
Sheila (Drew Barrymore) e Joel (Timothy Olyphant) já perceberam há muito tempo que suas suburbanas vidas em Santa Clarita jamais voltarão ao normal. Afinal, depois da inesperada transformação de Sheila, ambos entraram em uma jornada “espiritual” para livrar o mundo de pessoas horríveis – lê-se aqui: nazistas, racistas e preconceituosos – e, ao mesmo tempo, alimentar a morta-viva. O que eles não esperavam é que esse novo cosmos não é recheado apenas de preocupações interiores, mas também de complexos obstáculos, que já dão as caras no prólogo do primeiro episódio (um grupo de cientistas russos que deseja estudar os “zumbis conscientes” para fins mercadológicos). E, como se isso não bastasse, a família Hammond também lida com a ameaça iminente de uma seita conhecida por Cavaleiros da Sérvia, cuja missão é exterminar essas mortais criaturas.
A princípio, Fresco teria um prato cheio para realizar seus experimentalismos cênicos e narrativos – mas ele não se contenta com apenas a arquitrama épica em questão. Além disso, o criador adiciona um tempero religioso materializado no pequeno culto que Anne (Natalie Moraes) cria após presenciar as habilidades divinas que Deus concedeu a Sheila – e que ameaça expor sua condição ao restante do mundo, atraindo olhares indesejados e que podem colocar um fim à sua imortal vida. E é claro que ele também não se esqueceria das aventuras inesperadas de Abby (Liv Hewson) e Eric (Skyler Gisondo), que devem continuar lidando não apenas com a manutenção do segredo da família, mas fugir de investigações criminais que os ligam diretamente à explosão da usina de energia da cidade.
Sim, tudo parece muito confuso. É provável que, no momento em que o público tenha tomado ciência das múltiplas tramas que se aglutinam nesse novo ano, seja tarde demais. Entretanto, diferente do que podemos imaginar, Fresco faz um ótimo uso de tudo a que nos apresenta, arquitetando ótimos arcos, finalizando-os em conclusões aprazíveis e abrindo margem para uma próxima temporada que, levando em consideração o chocante cliffhanger, tem muito a nos entregar. Mas mais interessante que tudo talvez seja o modo como a competente equipe criativa do show canalizou seus esforços para unir o melhor da comédia e do gore em um único espaço, revitalizando sua própria carga identitária.
Ao longo de dez breves episódios, o universo de Santa Clarita se expande progressivamente e passa a englobar personagens que até então foram ofuscados pelo brilho e pela química que Barrymore e Olyphant carregavam. É claro que o duo não deixa de nos envolver com uma relação tão pura e natural que consegue perpassar pelos obstáculos mais enigmáticos de todos, mas o casal de adolescentes também alcança um protagonismo considerável conforme passam a cultivar novos sentimentos. A amizade improvável eventualmente os aproximou de modo intenso, abrindo uma brecha para um possível romance que pode ou não dar certo: por um lado, melhores amigos que se apaixonam esbarra com força no convencionalismo melodramático das séries televisivas; por outro, o próprio discurso de Abby mostra que ela não sabe como se sente e que ainda o enxerga como uma espécie de irmão.
De qualquer forma, especulações sobre o futuro de Santa Clarita ainda são muito precipitadas – é preciso que nos concentremos no agora. E, de modo geral, o momento presente nunca foi tão envolvente e satisfatório quanto antes. A múltipla aglomeração de contos carrega uma duplicidade surpreendente e funcional, encontrando a composição início-meio-fim dentro dos trinta minutos ao mesmo tempo que se estende e dialoga com episódios anteriores e posteriores. E dessa forma que rostos como Jean (Linda Lavin) e Tommy (Ethan Suplee) não são meros acidentes imagéticos que taparam buracos eventuais, mas aliados importantes que contribuem para a resolução epopeica de mais um arco envolvendo os Hammond.
Seguindo os passos de produções como The Good Place e Unbreakable Kimmy Schmidt, a obra de Fresco se respalda na irreverência cênica, fazendo críticas de modo explícito para cativar seus fãs. É claro que aqui, as ironias insurgem com menos força e com um propósito diferente das conterrâneas, mas mesmo assim auxiliam no dinamismo estético. Sheila constantemente tem diálogos com Joel sobre o envolvimento de Abby em seu complicado cotidiano, e, como resposta, a sagaz filha mostra uma forte independência que, na verdade, não é abalada pela decisão paternalista do casal – e traz mais elementos lúdicos para serem explorados ao longo dos capítulos.
Santa Clarita Diet volta com força para mais um ano repleto de rebeldias televisivas que reafirmam sua belíssima evolução com o passar dos anos. Novamente, a coesão é a principal arma que o show carrega consigo e, num interessante paradoxo, é através dessa verossimilhança que as infinitas e bizarras possibilidades ganham terreno fértil.
Santa Clarita Diet - 3ª Temporada (Idem, EUA - 2019)
Showrunner: Victor Fresco
Direção: Ken Kwapis, Marc Buckland, Adam Arkin, Steve Pink, Jaffar Mahmood, Jamie Babbit
Roteiro: Aaron Brownstein, Simon Ganz
Elenco: Drew Barrymore, Timothy Olyphany, Liv Hewson, Skylar Gisondo, Mary Elizabeth Ellis, Linda Lavin, Ethan Suplee, Natalie Moraes
Episódios: 10
Duração: aprox. 30 min. cada episódio
Crítica | Adeus, Meninos - A Guerra Vista na Infância
Seria a realidade mais poderosa que a ficção? Não é à toa que o Drama seja o gênero favorito de muita gente, afinal ele trabalha sentimentos humanos muito fortes, além de exibir uma crua janela da realidade que permite uma relação muito forte capaz de causar poderosas catarses no espectador. Mesmo que hoje possa parecer um subgênero batido, os dramas de guerra, especialmente da Segunda Guerra, trouxeram histórias absolutamente memoráveis.
Variando entre blockbusters pomposos repletos de efeitos visuais e alto valor de produção até dramas mais intimistas baseados somente na criação implacável de atmosfera. Entretanto, também temos os filmes desconhecidos – o que é um verdadeiro pecado, já que eles se provam sempre muito bons. No caso, temos Adeus, Meninos, filme do cineasta francês da Nouvelle Vague, Louis Malle, já com muitos anos de carreira que permitiram um nítido amadurecer como artista.
As Duas Colaborações
Em questão de minutos, é possível suspeitar que a narrativa de Adeus, Meninos seja baseada em fatos. Louis Malle traz a história do jovem Julien Quentin, um garoto enviado ao campo para estudar em um convento católico enquanto Paris e toda a França sofrem com a ocupação nazista em 1944. Ao chegar para mais um ano letivo repleto de restrições, além da grande saudade que sente da mãe, Julien praticamente acredita que terá a mesma rotina sem graça de sempre. Porém, a chegada de um novo aluno, Jean Bonnet, mudará sua perspectiva monótona na rotina escolar, ainda mais que o garoto reserva grandes e perigosos mistérios.
A cruel ironia é que essa suspeita do espectador realmente está correta, pois a história é vinda diretamente da vida do cineasta. É justamente por isso que vemos uma acuidade escrita fascinante em criar personagens juvenis. Malle não faz questão que seu longa seja somente uma retratação histórica da bizarra situação que os franceses se encontraram ao viver sob ocupação nazista chegando também a exibir os “colaboradores” que delatavam judeus e estrangeiros para a Gestapo.
O foco verdadeiro é mostrar a rotina das crianças entre as diversas desavenças, brincadeiras e nutrição do crescente companheirismo. Como a narrativa é situada em um convento, Malle também traz a alusão a rigidez do lugar que tenta controlar os jovens de todo modo, apesar da explosão de hormonal que os pré-adolescentes passam.
Logo, Malle traz com muita sutileza esse contraste do ensino e da prática da fé com os desejos irrefreáveis dos garotos pelo proibido, pelas mulheres que quase nunca tem contato além da visita semanal de uma bela professora de piano. Há essa constante mistura típica da idade entre o desejo e o ser criança como os colecionismos diversos, traquinagens e resquícios da primeira infância pouco bem-vindos – como a curiosa incontinência urinária que o protagonista sofre.
