Crítica | Santa Clarita Diet: 3ª Temporada - Uma Dramédia Suburbana

Santa Clarita Diet não teve um dos começos mais promissores do extenso catálogo original da Netflix. Sua proposta original por vezes cedeu a um excessivo gore em detrimento de uma narrativa convincente e um pano de fundo que ousasse desconstruir o gênero zumbi. Claro, não podemos tirar mérito de Victor Fresco de humanizar um personagem que, normalmente, é visto como inimigo – e dar ênfase para suas claras referências a obras como Todo Mundo Quase Morto. Tal qual foi nossa surpresa quando a série foi renovada e nos entregou uma deliciosa e hilária segunda temporada – carregada por um elenco incrível e um roteiro propositalmente autoexplicativo e sarcástico com diversos temas. E, continuando em uma onda de melhorias, o terceiro ano conseguiu renovar a si mesmo e transformar uma comédia pastelão em uma dramédia familiar nem um pouco convencional.

Sheila (Drew Barrymore) e Joel (Timothy Olyphant) já perceberam há muito tempo que suas suburbanas vidas em Santa Clarita jamais voltarão ao normal. Afinal, depois da inesperada transformação de Sheila, ambos entraram em uma jornada “espiritual” para livrar o mundo de pessoas horríveis – lê-se aqui: nazistas, racistas e preconceituosos – e, ao mesmo tempo, alimentar a morta-viva. O que eles não esperavam é que esse novo cosmos não é recheado apenas de preocupações interiores, mas também de complexos obstáculos, que já dão as caras no prólogo do primeiro episódio (um grupo de cientistas russos que deseja estudar os “zumbis conscientes” para fins mercadológicos). E, como se isso não bastasse, a família Hammond também lida com a ameaça iminente de uma seita conhecida por Cavaleiros da Sérvia, cuja missão é exterminar essas mortais criaturas.

A princípio, Fresco teria um prato cheio para realizar seus experimentalismos cênicos e narrativos – mas ele não se contenta com apenas a arquitrama épica em questão. Além disso, o criador adiciona um tempero religioso materializado no pequeno culto que Anne (Natalie Moraes) cria após presenciar as habilidades divinas que Deus concedeu a Sheila – e que ameaça expor sua condição ao restante do mundo, atraindo olhares indesejados e que podem colocar um fim à sua imortal vida. E é claro que ele também não se esqueceria das aventuras inesperadas de Abby (Liv Hewson) e Eric (Skyler Gisondo), que devem continuar lidando não apenas com a manutenção do segredo da família, mas fugir de investigações criminais que os ligam diretamente à explosão da usina de energia da cidade.

Sim, tudo parece muito confuso. É provável que, no momento em que o público tenha tomado ciência das múltiplas tramas que se aglutinam nesse novo ano, seja tarde demais. Entretanto, diferente do que podemos imaginar, Fresco faz um ótimo uso de tudo a que nos apresenta, arquitetando ótimos arcos, finalizando-os em conclusões aprazíveis e abrindo margem para uma próxima temporada que, levando em consideração o chocante cliffhanger, tem muito a nos entregar. Mas mais interessante que tudo talvez seja o modo como a competente equipe criativa do show canalizou seus esforços para unir o melhor da comédia e do gore em um único espaço, revitalizando sua própria carga identitária.

Ao longo de dez breves episódios, o universo de Santa Clarita se expande progressivamente e passa a englobar personagens que até então foram ofuscados pelo brilho e pela química que Barrymore e Olyphant carregavam. É claro que o duo não deixa de nos envolver com uma relação tão pura e natural que consegue perpassar pelos obstáculos mais enigmáticos de todos, mas o casal de adolescentes também alcança um protagonismo considerável conforme passam a cultivar novos sentimentos. A amizade improvável eventualmente os aproximou de modo intenso, abrindo uma brecha para um possível romance que pode ou não dar certo: por um lado, melhores amigos que se apaixonam esbarra com força no convencionalismo melodramático das séries televisivas; por outro, o próprio discurso de Abby mostra que ela não sabe como se sente e que ainda o enxerga como uma espécie de irmão.

