Crítica | Unbreakable Kimmy Schmidt - 3ª Temporada
A crescente demanda por obras originais colocou a gigante do serviço de streaming Netflix à mercê de preencher seu catálogo com produções muito parecidas e definitivamente fora do padrão que costumava entregar há alguns anos. Dentre suas recentes adições, podemos citar a emersão de comédias escrachadas como Santa Clarita Diet ou autobiografias livremente adaptadas como Girlboss - e ambas deram indícios de uma possível decadência da companhia. Felizmente, Tina Fey e Robert Carlock, resgatando sua grande experiência nos meios cômicos, conseguiram resgatar esse potencial perdido ao nos entregar uma ótima temporada da série Unbreakable Kimmy Schmidt.
Primeiramente, preciso falar de como Fey e Carlock possuem uma mão quase endeusada para criar personagens adoráveis e que perpassem por todas as facetas do ser humano, oscilando entre escolher o que é certo e o que é justo, ou então divagando sobre as angústias do que poderia ser ou ter sido. Aqui, a protagonista é a personagem-título Kimmy, interpretada pela amável Ellie Kemper, e sua importância não poderia estar mais clara: desde a temporada de estreia, ela encarna e se deixa levar pelas irreverências que todos nós gostaríamos de ter, mas que é martirizada pelos valores tradicionalistas da sociedade em que vivemos. Seu arquétipo é baseado justamente naquilo que a maioria das pessoas condena: uma personalidade questionadora, otimista e autossuficiente das maneiras menos convencionais possíveis.
E no terceiro ano da série, Kimmy continua sua jornada de autodescobrimento dentro da comunidade nova-iorquina, tentando se encaixar em algum nicho urbano à medida em que percebe que não precisa deste respaldo para continuar autêntica. Afinal, como já sabemos, ela passou quinze anos encarcerada em um bunker pelo Reverendo Richard Wayne Gary Wayner (Jon Hamm), como parte de um culto religioso que visava à salvação pós-apocalíptica. Desse modo, ela foi extremamente influenciada por uma ética submissiva e que até hoje traz corolários para sua compreensão do mundo: muitos podem pensar que ela permanece no âmbito pueril da construção identitária, mas, na verdade, sua "ignorância" provém de uma plasticidade abstrata que, contraditoriamente, é o que a torna independente de qualquer um.
Já no primeiro capítulo, Kimmy Gets Divorced?!, a protagonista se vê num dilema entre fechar ou não o acordo de divórcio entre ela e o Reverendo - um dos ganchos da temporada anterior e que nos fez entrar num choque catártico. A partir daí, percebemos o desenrolar da história enquanto outros personagens começam a influenciá-la a fazer a coisa "certa" - cuja perspectiva subjetiva varia de um para outro. Jacqueline (Jane Krakowski) é a primeira a fazer sua jogada, mostrando a Kimmy que ela deve estar no controle e fazê-lo pagar por tudo o que passou no bunker - e o resultado não poderia ter sido outro: sequência extremamente cômicas perduram durante os trinta minutos de episódio e que culminam numa virada um tanto quanto maniqueísta, mas com uma funcionalidade incrível.
Unbreakable Kimmy Schmidt traz, numa análise mais profunda, arquétipos e estereótipos da própria commedia dell'arte, surgida na Itália no início do século XVI. Inicialmente emergindo como apenas uma delimitação entre o teatro amador e o profissional, a commedia é base ainda para a criação de diversos produtos audiovisuais contemporâneos - e aqui temos um claro exemplo de como vertentes históricas ainda têm muito a contar para nós, mesmo que de forma transgredida. Kimmy é a personificação multidimensional do chamado arlecchino, ou seja, o escape de toda a obra cujo arco tragicômico é pautado na impossibilidade narrativa. Mas ao mesmo tempo, esse cru conceito da Renascença europeia é adornada com elementos da jornada do herói que a colocam em diversos momentos de ressurreição e epifania, contribuindo para a complexidade de sua própria presença.
Jacqueline, inicialmente fincada às raízes dos pantalones, ou seja, da personificação do avarento e do pão-duro que se preocupa apenas com o dinheiro, é uma das personagens que mais evoluiu na série inteira: antes, era vista como a grande vilã da história, responsável por tudo aquilo que Kimmy sempre repudiou, mas que estaria constantemente marcando sua vida; em meados da segunda temporada, ela passa por uma transição e mergulha em um âmbito cultural que a permite retornar às raízes indígenas, renegando o próprio afastamento da família e permitindo-lhe criar um vínculo com a militância preservativa. Ela é sim uma socialite e diversas vezes entra em um embate existencialista e cômico com uma de suas arqui-inimigas, Deirdre Robespierre (Anna Camp), mas, diferente de outros ao seu redor, traz nuances muito bem delineadas para a telinha.
Entretanto, várias vezes o foco da cena é roubado pela simples presença calada de Titus Andromedon. Tituss Burgess, o ator que dá vida a tal personagem, é, sem sombra de dúvida, uma das personalidades mais versáteis do mundo do entretenimento nos dias de hoje. Resgatando elementos de sua criação teatral e expondo seu alcance vocal com inúmeras referências musicais, Titus se tornou o arquétipo de guardião imperfeito que, ao mesmo tempo em que cuida de Kimmy, não pode deixar de cair nos próprios erros e defeitos - como o egoísmo e a megalomania -, trazendo ainda mais graça para as sequências. Em Kimmy's Roommate Lemonades, o personagem se vê num crescente arco de tensão originado pela descoberta da traição de Mike (Mike Carlsen), seu namorado, enquanto ele esteve trabalhando em um cruzeiro - e, para se vingar, ele traz à tona uma versão inconvencional e apaixonante de Beyoncé, reproduzindo, ao seu estilo, vários dos clipes que a cantora fez para seu mais recente álbum, Lemonade.
Aproveitando o comentário, é necessário dizer que as referências em Unbreakable são pertinentes aos assuntos tratados e transformam as narrativas e suas subtramas em algo atemporal e que atravessa a barreira cronológica imposta por nós mesmos. Seja realizando um breve crossover entre esta série e Orange is the New Black (outra comédia original Netflix) ou então fazendo uma breve homenagem à trilogia de ficção científica De Volta para o Futuro, tudo funciona perfeitamente, como as engrenagens de um relógio: a irreverência é o principal material com o qual se brinca aqui, e o time criativo da série faz questão de, através de diálogos autoexplicativos, exteriorizar monólogos interiores para mostrar a inconstância da psique humana.
Cada capítulo traz sua própria mensagem para ser passada, como se as iterações fossem pequenas fábulas: carregadas de metáforas cômicas e, quando compiladas, transformadas em um manual de morais a serem teoricamente seguidas para aqueles "perdidos na vida". E é claro que isso não poderia acontecer sem um elenco de apoio - e as aparições nesta terceira temporada são simplesmente fantásticas. Temos, como exemplo, Laura Dern interpretando uma advogada psicótica e iludida que surge como a arma do Reverendo para que Kimmy ceda à assinatura do divórcio, permitindo que os dois se casam; Maya Rudolph, abandonando seus trejeitos escrachados das comédias pastelões, entra num círculo back to basics para dar vida a uma versão demoníaca da cantora Dionne Warwick, cuja relação com Titus é inimaginável.
Definitivamente os ápices de convidados especiais se concentram nas cenas entre Artie (Peter Riegert) e Lilian (Carol Kane). Artie Goodman é um empresário símbolo do capitalismo da "gentrificação" tão odiada por Lilian desde a primeira temporada - e, como bem diz o ditado, os opostos se atraem. Após passarem diversos capítulos em um embate político sobre o que é melhor e o que é certo para a comunidade em que vivem, os dois desenvolvem laços românticos que ultrapassam os próprios conceitos amorosos que tanto vemos em obras audiovisuais; em outras palavras, a relação entre ambos é tudo, menos clichê.
Os temas-base encontram um caminho de grande exploração em Unbreakable. Os episódios convergem para uma arquitrama principal, mas à medida em que novos personagens vão surgindo, outras vertentes são exploradas com objetivo da autorreflexão - e, ao contrário do que poderíamos imaginar, nada é infantilizado ou escrachado, e sim elevado a um nível de transgressão que transforma os acontecimentos em situações inverossímeis e, ao mesmo tempo, passíveis de maior compreensão pelo público.
A terceira temporada de uma das melhores séries do serviço de streaming é um presente entregue a tempo de salvar seu catálogo original. Oscilando entre drama e comédia com grande maestria, não podemos deixar de nos emocionar com as viradas - e esperar quietamente para o retorno de Kimmy, Titus, Jacqueline, Lilian e os outros.
Unbreakable Kimmy Schmidt – 3ª Temporada (Idem, 2017 - EUA)
Criado por: Tina Fey, Robert Carlock
Direção: Tristram Shapeero, Michael Engler, Beth McCarthy-Miller, Jeff Richmond, Ken Whittingham e outros
Roteiro: Robert Carlock, Tina Fey, Sam Means, Dan Rubin, Meredith Scardino, Allison Silverman e outros
Elenco: Ellie Kemper, Tituss Burgess, Jane Krakowski, Carol Kane, Sara Chase, Lauren Adams, Sol Miranda, Jon Hamm, Laura Dern, Amy Sedaris, Anna Camp, Mike Carlsen
Emissora: Netflix
Gênero: Comédia
Duração: 30 minutos
Crítica | Mulher Maravilha: Espírito da Verdade
Em 2001 foi publicada a última graphic novel fruto da parceria entre o excelente roteirista Paul Dini e um dos maiores ilustradores dos quadrinhos, Alex Ross. A dupla já tinha feito trabalhos maravilhosos na DC que ficaram consagrados, como Superman: Paz na Terra; Batman: Guerra ao Crime e Shazam: O Poder da Esperança.
Poucas pessoas escrevem estórias de super heróis como o Paul Dini, em todo roteiro que ele escreve, podemos perceber seu profundo conhecimento pelo personagem e o mundo em que ele se insere, além de uma tremenda paixão que ele expressa por meio de suas palavras, assim ele consegue capturar como ninguém a essência do herói e Alex Ross impressiona como sempre com a sua arte realista, com um grau de detalhe absurdo, cada desenho um quadro para emoldurar.
A estória abre com uma narração de Hipolita, regente das amazonas e mãe de Diana que posteriormente se tornaria a maior super heroína de todos os tempos, ela conta sobre a difícil convivência entre os homens e as amazonas, de quando fundaram a sociedade de Themyscira na Ilha Paraíso e da eventual necessidade de se reaproximar do mundo dos homens que resultou na organização de um torneio para decidir quem seria a embaixadora, em que Diana se saiu vitoriosa, assim se tornando a Mulher Maravilha.
Depois dessa introdução temos a nossa protagonista correndo para salvar alguns políticos que haviam sido feitos reféns por um grupo terrorista e vemos o medo que a guerreira amazona provoca neles, depois vemos a Mulher Maravilha em seus diversos atos heroicos, como salvar pessoas de um incêndio e parar um assalto. Após toda essa ação, Diana volta a Themyscira, buscando um pouco de paz e tranquilidade ao lado de seu povo, quando vai falar com sua mãe, ela fala sobre o que a aflige no momento, seus atos em prol da humanidade nem sempre são reconhecidos pela mesma, Hipolita se solidariza com o problema da filha, mas não compreende, os homens deviam entender que ela está ali para ajuda-los.
A ideia do super herói em si, de que alguém todo poderoso está vigiando e vai nos salvar sempre, conhecendo ou não a vitima, sem preconceitos e sem julgamentos é bastante ingênua, tal ser nunca existiria no mundo real e o universo em que ele se insere é completamente fantástico, mas uma das particularidades dos quadrinhos Dini/Ross é divagar sobre como seria se eles estivessem em nosso mundo. Como eles veriam a humanidade? Como a humanidade os veria? Como eles mudariam o mundo?