Porém, se há luz nos dias tremendamente frios que os jovens encaram, também há trevas. Seguindo as regras sutis que preservam a atmosfera realista do filme, Malle indica uma situação mais precária na França com escassez de alimentos, falta de emprego e a presença sempre ameaçadora dos alemães que sabem que tem o povo francês totalmente refém de suas vontades. É justamente nesse cenário tão pessimista, estéril, frio e sem cor que o cineasta apresenta as poucas fagulhas de esperança de amor ao próximo.
Com dicas bem espalhadas pelo roteiro, temos toda a construção indireta do personagem de Bonnet que explicam os motivos do menino ser tão melancólico. Seu papel é vital para a mensagem da obra, apesar da reviravolta envolvendo seu mistério ser bastante previsível. Entrentanto, como Malle desenvolve a amizade dos dois com muito alento em passagens simples, incluindo uma envolvendo o burlar de um toque de recolher, sentimos o impacto daquela tragédia e da inevitável separação.
Aliás, nesse jogo frequente de forças que resistem à escuridão opressora do nazismo, Malle cria uma das sequências mais belas de toda sua carreira. Em uma noite de rara diversão, os monges reúnem os meninos para lhes oferecerem um conforto especial: uma sessão de cinema. O filme traz uma das divertidas aventuras de Charlie Chaplin provocando risos em todos na sala em uma atmosfera de verdadeira felicidade – Malle faz planos próximos de diversas faces para mostrar esse ar descontraído.
Porém, basta o filme mostrar a Estátua da Liberdade e alguns relances dos Estados Unidos que os franceses se entristecem, se sentindo tão reféns amarrados quanto o próprio protagonista. Nessa grande impotência, a nação abdica do orgulho e clama pela inestimável ajuda americana para se livrar dos nazistas.
Bem-vindo, Malle
Mesmo que seja cinematograficamente bastante frio e repleto de olhar realista, raramente se aventurando em composições mais elaboradas ou de uma estética que arrisque alguma poesia maior, Adeus, Meninos é um dos melhores filmes de toda a carreira da Malle que exorciza os demônios de uma infância traumatizada através da arte. Às vezes, não é preciso milhares de tiroteios e sofrimento melodramático para criar uma grande história sobre a Segunda Guerra.
Malle conseguiu criar uma peça fundamental sobre um período conturbado da História da França, trazendo à luz diversos eventos complicados como a situação dos colaboradores, além de exibir um panorama sobre a pré-adolescência em um raro olhar sensível capaz de extrair o melhor de seu elenco mirim para uma peça tão pesada. Em um filme que mistura com perfeição a alegria da amizade em contraste ao horror da guerra, temos uma obra que merece sim ser conferida por todos.
Adeus, Meninos (Au revoir les enfants, França, Itália, Alemanha Ocidental – 1987)
Direção: Louis Malle
Roteiro: Louis Malle
Elenco: Gaspard Manesse, Raphael Fetjö, Francine Racette, François Berléand, Irène Jacob
Gênero: Drama, Guerra
Duração: 104 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=_ZLDnjcxZzE
Crítica | The Walking Dead – Vol. 4: Desejos Carnais
O arco da prisão continua e Robert Kirkman não dos dá espaço para respirar. O que era antes a introdução de sua história se encerrou no momento que chegaram na penitenciária, e agora ele abre espaço para trabalhar as questões que objetivava abordar desde o princípio. A cada edição, o autor nos mostra que efetivamente tudo pode mudar, a situação de relativa segurança na qual o grupo se encontra é frágil, podendo ser abalada por elementos tanto internos quanto externos e a cada acontecimento sentimos o impacto na mente dos personagens, como é o caso de Rick em Desejos Carnais.
Continuando exatamente de onde fomos deixados no número anterior, a 18ª edição nos coloca dentro da problemática do motim dentro da prisão. Kirkman, porém, não perde tempo e mesmo antes de terminar a revista já encerra essa pequena subtrama, inserindo a cada número praticamente uma nova pequena história, em em uma narrativa episódica que muito lembra a estrutura de séries televisivas (as mais ágeis e melhores construídas, é claro) – temos algo similar na segunda metade da quarta e na quinta temporadas da série adaptada.
Dos diferentes focos que temos neste quarto volume, contudo, o que chama mais atenção é o de Rick, que pouco a pouco vai sofrendo com a pressão de liderar o grupo, algo que ele diz fazer porque é o que esperavam dele (e chegaram a pedir logo nos números iniciais). O curioso, porém, é como Kirkman trabalha tal questão, nos mostrando que, de fato, Grimes não consegue largar esse osso. A pressão da liderança está sobre ele, mas em ponto algum ele efetivamente deseja largá-la – quem tem o poder não deseja deixá-lo de lado. Isso ocorre, inclusive após o mental breakdown que o personagem sofre após a tentativa de suicídio de Carol. Com a formação de um conselho – uma tentativa de retomada da democracia – Rick ainda permanece como aquela eminência parda, algo comprovado pelo seu discurso posterior.
E sobre esse mesmo monólogo do personagem podemos observar o amadurecimento do roteiro de Kirkman. Como já disse em outras críticas, já saímos da introdução da história e o já clássico “We are the Walking Dead” representa muito bem isso, justificando o título da história, oferecendo a ele um novo sentido. Os personagens que aqui acompanhamos não mais vivem, apenas sobrevivem – isso pode ser considerado, de fato, uma vida? O agravante é a questão de estarem já todos infectados, então, realmente, estão todos mortos – humanos em estado terminal roubando minutos da morte – viva cada dia como se fosse seu último, a citação surge em uma das páginas e muito bem exemplifica o que o grupo passa, pois, efetivamente, não há um futuro, ninguém virá salvá-los, como o próprio protagonista diz.
No traço há, também, um evidente crescimento – a mudança do artista do primeiro volume para o segundo já não incomoda mais, ao passo que o desenho evidentemente passa a contar com um número maior de detalhes, especialmente nos personagens, que, como nunca, conseguem demonstrar perfeitamente suas emoções. Painéis contam com um maior número de detalhes e estão evidentemente mais presentes. O interessante, porém, é, já tendo lido o que vem depois, saber que a arte ainda melhora muito.
The Walking Dead é um daqueles exemplos raros de obras que parece só ficar melhor a cada número, uma história que consegue nos sugar para dentro dela, nos fazer sentir como eles se sentem, nos angustiar. Desejos Carnais continua a narrativa ágil e angustiante construída por Robert Kirkman, apenas nos deixando com uma ânsia maior do que está por vir nos números subsequentes.
The Walking Dead – Vol. 4: Desejos Carnais (The Walking Dead – Vol. 4: The Heart’s Desire)
Contendo: The Walking Dead # 19 a 24
Roteiro: Robert Kirkman
Arte: Charlie Adlard
Arte-final: Cliff Rathburn
Capas: Tony Moore
Letras: Robert Kirkman
Editora nos EUA: Image Comics
Data original de publicação: junho de 2004 a novembro de 2005
Editora no Brasil: HQM
Data original de publicação no Brasil: outubro de 2009 (encadernado)
Páginas: 148
Crítica | Redemoinho - A Subjetividade de Villeneuve
As histórias criadas pelo realizador Denis Villeneuve são conhecidas pela forma íntima como ele aborda o psicológico de seus personagens e, no início de sua carreira, esse intimismo é acompanhado por narrativa subjetivas, que fazem as sensações de seus protagonistas transbordarem para as imagens as quais acompanhamos. Esse aspecto pode ser observado com clareza tanto em 32 de Agosto na Terra, primeiro longa dirigido unicamente por ele, quanto em Redemoinho, esse, sim mergulhando verdadeiramente na mente da personagem central, estabelecendo uma narrativa não linear que não deve ser apenas vista, como interpretada.
Narrada por um peixe (isso mesmo) em uma espécie de abatedouro, escuro e sangrento, o filme nos conta a história de Bibiane (Marie-Josée Croze), uma jovem de vinte e cinco anos, dona de três boutiques de moda, assolada pela depressão, fruto das fortes expectativas que recaem sobre ela em razão da fama de sua mãe. Ao realizar seu primeiro aborto, a protagonista sequer consegue ir ao trabalho e força a si mesma a sair para festas a fim de se manter ocupada. Certa noite ela acaba atropelando um senhor, acontecimento que leva à sua morte. Tomada pela culpa, sua depressão piora ainda mais, colocando-a em um dilema sobre o que fazer em relação a seu crime.