De qualquer forma, especulações sobre o futuro de Santa Clarita ainda são muito precipitadas – é preciso que nos concentremos no agora. E, de modo geral, o momento presente nunca foi tão envolvente e satisfatório quanto antes. A múltipla aglomeração de contos carrega uma duplicidade surpreendente e funcional, encontrando a composição início-meio-fim dentro dos trinta minutos ao mesmo tempo que se estende e dialoga com episódios anteriores e posteriores. E dessa forma que rostos como Jean (Linda Lavin) e Tommy (Ethan Suplee) não são meros acidentes imagéticos que taparam buracos eventuais, mas aliados importantes que contribuem para a resolução epopeica de mais um arco envolvendo os Hammond.

Seguindo os passos de produções como The Good Place e Unbreakable Kimmy Schmidt, a obra de Fresco se respalda na irreverência cênica, fazendo críticas de modo explícito para cativar seus fãs. É claro que aqui, as ironias insurgem com menos força e com um propósito diferente das conterrâneas, mas mesmo assim auxiliam no dinamismo estético. Sheila constantemente tem diálogos com Joel sobre o envolvimento de Abby em seu complicado cotidiano, e, como resposta, a sagaz filha mostra uma forte independência que, na verdade, não é abalada pela decisão paternalista do casal – e traz mais elementos lúdicos para serem explorados ao longo dos capítulos.

Santa Clarita Diet volta com força para mais um ano repleto de rebeldias televisivas que reafirmam sua belíssima evolução com o passar dos anos. Novamente, a coesão é a principal arma que o show carrega consigo e, num interessante paradoxo, é através dessa verossimilhança que as infinitas e bizarras possibilidades ganham terreno fértil.

Santa Clarita Diet - 3ª Temporada (Idem, EUA - 2019)

Showrunner: Victor Fresco
Direção: Ken Kwapis, Marc Buckland, Adam Arkin, Steve Pink, Jaffar Mahmood, Jamie Babbit
Roteiro: Aaron Brownstein, Simon Ganz
Elenco: Drew Barrymore, Timothy Olyphany, Liv Hewson, Skylar Gisondo, Mary Elizabeth Ellis, Linda Lavin, Ethan Suplee, Natalie Moraes
Episódios: 10
Duração: aprox. 30 min. cada episódio


Crítica | The Walking Dead – Vol. 4: Desejos Carnais

O arco da prisão continua e Robert Kirkman não dos dá espaço para respirar. O que era antes a introdução de sua história se encerrou no momento que chegaram na penitenciária, e agora ele abre espaço para trabalhar as questões que objetivava abordar desde o princípio. A cada edição, o autor nos mostra que efetivamente tudo pode mudar, a situação de relativa segurança na qual o grupo se encontra é frágil, podendo ser abalada por elementos tanto internos quanto externos e a cada acontecimento sentimos o impacto na mente dos personagens, como é o caso de Rick em Desejos Carnais.

Continuando exatamente de onde fomos deixados no número anterior, a 18ª edição nos coloca dentro da problemática do motim dentro da prisão. Kirkman, porém, não perde tempo e mesmo antes de terminar a revista já encerra essa pequena subtrama, inserindo a cada número praticamente uma nova pequena história, em em uma narrativa episódica que muito lembra a estrutura de séries televisivas (as mais ágeis e melhores construídas, é claro) – temos algo similar na segunda metade da quarta e na quinta temporadas da série adaptada.

Dos diferentes focos que temos neste quarto volume, contudo, o que chama mais atenção é o de Rick, que pouco a pouco vai sofrendo com a pressão de liderar o grupo, algo que ele diz fazer porque é o que esperavam dele (e chegaram a pedir logo nos números iniciais). O curioso, porém, é como Kirkman trabalha tal questão, nos mostrando que, de fato, Grimes não consegue largar esse osso. A pressão da liderança está sobre ele, mas em ponto algum ele efetivamente deseja largá-la – quem tem o poder não deseja deixá-lo de lado. Isso ocorre, inclusive após o mental breakdown que o personagem sofre após a tentativa de suicídio de Carol. Com a formação de um conselho – uma tentativa de retomada da democracia – Rick ainda permanece como aquela eminência parda, algo comprovado pelo seu discurso posterior.