Assim, Espírito da Verdade traz questões mais próximas da realidade do que o habitual nos quadrinhos da Mulher Maravilha, aqui Diana se pergunta se ela seria capaz de acabar com os conflitos no mundo e como ela alcançaria esse objetivo, já que as pessoas nem mesmo a compreendem, sendo recebida com hostilidade quando sua intenção é ajudar. Temos aqui a questão que move toda a trama do quadrinho. Ideia simples, mas poderosa.
Diana então busca conselho de um de seus amigos mais próximos, que ela acredita que possa sanar suas duvidas, Clark Kent, o Superman, como ela pensou, ele sabe a resposta melhor do que ninguém. Ela pergunta a ele o por quê dele insistir em manter a identidade do Clark Kent e não é o Superman o tempo todo, ele responde: “É simples, Clark Kent é quem eu realmente sou.”
Clark foi criado como um ser humano normal, por seres humanos normais, em uma fazenda, ele era Clark Kent muito antes de se tornar o Superman. Convivendo com pessoas normais a vida toda, tendo vivido como elas e no meio delas o faz ter um bom entendimento de como elas pensam, enquanto que a Diana foi criada em uma Ilha paradisíaca fantástica, isolada de toda humanidade, por guerreiras imortais e poderosas, pouco ela sabe sobre a raça humana, assim uma compreensão mutua torna-se difícil, mas Clark recomenda que ela se aproxime mais, misture-se com eles e veja pelos seus olhos, assim talvez ela perceba como eles a percebem.
Ela segue o conselho do amigo e assiste a um protesto de um país em crise. Ali ela percebe que seu objetivo não é exatamente resolver a crise e sim que os ânimos durante a manifestação permaneçam aceitáveis e não passem dos limites, podendo resultar em uma tragédia, temos um vislumbre da preocupação de Diana quase se realizando quando um dos manifestantes saca uma arma, ela trata de desarmá-lo rapidamente e deixa o local.
Ela continua sua jornada pelo mundo como uma civil, encontra um país rico em florestas em que uma área que supostamente era para ser preservada estava sofrendo exploração, irritada com a situação, ela quebra os tratores, em outro país, devastado pela guerra ela se oferece como médica, cuidando dos feridos e depois se voluntariza para desarmar as minas, pensando que em outro dia ela poderia simplesmente detonar a bomba e absorver a explosão com seus braceletes, agora não o faz, pois sabe que ela pode facilmente tirar uma vida humana e agora ela compreende melhor o valor que isso tem.
Ela vai a um país no deserto como uma soldada e acaba ouvindo que habitantes foram usados como escudos humanos, ela então se disfarça como uma habitante do local, vestindo uma burca e é sequestrada, sendo diretamente levada para onde as pessoas estão, sendo chutadas brutalmente, Diana é recebida com bondade e gentileza pelas outras mulheres mantidas reféns e desafia um dos homens quando ele diz que elas serão transferidas, revelando sua identidade e salvando aquelas mulheres.
Após todas essas experiências, Diana se torna não somente uma super heroína melhor, mas também uma pessoa melhor, ela se descobre um ser como qualquer um de nós, cheia de contrastes e contradições e decide que vai continuar a seguir o conselho de Clark e permanecer mais tempo com uma identidade civil.
Mulher Maravilha: Espirito da Verdade é certamente uma das melhores estórias da personagem, captura a essência da personagem como nenhum outro quadrinho fez, a inserindo em um contexto mais realista e com o visual exuberante dos desenhos do Alex Ross. Esse, como todos os outros quadrinhos da dupla, merecem entrar no panteão de melhores HQs de super heróis já feitos.
Crítica | House of Cards - 5ª Temporada
CUIDADO: spoilers no texto.
Há algo de brilhante e de duvidoso sobre a nova temporada de House of Cards.
Desde seu terceiro ano, uma das séries mais densas e mais emocionantes da plataforma de streaming Netflix começou a depender demais da situação política contemporânea para criar uma base narrativa para seus personagens. É claro que, para uma produção audiovisual deste porte, a fidelidade para com o mundo real é essencialmente necessária a se atingir a verossimilhança e manter o público conectado, ainda que seja da maneira mais ínfima, com suas criações. Entretanto, é um fato dizer que o brilho do show começou a desgastar e a ser apagado gradativamente, mesmo que seu incrível roteiro continuasse extraindo reações condizentes à atmosfera criada.
E agora, depois de uma quarta temporada relativamente monótona e que colocou em cheque a premissa de House of Cards, Beau Willimon e seu time criativo conseguiu resgatar quase completamente o motivo instigador e exploratório que permitiu nos apaixonarmos pela simples feição dúbia e demoníaca do casal Underwood. Logo no primeiro episódio, percebemos que o clima na Casa Branca vai de mal a pior: a guerra contra o terrorismo - mais precisamente contra o grupo ICO -, e cujo tema sempre teve grande presença contraditório na Câmara e no Senado norte-americanos, transformou-se em um debate caloroso e individualista que se alastrou para a clara disputa de poder das duas chapas, a republicana e a democrática.
Frank Underwood não poderia estar fora dos holofotes. E durante uma sequência caótica, cuja construção amorfa gradativamente ganhou uma identidade belíssima composta por planos assiduamente simétricos, deixa que seus colegas e inimigos mantenham o tenso clima até que ganhe a possibilidade da retórica para mais uma vez entregar-se aos seus princípios irrevogáveis. O protagonista é encarnado por Kevin Spacey, e sua notoriedade e versatilidade tanto no cinema quanto na televisão mais uma vez se provam indiscutíveis: as sutilezas nas feições e nos gestos "patrióticos" sugerem uma inclinação para a compreensão social, mas seus solilóquios traduzem o que ele realmente deseja.
Seus objetivos e aspirações já são conhecidos desde o episódio piloto: ele foi traído, então se vê na total liberdade deliberativa de destruir aqueles que se opuseram à linearidade do destino para fazer exatamente a mesma coisa. Mas a construção de tal personagem o torna cego frente aos obstáculos, colocando-o num patamar de superioridade que é constantemente ratificado por seus trajes e pela imponência superficial de seus bens materiais - seja a casa de governador, o carro que usa ou até mesmo a quantidade absurda de seguranças que cercam seus conhecidos para mantê-lo longe do perigo (ainda que o perigo seja ele mesmo).
O quinto ano de House of Cards tem grandes referências a acontecimentos políticos tanto dos Estados Unidos quanto de outros países. A proposta de marketing para esta temporada criou uma dialética metalinguística para a situação brasileira no ano de 2016, além de conseguir casar harmonicamente diversas vertentes governamentais para um mesmo canal: as pessoas são cruéis e não se limitam aos próprios valores para conseguirem o que querem. Frank deixou isso bem claro em diversos momentos da trama - quando matou um cachorro para "livrá-lo do sofrimento", quando trouxe a vida de Zoe (Kate Mara) ao fim para "impedi-la de cometer erros" ou quando permitiu que o grupo terrorista supracitado tirasse a vida de um soldado americano para "um bem maior". Este é o incidente incitante do Chapter 53, o qual assombrará as decisões do presidente e de seu concorrente até os momentos finais.
O pano de fundo são as eleições presidenciais de 2016. Após a tentativa acobertada de golpe feita pelo casal principal, a qual tirou Garrett Walker (Michael Gill) do "posto supremo", outros disputantes emergiram - agora nas feições de Will e Hannah Conway (Joel Kinnaman e Dominique McElligott, respectivamente), representantes do partido republicano. Apesar de constantemente ofuscados pela química dos Underwood, os dois trazem consigo uma ameaça endossada e muito bem arquitetada, seja no carisma do concorrente a presidência dos Estados Unidos ou na ingenuidade forjada da "futura" primeira-dama. Com os ataques reveladores sobre as ações de Frank e seu próprio partido virando-lhe as costas, a primeira metade da temporada pode ser considerada quase previsível. Quase.
O grande lance da disputa entre dois candidatos diferentes busca elementos de luta até mesmo em se tratando de idade. Durante várias sequências, personagens secundários discorrem sobre Will representar a modernidade e Francis ainda carregar ideais conservadores, ainda que dentro de um partido considerado liberal, para a teoria e a prática. Já aqui percebemos os primeiros deslizes da série, os quais, como supracitado, vêm acontecendo há algum tempo: o drama político, passível de reverenciar ironicamente o modo de agir dos próprios governantes estadunidenses, deixou-se levar por uma vertente tresloucada e impossível.
Em Chapter 57, marcando a divisão entre os períodos abordados na narrativa, é quase egocêntrico, por assim dizer, por se levar tão a sério. Há tempos que House of Cards tornou-se uma brincadeira entre trâmites e acontecimentos surreais para garantir a profundidade de seus personagens - e não estou fazendo uma crítica negativa para a série, muito pelo contrário. É necessário que o público, ou parte dele, perca a ignorância de que está vendo uma recontação da realidade. Disse alguns parágrafos acima que a verossimilhança é a base, mas só; as perscrutações, as relações coadjuvantes e os tramas paralelas mantém-se no mundo ficcional e criam um microcosmos digno de ovações, justamente por parecer real.
Ora, Frank consegue fechar uma zona eleitoral inteira e adia o resultado das eleições presidenciais para benefício partidário, incitando a população aos ares de uma nova "guerra civil". Not My President (Não É o Meu Presidente) é a frase que mais vemos em tela - e em alguns momentos, o protagonista decide enfrentá-los de forma pacífica. Isso não é nenhuma novidade, principalmente para aqueles que já conhecem os métodos não-ortodoxos da figura política para tratar seus oponentes, deixando-os sem reação e garantindo-lhe mais poder - ainda que seja o mais subjetivo possível. E é claro que não podemos deixar de lado a responsável por tudo isso acontecer: a sórdida e extremamente eficaz mente de Claire Underwood (personificada pela perfeita delineação de Robin Wright).
Claire é uma peça a ser examinada com cuidado. Sua inexpressividade blasé pode ser confundida, a priori, com uma falta de personalidade, submetendo-se ao poder masculino que há séculos controla o governo estadunidense. Mas por trás da fidelidade ao seu marido e às roupas impecáveis - constantemente adornadas por tons neutros ou mais escuros, provocando-lhe uma sensação de ambiguidade -, ela possui suas próprias aspirações. Ainda que não verbalize com frequência, principalmente se levarmos em consideração que a série parte da perspectiva de Frank, Claire tem um apreço pela política que vai além da de seu marido: em Chapter 58, após tensões políticas mais uma vez tomarem conta do cenário principal, ela sobe ao cargo de presidente interina.
Nem mesmo a imparcialidade mais dura poderia tirar o brilho de seus olhos ao ter o controle de uma nação inteira nas mãos. E já posso adiantar que esse gostinho pelo poder a tira dos trilhos, fazendo menção aos dois capítulos finais. Wright faz um incrível trabalho como a personagem e mostra seu tato impecável para a direção tomando a cadeira principal de Chapter 64 e 65. Seguindo o padrão dos capítulos anteriores, ela opta por planos centralizados, entrando em uma divergência idealista com os diálogos entre personagens - todos fincados em barris de pólvora prestes a explodir. E é então que, nos momentos finais de um dos melhores arcos do ano, ela resolve mostrar sua onipotência e quebrar a quarta parede, roubando o protagonismo de Spacey de modo inefável.