O roteiro de Villeneuve nos pega de surpresa logo nos minutos inicias, quando nos deparamos com o peixe narrador da história, que é constantemente abatido e substituído por outro, que continua a narração, simbolizando a mortalidade da própria protagonista, seus pensamentos suicidas e, é claro, a própria morte do sujeito atropelado. É criada a sensação de confusão no espectador, que perdura durante todo o filme, graças à narrativa não-linear criada pelo diretor, intercalando, ocasionalmente, eventos do presente e futuro ora como mergulho nas intenções da protagonista, ora para representar os efeitos de sua condição nas pessoas a seu redor.
O redemoinho do título, então, torna-se visível ao passo que enxergamos como as pessoas que cerceiam a personagem central são influenciadas pelo estado de depressão da protagonista. A própria morte do senhor atropelado é fruto de sua desolação perante a vida e que acaba afetando o filho da vítima, que vai ao Canadá para recolher as cinzas do pai. O texto foge ainda mais do óbvio e mostra a relação amorosa, inesperada, entre Bibiane e esse personagem, ponto que funciona perfeitamente para expandir o sentimento de culpa dessa mulher, desenvolvendo uma crescente tensão, que nos leva gradualmente ao formidável clímax da obra.
Por outro lado, essa imersão na mente da protagonista funciona como uma faca de dois gumes, visto que, em certos momentos, a não-linearidade da narrativa meramente faz certos trechos serem repetidos, sem verdadeiramente acrescentar em nada. Esse ponto traz leves rupturas no ritmo do longa, que também sofre com as breves sequências dos peixes sendo mortos – essas poderiam, facilmente, ter permanecido no início e fim do filme, transmitindo a mesma ideia, sem fragmentar a trama. O mesmo vale para as pontuais cartelas de narração, ambas utilizadas para explicitar os pensamentos de Bibiane – desses somente um, realmente, chega a ter sua importância bem definida.
Felizmente, a atuação de Marie-Josée Croze mais do que é capaz de nos distanciar desses deslizes, os quais podem ser enxergados como experimentalismos do diretor. A atriz encarna de maneira real e profunda sua personagem, tornando sua depressão palpável e impactante, sem exageros, soando como se, de fato, estivéssemos diante de uma pessoa real, tomada pela impulsividade, que, muitas vezes, leva a cometer ações impensadas e prejudiciais. Temos aqui o retrato vívido da inconstância, que nos leva a nos aproximar dela, ansiando para que, de alguma forma, consiga se livrar de sua condição.
Esse estado frenético do ser, que oscila entre a felicidade, tristeza, profunda dor, dentre milhares de outras sensações é perfeitamente representada pela direção de Villeneuve, que opta por constantes planos em movimento, com a câmera, ora fixa em um eixo, ora na mão, transmitindo toda a instabilidade da personagem. Mesmo as sequências mais paradas em termos de ação dos personagens são exibidas de forma dinâmica, com a imagem nos colocando ao lado da protagonista psicologicamente falando. As bruscas transições entre sequências, então, passam a ser enxergadas como a representação de sua vida que perdera o rumo, ao passo que somos levados de lugar a outro como se a personagem estivesse, grande parte do tempo, em uma espécie de “piloto automático”.
Mais uma vez, portanto, Denis Villeneuve permite que mergulhemos na psique de seus personagens, criando uma narrativa extremamente subjetiva, que transmite todas as sensações vividas pela sua protagonista. Mesmo com as ocasionais rupturas no ritmo, esse é um filme que nos mantém imersos, a tal ponto que a crescente tensão cria uma espécie de prisão, da qual somente escapamos ao término da projeção. Como sempre, Villeneuve entrega não apenas um filme, mas uma experiência cinematográfica.
Redemoinho (Maelström - Canadá, 2000)
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Denis Villeneuve
Elenco: Marie-Josée Croze, Jean-Nicolas Verreault, Stephanie Morgenstern, Pierre Lebeau, Marie-France Lambert, Kliment Denchev
Gênero: Drama
Duração: 87 min.
Crítica | Vampiros de Almas - Ninguém é o que parece ser
A ficção científica faz parte de umas temáticas mais elogiadas pelos fãs de cultura pop ao redor do mundo. Existem relatos do gênero desde o século II. Muitos consideram o romance Uma História Verdadeira do escritor satírico grego de Luciano de Samósata como uma obra de '' proto-ficção'', por já abordar temas que seriam características da ficção científica. Porém é por volta do século 19, com a Revolução Industrial trazendo diversas mudanças econômicas e sociais para a sociedade, com os grandes avanços em ciências como física e química, e com o advento do romance como forma literária, é que a ficção científica teve suas bases fincadas. Escritores como Mary Shelley, Julio Verne e HG Wells moldaram o gênero, e trouxeram para ele características que até hoje são encontradas em obras literárias.
As obras de ficção da época abordavam questões como viagem no tempo, invasões de outros planetas, universos paralelos mexiam com a imaginação popular, e além do fato de que havia um certo conteúdo de critica social nessas historias. Tudo isso contribuiu para que gênero ficasse famoso, e fosse levado para outros mídias. O cinema foi uma das artes que tratou de explorar essa temática, e desde seus primórdios vimos filmes de ficção científica sendo produzidos. O diretor George Meliés foi o pioneiro em filmes do estilo, com seu filme Viagem à Lua, lançado em 1902 e baseado em um livro do escritor Julio Verne. Sendo um ilusionista, o francês trouxe diversas inovações para a recém nascida sétima arte, e abriu caminho para os diversos cineastas que iriam explorar o gênero.
A partir de 1950, o mundo vivia em grande aflição devido ao confronto ideológico entre Estados Unidos e União Soviética. A corrida armamentista fez com que o interesse pela ciência ficasse ainda maior, entretanto fez com que o mundo temesse um futuro apocalíptico ocasionado por alguma guerra atômica. Como sempre aconteceu na história, as questões culturais do período teriam grande influência na arte predominante da época, no caso o cinema. Diversos filmes foram influenciados pelas questões políticas vigentes na década, com destaque para os filmes de ficção científica, que usavam seus roteiros fantasiosos para criticar o que estava acontecendo no mundo afora. Um dos filmes mais conceituados lançados no que foi chamada a '' Era de Ouro da Ficção Científica'' foi Vampiros de Almas, dirigido por Don Siegel e que se tornaria famoso pelos filmes policiais de ação que iria dirigir durante o período da Nova Hollywood. Apesar de ignorado no início pelos críticos, com o tempo seria revisto e hoje é considerado um dos maiores clássicos do gênero.
A trama começa dentro de um hospital psiquiátrico. O médico Dr Hill (Whit Bissel) é chamado para atender a um homem (Kevin Mcarthy) que está aos gritos, afirmando que não é louco e que precisa contar uma história. Hill decide ouvir o que o paciente tem a dizer. O homem se revela sendo também um médico,chamado Miles Benneth, e então começa a relatar o que aconteceu e como chegou ao hospital. Miles revela que na pequena cidade de Santa Mira começou a haver um aparente surto de Delírio de Capgrass, uma síndrome rara na qual as pessoas acreditam que alguém próximo foi substituído por um impostor de aparência legítima. Porém, o grande número de casos faz com que o Dr Bennett comece a questionar um pouco os fatos. Ele então descobre estar presenciando algo inimaginável, uma possível invasão vinda do espaço.
O filme recebeu um curto orçamento do estúdio para sua produção, apenas 350 mil dólares, o que impediu a contratação de grandes atores para o elenco, escolhendo por uma dupla de novatos. A pouca quantidade de recursos também impediu com que muitos efeitos especiais, e talvez por isso não tenha impressionado muito os críticos na época e deixado de lado. Com pouco a sua disposição, e também pouco tempo de filmagem (apenas 24 dias) o roteirista Daniel Mainwairing teve que ser bastante econômico na hora de escrever a história, o que fez com que o longa tivesse apenas 80 minutos de duração. Porém, Mainwairing mostra-se bastante eficiente, conseguindo ajudar muito na construção do clima de terror pretendido, sendo direto e dando todas as respostas necessárias para o público.
Eficiência também é o adjetivo que podemos usar para descrever o excelente trabalho que Siegel faz na trama. Com muito pouco a sua disposição, ele usa o que têm para poder construir um forte clima de paranóia dentro da pequena cidade de Santa Mira. Desde o inicio o diretor consegue fazer o telespectador imergir para dentro da trama. É perceptível para quem assiste que existe alguma coisa de errada dentro dessa pequena cidade, existe um certo mistério no ar, mas não sabemos o quê. Isso faz com que fiquemos ligados do início ao fim em busca de alguma resposta sobre o que possa estar havendo. Existe também um certo clima claustrofóbico que também é bem arquitetado, que deixa parecer que não importa o que está acontecendo, são mínimas as chances de escapar, o que faz com que o medo fique ainda maior.