E sobre esse mesmo monólogo do personagem podemos observar o amadurecimento do roteiro de Kirkman. Como já disse em outras críticas, já saímos da introdução da história e o já clássico “We are the Walking Dead” representa muito bem isso, justificando o título da história, oferecendo a ele um novo sentido. Os personagens que aqui acompanhamos não mais vivem, apenas sobrevivem – isso pode ser considerado, de fato, uma vida? O agravante é a questão de estarem já todos infectados, então, realmente, estão todos mortos – humanos em estado terminal roubando minutos da morte – viva cada dia como se fosse seu último, a citação surge em uma das páginas e muito bem exemplifica o que o grupo passa, pois, efetivamente, não há um futuro, ninguém virá salvá-los, como o próprio protagonista diz.

No traço há, também, um evidente crescimento – a mudança do artista do primeiro volume para o segundo já não incomoda mais, ao passo que o desenho evidentemente passa a contar com um número maior de detalhes, especialmente nos personagens, que, como nunca, conseguem demonstrar perfeitamente suas emoções. Painéis contam com um maior número de detalhes e estão evidentemente mais presentes. O interessante, porém, é, já tendo lido o que vem depois, saber que a arte ainda melhora muito.

The Walking Dead é um daqueles exemplos raros de obras que parece só ficar melhor a cada número, uma história que consegue nos sugar para dentro dela, nos fazer sentir como eles se sentem, nos angustiar. Desejos Carnais continua a narrativa ágil e angustiante construída por Robert Kirkman, apenas nos deixando com uma ânsia maior do que está por vir nos números subsequentes.

The Walking Dead – Vol. 4: Desejos Carnais (The Walking Dead – Vol. 4: The Heart’s Desire)

Contendo: The Walking Dead # 19 a 24
Roteiro: Robert Kirkman
Arte: Charlie Adlard
Arte-final: Cliff Rathburn
Capas: Tony Moore
Letras: Robert Kirkman
Editora nos EUA: Image Comics
Data original de publicação: junho de 2004 a novembro de 2005
Editora no Brasil: HQM
Data original de publicação no Brasil: outubro de 2009 (encadernado)
Páginas: 148


Crítica | Para O Homem Que Tem Tudo - Alan Moore nos revela a alma do Homem de Aço

No começo dos anos 80, as histórias em quadrinhos começaram a ganhar popularidade dentro do Reino Unido, e não apenas com crianças, mas também chamando a atenção de diversos jovens, tanto do ensino médio quanto universitários. Quem se beneficiou desse aumento do público das historias de banda desenhada era um jovem escritor que iniciava sua carreira no meio, seu nome era Alan Moore. O escritor já começava a mostrar naquela época o porquê de ter se tornado um dos maiores nomes no que tange quadrinhos. Era extremamente requisitado por diversas editoras, como por exemplo a IPC Magazines ( responsável pela famosa revista 2000 AD) e a Marvel UK( divisão britânica da Marvel Comics). Nessa época já começava a trabalhar com aquele que se tornaria seu grande parceiro e amigo, o desenhista Dave Gibbons.

O sucesso de Moore e de Gibbons logo começaria a chamar a atenção do mainstream americano. Len Wein, editor da DC comics na época, convidou o desenhista para desenhar a revista do Lanterna Verde em 1982. No ano seguinte seria a vez de Alan receber um convite, para que assumisse a revista do Monstro do Pântano, que na época estava com baixas críticas, e consequentemente baixas vendas. O escritor praticamente reinventou o personagem, ao abordar em suas tramas questões sociais e ambientais. Sob a tutela de Moore,a revista recebeu vários elogios, e as vendas aumentaram. O sucesso fez com que a DC decidisse exportar diversos outros escritores do Reino Unido, entre eles Grant Morrison, Jamie Delano e Neil Gaiman, para escrever séries com a mesma popularidade do Monstro do Pântano. Esse fato marcaria o inicio do selo Vertigo, que seria marcado por histórias mais adultas.

Algum tempo depois, Julius Schwartz, também editor, perguntou a Gibbons se ele tinha interesse em desenhar uma história para o Superman. O desenhista aceitou, mas questionou para Schwartz quem era o roteirista da história. O editor não tinha escolhido um nome, e garantiu a Gibbons o direito de escolher quem iria ser o responsável pela trama, que rapidamente apontou Alan Moore como sua escolha. O escritor já tinha mostrado vontade de escrever sobre personagens do time principal da DC Comics, como por exemplo o Caçador de Marte, e também os Desafiadores do Desconhecido. Havia levado diversas propostas a diretoria da editora, mas todos os personagens que escolhia já estavam sendo escritos por outros profissionais. Junto com Gibbons, Alan Moore iria escrever não apenas uma das melhores histórias do Homem de Aço, mas como também uma obra que se tornaria uma das principais da Era de Bronze dos quadrinhos, devido a sua abordagem inédita.