House of Cards, ainda que tenha entregue uma temporada melhor que suas anteriores, ainda traz alguns deslizes complicados. Além da sobrenaturalidade de eventos, explanada anteriormente, as criações secundárias a habitarem as paredes da Casa Branca mantém-se num nível de submissão um tanto quanto monótono: até mesmo Doug Stamper (Michael Kelly) e Leann Harvey (Neve Campbell), braços-direito dos Underwood, são peões trabalhando em função de outros. Eles não são lineares, mas beiram uma desenvoltura quase ínfima, se compararmos seus arcos atuais com a do quarto ano, por exemplo: apesar dos poucos momentos de glória e de autoaceitação, eles continuam temendo a implacabilidade de seus "chefes", principalmente se levarmos em conta o passado sangrento que têm.
Até mesmo os "vilões" dos protagonistas abandonam seus postos de seriedade e se tornam cômicos. Will definitivamente é o escape a encarnação dos momentos mais pueris da quinta temporada. Não pude deixar de soltar alguns risos ao vê-lo perder a eleição e transformar-se num adolescente mimado que tinha como único objetivo atacar seus adversários. Em uma das sequências mais cruas, o personagem de Kinnaman participa de uma reunião com a Black Caucus, tentando convencê-los a apoiá-los com argumentos mais rasos que um prato de comida vazio. Sua personalidade mais robusta e severa entra em choque com os participantes afro-americanos do caucus e o tacham como racista - e com razão. A relação com a mulher Hannah passa de utópica para desastrosa em questão de pouquíssimo tempo, e mesmo assim traz mais comicidade para um ambiente essencialmente dramático.
Ainda não se sabe se House of Cards terá seu legado interrompido ou se a jornada dos Underwood terá um fim digno. Os deslizes ainda existem, mas conseguem ser ofuscados brevemente pela competência surreal de seu elenco; o que precisamos fazer é manter a consciência de que a série não é um espelho da sociedade, e sim uma convergência de estilos narrativos que tangem a ficção, entregando-a de forma convincente e satisfatória e com um season finale que, apesar de ser esperado, consegue nos manter deliberantes quanto ao que pode acontecer agora.
House of Cards – 5ª Temporada (Idem, 2017 – EUA)
Criado por: Beau Willimon
Baseado em: House of Cards, de Michael Dobbs
Direção: Robin Wright, Agnieszka Holland, Alik Shakarov, Roxann Dawson, Daniel Minahan, Michael Morris
Roteiro: Andrew Davies, Michael Dobbs, Laura Eason, Bill Kennedy, Tian Jun Gu, John Mankiewicz, Melissa James Gibson, Frank Pugliese, Kenneth Lin
Elenco: Kevin Spacey, Robin Wright, Michael Kelly, Derek Cecil, Neve Campbell, Jayne Atkinson, Joel Kinnaman, Dominique McElligott
Emissora: Netflix
Gênero: Drama político
Duração: 60 minutos
Crítica | Mulher-Maravilha: Deuses e Mortais
Em 1985 todos os títulos da DC passaram por uma grande mudança após o término da grande saga Crise nas Infinitas Terras, que possibilitou o primeiro grande “reboot” do universo DC nos quadrinhos. A tarefa de reimaginar a Mulher Maravilha foi concedida ao roteirista Greg Potter, que deixa a série após sua segunda edição, passando o bastão ao já conceituado roteirista Len Wein (Criador do Wolverine e Monstro do Pântano), do artista e também roteirista George Pérez (Novos Titãs), o resultado foi uma das melhores histórias já contadas da heroína.
Inspirados nas grandes reinterpretações que consagraram grandes artistas ocorrendo quase simultaneamente, como Batman: Ano um de Frank Miller e Superman: O Homem de Aço de John Byrne; os roteiristas decidiram fazer uma nova estória de origem para a princesa amazona, que fosse moderna, mesmo assim reconhecível, preservando os elementos essenciais que tornam a mulher maravilha a heroína fascinante que ela é. Pérez e os outros roteiristas, nos brindam com uma ótima jornada, puxada para o lado mais mitológico da Mulher Maravilha, influenciados pelo que o Walt Simmons estava fazendo com o Thor na época e uma arte primorosa para contá-la.
A estória abre na pré história mostrando um homem covardemente matando uma mulher, a “alma” dessa mulher sai do seu corpo após sua morte. Na próxima cena os deuses gregos discutem a criação de um novo ser mortal, que seria um exemplo para os demais mortais, Ares é contra a criação de tais seres e Zeus não se importa, deixando que eles resolvam a questão entre si. 4 deusas, sendo elas Artemis, Athena, Afrodite e Demeter partem para o reino de Hades para procurar as almas que se tornariam as amazonas, as almas das mulheres que morreram na pré história.
Assim começa a história das amazonas, vemos a difícil convivência delas com os homens, vivendo sempre em guerra, até que são derrotadas covardemente por Hercules. Depois de um tempo em cativeiro, a rainha Hipólita ouve a voz da deusa Athena dizendo para que se lembre de onde o seu poder vem, a amazona tira coragem dessas palavras, se libertando e libertando todas as suas irmãs. Como as amazonas acabaram se desviando de seu caminho, pecando contra as deusas, foram castigadas, tendo que ser carcereiras por toda a eternidade de forças malignas que habitam em Themyscira, na Ilha paraíso.
Séculos depois, Hipólita sentiu o desejo de ter uma filha, fez um bebê de barro e rogou aos deuses que lhe desse vida, assim nasce Diana, a princesa das amazonas. Sendo a única criança da ilha, ela era muito paparicada pelas irmãs e aprendia rápido. Sua mãe tinha uma postura super protetora em relação a ela, mas a jovem Diana se disfarça e consegue se destacar no torneio que decidiria quem seria a embaixadora no mundo dos homens. Após Steve Trevor cair em Themyscira, junto a um homem lacaio do deus Ares que quase destruiu a ilha, ela é escoltada por Hermes até o mundo dos homens para acabar com a ameaça do deus da guerra, que pretende acabar com toda vida na terra por meio de uma guerra nuclear.
A aventura é o que poderíamos esperar de uma boa estória da Mulher Maravilha com um “quê” das antigas estórias gregas, como a odisseia e estórias de fantasia como dos filmes do Ray Harryhausen que o Pérez declara abertamente ser uma das suas inspirações para toda sua fase nos quadrinhos da heroína. Os deuses gregos estão por trás de toda a estória, guiando as amazonas e a princesa Diana em sua aventura.
Vários personagens interessantes fazem aparições no decorrer das páginas, como o Steve Trevor, nessa versão ele é mais velho, na casa dos 40 e mais experiente, não sendo interesse amoroso da heroína. A professora Julia Kappatelis que rapidamente cria empatia com a princesa amazona, nessa versão Diana não é fluente em inglês, sabendo falar só grego antigo, Julia ensina a ela a língua, que ela aprende a falar rapidamente. Etta Candy nessa versão nessa versão é uma militar durona. O gentil Michael Mikaelis completa a lista dos principais coadjuvantes da aventura.
Uma das coisas mais interessantes na estória é como Diana vence o vilão principal, Ares. Ao invés de derrota-lo do jeito mais conveniente, o que seria, espancando-o e prendendo em algum lugar, como na maioria das vezes os heróis fazem, Diana simplesmente o força a enxergar o problema que ele mesmo causou de outra maneira, uma que seja mais racional. Ora, se ele erradicar a vida na terra, não teriam humanos para guerrearem e o velho deus da guerra não seria mais nada. Apesar de isso fugir do clichê, há um lado ruim, do ponto de vista da de criação, uma boa narrativa. Ares realmente estava cego o bastante para não ver isso? Esse era o plano dele a milênios. Ele perceber que o que ele faz é contraditório de uma hora pra outra e é uma grande conveniência de roteiro.
Mulher Maravilha: Deuses e Mortais traz uma ótima nova versão da heroína, mais focada em um lado mais mitológico da heroína e lembrando a fascinante personagem que Diana, princesa de Themyscira sempre foi. Ela não muda a estória que já conhecemos, é mais correto dizer que ela a expande, dando uma cara nova, mais reconhecível, ela é épica e cheia de ação, é exatamente o que se espera de uma boa HQ de super herói. Recomendo a todos os fãs da personagem, da DC e de super heróis como um todo, pois o quadrinho realmente vale muito a pena.
Titulo Original: Wonder Woman Gods and Mortals (Wonder Woman Vol 2. #1-#7)
Ano de lançamento: 1987
Roteiro: George Pérez, Greg Potter, Len Wein
Arte: George Pérez
Crítica | Master of None - 2ª Temporada
Lançada em 2015 na Netflix, Master of None foi um tremendo sucesso de crítica, facilmente colocando a comédia dramática do comediante indiano Aziz Ansari entre uma das melhores realizações contemporâneas do gênero. Aliás, não seria exagero algum taxá-la como a melhor série que o serviço de streaming já nos trouxe até hoje, e que felizmente ganhou uma segunda temporada, mesmo que esta demorasse um ano a mais para chegar. Porém, agora finalmente estamos diante de mais 10 episódios da comédia de Ansari e Alan Yang, com um novo ano que solidifica o talento da dupla e oferece um novo nível para o seriado.
A nova temporada começa de forma muito ambiciosa, com Dev (Ansari) vivendo na Itália onde participa de um curso de massas, onde tem uma forte amizade com a bela Francesca (Alessandra Mastronardi) e busca novas perspectivas de vida após seu término com Rachel (Noël Wells). De volta para Nova York, Dev novamente tem novas crônicas com seus amigos, pais, relacionamentos amorosos, e, especialmente, em sua nova carreira na televisão, que lhe garante um emprego como host de um game show culinário, ao mesmo tempo em que vê no influente Chef Jeff (Bobby Cannavale) uma chance de enfim explodir no ramo.
Ao contrário de sua antecessora, essa temporada de Master of None oferece uma estrutura de episódios muito mais isolada, que diversas vezes ignora o uso de uma narrativa contínua ao longo dos 10 capítulos, preferindo-se focar em situações ou personagens coadjuvantes no mundo de Dev. Por exemplo, temos um episódio inteiro dedicado à personagem de Denise (Lena Waithe) e sua amizade e descoberta sexual, marcado pela evolução de diferentes feriados de Thanksgivings, ao passo em que em outro episódio temos uma narrativa completamente inspirada nos longas Nova York, Eu te Amo ou Paris, Eu te Amo, com a história movendo-se livremente para acompanhar diferentes personagens em Manhattan, sem qualquer ligação que seja com o protagonista ou o arco de sua história.
Isso oferece à série um caráter livre de vinhetas e até esquetes, onde a prosa inteligente de Ansari e Yang é capaz de explorar muito mais temas do que a primeira, que acabava centrada na perspectiva do imigrante indiano em meio ao show biz americano. Aqui, a gama expande-se para um setor mais específico do audiovisual, chegando até mesmo a abordar assédio sexual nos bastidores, ao mesmo tempo em que consegue tratar da religião indiana, a dificuldade de aceitação da orientação sexual por parte da família (vide o episódio de Denise), o amor na fase idosa e até um olhar muito bem humorado sobre namoro virtual e aplicativos para solteiros - assim como a forma de comunicação transformada por smartphones e textings. É um estilo de humor que remete muito àquele de Jerry Seinfeld e Larry David na obra máxima da televisão humorística, com a diferença de que Ansari constantemente opta por uma melancolia muito bem-vinda.