Siegel é muito bom em contar uma história. Mesmo com pouco tempo para fazer seu filme, ele consegue fazer com o que o ritmo não caia em nenhum momento. Ele sabe construir todo esse clima pesado e misterioso, não fazendo tudo rápido demais, o que poderia fazer com que o público não criasse uma identificação com a película. Para poder construir toda a atmosfera, e fazer com que tudo se tornasse crível a quem assiste, o diretor faz uma ótima construção dos personagens, e todos os seus sentimentos de medo e paranóia com o mistério consegue ser muito bem passado para a tela. O destaque fica para o desenvolvimento de Miles Benneth, que no início se mostrava cético, mas depois sucumbiu diante do que estava diante dos seus olhos.
Vale ressaltar aqui também o belo trabalho de fotografia feito por Ellsworth Fredericks. No inicio usando uma fotografia mais iluminada e serena, ele passa a idéia de tranquilidade dentro da pequena cidade, muito antes dos aliens começarem a tomar as formas da população. Quando a invasão começa, Fredericks começa a usar tons mais soturnos e sombreados, mostrando a escuridão que assolou Santa Mira. Elogios também devem ser feitos a trilha sonora de Carmen Dragon, que intercalando tons mais agudos com tons mais graves, consegue trazer um clima de terror e medo para a trama.
Agora, seria quase impossível falar desse filme sem citar a temática social que se envolve com ele. Na época do seu lançamento, os Estados Unidos estavam vivendo a época do Macartismo. Nesse período, existia uma grande paranoia da sociedade de que os soviéticos poderiam se infiltrar dentro da sociedade, com o intuito de destruir o modo de vida americano que a população tanto prezava. Corriam boatos de que a '' Mãe Russia'' mandava agentes secretos para a terra do Tio Sam para que se misturassem a população como americanos normais, para que o plano soviético fosse de dominação fosse realizado. A partir disso, o senador Republicano John McCarthy liderou um movimento de total repressão a todos aqueles que fossem acusados de colaboradores do regime comunista. Fica fácil perceber que toda a paranoia vista dentro da trama, e o roteiro tratando de pessoas sendo trocadas por semelhantes poderia ser vista como uma referência ao que estava acontecendo no país.
Existe também um outro lado, que afirma que o filme é na verdade uma propaganda anti comunista. Um dos aliens afirma que a invasão é feita com a intenção de criar uma população na qual todos são iguais. Vale lembrar que uma das bases das teorias de Marx e Engels era a destruição das classes sociais, e que a sociedade tivesse um pensamento unitário. Tem ainda o fator de que, como já dito antes, os comunistas eram vistos como um grupo que planejava destruir os valores da sociedade, e é isso que os aliens fazem na trama. Eles constroem uma sociedade sem emoção, sem sentimentos, que funciona de uma maneira robótica e extremamente controlada, fazendo uma alusão ao governo soviético, que controlava sua população com mãos de ferro.
É perceptível o quão é multifacerado esse filme. Porém, apesar de todas as interpretações que foram feitas sobre a trama, aqueles que trabalharam na trama afirmam nunca ter visto nenhuma outra conotação além de um simples filme de ficção e terror. Kevin McCarthy afirmou em uma entrevista feita em 1998 que nunca sentiu nenhuma alegoria dentro da trama. Don Siegel afirmou que ao fazer o filme, apenas tinha a intenção de entreter, e que nunca tinha pensado em fazer qualquer coisa mais profunda, mas que interpretações seriam inevitáveis. Por fim, Walter Mirisch, famoso produtor e que supervisionou o filme, afirmou em sua autobiografia que as as pessoas viram coisas que não tinham sido planejadas. Também disse que conversou pessoalmente com os responsáveis pelo filme, viu que não pretendiam fazer nada além de um suspense.
Intencionalmente ou não, impossível negar que o filme ficou marcado pelo seu subtexto, e foi graças a isso que teve seu nome colocado na história do cinema e da ficção. Com um trabalho impecável de direção, roteiro e atuação, Vampiro da Almas é um dos belos exemplos de como foi gloriosa a '' Era de Ouro da Ficção''. Um clássico genuíno, e que serviu como inspiração para diversos outros que se seguiram.
Vampiros de Almas (Invasion of the Body Snatchers) — EUA, 1956
Direção: Don Siegel
Roteiro: Daniel Mainwaring
Elenco: Kevin McCarthy, Dana Wynter, Larry Gates, King Donovan, Carolyn Jones, Jean Willes, Ralph Dumke, Virginia Christine, Tom Fadden, Kenneth Patterson, Guy WayEileen Stevens
Gênero: Terror, Ficção Científica
Duração: 80 min.
https://www.youtube.com/watch?v=kYrcyROSjl0
Crítica | Para O Homem Que Tem Tudo - Alan Moore nos revela a alma do Homem de Aço
No começo dos anos 80, as histórias em quadrinhos começaram a ganhar popularidade dentro do Reino Unido, e não apenas com crianças, mas também chamando a atenção de diversos jovens, tanto do ensino médio quanto universitários. Quem se beneficiou desse aumento do público das historias de banda desenhada era um jovem escritor que iniciava sua carreira no meio, seu nome era Alan Moore. O escritor já começava a mostrar naquela época o porquê de ter se tornado um dos maiores nomes no que tange quadrinhos. Era extremamente requisitado por diversas editoras, como por exemplo a IPC Magazines ( responsável pela famosa revista 2000 AD) e a Marvel UK( divisão britânica da Marvel Comics). Nessa época já começava a trabalhar com aquele que se tornaria seu grande parceiro e amigo, o desenhista Dave Gibbons.
O sucesso de Moore e de Gibbons logo começaria a chamar a atenção do mainstream americano. Len Wein, editor da DC comics na época, convidou o desenhista para desenhar a revista do Lanterna Verde em 1982. No ano seguinte seria a vez de Alan receber um convite, para que assumisse a revista do Monstro do Pântano, que na época estava com baixas críticas, e consequentemente baixas vendas. O escritor praticamente reinventou o personagem, ao abordar em suas tramas questões sociais e ambientais. Sob a tutela de Moore,a revista recebeu vários elogios, e as vendas aumentaram. O sucesso fez com que a DC decidisse exportar diversos outros escritores do Reino Unido, entre eles Grant Morrison, Jamie Delano e Neil Gaiman, para escrever séries com a mesma popularidade do Monstro do Pântano. Esse fato marcaria o inicio do selo Vertigo, que seria marcado por histórias mais adultas.
Algum tempo depois, Julius Schwartz, também editor, perguntou a Gibbons se ele tinha interesse em desenhar uma história para o Superman. O desenhista aceitou, mas questionou para Schwartz quem era o roteirista da história. O editor não tinha escolhido um nome, e garantiu a Gibbons o direito de escolher quem iria ser o responsável pela trama, que rapidamente apontou Alan Moore como sua escolha. O escritor já tinha mostrado vontade de escrever sobre personagens do time principal da DC Comics, como por exemplo o Caçador de Marte, e também os Desafiadores do Desconhecido. Havia levado diversas propostas a diretoria da editora, mas todos os personagens que escolhia já estavam sendo escritos por outros profissionais. Junto com Gibbons, Alan Moore iria escrever não apenas uma das melhores histórias do Homem de Aço, mas como também uma obra que se tornaria uma das principais da Era de Bronze dos quadrinhos, devido a sua abordagem inédita.
Na trama, estamos na data do '' aniversário do Superman'' (data em que ele chegou a terra), e seus melhores amigos, Batman ( acompanhado por Jason Todd) e Mulher Maravilha lhe fazem uma visita a Fortaleza da Solidão para lhe entregar seus presentes. Ao chegarem la, acham o Superman em estado de transe, enrolado por uma planta misteriosa. Logo descobrem que o responsável pelo ato é o alien Mongul, um recente vilão do Azulão, e que havia sofrido recentemente uma humilhante derrota para esse. O vilão revela que a planta é chamada Clemência Negra, que suga a bioaura de sua vítima, enquanto realiza o seu maior desejo. Na outra parte da história, vemos que Kal-El habitando seu planeta natal, que nunca foi destruído, e sendo casado e com dois conflitos. Krypton enfrenta uma grave crise social, com alguns defendendo que o planeta volte a ser o que era, contra outros que apoiam as práticas progressistas que estão sendo aplicadas. O líder dos conservadores é Jor-El, que caiu em desgraça após suas previsões sobre o fim do mundo falharem. Enquanto isso, Kal-El começa a perceber que talvez nada do que vive é real.