Na trama, estamos na data do '' aniversário do Superman'' (data em que ele chegou a terra), e seus melhores amigos, Batman ( acompanhado por Jason Todd) e Mulher Maravilha lhe fazem uma visita a Fortaleza da Solidão para lhe entregar seus presentes. Ao chegarem la, acham o Superman em estado de transe, enrolado por uma planta misteriosa. Logo descobrem que o responsável pelo ato é o alien Mongul, um recente vilão do Azulão, e que havia sofrido recentemente uma humilhante derrota para esse. O vilão revela que a planta é chamada Clemência Negra, que suga a bioaura de sua vítima, enquanto realiza o seu maior desejo. Na outra parte da história, vemos que Kal-El habitando seu planeta natal, que nunca foi destruído, e sendo casado e com dois conflitos. Krypton enfrenta uma grave crise social, com alguns defendendo que o planeta volte a ser o que era, contra outros que apoiam as práticas progressistas que estão sendo aplicadas. O líder dos conservadores é Jor-El, que caiu em desgraça após suas previsões sobre o fim do mundo falharem. Enquanto isso, Kal-El começa a perceber que talvez nada do que vive é real.

Alan Moore fez definitivamente algo que nenhum outro escritor já havia feito com o Superman, ele fez uma dissecação da alma do Homem de Aço. O Superman era visto como um exemplo por todas as pessoas da Terra, sendo amado e respeitado em cada continente pelos seus feitos heroicos. Não apenas na terra, o Azulão era respeitado em diversas outras regiões do universo, ao mesmo tempo que era temido em mesmo proporção pelos seus inimigos. Mas, Moore então decide fazer um questionamento, será que dentro dele ele se sentia completo? A resposta nos dada é negativa. Em seu interior, Kal El nunca deixaria de ser um órfão, aquele ser que perdeu todo o seu planeta e que nunca pode viver junto do seu povo. E ele sabe que, não importa o quão poderoso ele fosse, ele jamais poderia mudar isso, o que lhe causava um grande sofrimento.

Não apenas fazer uma nova abordagem do personagem, Alan Moore nos mostra o quanto ele é importante. Se Krypton não tivesse explodido, a vida do Homem de Aço teria sido completamente diferente do que é agora, com ele provavelmente seguindo a mesma carreira do pai, ou talvez diferente, e tendo uma família e com nenhum pensamento de ser um herói. Não existiria um Superman, seus atos heroicos nunca aconteceriam. Ai que entra o grande conflito interno da trama. O Superman ter que escolher viver o seu sonho, junto do seu povo, ou voltar para a realidade, continuar sendo o símbolo de esperança que nós conhecemos, e se convencer de que Krypton nunca irá retornar. Já é possível imaginar qual foi o caminho que ele escolheu, e é bastante tocante e forte quando ele se desconecta do mundo criado pela Clemência negra.

Moore fez aquilo que Dennis O´Neil fez com o Lanterna Verde  nos anos 70, mostrou que era possível fazer histórias mais sérias dos personagens principais da DC, sem fazer com que eles perdessem sua essência. Batman aqui na história é mostrado ao mesmo tempo como o grande pensador analítico, e ao mesmo tempo atuando como uma figura paterna para o jovem Jason Todd ( que acabava de assumir o manto de Robin, abandonado por Dicky Grayson, que virou líder dos Titãs). O escritor por um breve momento nos mostra aquele lado do Batman que já conhecemos, a saudade eterna dos seus pais, assassinados na sua frente. A Clemência negra ataca o morcego e vemos Batman numa ilusão onde Thomas consegue desarmar Joe Chill, momento rápido mas forte também. Mulher Maravilha é mostrada também pelos seus dois lados, a pessoa doce e gentil, mas que quando é necessário se torna uma poderosa guerreira.


A arte de Gibbons é definitivamente um show a parte. O nível de detalhismo que ele coloca em seus desenhos é algo extremamente fora de série. É incrível a capacidade que ele tem de demonstrar todas as emoções dos personagens. Vale citar também, um dos grandes feitos dessa história é mostrar uma faceta do Superman que antes não havia sido conhecida, a raiva. Quando o herói sai da sua prisão mental, ele entra em um completo estado de fúria, algo que nunca tinha sido feito. O quadro onde vemos o Homem de Aço queimando Mongul é poderosa. Os traços do vilão também são extremamente bem feitos, dando-lhe imponência e mostrando o quanto ele é perigoso.