Basta observar o primeiro episódio da série, que por si só poderia ser considerado uma obra-prima. Audaciosamente dirigido por Ansari, The Thief toma clara inspiração do cinema de Federico Fellini para apresentar o espectador à vida de Dev na Itália, adotando uma fotografia preto e branco e uma trilha sonora que evoca à música do cinema italiano dos anos 60, além das notáveis citações do personagem em nomes dessa vanguarda. É um episódio que impressiona pela simplicidade e pela naturalidade, chegando a evocar Richard Linklater e sua trilogia do Antes quando Dev acaba conhecendo uma jovem britânica de férias, desenvolvendo ali uma rápida relação através de diálogos sinceros e atuações descontraídas. Vale apontar também como a estética deste episódio é fabulosa, com Ansari revelando-se um diretor com apuro visual notável, fazendo belo uso de planos abertos que valorizam a beleza da arquitetura italiana e o isolamento dos personagens. É difícil pensar em outra comédia que tenha um apuro estético tão sofisticado e elaborado quanto o visto aqui.
É uma segurança muito grande com a linguagem abordada aqui. Retomando o episódio de antologias New York, I Love You, não só o episódio merece créditos por apostar em figuras completamente diferentes e aleatórias, mas pela forma com que narra cada uma das historinhas. Em particular, o instante em que acompanhamos um casal de surdos, fazendo com que todo o áudio seja eliminado e transformando a narrativa em um exercício puramente visual, com as legendas nos ajudando a entender os diálogos em linguagem de sinal - aliás, temos uma hilária sequência com a discussão muda mais sexualmente explícita já feita, sem sombra de dúvida.
Seguindo essa fórmula, First Date oferece uma verdadeira aula de montagem ao abordar os diferentes encontros que Dev tem com mulheres de um aplicativo de namoro à lá Tinder. Durante praticamente todo o episódio, a montadora Jennifer Lilly constantemente intercala os diferentes eventos envolvendo o protagonista, construindo uma narrativa ágil e dinâmica, e que diverte graças às diferentes reações das possíveis namoradas com as ações de Dev, assim como estabelece o modus operandi praticamente imutável do comediante. É uma aposta arriscada que funciona principalmente pela precisão de Lilly, assim como os diálogos que conseguem ilustrar de forma verossímil e moderna esse tipo de relacionamento - em outras palavras, é escrito por pessoas que realmente sabem como essa tecnologia funciona, o que garante um resultado natural e nada forçado.
E os fãs da série certamente lembram de cabeça do famoso episódio Nashville, onde Ansari demonstra uma comovente faceta romântica ao relatar a viagem de Dev com sua então namorada Rachel. Pois bem, aqui o "equivalente", de certa forma, àquele episódio vem na forma de Amarsi un Po, um episódio que merece nada menos do que - perdão pela repetição - o título de obra-prima. Estendendo-se por quase 1 hora, o penúltimo episódio narra o período de aproximadamente um mês o qual Francesca visita Dev em Nova York, com os dois saindo para diversos encontros e passeios pela Grande Maçã, com uma incontrolável paixão do protagonista florescendo pela amiga - que, para complicar, acaba de anunciar seu noivado. O que se segue é uma narrativamente profundamente emocional onde o espectador realmente se envolve com o drama do personagem, e o clima fortemente romântico (acrescente dança lenta com música italiana e uma nevasca que prende os dois em um local fechado) é de um nível simplesmente indescritível. Poesia pura, e vale apontar o carisma da maravilhosa Alessandra Mastronardi.
O segundo ano de Master of None é uma verdadeira pérola da comédia contemporânea. Não só é capaz de explorar uma gama muito maior do que sua já ótima primeira temporada, mas Aziz Ansari e Alan Yang triunfam ao trazer histórias com temas variados e um olhar cômico único, que navega pelo drama e pelo romance de forma belíssima. Pra entrar pra História.
Master of None - 2ª Temporada (EUA, 2017)
Criado por: Aziz Ansari e Alan Yang
Direção: Aziz Ansari, Alan Yang, Eric Wareheim, Melina Matsoukas
Roteiro: Aziz Ansari, Alan Yang, Lena Waithe
Elenco: Aziz Ansari, Eric Wareheim, Lena Waithe, Bobby Cannavale, Alessandra Mastronardi, Kelvin Yu, John Legend, Riccardo Scamarcio
Emissora: Netflix
Episódios: 10
Gênero: Comédia
Duração: 30-50 min, aprox
https://www.youtube.com/watch?v=yZTo7U1GoWs
Review | Aliens Vs. Predator (2010)
(Contém spoilers)
Aliens Vs Predator, da Rebellion Development, não foi a primeira tentativa da indústria de entretenimento digital de criar um jogo que reunisse dois dos maiores antagonistas da história de terror espacial. Houveram outros 6 antes, 2 deles sendo frutos da própria Rebellion, tornando o jogo em questão o terceiro.
Não me considero cinéfilo e menos ainda crítico de cinema, mas sempre tive interesse particular em filmes de terror que envolvem criaturas que desafiam a imaginação, principalmente pela saga Alien. Apesar das inúmeras tentativas de desenvolvimento de jogos que estivessem a altura do conteúdo cinematográfico, nunca tivemos um que agradou o público de fato até o lançamento de Alien Isolation, em 2014, cuja produção atingiu níveis jamais vistos de fidelidade aos elementos audiovisuais e o retrofuturismo que marcaram a série de filmes.
Entretanto, pouco se fala nos spin offs, provavelmente por causa das sucessivas tragédias que foram as tentativas de engajar o público com as péssimas implementações de crossovers contendo alguns dos personagens e monstros mais memoráveis até então. Os filmes de AVP foram terríveis, os jogos que vieram antes e depois também (salvo o de arcade que, pelo menos, era divertido), até 2010, ano de lançamento do “novo” Aliens Vs Predator.
O que mudou? Bem, em 2010 foi um dos anos mais badalados da história dos games, com lançamentos de peso – ponha peso nisso – como Bioshock 2, Metro 2033, Read Dead Redemption, Call of Duty: Black Ops, Darksiders, apenas para citar alguns. AVP foi contemplado com um ano deveras difícil para competir e, subsequentemente, foi sufocado pelos adversários.
Isso não significa, no entanto, que AVP é ruim. Embora as circunstâncias de seu lançamento fossem desfavoráveis, o jogo é praticamente uma releitura da bem-sucedida produção de mesmo nome de 1999, que definiu as raízes do gameplay e que foi considerada, na época, inovadora pelas três campanhas elaborando diferentes perspectivas sobre a mesma trama.
Infelizmente, AVP pouco faz para crescer e acaba sendo algo próximo de um remake bem-intencionado, mas que não aprofunda muito o que já se conhecia. Embora divertido, parece que para cada qualidade do jogo há um defeito espreitando e, talvez, se não fossem os 11 anos que o separam de seu antecessor (sem contar AVP 2), minha avaliação seria mais amena.
3 SABORES
O modo offline consiste de três campanhas curtas que cobrem as histórias de representantes de raças envolvidas em um conflito: humanos, xenomorfos e predadores. As tramas delas se entrelaçam em algum nível em pontos específicos do jogo, mas nunca trazem um confronto entre os protagonistas, embora as consequências das ações de cada um sejam visíveis para os outros.
A qualidade mais proeminente do jogo está presente nas campanhas extraterrestres: a caracterização dos alienígenas. As ferramentas e habilidades são salientadas perfeitamente de acordo com o que vemos nos filmes, como os equipamentos avançados dos predadores e a capacidade furtiva e hostilidade dos xenomorfos. Tudo está a disposição do jogador, tornando o gameplay não apenas divertido como envolvente, induzindo uma vontade de seguirmos o roteiro comportamental das criaturas.
Jogar com Six (o xenomorfo) é mais divertido do que aparenta: pode-se correr insanamente rápido e livremente por praticamente qualquer superfície, executando saltos imensos, camuflando-se na escuridão (o jogador pode destruir lâmpadas, holofotes e afins) e criando distrações para apanhar sua presa desprevenida.
Ele (ou ela?) também é capaz de “sentir” oponentes através das paredes, o que o torna ainda mais versátil. Seu uso envolve primariamente esgueirar-se até a vítima pela ventilação e então executá-la com ataques pelas costas, já que assaltos frontais provavelmente resultarão na morte do jogador. Essa é a grande fraqueza dos aliens: eles não possuem qualquer tipo de ataque de longa distância, tornando-os vulneráveis a fogo cruzado e o que mais se aproxima de um é o golpe da cauda, que funciona como uma lança.
Os predadores, por outro lado, são o jack of all trades. Eles são claramente a espécie dominante: embora não sejam eficientes como os fuzileiros em combate a distância ou como os xenos em mobilidade, os predadores compensam com um vasto arsenal de equipamentos e habilidades a seu dispor.
Eles são, primeiramente, formidáveis em combate corpo a corpo, utilizando lâminas montadas nos pulsos e capazes de bloquear ataques e fazer diversas execuções (uma delas inclusive a la Bane: o predador ergue um xenomorfo com as duas mãos e quebra sua costela com uma joelhada). Como nos filmes, podem se camuflar indefinidamente, tornando a detecção quase impossível para a IA inimiga (exceto para xenos, que podem vê-lo normalmente e torres automáticas dos fuzileiros). Alie isso a habilidade de criar pontos de eco, simulando vozes humanas que criam distrações e temos o caçador perfeito.
Também dispõe de 4 armas com usos diferentes: o canhão de plasma montado no ombro (o qual pode ser carregado para mais dano), as minas terrestres de proximidade, o smartdisc (uma lâmina arremessável em formato de disco que segue um curso determinado pelo jogador por um tempo) e o combi stick (lanças de arremesso). A efetividade dos equipamentos só é rivalizada pelo custo benefício dos mesmos, pois apenas o canhão e as minas utilizam energia da armadura, enquanto o smartdisc e as lanças podem ser empregados a bel prazer, com um pequeno intervalo.
Calma, tem mais. Lembra daquela visão termal super bacana dos filmes? Ela também está no jogo, permitindo ao predador distinguir com precisão seus alvos do cenário. Em certo ponto da campanha adquire-se um capacete que concede a visão de alien, na qual pode-se enxergar perfeitamente onde estão os xenos e quais são os caminhos (ventilação, buracos e afins) pelos quais eles rastejam. O visor normal vem também embutido com um zoom de até 3 ampliações, o qual é ótimo para fazer ataques de longa distância e também pode detectar objetos coletáveis pelas fases, como segredos e itens de vida.
Finalmente, os caçadores são capazes de executar super pulos ao segurar a tecla “shit”, os quais permitem ao jogador se posicionar de acordo com a estratégia que ele tenha em mente, virtualmente em qualquer lugar. Deve estar bem clara a essa altura a dedicação da Rebellion em criar um gameplay que fizesse jus aos predadores, não? Pois bem, isso nos deixa um problema: os marines são, de longe, a classe mais sem graça de se jogar e com certeza a mais mal feita.
Jogar com rookie (o marine) não é desagradável, mas tampouco excitante. Não há qualquer mecânica que elabore o personagem para além de um gameplay em primeira pessoa genérico. Se a Rebellion Studios se dedicou a criar um estilo de jogo único para os aliens, esqueceu completamente do fuzileiro. É possível andar, correr (por um curtíssimo período de tempo), arremessar flares para iluminar uma área, usar algumas armas (cuja variedade é paupérrima) e temos, claro, o clássico motion tracker.
Mas é isso. É frustrante jogar como fuzileiro pois mesmo se isso se justifica no nível do contexto - em que os aliens são naturalmente mais poderosos ou avançados - não têm coerência com a realidade de que humanos são extremamente engenhosos e, principalmente, adaptáveis.