Alan Moore fez definitivamente algo que nenhum outro escritor já havia feito com o Superman, ele fez uma dissecação da alma do Homem de Aço. O Superman era visto como um exemplo por todas as pessoas da Terra, sendo amado e respeitado em cada continente pelos seus feitos heroicos. Não apenas na terra, o Azulão era respeitado em diversas outras regiões do universo, ao mesmo tempo que era temido em mesmo proporção pelos seus inimigos. Mas, Moore então decide fazer um questionamento, será que dentro dele ele se sentia completo? A resposta nos dada é negativa. Em seu interior, Kal El nunca deixaria de ser um órfão, aquele ser que perdeu todo o seu planeta e que nunca pode viver junto do seu povo. E ele sabe que, não importa o quão poderoso ele fosse, ele jamais poderia mudar isso, o que lhe causava um grande sofrimento.
Não apenas fazer uma nova abordagem do personagem, Alan Moore nos mostra o quanto ele é importante. Se Krypton não tivesse explodido, a vida do Homem de Aço teria sido completamente diferente do que é agora, com ele provavelmente seguindo a mesma carreira do pai, ou talvez diferente, e tendo uma família e com nenhum pensamento de ser um herói. Não existiria um Superman, seus atos heroicos nunca aconteceriam. Ai que entra o grande conflito interno da trama. O Superman ter que escolher viver o seu sonho, junto do seu povo, ou voltar para a realidade, continuar sendo o símbolo de esperança que nós conhecemos, e se convencer de que Krypton nunca irá retornar. Já é possível imaginar qual foi o caminho que ele escolheu, e é bastante tocante e forte quando ele se desconecta do mundo criado pela Clemência negra.
Moore fez aquilo que Dennis O´Neil fez com o Lanterna Verde nos anos 70, mostrou que era possível fazer histórias mais sérias dos personagens principais da DC, sem fazer com que eles perdessem sua essência. Batman aqui na história é mostrado ao mesmo tempo como o grande pensador analítico, e ao mesmo tempo atuando como uma figura paterna para o jovem Jason Todd ( que acabava de assumir o manto de Robin, abandonado por Dicky Grayson, que virou líder dos Titãs). O escritor por um breve momento nos mostra aquele lado do Batman que já conhecemos, a saudade eterna dos seus pais, assassinados na sua frente. A Clemência negra ataca o morcego e vemos Batman numa ilusão onde Thomas consegue desarmar Joe Chill, momento rápido mas forte também. Mulher Maravilha é mostrada também pelos seus dois lados, a pessoa doce e gentil, mas que quando é necessário se torna uma poderosa guerreira.
A arte de Gibbons é definitivamente um show a parte. O nível de detalhismo que ele coloca em seus desenhos é algo extremamente fora de série. É incrível a capacidade que ele tem de demonstrar todas as emoções dos personagens. Vale citar também, um dos grandes feitos dessa história é mostrar uma faceta do Superman que antes não havia sido conhecida, a raiva. Quando o herói sai da sua prisão mental, ele entra em um completo estado de fúria, algo que nunca tinha sido feito. O quadro onde vemos o Homem de Aço queimando Mongul é poderosa. Os traços do vilão também são extremamente bem feitos, dando-lhe imponência e mostrando o quanto ele é perigoso.
Para o Homem Que Tem Tudo é uma quadrinho extremamente bem desenhado e muito bem escrito. Consegue trazer uma ótima mistura de ação e drama. É uma história extremamente profunda, que mostrou para o público que o Superman talvez fosse um personagem mais complexo do que eles imaginavam, e mostra o porque dele ser tão importante no mundo em que vive.
Para O Homem Que Tem Tudo (For The Man Who Has Everything) — EUA, Agosto de 1985
Contendo: Superman Vol 1 Annual #11
Roteiro: Alan Moore
Arte: Dave Gibbons
Arte-final: Dave Gibbons
Cores: Tom Ziuko
Letras: Dave Gibbons
Editor: Julius Schwartz
Crítica | Grandes Astros: Superman - O Melhor do Melhor
Grant Morrison é, sem dúvida nenhuma, um dos maiores nomes dos quadrinhos de todos os tempos, tendo conquistado uma legião de fãs desde o inicio da sua carreira nos anos 80. O que chamava a atenção do público era o quanto seus roteiros eram criativos, complexos, críticos sobre várias questões da sociedade e também com diversas referências a cultura pop. Em seu currículo constam quadrinhos muito elogiados, como seu run pela revista do Homem Animal, sua passagem pela revisa da Patrulha do Destino, e também pela revista da Liga da Justiça, fazendo o grupo voltar a lista de Best Sellers. Teve também suas criações próprias, a mais lembrada sendo a revista The Invisibles, da Vertigo. Em 2005 foi lhe dada a chance que há muito tempo esperava, escrever uma história sobre o Homem de Aço.
A história faria parte do selo All Star, que daria liberdade para os escritores fazerem histórias que não tivessem ligação com a linha cronológica, e teriam a sua disposição todos os elementos dos personagens que pretendiam escrever, para poder escrever histórias para pessoas que não tinham muito contato com o mundo dos quadrinhos. Morrison não tinha a intenção de fazer uma nova história de origem para o Superman, e nem trabalhar em outras histórias clássicas do Azulão, e sim criar uma história que fosse universal e atemporal, que mostrasse o que o Homem de Aço representava, e que sintetizasse o melhor de cada era do maior herói de todos os tempos. E assim nascia Grandes Astros: Superman. considerada por muitos o melhor quadrinho já escrito do último filho de Krypton
Na Trama, um grupo de cientistas do Projeto Cadmus estão fazendo pesquisas exploratórias próximas ao Sol, mas então são sabotados por Lex Luthor. Superman parte para o resgate do grupo, porém, ele não imaginava que tudo fazia parte do plano de Luthor, que pretendia sobrecarregar o Homem de Aço com altas quantidades de radiação, sabendo que isso o levaria a morte. O plano do vilão dá certo e o herói descobre que tem pouco tempo de vida, cerca de 1 ano,mas decide manter o seu destino em segredo para a humanidade. Lex é preso por crimes contra a humanidade, e sentenciado a morte na cadeira elétrica, devido a um artigo escrito por Clark Kent no Planeta Diário. Com pouco tempo na terra, Kent decide revelar sua identidade secreta para Lois, e usar os novos poderes que adquiriu para ajudar de maneira significativa os povos da terra, quanto também o povo de Kandor, miniaturizado por Brainiac.
A ideia de Morrison era trazer para essa HQ os principais elementos que fizeram parte de toda a trajetória, e como dito anteriormente, sintetizar o melhor de todas as eras do personagem. E ele faz isso, e com muita maestria. O roteiro de Grant traz aqui diversos elementos que fazem parte do universo do Superman, e todos são muito bem trabalhados e têm. Temos Jimmy Olsen, o corajoso repórter, que devido a sua coragem sempre acabava se metendo em confusão, e no final é salvo pelo amigo. Temos Lois Lane, a intrépida jornalista, que está sempre em busca da verdade. Temos Luthor, que é mostrado como um ser corroído pela inveja, porque acreditava que o Superman tomou o seu lugar. Temos a cidade engarrafada de Kandor, o único contato que o Superman tem com a sua cultura. A Fortaleza da Solidão, o abrigo herói, onde ele tirava um tempo para repousar, e guardar coisas incríveis.