Para o Homem Que Tem Tudo é uma quadrinho extremamente bem desenhado e muito bem escrito. Consegue trazer uma ótima mistura de ação e drama. É uma história extremamente profunda, que mostrou para o público que o Superman talvez fosse um personagem mais complexo do que eles imaginavam, e mostra o porque dele ser tão importante no mundo em que vive.

Para O Homem Que Tem Tudo (For The Man Who Has Everything) — EUA, Agosto de 1985
Contendo: 
Superman Vol 1 Annual #11

Roteiro: Alan Moore
Arte: Dave Gibbons
Arte-final: Dave Gibbons
Cores: Tom Ziuko
Letras: Dave Gibbons
Editor: Julius Schwartz


Crítica | Grandes Astros: Superman - O Melhor do Melhor

Grant Morrison é, sem dúvida nenhuma, um dos maiores nomes dos quadrinhos de todos os tempos, tendo conquistado uma legião de fãs desde o inicio da sua carreira nos anos 80. O que chamava a atenção do público era o quanto seus roteiros eram criativos, complexos, críticos sobre várias questões da sociedade e também com diversas referências a cultura pop. Em seu currículo constam quadrinhos muito elogiados, como seu run pela revista do Homem Animal, sua passagem pela revisa da Patrulha do Destino, e também pela revista da Liga da Justiça, fazendo o grupo voltar a lista de Best Sellers. Teve também suas criações próprias, a mais lembrada sendo a revista The Invisibles, da Vertigo. Em 2005 foi lhe dada a chance que há muito tempo esperava, escrever uma história sobre o Homem de Aço.

A história faria parte do selo All Star, que daria liberdade para os escritores fazerem histórias que não tivessem ligação com a linha cronológica, e teriam a sua disposição todos os elementos dos personagens que pretendiam escrever, para poder escrever histórias para pessoas que não tinham muito contato com o mundo dos quadrinhos. Morrison não tinha a intenção de fazer uma nova história de origem para o Superman, e nem trabalhar em outras histórias clássicas do Azulão, e sim criar uma história que fosse universal e atemporal, que mostrasse o que o Homem de Aço representava, e que sintetizasse o melhor de cada era do maior herói de todos os tempos. E assim nascia Grandes Astros: Superman. considerada por muitos o melhor quadrinho já escrito do último filho de Krypton

Na Trama, um grupo de cientistas do Projeto Cadmus estão fazendo pesquisas exploratórias próximas ao Sol, mas então são sabotados por Lex Luthor. Superman parte para o resgate do grupo, porém, ele não imaginava que tudo fazia parte do plano de Luthor, que pretendia sobrecarregar o Homem de Aço com altas quantidades de radiação, sabendo que isso o levaria a morte. O plano do vilão dá certo e o herói descobre que tem pouco tempo de vida, cerca de 1 ano,mas decide manter o seu destino em segredo para a humanidade. Lex é preso por crimes contra a humanidade, e sentenciado a morte na cadeira elétrica, devido a um artigo escrito por Clark Kent no Planeta Diário. Com pouco tempo na terra, Kent decide revelar sua identidade secreta para Lois, e usar os novos poderes que adquiriu para ajudar de maneira significativa os povos da terra, quanto também o povo de Kandor, miniaturizado por Brainiac.


A ideia de Morrison era trazer para essa HQ os principais elementos que fizeram parte de toda a trajetória, e como dito anteriormente, sintetizar o melhor de todas as eras do personagem. E ele faz isso, e com muita maestria. O roteiro de Grant traz aqui diversos elementos que fazem parte do universo do Superman, e todos são muito bem trabalhados e têm. Temos Jimmy Olsen, o corajoso repórter, que devido a sua coragem sempre acabava se metendo em confusão, e  no final é salvo pelo amigo. Temos Lois Lane, a intrépida jornalista, que está sempre em busca da verdade. Temos Luthor, que é mostrado como um ser corroído pela inveja, porque acreditava que o Superman tomou o seu lugar.  Temos a cidade engarrafada de Kandor, o único contato que o Superman tem com a sua cultura. A Fortaleza da Solidão, o abrigo herói, onde ele tirava um tempo para repousar, e guardar coisas incríveis.