Seria ideal se pudéssemos usar defesas automáticas para proteger um perímetro (como as divertidíssimas mini turrets de Bioshock 2), ou minas terrestres, fios eletrificados, algo. O gameplay fica confinado ao já entediante run’n’gun, elemento que saturou o mercado de games nos últimos anos. Além disso, outro defeito gigantesco é que Rookie não pode sequer agachar – um comando muito básico em shooters - enquanto os andróides de combate da Weyland Yutani são capazes de até mesmo tomar cobertura, tornando trocas de fogo uma vitória praticamente garantida aos construtos, enquanto nosso protagonista tem que correr e pular desesperadamente enquanto atira, rezando para não ser abatido.
Os escassos momentos em que a campanha dos humanos brilha é no acúmulo de tensão. Percorrer pela colônia BG-368 abandonada e destruída pode ser extremamente assustador às vezes, e, quando o rastreador apita, ocorrem verdadeiros ataques cardíacos. Muitas vezes eu decidi dar as costas às criaturas e buscar locais iluminados para combatê-las, os quais são poucos. A escuridão é um elemento consistente e não poderia ser diferente ao meu ver, tornando algumas mortes pré-programadas de companheiros de equipe num circo de horrores e que alimentam uma atmosfera terrível.
SILÊNCIO, POR FAVOR
Mas horror mesmo é a dublagem. Oscilando entre péssimas e não – tão - calamitosas, as vozes dos personagens parecem secas e sem vida, danificando muito da imersão criada pela ótima sonoplastia e level design. Durante o primeiro nível dos marines, o jogo trabalha muito bem a sensação de vulnerabilidade, dando ao jogador apenas uma pistola, lanterna e flares pra defender-se em níveis mal iluminados e claustrofóbicos. Porém, toda vez que a comandante Tequila (sim, Tequila) fala com Rookie para passar informações, as quais constituem o tutorial, somos imediatamente lembrados de que estamos num jogo, de tão fraca e insípida que é sua atuação de voz. Pelo menos temos Lance Henriksen interpretando Bishop, novamente.
A trilha sonora é genérica, maçante e, em certo ponto, do jogo diminuí completamente o volume apenas para não ter de ouvir mais as batidas tribais que se repetem pelas campanhas inteiras. Os trechos que fazem uso do silêncio fosse para construção de tensão ou apenas pela apreciação das paisagens foram poucos, mas muito bem vindos.
Embora as vozes e música não encantem, os gráficos até conseguem. Ainda que não esteja a altura de jogos da época, os modelos e animações que compõe a representação visual de AVP são bem trabalhados, gerando conflitos hilários entre a péssima dublagem e ótimas animações faciais. Também é fascinante ver a movimentação dos xenos enquanto eles vêm em minha direção, desviando de maneira errática, alternando entre superfícies e procurando me cercar usando o cenário, tudo parece orgânico. As texturas, por outro lado, deixam muito a desejar por sua baixíssima resolução mesmo nas configurações mais altas e contrastam com a iluminação dinâmica e os belos cenários que permeiam a jogatina.
MAS FUNCIONA?
Aliens Vs Predator entrega uma experiência mecânica razoavelmente satisfatória, salvo pequenos bugs que não prejudicam muito a jornada (como xenos presos nas superfícies de pequenos objetos, já que podem aderir a QUALQUER superfície). O maior incômodo é provavelmente toda a motion sickness causada pela movimentação acelerada dos xenomorfos e a constante troca de níveis e perspectivas. Se manter no teto e paredes por períodos prolongados pode causar verdadeiras dores de cabeça e as animações dos super pulos do predador também são capazes de causar vertigem, o que, ironicamente, torna rookie o personagem mais confortável de usar a maior parte do tempo.
Outro aspecto que atrapalha é o fato de que todas as raças têm o equivalente a um comandante o qual repete constantemente o objetivo atual, que pode ser muito bem visualizado segurando a tecla “tab”. Além de desnecessário, é extremamente irritante, principalmente em situações que demandam concentração ou agilidade.
Durante as fases pode-se encontrar itens coletáveis que mudam de acordo com a espécie usada: rookie encontra diários de áudio contendo pedaços da história – a maior parte supérflua e sem significado algum - enquanto Six deve destruir cápsulas que contem geleia real, uma substância utilizada em experimentos dos cientistas. O predador pode achar cinturões de troféus, com facilidade, já que seu visor revela a localização de itens até certa distância. Devido a curta duração das campanhas, a distribuição de tais itens nas fases é completamente irregular, muitas vezes posicionando um a metros de outro.
Ao final das campanhas, cada protagonista enfrentará um chefe diferente. Embora não sejam muito difíceis (exceto o do predador), a virtude deles está em como fazem uso ou apresentam oportunidades de uso de quase todas as ferramentas introduzidas até então para cada personagem (o que, convenhamos, não é muita coisa no caso de rookie, cuja “luta de chefe” é apenas trocar tiros com Karl Bishop Weyland).
No caso de Six, tive de enfrentar dois predadores jovens, o que basicamente consiste de um corre corre pela arena como uma barata enquanto outros aliens servem de bucha de canhão. Logo após eles morrerem há um confronto final com um predador de elite, que morre ainda mais fácil pela aglomeração de xenomorfos atacando-o de uma vez. Pode soar frustrante, mas o que realmente irrita é correr atrás dos caçadores enquanto pulam incessantemente pela arena, tornando a intervenção dos companheiros uma adição bem-vinda.
O mérito novamente vai para o predador, que deve enfrentar a primeira rainha alien, a qual tem um design bem diferente do apresentado em Aliens. É a única luta realmente estruturada, contando com uma enorme arena cujas plataformas estão boiando sobre magma. O caçador de elite deixa claro que é impossível derrotar a rainha no mano a mano (e tentar também), tornando a batalha um jogo de gato e rato no qual deve-se fugir do monstro ao mesmo tempo em que se arma minas terrestres, dispara o canhão de plasma e usa outros equipamentos.
A dificuldade desse confronto só existe por dois fatores: a restrição de mobilidade das plataformas, das quais é impossível sair a não ser pulando e a agilidade da rainha. Cair das plataformas no magma incandescente é uma constante, pois os comandos de pulo não podem coincidir com outros, causando quedas não intencionais muitas vezes ao tentar se curar ou disparar uma arma. Ainda por cima, a criatura persegue o jogador com muita facilidade, tornando as janelas de tempo para atacá-la mínimas e fazendo com que passemos 90% do tempo pulando. Após a rainha perder uma certa quantidade de vida, ela começará a destruir a maior parte das plataformas tornando as possibilidades de fuga ainda menores, repetindo o processo quando estiver perto de ser derrotada.
GAME OVER, MAN
Enquanto Aliens Vs Predator não é nenhuma pérola da indústria de desenvolvimento de jogos, ele consegue ser único e criativo a própria maneira. O constante conflito entre as qualidades e falhas do game acabam se tornando sua marca característica, mas não o suficiente a ponto de se tornar uma experiência desagradável ou enjoativa, como Aliens: Colonial Marines. Bonito e firme em suas escolhas de design, o jogo aparenta melhor do que soa, considerando a dublagem sofrível e falta de personalidade dos personagens humanos que foram designados para preencher espaço na tela.
Seu valor de replay é praticamente nulo, por conta da lineariedade atordoante e falta de objetivos opcionais, mecânicas de desenvolvimento (como destravar habilidades novas) e polimento nas já existentes. Ainda assim, a excelente caracterização dos protagonistas alienígenas é uma virtude bem colocada, pois permeia a totalidade da jogatina e ameniza muitos dos problemas menores recorrentes das campanhas. O mesmo não se pode dizer de nosso xará humano, cuja ultra simplificação de estilo de jogo deixou muito a desejar e inclusive é prejudicial à progressão em diversos momentos.
Aliens Vs Predator 3 é um jogo divertido e bem feito com mecânicas distintas para os amantes dos universos que se entrelaçam na trama. Embora tropece aqui e ali no caminho, ele se mantém fresco o suficiente para criar interesse e garantir imersão nas campanhas. Ainda assim, recomendo fortemente aos interessados que peguem ele em promoção, pois a curtíssima duração e valor de replay praticamente inexistente tornam AVP 3 uma experiência não reciclável!
Rookie, out.
Aliens vs Predator (Idem, EUA – 2010)
Desenvolvedora: Rebellion
Publisher: SEGA
Gênero: FPS
Data de lançamento: 16 de fevereiro de 2010
Plataformas: Microsoft Windows, Ps3 e Xbox 360.
Texto escrito por Bruno Ribeiro de Mello
Review | Alien: Isolation
Em 2014 é lançado Alien: Isolation, jogo situado em uma das maiores e mais influentes franquias cinematográficas de ficção cientifica e terror de todos os tempos, Alien. Pouco antes de seu lançamento houve um enorme buzz em torno do jogo, pois ele prometia bastante em trailers, como um jogo estilo survival horror tradicional, com elementos retirados diretamente do primeiro filme dirigido por Ridley Scott, outros acreditavam que o experimento seria um desastre, afinal pouquíssimos jogos baseados em filmes consagrados davam certo - vide o fracasso colossal de Aliens: Colonial Marines. Mas afinal, qual foi o resultado dessa nova empreitada?
A História
A história acontece 15 anos depois do primeiro filme, a protagonista da vez é a filha da Ellen Ripley, Amanda, que recebe uma noticia do androide sintético Samuels de que a caixa preta da nave Nostromo em que sua mãe estava quando desapareceu foi encontrada e está na estação espacial Sevastapol e a convida para participar da missão para recuperá-la. Relutante no inicio, ela aceita assim que recebe a informação de que possivelmente ela irá descobrir algo do paradeiro da sua mãe.
A primeira hora do jogo é bem parada. Conhecemos a tripulação da nave que a corporação Weyland-Yutani mandou para Sevastapol, tentando abordar a estação um acidente acontece e Ripley fica presa sozinha no local, sem poder contatar a nave, ficando assim “isolada” como sugere o titulo do jogo. Nota-se logo no inicio que há algo muito errado no lugar e vamos descobrindo isso aos poucos, há pessoas atirando em Amanda só por avistá-la e depois ela finalmente se encontra com “O organismo perfeito”.
O suspense no jogo é construído magistralmente, é notável que a equipe encarregada de produzir o jogo se inspirou no filme de 1979 para criar a atmosfera do jogo, claustrofóbica e agoniante, é o game da franquia mais fiel ao filme original nesse aspecto, a ação demora para começar, assim podemos conhecer bem o cenário e as mecânicas de jogo antes do verdadeiro desafio começar e que desafio! O jogo é bem difícil pros padrões atuais dos videogames e ele recebeu várias criticas negativas por causa disso, o que eu acho absurdo, pois a dificuldade é um dos atrativos do jogo.
O Desafio
Muito da dificuldade vem do inimigo principal do jogo, o nosso querido xenomorfo. Em grande parte da aventura, o jogador se encontrará sendo perseguido pelo Alien, tendo que confiar em um sensor de movimento para saber a localização da criatura; caso ela a encontre, é game over na hora, ele mata no primeiro hit, com variadas animações para as mortes. A criatura possui uma ótima inteligência artificial, podendo encontrar o jogador de diversas maneiras, uma curta corrida e até mesmo o barulho do sensor podem denunciar a sua posição. Ele pode acha-lo mesmo se estiver escondido, muitas vezes ele checa armários e os espaços embaixo das camas e mesas, ele pode se locomover pelos dutos de ar e surpreender o jogador pelo teto, descendo de um deles e ele memoriza as táticas usadas pelo jogador para livrar-se de le por um momento, tornando-o mais assustador. A experiência com o alien muitas vezes é muito frustrante, pois o jogo só pode ser salvo em pontos específicos, seguindo as tradições do survival horror tradicionais, com somente alguns checkpoints após uma importante cutscene, por isso é sempre bom salvar assim que tiver uma oportunidade, perde-se muito progresso caso você vacile com o xenomorfo.