Grant também trabalha com características do personagem principal. Vemos ele trabalhar aquela idéia de existir dois Clark Kent, o repórter atrapalhado, e o herói adorado, algo era bastante comum na Era de Prata e de Ouro. Enquanto Superman é imponente, corajoso, esbanja confiança, Kent é estabanado, tímido, e exala a inferioridade. O autor aqui nos mostra o quão bem trabalhada é a identidade secreta do Homem de Aço, que até mesmo Lois tem dificuldade para acreditar que são a mesma pessoa. Há também retornos a um conceito que foi comum na Era de Prata, período em que o herói teve um aumento gigantesco de poder, conseguindo ate tirar de órbita vários planetas ao mesmo tempo. Graças a exposição aos raios solares, o Homem de Aço mais uma vez chega a níveis de poderes inimagináveis, de tal forma que nem Kryptonita o afeta mais da mesma maneira. Morrison brinca aqui com as diversas caracterizações que o personagem teve ao longo dos anos, e funciona bem com o plano que ele tem em sua obra.
As histórias do Superman sempre foram marcadas por seu teor aventureiro e por seu teor de ficção científica, e Morrison nos entrega isso. Vemos o herói enfrentando robôs gigantes, enfrentando uma entidade cósmica ee nfrentando invasões alienígenas. O ritmo é alucinante e diverte a todos aqueles que leem. Mas não apenas de ação é feita o quadrinhos, e também com partes bastante emocionantes e que nos tocam profundamente.Nós sabemos que a vida do Escoteiro está por um fio, então é tocante ver que ele tentar cumprir tudo aquilo que se propôs antes que o fim chegue. A que mais se destaca é quando Clark decide retornar a um dos momentos que mais marcou sua vida, que foi a morte de seu pai, Jonathan Kent, e fica difícil não se emocionar com todo o ocorrido, o que não pretendo dizer como se sucedeu, para não estragar para aqueles que ainda não tiveram o prazer de ler.
Porém, acredito que o principal dessa HQ é nos lembrar o porquê do Superman ser tão importante. Ele não é querido por causa dos seus poderes, ou porque ele foi o primeiro de todos. O Super conquistou uma legião de fãs devido ao fato de ser um bússola moral, uma figura que representava os mais altos valores. Um ser tão poderoso, que poderia ter subjugado a humanidade com tanta facilidade, mas que no entanto, decidiu que iria ser alguém leal, amigo e servir como um símbolo de esperança. Acho que é justo falar que o Azulão é quase uma personificação das virtudes da São Tomás de Aquino. Ele tem a prudência, pois sempre age pelos meios corretos. Ele representa a justiça. Ele tem a fortaleza, pois nunca se deixou corromper por momentos difíceis, e por último ele possui a temperança, pois nunca foi dominado pelas paixões, e sempre soube ser equilibrado. Não atoa muitos passaram a ver o herói como uma figura messiânica e divina.
Sobre essa visão religiosa, Morrison também acha espaço para falar sobre isso. Em uma das edições, vemos o Superman usar os poderes que criar uma imitação do Planeta Terra, e vemos que esses novos seres seguem a mesma linha cronológica que nós seguimos, passando por Idade da Pedra, Grécia, Roma, até chegar aos tempos modernos. Ao fazer isso, o roteirista tem a intenção de visitar dois momentos importantes da história do Superman. O momento em que Nietzsche escreve Assim Fala Zaratrusta, onde cunhou o termo Ubersmasch, que serviu como inspiração para Joe Shuster e Jerry Siegel quando começaram a planejar o primeiro protótipo do personagem. E também o momento em que Siegel reformulou o personagem pela terceira vez, e chegou a sua versão definitiva. Incrível como Grant sabe encaixar as coisas.
Frank Quitely, que já havia trabalhado com Morrison no Run do roteirista nos X-men, o acompanha mais uma vez nessa HQ, e mais uma vez faz um belo trabalho. Ele consegue fazer traços que são uma junção do atual e do antigo, o que casa bem com a finalidade da HQ. Ele é bastante detalhista nos desenhos dos personagens, e consegue evidenciar muito bem as suas emoções. Duas cenas que ele fez que mais chamam atenção é o Superman voando perto do Sol, e o beijo entre o herói e Lois Lane no solo da luna, que são belíssimas. O colorista Jamie Grant usa cores bastante vivas sobre os desenhos de Quitely, que funciona muito bem com a temática esperançosa da trama.
Grandes Astros Superman pode facilmente ser definida como a HQ definitiva do Homem de Aço. É uma homenagem a tudo que o herói viveu em sua história, e mostra tudo aquilo que ele representa. Ela nos faz lembrar a importância de sempre ter esperança, e em tempos como os que vivemos, este sentimento se faz muito importante.
Cores: Jamie Grant
Editora original: DC Comics
Editor-chefe: Dan Didio
Crítica | Os Sapatinhos Vermelhos - Arte Vanguardista nos anos 1940
Não é por menos que tantos diretores de renome como Stanley Kubrick e Martin Scorsese tenham apontado dentre seus filmes favoritos, um carinho muito especial para Os Sapatinho Vermelhos, obra-prima máxima da parceria de sucesso entre Michael Powell e Emeric Pressburger. Em uma primeira visita, talvez seja fácil o espectador se enganar pelos insossos primeiros minutos que lembram um imbróglio narrativo de Narciso Negro.
Porém, dando uma chance com dose maior de paciência, é muito provável que o encanto do longa consiga impregnar em sua memória por um bom tempo, afinal não é sempre que temos a chance de observar uma obra tão vanguardista em plena década de 1940 no cinema britânico. É um fato que que Powell e Pressbuger já estavam com uma noção cênica muito avançada para a época, testando todos os limites que tinham a sua disposição.
Conto de Fadas, Conto de Gente
Apesar de termos a inserção vital do conto Os Sapatinhos Vermelhos de Hans Christian Andersen, é preciso apontar que Powell e Pressburger criaram uma ótima história original que dialoga em níveis bem inteligentes com a escrita de Andersen. Em uma década de histórias incomuns sobre o “fazer a arte”, a dupla apresenta a dinâmica de jovens talentosos que recebem uma chance para brilhar por um influente ricaço do Teatro e Ballet, porém, quando enfim começam a crescer profissionalmente, se veem presos por uma dívida moral com o inescrupuloso homem.
O jovem compositor Julian Craster (Marius Goring) se une ao grupo de teatro do renomado produtor Boris Lermantov (Anton Walbrook) para criar as peças musicais de seu novo espetáculo: Os Sapatinhos Vermelhos, contando com a presença da bailarina estreante Victoria Page (Moira Shearer). Eis que Craster e Page acabam se apaixonando e a moça se vê completamente dividida entre se entregar totalmente ao trabalho artístico ou manter uma paixão verdadeira.
Apesar do arquétipo narrativa ser consideravelmente clichê, há certo magnetismo que faz os personagens da obra se tornarem fascinantes. Apesar de muito fraco, o primeiro ato é essencial em mostrar como Craster e Page necessitam de uma oportunidade para demonstrarem seu verdadeiro talento e o quão longe ambos estão dispostos para se consolidarem como fortes nomes em um mercado muito disputado.
O problema é que Powell e Pressburger dão milhares de voltas burocráticas inserindo subtramas insossas para tentar atribuir algum suspense quando a atmosfera é completamente falha para tal. Apenas servem para apresentar a relação curiosa dos dois com o produtor Lermantov, o patrão, e da dinâmica geral de toda a produção do teatro. Porém, como a narrativa não avança satisfatoriamente, há um marasmo bastante prejudicial que o filme se encontra, apenas se salvando graças à faísca dos conflitos entre Page e Craster que discutem a todo momento.
Porém, creio que esse começo meio insípido seja um fabuloso truque de mestre, pois o filme se transforma completamente quando somos apresentados à exibição da adaptação do conto transposto para o teatro. O contexto do conto é apresentado e logo, pelo sucesso da apresentação, vemos como a narrativa encontrará os pontos de convergência.
Pelo uso sempre eficaz da sequência em montagem que os cineastas são mestres em realizar, temos um avanço temporal satisfatório para tornar o romance entre os dois bastante crível, além da inevitável crise de ciúmes que Lermantov experimenta o motivando a agir de modo selvagem totalmente antagônico a sua postura de lorde educado e altamente elegante. Com isso, o filme engrena um conflito mais humano e imediato, além de jogar o protagonismo em Page que precisa tomar decisões pouco independentes, já que a mulher está em uma perfeita sinuca de bico.
Ou seja, a narrativa também critica ferrenhamente a mulher enquanto propriedade ao coloca-la nessa posição desconfortável e injusta na qual não consegue conciliar trabalho e romance, tornando os dois homens os verdadeiros antagonistas e completos culpados pelo futuro desagradável que lhes atinge no clímax da obra. Entretanto, a maior graça da narrativa de Os Sapatinhos Vermelhos é justamente a variedade de interpretações que podemos tirar sobre o egoísmo de Lermantov e também do momento conclusivo da obra que pode ser considerado pelo misticismo das sapatilhas de Page.