Grant também trabalha com características do personagem principal. Vemos ele trabalhar aquela idéia de existir dois Clark Kent, o repórter atrapalhado, e o herói adorado, algo era bastante comum na Era de Prata e de Ouro. Enquanto Superman é imponente, corajoso, esbanja confiança, Kent é estabanado, tímido, e exala a inferioridade. O autor aqui nos mostra o quão bem trabalhada é a identidade secreta do Homem de Aço, que até mesmo Lois tem dificuldade para acreditar que são a mesma pessoa. Há também retornos a um conceito que foi comum na Era de Prata, período em que o herói teve um aumento gigantesco de poder, conseguindo ate tirar de órbita vários planetas ao mesmo tempo. Graças a exposição aos raios solares, o Homem de Aço mais uma vez chega a níveis de poderes inimagináveis, de tal forma que nem Kryptonita o afeta mais da mesma maneira.  Morrison brinca aqui com as diversas caracterizações que o personagem teve ao longo dos anos, e funciona bem com o plano que ele tem em sua obra.

As histórias do Superman sempre foram marcadas por seu teor aventureiro e por seu teor de ficção científica, e Morrison nos entrega isso. Vemos o herói enfrentando robôs gigantes, enfrentando uma entidade cósmica ee nfrentando invasões alienígenas. O ritmo é alucinante e diverte a todos aqueles que leem. Mas não apenas de ação é feita o quadrinhos, e também com partes bastante emocionantes e que nos tocam profundamente.Nós sabemos que a vida do Escoteiro está por um fio, então é tocante ver que ele tentar cumprir tudo aquilo que se propôs antes que o fim chegue. A que mais se destaca é quando Clark decide retornar a um dos momentos que mais marcou sua vida, que foi a morte de seu pai, Jonathan Kent, e fica difícil não se emocionar com todo o ocorrido, o que não pretendo dizer como se sucedeu, para não estragar para aqueles que ainda não tiveram o prazer de ler.

Porém, acredito que o principal dessa HQ é nos lembrar o porquê do Superman ser tão importante. Ele não é querido por causa dos seus poderes, ou porque ele foi o primeiro de todos. O Super conquistou uma legião de fãs devido ao fato de ser um bússola moral, uma figura que representava os mais altos valores. Um ser tão poderoso, que poderia ter subjugado a humanidade com tanta facilidade, mas que no entanto, decidiu que iria ser alguém leal, amigo e servir como um símbolo de esperança. Acho que é justo falar que o Azulão é quase uma personificação das virtudes da São Tomás de Aquino. Ele tem a prudência, pois sempre age pelos meios corretos. Ele representa a justiça. Ele tem a fortaleza, pois nunca se deixou corromper por momentos difíceis, e por último ele possui a temperança, pois nunca foi dominado pelas paixões, e sempre soube ser equilibrado. Não atoa muitos passaram a ver o herói como uma figura messiânica e divina.

Sobre essa visão religiosa, Morrison também acha espaço para falar sobre isso. Em uma das edições, vemos o Superman usar os poderes que criar uma imitação do Planeta Terra, e vemos que esses novos seres seguem a mesma linha cronológica que nós seguimos, passando por Idade da Pedra, Grécia, Roma, até chegar aos tempos modernos. Ao fazer isso, o roteirista tem a intenção de visitar dois momentos importantes da história do Superman. O momento em que Nietzsche escreve Assim Fala Zaratrusta, onde cunhou o termo Ubersmasch, que serviu como inspiração para Joe Shuster e Jerry Siegel quando começaram a planejar o primeiro protótipo do personagem. E também o momento em que Siegel reformulou o personagem pela terceira vez, e chegou a sua versão definitiva. Incrível como Grant sabe encaixar as coisas.

Frank Quitely, que já havia trabalhado com Morrison no Run do roteirista nos X-men, o acompanha mais uma vez nessa HQ, e mais uma vez faz um belo trabalho. Ele consegue fazer traços que são uma junção do atual e do antigo, o que casa bem com a finalidade da HQ. Ele é bastante detalhista nos desenhos dos personagens, e consegue evidenciar muito bem as suas emoções. Duas cenas que ele fez que mais chamam atenção é o Superman voando perto do Sol, e o beijo entre o herói e Lois Lane no solo da luna, que são belíssimas. O colorista Jamie Grant usa cores bastante vivas sobre os desenhos de Quitely, que funciona muito bem com a temática esperançosa da trama.