E o xenomorfo não é a única ameaça na estação, vários humanos vão atirar em você caso te avistem, os tiros podem atrair o alien, caso isso aconteça afaste-se do humano que deu o tiro, a criatura virá pegá-lo primeiro, assim situações podem ser criadas, ele estará interessado nas outras pessoas e conflitos podem ser criados. Caso queira eliminar os humanos na sala, você pode jogar um noisemaker próximo deles e o alien faz o serviço, agora ele é sua única preocupação. Nem todos os humanos na estação são inimigos, por isso é recomendável ouvir as conversas antes de agir.
Outros inimigos que encontraremos na jornada são os androides working joes, que foram infectados por algum vírus e não obedecem mais as leis da robótica, perseguindo e matando os humanos que encontram. Nem todo robô é infectado, os infectados tem os olhos vermelhos enquanto os que não são tem olhos brancos, podendo ficar agressivos dependendo de suas ações na presença deles. Quando o alien te persegue enquanto os sintéticos infectados estão por perto é onde o jogo fica mais tenso, os joes não se interessam pela criatura e vice versa, assim situações não poderão ser criadas como no caso dos humanos, dessa maneira o jogador tem que ficar mais alerta nesses trechos.
O Jogo
Os jogadores vão encontrar documentos e audiologs durante o gameplay que servem somente para a maior imersão no universo do game, mas de toda a franquia Alien, além disso alguns arquivos de áudio são dublados pelos atores do primeiro filme, é um belo fanservice bem feito.
A trilha sonora é excelente, se encaixando perfeitamente em momentos precisos, complementando a atmosfera que já era boa por si só, algumas musicas lembram as do primeiro filme. A dublagem é boa, porém a qualidade do lip syncing não é das melhores, em alguns momentos é notável quando o personagem está falando algo que não se encaixa em seu movimento labial.
Um dos maiores problemas do jogo é que ele é muito longo, muitas pessoas reclamam de jogos que são curtos, mas nesse caso a impressão é que algumas horas a menos fariam bem ao produto final. Chega um momento em que o jogo começa a ficar muito repetitivo, por exemplo, quase o tempo todo estamos procurando um gerador para ligar o sistema, muitas e muitas vezes isso se repete, prejudicando a experiência de gameplay e algumas coisas que acontecem não possuem relevância para a história, são fillers que poderiam muito bem ser retirados.
As DLCs que joguei são fanservices perfeitos. O primeiro deles é o Crew Expendable, em que você pode escolher entre três membros da tripulação da Nostromo, sendo eles Ripley, Parker e Dallas. A história dessa DLC é praticamente um “E se o plano de Dallas no primeiro filme desse certo?”. Ainda há outro DLC chamado Last Survivor que conta os últimos momentos de Ripley depois que Parker e Lambert são mortos pelo xenomorfo e só ela permanece viva, entre outras DLCs. Todas desafiadoras e divertidas de se jogar.
Bugs podem acontecer, comigo aconteceu logo no começo do meu gameplay, depois de falar com a Taylor, o objetivo era falar com o Samuels, mas quando cheguei na sala em que o NPC se encontrava, ele simplesmente ficou parado, nenhuma animação foi ativada, entrei e saí da sala algumas vezes para ver se o jogo normalizaria e nada, só reiniciar resolveu o problema, atrapalhando um pouco meu gameplay. Outros bugs menores acontecem como glitches em que o cenário é trocado pelo espaço sideral.
Alien: Isolation não é um jogo perfeito, ele tem problemas quanto a sua duração, ficando repetitivo e alguns bugs, mas ele diverte e é obrigatório para todos os fãs de Alien, Survival Horror e Stealth, eu diria que é um dos melhores games baseados em filmes e com certeza é de longe o melhor jogo do Alien.
Crítica | 13 Minutos
Em Novembro de 1939, um mês após o início da Segunda Guerra Mundial, durante um de seus infames discursos, Adolf Hitler não fazia a menor ideia de que a poucos metros de distância tinha sido colocada uma bomba capaz de matar todos aqueles que estavam presentes no comício. No entanto, para a infelicidade de milhões que viriam a sofrer na pele os abusos monstruosos do Nazismo, a explosão ocorreu 13 minutos após Hitler ter abandonado o local (daí o título do filme). Naquela mesma noite, Georg Elser, o responsável pelo atentado, foi preso próximo da fronteira da Alemanha com a Suíça. Já nas mãos da Gestapo, ele foi torturado durante dias e posteriormente enviado para um campo de concentração, onde foi morto em 1945. A única coisa que o manteve vivo durante esse tempo todo foi a insistência de Hitler em descobrir qual era o grupo que estava por detrás do ataque, insistência essa que não cessava mesmo após as constantes afirmações de Elser de que havia planejado tudo sozinho.
Embora a história de Georg Elser nunca tenha sido contada no cinema (até onde sei), outras histórias fictícias envolvendo tentativas de assassinato do ditador alemão fizeram a cabeça de cineastas e produziram filmes como O Homem que quis Matar Hitler, do diretor austríaco Fritz Lang (que se mudou para os Estados Unidos após ter recusado um cargo no Ministério da Propaganda Nazista chefiado por Joseph Goebbels), e, mais recentemente, Operação Valquíria, de Bryan Singer, com o astro Tom Cruise. Não é preciso ir muito longe para perceber o fascínio que esse tipo de história gera no público, afinal, imaginar que inúmeras mortes poderiam ter sido evitadas se algum desses planos tivesse sido bem-sucedido dialoga com o desejo humano de manipular a história e mudar o passado.
Léonie-Claire e Fred Breinersdorfer, os roteiristas do filme, sabem muito bem disso e até fazem uma brincadeira no título do filme com os míseros 13 minutos que separaram a explosão da bomba da tão desejada morte de Hitler. No entanto, diferentemente desses outros filmes (isso sem mencionar Bastardos Inglórios, que ultrapassa o fictício para se tornar “tarantinesco”), os roteiristas tinham em mãos uma história real, que, além de curiosa, continha um protagonista complexo e cheio de contradições.
Aliás, a maior força de 13 Minutos reside em Georg Elser. A opção de alternar as cenas de interrogatório com flashbacks longos que mostram a vida do protagonista anos antes da tomada do poder pelos nazistas se mostra acertada, uma vez que os roteiristas poderiam ter optado pela emoção fácil, exibindo durante todo o filme os sofrimentos de Elser no campo de concentração. Essa escolha possibilita ao público um contato mais próximo com o personagem, pois mostrar no que consistia a sua vida cria uma empatia no espectador muito maior que colocar falas expositivas na boca de alguém. Ela se mostra ainda mais correta quando percebemos que tanto as ações exibidas nos flashbacks quanto aquelas que ocorrem em tempo real são usadas pelos roteiristas para enriquecer cada vez mais o protagonista. Se nas cenas de tortura Elser não se rende nem mesmo frente à provações violentas e humilhantes, são nos momentos mais descontraídos do seu passado que enxergamos toda a sua complexidade.
O protagonista não planeja a morte de Hitler porque alguma organização opositora pediu que ele fizesse isso ou por causa de alguma ideologia política, mas sim porque deseja viver livremente, sem ter de abaixar a cabeça ou sentir medo. Esse princípio de liberdade está presente na vida do personagem desde o início. Percebam como no primeiro flashback, logo após deixar claro que Elser não quer um relacionamento sério com a atual namorada, o filme faz questão de ressaltar a liberdade da qual o protagonista goza na belíssima cena do nado. Outro momento em que isso fica claro é quando ele conhece Elsa (Katharina Schüttler). Menosprezando o fato de ela ser casada (“As casadas são as melhores”, ele diz), Elser é convidado por Elsa a dançar e, momentos depois de ela guiá-lo durante um Tango, ele toma as rédeas e passa rapidamente a guiá-la noutro tipo de dança. Nesses sutis instantes, fica claro para o espectador que a liberdade e o controle da própria vida, tão estimados por Elser, se sobressaem até mesmo nos momentos mais banais.
Todavia, como todo ser humano real, esses elementos não são soberanos, e logo começam a surgir características que são contraditórias. Se no começo Elser pulava de mulher em mulher, depois de conhecer Elsa, ele se apaixona completamente. Idealizando uma vida em que ela está separada do marido e os dois podem viver felizes juntos, Elser não se abala nem mesmo quando descobre que ela está esperando um filho dele. A velocidade e o afinco com os quais ele abraça essa paixão não deixam de causar surpresa no espectador. Era de se esperar que ao menos no começo ele tentasse se afastar do sentimento, mas quem de nós não conhece alguém que afirmou a vida inteira não querer casar apenas para tempos depois encontrar uma pessoa que o fizesse mudar de opinião? Essa contradição também fica claro na facilidade com que Elser se ajoelha perante Deus e pede a Sua ajuda ou perdão. Porém, em momento algum esses paradoxos incomodam. Pelo contrário, eles sempre parecem verossímeis.
Por fim, Oliver Hirschbiegel, após o ótimo A Queda! As Últimas Horas de Hitler e os ruins Invasores, Rastros de Justiça e Diana, se recupera em 13 Minutos. Embora a lógica visual empregada pelo diretor seja óbvia (fotografia cinzenta) e lembre muito o sucesso de 2004, ele comanda o filme com bastante segurança. Não há percalços ou muita irregularidade no filme. E, além de extrair uma performance poderosa de Christian Friedel, Hirschbiegel entrega dois momentos de puro brilhantismo técnico. No primeiro deles, o diretor ilustra a insensibilidade de uma secretária da Gestapo ao sofrimento alheio mantendo a câmera distante dela. No entanto, a câmera começa a se aproximar lentamente, e quanto mais nos aproximamos da personagem, mais percebemos que ela não é tão insensível assim e que, na verdade, ela está incomodada com os gritos de dor ouvidos na sala da frente. No segundo desses momentos, Hirschbiegel mantém a câmera estática enquanto o corpo de um oficial que está sendo enforcado se mexe e luta contra a morte inevitável. A câmera fixa, o enquadramento que deixa de fora a cabeça do personagem e a longa duração da cena criam no espectador uma sensação assustadora que consegue ser extravasada apenas através de uma risada nervosa.
Quando saí da sessão, percebi com espanto como a Segunda Guerra Mundial continua a produzir obras interessantes. Provavelmente, nenhum período histórico ou tema tenham produzido tantos filmes quanto ela. Eu mesmo sinto um certo enfado quando sei que um filme abordará esse assunto. Mas, com uma constância que nunca deixa de me surpreender, eu sou presenteado por obras que sempre acham uma maneira de abordar a questão de uma perspectiva diferente. 13 Minutos é um desses casos. Trata-se de mais um daqueles filmes que mostram como as barbaridades e os atos de heroísmo da Segunda Guerra Mundial talvez nunca cessem de nos surpreender.
13 Minutos (Elser, Alemanha – 2015)
Direção: Oliver Hirschbiegel
Roteiro: Léonie-Claire e Fred Breinersdorfer
Elenco: Christian Friedel, Katharina Schüttler, Burghart Klaubner, Johan Von Bulow, Felix Eitner
Gênero: Drama
Duração: 114 min
https://www.youtube.com/watch?v=giTXUETynaY&ab_channel=OUTSIDERFILMS
Review | Prey (2017)
Em 12 de junho de 2016, a Bethesda Softworks anunciou na feira de jogos eletrônicos E3 um reboot de Prey, lançado em 2006 e desenvolvido pela Human Head Studios. Ao me deparar com tantos artigos da mídia estabelecendo elos entre Prey e System Shock 2 fiquei muito feliz e ansiosíssimo para jogá-lo. Os immersive sims (simuladores de imersão) representam uma sub categoria já muito restrita de jogos digitais mas que, felizmente, é muito bem preenchida, com obras como o clássico Bioshock, Deus Ex e Dishonored.