Essencialmente visual
O fato é que a narrativa da obra depende muito da potencia das imagens fabulosas que os diretores trazem em diversos momentos. Muito da compreensão dos conflitos da obra estão centrados na maestria cênica do longa em trazer elementos importantes que suplementam a necessidade de exposição como o fato da influência de Lermantov, do esforço físico de Page e também da sincronia romântica que a bailarina sente pelo compositor que rege as músicas das peças para ela dançar – isso é incrivelmente poderoso e sutil.
Mesmo contendo enquadramentos inusitados e uma movimentação de câmera bastante agitada para a época, absolutamente nada se equipara a incrível sequência de quinze minutos do ballet homônimo: é algo simplesmente surreal por conta de uma minuciosa execução que simplesmente ousa transgredir a concepção de teatro e cinema.
Powell e Pressburger tem plena ciência disso e que, se recorressem a uma estética realista para o espetáculo, estariam presos ao ponto de vista bidimensional e restrito do espectador para o palco. De início, há esse breve ordenamento de planos pouco ousados, só replicando a elegância da encenação do balé estupendo apresentado por um conjunto de diversos dançarinos, além do design artístico para os cenários variar com grande intensidade indo do realista para o burlesco até atingir tons surreais conforme a história se torna mais assustadora.
O fato é que enquanto a bailarina é obrigada a dançar sem parar por conta da possessão maligna dos sapatinhos, os diretores injetam uma carga criativa simplesmente sem precedentes – até mesmo para as fantasias do cinema silencioso de Georges Méliés. Através do vasto uso de técnicas de corte, colagem, ilusões ópticas, manipulação da taxa de quadros, inserções oportunas de closes expressivos, entre outros diversos truques analógicos que trazem um sentimento absolutamente único para esse sequência nada menos que perfeita.
Para deixar tudo mais interessante, a viagem surrealista tem um propósito lírico poderoso para nos colocar diretamente no âmago dos medos da bailarina Victoria que já tem fantasmagóricas premonições sobre seu futuro estar dividido entre a soberba de dois homens que a amam, mas não a sua liberdade. Fora todo o domínio técnico, artístico e, obviamente, narrativo em duas camadas, também há a maestria no uso da trilha musical em perfeita sincronia com a coreografia da sequência. É simplesmente arrebatador e só prova quão poderosa é a arte do Cinema.
Passada a sequência, o nível de excelência visual permanece até a conclusão da obra com simbolismos perfeitos para cenas românticas, de completa desilusão, do afastamento inevitável e da própria sordidez do ódio de si próprio que Lermantov sente de si mesmo. Com a criação apropriada da atmosfera e consolidação plena dos personagens tão humanos e sofridos, é impossível ficar indiferente a poderosa catarse oferecida por um dos encerramentos mais poderosos do Cinema.
Tudo para, menos os sapatinhos vermelhos
Poucos filmes são capazes de se livrar de um primeiro ato medíocre para atingir ares de obra-prima em sua conclusão. Só por este fato extraordinário, Os Sapatinhos Vermelhos merece ser visto e celebrado pelo grau extremo de risco ao introduzir pitadas generosas de surrealismo para criar o ponto de virada de sua narrativa. Obra-prima máxima da parceria Powell e Pressburger, este longa consegue trazer uma das melhores fusões entre teatro e cinema vistas em toda a história da Sétima Arte, além de apresentar um trabalho de grande perfeccionismo visual não só pela concepção dos diretores, mas também pelo uso formidável do difícil Technicolor.
Se mesmo assim não estiver convencido a dar uma chance a este formidável clássico, não escute a mim, mas aos conselhos certeiros de Kubrick e Scorsese. Dois mestres reconhecidos por errar raríssimas vezes.
Os Sapatinhos Vermelhos (The Red Shoes, Reino Unido – 1948)
Direção: Michael Powell, Emeric Pressburger
Roteiro: Michael Powell, Emeric Pressburger, Keith Winter, Hans Christian Andersen
Elenco: Marius Goring, Leónide Massine, Anton Walbrook, Moira Shearer, Robert Helpmann
Gênero: Drama, Romance, Musical
Duração: 134 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=xRV6LPtRUyc
Persona 3 Reload | Um remake que resgata e aprimora um dos maiores sucessos da série Persona
Persona 3 Reload é a nova versão do aclamado terceiro jogo da franquia Persona da Atlus, que por sua vez é um derivado da série Shin Megami Tensei e este é um dos poucos casos de um derivado ficar mais famoso do que o jogo original. O charme de Persona se deve por apresentar histórias que se relacionam mais com o público de uma forma um pouco íntima, apresentando a história quase como uma visual novel quotidiana com os laços sociais e sistema de atributos que estimulam os jogadores a sempre formar vínculos com os colegas e npcs dentro do jogo, ao contrário da série original que prioriza mais o combate e normalmente apresenta uma história mais tradicional.
Após o êxito impressionante de Persona 5, fãs começaram a pedir por mais jogos incessantemente e a Atlus viu a chance de criar mais derivados (como Persona 5 Strikers e Persona 5 Tactica) e remakes dos títulos mais antigos, seguindo a tendência de outros estúdios como a Square Enix com seus Final Fantasies e a Capcom com seus Resident Evils.
O título escolhido para receber o primeiro remake da série foi Persona 3, que além de ter dado a cara mais atual para a série lá em 2006, contando com as visões criativas de Shigenori Soejima e Katsura Hashino, teve também diversas versões diferentes, desde a original do Playstation 2, P3P para o PSP e P3 FES. Por tantas opções, muitos acham que o jogo não teve sua versão definitiva e por muito tempo se esperou uma nova versão deste que é considerado o melhor jogo da série por alguns fãs. Vamos ver agora se a nova versão atende as expectativas.
Recarregando
Na época de Persona 3, o gameplay não era exatamente do mesmo nível do Persona 5 que observava avanços em vários aspectos do que era apresentado nos RPGs da Atlus na década de 2000. No entanto, alguns elementos dos jogos mais recentes se notam aqui. A primeira coisa que percebemos é o visual. Nos jogos anteriores, as expressões dos personagens in game eram simplificadas e não eram muito realistas, enquanto que nas cenas de diálogo havia as artes do Soejima de cada um dos personagens em estilo anime. A partir do P5 começaram a experimentar com modelos de personagens que são mais parecidos com essas artes, assim é a primeira vez que vemos os personagens de Persona 3 desta forma.
Outra mudança notável se faz presente no sistema de combate. De modo geral, os confrontos estão muito mais fluidos do que nas versões anteriores de P3 com a nova iteração apresentando duas novas mecânicas para auxiliar o jogador na luta contra as sombras, uma delas sendo o sistema de troca. Quando a fraqueza de um inimigo é atingida, é possível trocar para outro personagem, possibilitando atingir a fraqueza de outro inimigo caso o jogador tenha o personagem com a persona necessária para isso, com sorte levando a um ataque total. Para aqueles que jogaram Persona 5, a mecânica não é novidade, sendo apenas outro nome para a “passagem de bastão” presente no jogo.
O destaque de Persona 3 Reload é a teurgia. Esse sistema consiste em uma habilidade especial que faz um dano considerável no inimigo, ignorando as resistências, ou cura e aumenta os stats dos personagens durante a luta, com animações únicas para cada personagem. Este poder deve ser carregado e cada um do grupo tem uma maneira diferente de fazer isso. O protagonista carrega invocando suas personas, Yukari curando os amigos, Mitsuru sendo mais agressiva atingindo inimigos e causando aflições… enfim, o jogador vai descobrindo ao longo do jogo como utilizar a mecânica da melhor maneira. O sistema faz com que as batalhas sejam mais dinâmicas do que nunca, mas também mais fáceis, no bom sentido, até porque o Persona 3 original na dificuldade padrão oferecia um desafio considerável.

O poder da amizade em Persona 3 Reload
Como normalmente acontece nos jogos da série, são os vínculos que você desenvolve com as pessoas que fazem do protagonista mais forte. Caso você seja um principiante na série, nestes jogos geralmente grupos de jovens lutam contra as sombras que só podem ser vencidas com o uso de personas, o poder do “eu alternativo”. Cada um dos personagens possui uma persona com habilidades específicas.