Grandes Astros Superman pode facilmente ser definida como a HQ definitiva do Homem de Aço. É uma homenagem a tudo que o herói viveu em sua história, e mostra tudo aquilo que ele representa. Ela nos faz lembrar a importância de sempre ter esperança, e em tempos como os que vivemos, este sentimento se faz muito importante.

Grandes Astros Superman (All Star Superman)  — EUA, 2005
Roteiro: Grant Morrison
Arte: Frank Quitely
Cores: Jamie Grant
Editora original: DC Comics
Editor: Brandon Montclare, Bob Schreck
Editor-chefe: Dan Didio

Persona 3 Reload | Um remake que resgata e aprimora um dos maiores sucessos da série Persona

Persona 3 Reload é a nova versão do aclamado terceiro jogo da franquia Persona da Atlus, que por sua vez é um derivado da série Shin Megami Tensei e este é um dos poucos casos de um derivado ficar mais famoso do que o jogo original. O charme de Persona se deve por apresentar histórias que se relacionam mais com o público de uma forma um pouco íntima, apresentando a história quase como uma visual novel quotidiana com os laços sociais e sistema de atributos que estimulam os jogadores a sempre formar vínculos com os colegas e npcs dentro do jogo, ao contrário da série original que prioriza mais o combate e normalmente apresenta uma história mais tradicional.

Após o êxito impressionante de Persona 5, fãs começaram a pedir por mais jogos incessantemente e a Atlus viu a chance de criar mais derivados (como Persona 5 Strikers e Persona 5 Tactica) e remakes dos títulos mais antigos, seguindo a tendência de outros estúdios como a Square Enix com seus Final Fantasies e a Capcom com seus Resident Evils.

O título escolhido para receber o primeiro remake da série foi Persona 3, que além de ter dado a cara mais atual para a série lá em 2006, contando com as visões criativas de Shigenori Soejima e Katsura Hashino, teve também diversas versões diferentes, desde a original do Playstation 2, P3P para o PSP e P3 FES. Por tantas opções, muitos acham que o jogo não teve sua versão definitiva e por muito tempo se esperou uma nova versão deste que é considerado o melhor jogo da série por alguns fãs. Vamos ver agora se a nova versão atende as expectativas.

Persona 3 Reload não deve ganhar versão "definitiva", garante Atlus

Recarregando

Na época de Persona 3, o gameplay não era exatamente do mesmo nível do Persona 5 que observava avanços em vários aspectos do que era apresentado nos RPGs da Atlus na década de 2000. No entanto, alguns elementos dos jogos mais recentes se notam aqui. A primeira coisa que percebemos é o visual. Nos jogos anteriores, as expressões dos personagens in game eram simplificadas e não eram muito realistas, enquanto que nas cenas de diálogo havia as artes do Soejima de cada um dos personagens em estilo anime. A partir do P5 começaram a experimentar com modelos de personagens que são mais parecidos com essas artes, assim é a primeira vez que vemos os personagens de Persona 3 desta forma.

Outra mudança notável se faz presente no sistema de combate. De modo geral, os confrontos estão muito mais fluidos do que nas versões anteriores de P3 com a nova iteração apresentando duas novas mecânicas para auxiliar o jogador na luta contra as sombras, uma delas sendo o sistema de troca. Quando a fraqueza de um inimigo é atingida, é possível trocar para outro personagem, possibilitando atingir a fraqueza de outro inimigo caso o jogador tenha o personagem com a persona necessária para isso, com sorte levando a um ataque total. Para aqueles que jogaram Persona 5, a mecânica não é novidade, sendo apenas outro nome para a “passagem de bastão” presente no jogo.

O destaque de Persona 3 Reload é a teurgia. Esse sistema consiste em uma habilidade especial que faz um dano considerável no inimigo, ignorando as resistências, ou cura e aumenta os stats dos personagens durante a luta, com animações únicas para cada personagem. Este poder deve ser carregado e cada um do grupo tem uma maneira diferente de fazer isso. O protagonista carrega invocando suas personas, Yukari curando os amigos, Mitsuru sendo mais agressiva atingindo inimigos e causando aflições… enfim, o jogador vai descobrindo ao longo do jogo como utilizar a mecânica da melhor maneira. O sistema faz com que as batalhas sejam mais dinâmicas do que nunca, mas também mais fáceis, no bom sentido, até porque o Persona 3 original na dificuldade padrão oferecia um desafio considerável.