Minha jornada em Prey, no entanto, foi provavelmente uma das mais decepcionantes e frustrantes na minha vida como gamer, provavelmente por causa das altas expectativas que orbitavam o jogo e com certeza por conta dos problemas envolvendo a jogabilidade no Playstation 4. Embora não seja péssimo, está longe de ser bom, resumindo-se a uma experiência medíocre pontuada por inconsistências no design e virtudes ocasionais embalados em belíssimos cenários.
ALIENS!
A protagonista (ou “o”, dependendo de qual gênero for selecionado) é Morgan Yu, voluntária de uma série de experimentos cuja finalidade é incrementar a raça humana. Os mesmos estão sendo supervisionados por seu irmão mais velho, Alex Yu, o qual é um correspondente da empresa de alta tecnologia TransStar.
O decorrer do início é pacífico e lento, servindo como uma espécie de tutorial no qual pode-se perambular pelo quarto de Morgan e interagir com diversos objetos e mobília, aprendendo-se os comandos mais básicos de acordo com o ritmo do jogador e de modo não intrusivo, aspecto muito bem vindo diante do péssimo hábito da indústria de arremessar caixas de texto pela tela a todo momento.
A paz reina por pouco tempo e começa então uma jornada pela sobrevivência, marcada por intensa paranoia. Após uma reviravolta na trama, Morgan encontra-se a bordo de uma estação espacial chamada Talos I, a qual está infestada por uma espécie alienígena chamada Typhon.
Os Typhon são os antagonistas primários do jogo, e o soldado mais mundano na hierarquia deles é o mímico, uma espécie de gosma escura com tentáculos capaz de mimetizar qualquer objeto cotidiano, como cadeiras e xícaras de café. Isso significa que deve-se desconfiar de todo o cenário no início de Prey, embora esse aspecto perca relevância mais tarde.
Após uma introdução espetacular, Prey começa a salientar todas suas deficiências consecutivamente, tornando o que poderia ter sido uma jogatina excelente em, no máximo, razoável.
PARECE BIOSHOCK
Prey é um aglutinado de ideias previamente trabalhadas em títulos tais quais Bioshock, System Shock 2 e o próprio Dishonored, como citado antes. Embora as “inspirações” não pudessem ser mais óbvias, a pretensão está no modo como o jogo se agarra a essas ideias para construir sua base de mecânicas e se auto intitula “inovador”, por meio das enormes caixas de diálogos nas quais são apresentadas ferramentas e recursos como se fossem conceitos fresquinhos.
Uma chave inglesa? Familiar, não? Habilidades sobre humanas? Fases temáticas? O problema não está realmente na busca de repertório em jogos mais antigos, mas na aplicação quase idêntica das mecânicas neles trabalhadas e, principalmente, na falta de aprofundamento das já existentes.
Bioshock fez seu dever de casa ao desambiguar novas maneiras de utilizar conceitos mal trabalhados em System Shock 2, como, por exemplo, acelerar o ritmo do combate por meio de alta mobilidade do personagem – e dos próprios inimigos - e rapidez de troca entre armas e habilidades. O resultado foi confrontos dinâmicos pontuados por trocas de tiro e disparos de poderes, sem abrir mão de fatores estratégicos como fraquezas elementais, posicionamento e utilização do cenário.
Prey tenta reproduzir alguns desses aspectos, mas gagueja terrivelmente. Embora não cometa erros o tempo todo, o problema principal está na inconsistência de design do jogo em geral, especialmente no que diz respeito à lógica de progressão e aquisição de neuromods - itens vitais ao desenvolvimento de Morgan - e que acaba por dragar outras características para baixo.
VOU TE MATEI
Embora o jogo não deixe isso claro, a princípio o combate em Prey nem sempre é uma opção. Enfrentar os mímicos pode ser extremamente frustrante, ainda mais no início, quando Morgan está isenta de habilidades e equipamentos, forçando-a ao clássico mano a mano utilizando a chave inglesa.
Logo de cara, está escancarado uma das coisas mais irritantes de Prey: o combate corpo a corpo. A única razão para a existência dessa mecância no jogo é a chave inglesa, que, por sua vez, parece existir apenas como ícone imortal de outros immersive sims. Ataques com a ferramenta consomem estâmina, os quais podem ser carregados para mais dano, porém diminuindo ainda mais a barra do recurso.
O problema, no entanto, não é o gerenciamento da fadiga de Morgan e sim o curtíssimo alcance da chave, tornando imprescindível estar colado ao inimigo para acertá-lo. Não só, a jogabilidade no PS4 é terrível, pois há um pequeno atraso nos comandos mesmo após uma atualização que amenizou o problema e a velocidade da câmera. Para piorar, os mímicos são pequenos e ágeis, executam saltos acrobáticos frequentemente, prendendo-se a paredes e posicionando-se atrás do jogador.
O uso de armas de fogo não melhora muito a situação, já que a escassa munição dos cenários acaba, em maior parte, nas paredes. O arsenal em si não é muito variado, sendo mais voltado para a utilidade do que dano, com destaque para a arma de estimação do jogo, o canhão GLOO.
Essa ferramenta atira uma espécie de mistura que solidifica em contato com superfícies, criando plataformas nas quais o jogador pode subir ou petrificando Typhons para despachá-los com mais facilidade. No entanto, seu uso é muito mais amplo, como apagar focos de incêndio, temporariamente desabilitar painéis eletrificados, bloquear uma passagem, etc.
Mesmo assim, a falta de balanceamento do jogo é desnorteante. A distribuição dos inimigos e o poder dos mesmos em certos pontos parece quase aleatória, mantendo a impressão de que o jogador nunca está preparado para os desafios no estágio em que está e os que virão. O que incomoda em Prey não é o alto grau de dificuldade, mas sim que o mesmo é resultado artificial de escolhas incongruentes de design.
A agilidade exigida para enfretar os Typhon simplesmente não existe. Grande parte deles se move de maneira imprevisível e muito rápida, dando verdadeiros bailes em Morgan e tirando grande quantidades de saúde até que possamos entender o que está acontecendo. Sem contar quando mímicos disfarçados simplesmente pulam no jogador, garantindo ataques gratuitos.
NEUROQUE?
Neuromods. Na história de Prey, neuromods são implantes neurais capazes de outorgar conhecimentos diretamente às memórias de um indivíduo, como os downloads de manuais em The Matrix. A nível de gameplay, são essencialmente a moeda para compra das habilidades de Morgan.
Existem diferentes árvores de habilidades, cada uma contemplando um estilo de jogo e é possível adquirir todas, se o jogador tiver paciência o suficiente. Digo “paciência” pois o maior furo de Prey é a falta de um meio garantido para a aquisição de neuromods. Maneiras de conseguir neuromods incluem a realização de quests, tanto primárias quanto secundárias, varrer os cenários de ponta a ponta na esperança de encontrar alguns e construí-los você mesmo.
O imbróglio é que os poderes e habilidades que Morgan pode adquirir são essenciais ao sucesso da jornada. Eles permitem contornar perigos do ambiente, derrotar inimigos (ou evitá-los), conseguir mais recursos, aumentar a eficácia de itens de cura, etc. Entretanto, a falta de um inimigo com saque garantido de neuromods ao ser derrotado ou a impossibilidade de criá-los no início do jogo faz com que o desenvolvimento dessas habilidades seja lento e tortuoso, concedendo um aspecto de gameplay que, se estratégico, é forçado ao jogador quando ele deve ponderar muito bem acerca do que investir.
Isso acaba extendendo a duração do jogo ao tornar alguns segmentos praticamente instransponíveis sem o kit correto. E pior, não é nem um pouco divertido. Plasmids, os poderes em Bioshock, funcionavam pois havia um padrão definido para a obtenção de ADAM (moeda de compra dos plasmids): salvando ou matando as little sisters. Essa escolha de design permitia ao jogador, desde a primeira fase, se habituar com o sistema e considerar quando deveria arriscar-se a enfrentar os temíveis Big Daddies, sabendo que haveria uma recompensa no êxito.
Isso não parece se desenrolar nunca em Prey, já que neuromods vem e vão quase que aleatoriamente. Em certo ponto da história Morgan consegue uma planta de fabricação de do item. Eu fiquei surpreso, já que o jogo de repente decidiu me entregar a capacidade de literalmente fabricar pontos de habilidade. Como uma pessoa que oferece um doce a uma criança e então, subitamente o arranca da mão dela, o jogo nos impede de construir além de uma quantia fixa de neuromods, ao que é oferecida uma quest secundária para destravar-se novamente a produção do item.
Para um conceito que tem um impacto tão profundo na jogatina, é uma falta de bom senso delegar sua funcionalidade ao acaso. Principalmente porque a maior parte das mecânicas de desenvolvimento de Morgan (plantas de fabricação, neuromods, armas, chipsets, etc) deveriam estar implantadas de modo pré ordenado, desde o início do jogo, facilitando o entendimento do mesmo.
Seria mais interessante o neuromod ser uma ferramenta abastecida com materiais de Typhons derrotados, como se fossem a experiência dos RPGs tradicionais, o que faria muito pela ordem de progressão do jogo.
PSICOQUE?
Há uma ferramenta que é adquirida em um ponto do jogo chamada Psicoscópio, uma espécie de visor que permite Morgan estudar Typhons e marcá-los para encontrá-los não importa onde estejam. Embora não muito prático, o dispositivo é muito útil e facilita um pouco os encontros com mímicos, já que uma vez analisados podem ser facilmente reconhecidos, mesmo quando disfarçados.
A grande utilidade do psicoscópio é que ele destrava habilidades Typhon por meio do estudo dos alienígenas. Elas compõe o núcleo de possibilidades para lidarmos com inimigos ou contorná-los (geralmente a segunda opção). Além disso, o aparelho também pode pesquisar máquinas como operadores - pequenos robôs voadores que podem restaurar a saúde, PSI e mesmo consertar a armadura de Morgan – e torretas, que atiram em Typhons. Elas também atacarão o jogador caso ele tenha adquirido uma certa quantidade de habilidades alienígenas, que o farão ser visto como Typhon pelas máquinas. Embora seja uma ideia interessante, apenas adiciona mais um empecilho numa jogatina já desnecessariamente punitiva e complicada.
Tanto o psicoscópio quanto a “armadura” de Morgan (o traje espacial) podem receber chipsets, itens que concedem capacidades passivas para a protagonista como regeneração de PSI (recurso para uso de habilidades Typhon), resistência à natureza de certos ataques (fogo, eletricidade, etéreo), varredura mais rápida dos inimigos, etc. Entretanto boa parte dos chipsets devem ser encontrados fora da rota principal, novamente levando quem estiver interessado em adquirí-los a uma caça ao tesouro pelas fases. Pelo menos podem ser trocados à vontade, sem necessidade de um intermediário para tanto.
SEMPRE RECICLE
Finalmente, um dos lados positivos de Prey: a capacidade de conseguirmos itens inúteis e transformá-los em materiais para a construção de armas, equipamentos, munição, etc. Durante o jogo Morgan pode pegar todo tipo de tralha, como cascas de frutas, circuitos queimados, papéis, etc, para levá-los ao reciclador, uma espécie de máquina que pode tornar esses objetos em recursos.