No entanto, este não é o caso do protagonista. Ele é especial, podendo usar diversas personas, cada uma das personas que ele usa corresponde a uma carta de tarô dos 22 arcanos maiores e cada uma dessas cartas representa também um link social que você tem com algum outro personagem dentro do jogo, que fica mais forte cada vez que você passa um tempo com eles.
Um link social forte significa que, na hora em que for fundir personas na sala de veludo, ela receba um incremento considerável de experiência. Por isso, sempre é bom estreitar relações com todos os indivíduos disponíveis para tal e administrar bem o tempo que passa entre eles. Dentre estes temos várias histórias fascinantes que complementam a história do jogo. O casal de idosos na bookworms lida com a idade avançada e o luto pela perda do filho. A adolescente Yukio lida com um futuro incerto na chegada próxima da idade adulta. Bebe, um intercambista francês que se apaixonou pelo Japão, se vê em um dilema quando a tia que sustentava sua estadia no país estrangeiro falece. Também temos histórias mais simples como a de Chihiro cujo problema é ser muito tímida e não conseguir falar com garotos. Em suma o jogo possui esse aspecto de simulador social combinado com as mecânicas de RPG, algo que é a marca registrada da série.
Para desbloquear alguns segmentos dentro do link social é necessário aumentar certos atributos. Em Persona 3 isso é bem mais simples de fazer do que em suas sequências, visto que são apenas três atributos para melhorar, sendo eles inteligência, charme e coragem. Um exemplo da forma com que isso influencia é no romance do jogo. Caso você queira começar um, há garotas que apreciam mais chame, coragem ou inteligência, vai depender de quem quiser abordar.
Estamos condenados e está tudo bem
Tudo isso ajuda a apontar para o tema central do jogo, o de que estamos todos condenados e que é exatamente por isso que a vida é preciosa. Desde o começo do jogo somos alertados que o fim está próximo e que temos apenas um ano para aproveitarmos. O jogo abre com uma cena bem forte, mostrando uma jovem que aparentemente está prestes a cometer suicídio. A inevitabilidade da morte e do fim é um tema recorrente aqui e este é um tema particularmente caro para os japoneses.
A premissa básica de Persona 3 Reload segue o protagonista (cujo nome você escolhe) que se muda de cidade para cursar o segundo ano do ensino médio. Ao chegar ele se depara com um cenário bem estranho, há rastros de sangue no chão e caixões espalhados pela rua. Ele e o jogador não sabem naquele ponto, mas aquela é a hora sombria, um horário fora do tempo e espaço onde as sombras aparecem, lá fica a torre do tártaro. A aparição dessas criaturas e do tártaro parece estar ligada a uma crise de síndrome de apatia que assola as pessoas do mundo. Assim seu objetivo é destruir as criaturas e a torre para impedir que este mal consuma o mundo, mas haverão inimigos para tentar te impedir.
Com essa premissa, Persona 3 é considerado o jogo mais sombrio da franquia. Não quero dar spoilers, mas a história deste jogo vale muito a pena ser experienciada na sua totalidade, especialmente para os novatos na série, há muito o que se apreciar aqui. A história do jogo é uma das melhores de toda a série, incluindo todos os títulos numerados e seus spin-offs.
Persona 3 Reload Conclusão
Persona 3 Reload revitaliza um dos melhores jogos da série com bastante mérito. Talvez alguns fãs se decepcionem com a ausência de adições em outras versões como P3P e P3 FES (talvez o conteúdo venha em forma de DLC?). Mas vale muito a pena apresentar esta história a novos jogadores e para veteranos revisitar ela de uma nova maneira. A Atlus nos agracia com mais um ótimo JRPG.
Crítica | Meu Amigo Totoro - Uma Linda Amizade
Meu Amigo Totoro (Tonari no Totoro, 1988), é o quarto longa metragem dirigido pelo mestre Hayao Miyazaki e o segundo filme do diretor pelo Studio Ghibli.
Na história, o professor Tatsuo Kusabe e suas duas filhas - Satsuki e Mei - vão morar em uma antiga casa no interior para ficarem mais próximos ao hospital onde Yasuko, mãe das crianças e esposa do professor, se recupera de uma doença. As meninas começam a explorar a nova área onde moram, encontrando seres fantásticos e muitas aventuras, que irão mostrar a força da amizade e a dar valor a família e a natureza.
Sim, como visto na sinopse, Totoro tem uma premissa extremamente simples. Ao contrário das obras anteriores de Hayao Miyazaki, onde o épico e fantástico eram o centro da história, Totoro é muito mais “pé no chão”, com uma história praticamente mundana e pacata, mostrando o dia a dia na vida de duas crianças em um novo ambiente rural.
O filme funciona de forma quase episódica, com as cenas do filme sendo divididas quase como pequenas aventuras e descobertas das irmãs com seus primeiros contatos com natureza, junto com as simpáticas criaturas do filme. Fantasia misturado com a a realidade e a inocência infantil, elementos que o diretor já trabalhou diversas vezes em suas obras.
A natureza
Mas o longa não se tornou um uma das maiores bilheterias do Japão a toa, além de Totoro ter se tornado o símbolo do estúdio. O filme consegue capturar espectadores de qualquer idade, trabalhando dois elementos cruciais na filmografia e filosofia de vida do diretor: o contato com a natureza e a inocência de uma criança.
Hayao, através de suas obras, sempre demonstrou um esforço em conscientizar o público do impacto ambiental que o homem exerce na natureza e a importância da preservação do meio ambiente. Filmes como Nausicaä e Princesa Monoke são grandes exemplos disso. Enquanto aqui, o diretor implementa tal elemento de forma a conscientizar as novas gerações, usando da simplicidade da trama a favor da temática do filme. Não é apenas preservar o meio ambiente, mas conhecer e respeitá-lo, que o filme acaba explorando através de suas criaturas fantásticas.
Falando nelas, Totoro tem uma variedade de monstros fantásticos que fascinam pela animação excepcional conhecida pelo diretor e o estúdio Ghibli, dando vida a seres, que, apesar de seu tamanho e extravagância, parecem extremamente amigáveis e dóceis. Além de Totoro – nome que provém da dificuldade de uma das crianças de pronunciar a palavra troll – e seus amigos que vivem na floresta, outro destaque é o fascinante Gato-Ônibus, que usa o seu próprio corpo como meio de transporte para as meninas viajarem.
O simples
E para emocionar e encantar o público, nada de sentimentalismo ou momentos exageradamente dramáticos na trama. Mesmo com o fantástico das criaturas, os problemas começam e terminam de forma bem pacífica. E mesmo assim, seus personagens são protagonistas de cenas tocantes.
A icônica cena onde as irmãs esperam o pai voltar do trabalho no ponto de ônibus, quando Totoro surge para esperar junto com elas no meio da chuva reflete exatamente como Hayao consegue transmitir uma mensagem na cena sem ao menos usar de nenhum diálogo.
Apesar de ter visto já na adolescência, Totoro me capturou por passar uma sensação de paz e tranquilidade com sua simplicidade e doçura além de qualquer filme de animação ocidental. Hayao Miyazaki é um dos poucos diretores que conseguem transmitir em cada quadro de animação tal sentimento. É quase palpável o amor e trabalho que cada obra deste diretor transmite, e esta não é uma exceção. Fora a magistral trilha sonora composta por Joe Hisaishi, em um de seus trabalhos mais lembrados de toda a carreira.
Conclusão
Dizer que Meu Amigo Totoro é uma obra-prima e um dos maiores clássicos da animação japonesa é falar o que muitos já disseram nos 30 anos de existência do filme. Totoro é muito mais que uma grande obra cinematográfica, é um filme que transmite amor e uma conexão com seu público por tratar da infância da forma mais simples e bela possível. Fugindo dos clichês do gênero para conversar com a criança que vive em todos nós. Um filme que sem dúvida é atemporal e sem restrição de idade.
Apesar de não ser o trabalho mais épico ou visualmente impressionante de Hayao Miyazaki, Totoro capturou e ainda captura os espectadores pela sua inocência e capacidade de nos transportar em uma época em que fazer amigos imaginários e viver grandes aventuras com eles era o que importava.
Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki
Elenco: Chika Sakamoto, Noriko Hidaka, Hitoshi Takagi
Gênero: Animação, Fantasia
Duração: 86 min.