Persona 3 Reload já vendeu 1 milhão de cópias
Atlus

O poder da amizade em Persona 3 Reload

Como normalmente acontece nos jogos da série, são os vínculos que você desenvolve com as pessoas que fazem do protagonista mais forte. Caso você seja um principiante na série, nestes jogos geralmente grupos de jovens lutam contra as sombras que só podem ser vencidas com o uso de personas, o poder do “eu alternativo”. Cada um dos personagens possui uma persona com habilidades específicas.

No entanto, este não é o caso do protagonista. Ele é especial, podendo usar diversas personas, cada uma das personas que ele usa corresponde a uma carta de tarô dos 22 arcanos maiores e cada uma dessas cartas representa também um link social que você tem com algum outro personagem dentro do jogo, que fica mais forte cada vez que você passa um tempo com eles.

Um link social forte significa que, na hora em que for fundir personas na sala de veludo, ela receba um incremento considerável de experiência. Por isso, sempre é bom estreitar relações com todos os indivíduos disponíveis para tal e administrar bem o tempo que passa entre eles. Dentre estes temos várias histórias fascinantes que complementam a história do jogo. O casal de idosos na bookworms lida com a idade avançada e o luto pela perda do filho. A adolescente Yukio lida com um futuro incerto na chegada próxima da idade adulta. Bebe, um intercambista francês que se apaixonou pelo Japão, se vê em um dilema quando a tia que sustentava sua estadia no país estrangeiro falece. Também temos histórias mais simples como a de Chihiro cujo problema é ser muito tímida e não conseguir falar com garotos. Em suma o jogo possui esse aspecto de simulador social combinado com as mecânicas de RPG, algo que é a marca registrada da série.

Para desbloquear alguns segmentos dentro do link social é necessário aumentar certos atributos. Em Persona 3 isso é bem mais simples de fazer do que em suas sequências, visto que são apenas três atributos para melhorar, sendo eles inteligência, charme e coragem. Um exemplo da forma com que isso influencia é no romance do jogo. Caso você queira começar um, há garotas que apreciam mais chame, coragem ou inteligência, vai depender de quem quiser abordar.

Estamos condenados e está tudo bem

Tudo isso ajuda a apontar para o tema central do jogo, o de que estamos todos condenados e que é exatamente por isso que a vida é preciosa. Desde o começo do jogo somos alertados que o fim está próximo e que temos apenas um ano para aproveitarmos. O jogo abre com uma cena bem forte, mostrando uma jovem que aparentemente está prestes a cometer suicídio. A inevitabilidade da morte e do fim é um tema recorrente aqui e este é um tema particularmente caro para os japoneses.

A premissa básica de Persona 3 Reload segue o protagonista (cujo nome você escolhe) que se muda de cidade para cursar o segundo ano do ensino médio. Ao chegar ele se depara com um cenário bem estranho, há rastros de sangue no chão e caixões espalhados pela rua. Ele e o jogador não sabem naquele ponto, mas aquela é a hora sombria, um horário fora do tempo e espaço onde as sombras aparecem, lá fica a torre do tártaro. A aparição dessas criaturas e do tártaro parece estar ligada a uma crise de síndrome de apatia que assola as pessoas do mundo. Assim seu objetivo é destruir as criaturas e a torre para impedir que este mal consuma o mundo, mas haverão inimigos para tentar te impedir.

Com essa premissa, Persona 3 é considerado o jogo mais sombrio da franquia. Não quero dar spoilers, mas a história deste jogo vale muito a pena ser experienciada na sua totalidade, especialmente para os novatos na série, há muito o que se apreciar aqui. A história do jogo é uma das melhores de toda a série, incluindo todos os títulos numerados e seus spin-offs.

Persona 3 Reload Conclusão

Persona 3 Reload revitaliza um dos melhores jogos da série com bastante mérito. Talvez alguns fãs se decepcionem com a ausência de adições em outras versões como P3P e P3 FES (talvez o conteúdo venha em forma de DLC?). Mas vale muito a pena apresentar esta história a novos jogadores e para veteranos revisitar ela de uma nova maneira. A Atlus nos agracia com mais um ótimo JRPG.