Existem quatro “moedas” para tanto: material sintético, orgânico, inorgânico e exótico. Alguns objetos podem conceder mais de um ao serem reciclados, tornando importante a tarefa de catar tudo que está espalhado pelos cenários. Essa é uma característica indispensável de Prey, já que estar bem preparado é essencial para evitar-se mais aborrecimentos no jogo.
Esses recursos podem então serem levados a um construtor, máquina que permite a fabricação de itens. É importante notar, no entanto, que só é possível fazer algo depois de encontrar a planta de fabricação correspondente. Infelizmente, a vasta maioria delas não está no trajeto principal, forçando o jogador a revirar as fases se quiser se manter a altura dos desafios.
Curiosamente, muitas das plantas podem ser encontradas mais de uma vez – algumas mais de seis - o que pode ser interpretado como uma confissão discreta da Arkane que encontrar coisas específicas pelas vastas áreas de Talos I é uma tarefa da qual poucos estavam dispostos a se incumbir. Outro aspecto negativo no que toca a confecção de itens é que a distribuição de recicladores e construtores pelas fases é demasiadamente espaçada, fazendo com que frequentemente o inventário lote até que encontremos um lugar para dispor da tralha acumulada.
Outra observação relevante é que alguns itens são claramente superiores em termos de utilidade a outros: a munição de escopeta e kits de saúde são os exemplo mais notórios. A escopeta é de longe a arma mais apropriada para todo tipo de encontro, causando grande dano e frequentemente derrubando oponentes, o que os deixa muito mais fáceis de enfrentar. Os kits de saúde, por sua vez, são relativamente raros de serem achados nas fases, merecendo atenção especial nos construtores.
PARKOUR NO ESPAÇO
A qualidade mais proeminente de Prey é, facilmente, o soberbo level design. Não me refiro apenas aos gráficos, que fazem uso do que há de melhor atualmente em texturas, modelagem e animação, mas também da disposição das áreas a serem investigadas e, principalmente, da criatividade envolvida na tarefa.
O jogo se gaba das possibilidades envolvidas quanto o assunto é superar um obstáculo, como passar por uma porta com senha numérica ou um painel soltando arcos de eletricidade. Se você não encontrou a senha da porta, pode hackeá-la se possuir o nível requerido da habilidade hackeamento. Se isso não for o caso, pode procurar por um duto de ventilação que leve até a sala em questão. Ou talvez simplesmente abrir a porta com força bruta. Quem sabe virar uma xícara com a habilidade mimetismo e passar por uma frestinha na janela? Embora nem toda localização tenha o mesmo nível de acessibilidade, em geral há mais de um modo.
Essa minuciosidade da exploração em Prey é definitivamente seu ponto mais charmoso, principalmente porque se desprende do design restritivo que compõe os outros aspectos do jogo. O comando de escalar objetos permite que Morgan chegue a lugares bizarros, mesmo que não fossem pensados para tanto. Usar o canhão GLOO nos permite criar escada e plataformas para chegarmos ainda mais longe, de modo que nada está realmente fora de nosso alcance.
Me diverti bastante criando métodos não ortodoxos para me infiltrar em espaços que normalmente não poderiam ser acessados. A ironia é que esse prazer advém de necessidade e não uma escolha pessoal, já que todas as mecânicas citadas anteriormente obrigam o jogador a fuçar tudo que há para encontrar seus objetivos.
E, falando-se em objetivos, pasme: o indicador de missões é um engodo. Claro, às vezes ele indica corretamente o destino do jogador. Porém, o que ele indica é a área final da missão, pulando qualquer etapa intermediária para chegar-se lá, como ativar uma alavanca. Eu passei horas rodando uma fase até descobrir o que fazer, sendo que os registros de áudio e objetivos no menu de pausa pouquíssimo fazem para ajudar, por causa da avalanche de informações disponibilizadas simultaneamente. Embora ofereça categorias para melhor organização, ainda é muito difícil localizar o arquivo necessário no meio de tudo.
Grande parte do investimento de Prey foi para a narração da trama por meio de pistas no ambiente, como arquivos em computadores, post its, livros, etc. Ainda assim isso pouco faz para enaltecer a história principal e acaba ao invés fortificando as noções sobre o cotidiano em Talos I, com diversos registros de mesquinharias entre os habitantes, cartas de amor e até fichas de RPG de mesa. Interessante, mas irritante, pois a miríade de elementos narrativos adicionais espalhados torna encontrar as coisas necessárias um verdadeiro caos.
Prey também possui seções de exploração no vácuo, no qual pode-se navegar livremente utilizando os jatos acoplados na armadura. Talvez uma das seções mais agradáveis, caminhadas no espaço nos permite ter uma idea da imensidão de Talos I, pois é possível voar em todo o exterior da estação para, inclusive, coletar itens, encontrar missões secundárias, matar Typhons, etc. É também estranhamente sereno, considerando o ritmo implacável do jogo. Ressalto que é importante dominar os controles nesse modo um pouco mais desafiador.
VEREDITO
Prey é um jogo bem-intencionado, com enorme dedicação e carinho aos immersive sims que fizeram história antes dele, talvez até demais. Embora tente se distinguir como inovador, acaba caindo na mesmice, ainda mais por titubear na execução de mecânicas centrais como o combate muito frustrante, aquisição do recurso mais vital ao desenvolvimento da protagonista e forçar a exploração dos cenários, que deveria ser algo fluído e endêmico ao interesse do jogador.
Além disso, a lógica de progressão completamente desordenada e a falta de precisão ao elucidar os objetivos torna o ritmo em Prey inconsistente e, muitas vezes, um aborrecimento. Mesmo assim, o excelente level design, liberdade de movimentação e a criativade envolvida para solução de problemas aliviam muito desse peso, tornando Talos I um verdadeiro playground para os aventureiros de plantão.
Prey é um jogo com crises de identidade, hora assumindo sua relação com os clássicos e hora timidamente tentando caminhar por conta própria, muitas vezes tropeçando. Mas definitivamente merece uma chance.
Essa análise foi realizada a partir de uma jogatina de 40 horas. Agradecemos muito a Bethesda pela cópia gentilmente cedida para a realização deste texto.
Desenvolvedora: Arkane Studios
Publicadora: Bethesda Softworks
Plataformas: PS4, XONE e PC
Data de lançamento: 5 de maio de 2017
Texto escrito por Bruno Ribeiro de Mello
Crítica | Twin Peaks - 1ª Temporada
Twin Peaks não fez parte de nenhuma das eras de ouro da televisão norte americana (considerando que existiram somente duas, a que vai de 1950 a 1971 e a que começou em 2000 e continua até os dias de hoje), mas poucas séries foram tão influentes quanto ela. Talvez, se o seriado nunca tivesse existido, produções como Arquivo X, Millennium, Carnivàle, Lost, The Leftovers e tantas outras nunca teriam vindo à luz. Não é nenhum exagero dizer que o patamar artístico atingido atualmente pelos programas de televisão se deve em grande parte à pequena revolução iniciada pela criação de David Lynch e Mark Frost.
Porém, se analisarmos a série em sua essência, veremos que a fórmula de Twin Peaks não tem nada de muito original. É claro que o mistério envolvendo a morte de Laura Palmer (Sheryl Lee), o charme de Dale Cooper (Kyle Maclachlan) e dos de mais personagens e a bizarrices de coisas como os White e Black Lodges são elementos únicos do programa, que não foram vistos antes e nem depois, mas, se pensarmos em todo o resto, fica evidente que o formato de soap opera e a maneira como a série se desenrola - numa sucessão de cenas breves e informativas - é muito similar ao que existia na época do seu lançamento.
No entanto, curiosamente, é interessante perceber como é justamente essa dualidade entre o normativo e o diferente que faz o seriado funcionar tão bem na sua primeira temporada. Pois, ao mesmo tempo que parecer ser televisão, também há um elemento estranho que dá a impressão de ser outra coisa completamente distinta. E o mérito dessa percepção dividida e fascinante é inteiro de Mark Frost e David Lynch. Ao passo que o primeiro já tinha experiência trabalhando em séries de televisão, o segundo vinha do Cinema e de experimentações com outras formas de linguagem artística.
Trocando em miúdos, Lynch era a explosão de criatividade, e Frost, o sujeito que sabia quais eram os limites que não podiam ser ultrapassados (não é à toa que todas as outras tentativas de Lynch de fazer uma série de televisão fracassaram, e a própria temporada seguinte de Twin Peaks, no momento em que ficou somente nas mãos de Frost, se mostrou desastrosa). Se tivéssemos de ser definitivos, poderíamos dizer que foi por causa do trabalho em conjunto desses dois artistas tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão complementares, que a série não só gozou de um sucesso estrondoso, como apresentou elementos que seriam imitados posteriormente e dariam, em parte, o pontapé inicial para a revolução televisiva iniciada nos anos 2000.
No entanto, por outro lado e não paradoxalmente, não há como deixar de afirmar também que, na balança de importância, o nome de David Lynch pesa mais que o de Mark Frost. Para quem conhece a obra do diretor de filmes como Eraserhead e Veludo Azul, é fácil perceber como são as principais temáticas e características do cineasta norte americano as grandes responsáveis por transformar o seriado em um evento único. Se Frost não estivesse a bordo, Twin Peaks, provavelmente, não teria tido uma sobrevida na televisão. Mas, se Lynch não tivesse participado da empreitada, a série, talvez, fosse muito genérica.
Das duas opções, a segunda é definitivamente a pior. Afinal de contas, é melhor assistir a alguns minutos de algo original e repleto de personalidade do que horas e horas de banalidade. E, de fato, se há um adjetivo que não se aplica ao trabalho de Lynch, este adjetivo é "banalidade". Ele não foi somente o sujeito que criou a magnífica cena de pesadelo de Cooper no "Episódio 02", trouxe o talentoso Kyle Maclachlan para interpretar o papel do protagonista (os dois já tinham trabalhado juntos em Duna e Veludo Azul) e recheou a história de elementos deliciosamente bizarros, mas também foi o responsável por transformar Twin Peaks numa espécie de mergulho profundo na cultura norte americana.
Tudo está lá: os bosques, as cidadezinhas interioranas, as estradas, o jazz e o rock and roll dos anos 1950 (Angelo Badalamenti, o responsável pela trilha sonora, compôs três obras-primas para o programa: os temas de abertura, da Laura Palmer e Audrey Horne, que era interpretada pela atriz Sherilyn Fenn), o café de beira de estrada, a jukebox, o colegial, os garotos e as garotas populares, os romances adolescentes, os motoqueiros, os programas de televisão (a novela Invitation To Love é assistida pela maioria dos personagens e tem a sua estética recriada em alguns episódios, com todo o seu excesso de melosidade e cafonice, além de parecer acompanhar os dramas que acontecem no seriado) e muitas outras coisas. Em Twin Peaks, os Estados Unidos estão perfeitamente representados.
Aos que já tiveram o prazer de assistir aos filmes de David Lynch, é sabido que o diretor gosta de fazer um tributo a alguns dos símbolos culturais estadunidenses e, simultaneamente, desconstruí-los. Em Cidade dos Sonhos e Império dos Sonhos, é o sonho hollywoodiano de ser tornar uma estrela; em Veludo Azul, são os ícones culturais da década de 1950 e o ambiente idealizado das pequenas vizinhanças; e, por fim, em Twin Peaks, é a aparente paz das cidades do interior. Para Lynch, os Estados Unidos parecem ser um invólucro perfeito por trás do qual os mecanismos do mal começam a funcionar.
No final, esses méritos mencionados são somente alguns dos responsáveis por transformar este seriado dos anos 1990 em um dos maiores marcos da televisão. Além do que já foi dito, há uma excepcional gama de personagens ricos, uma trama policial envolvente, dramas intensos e um humor negro muito peculiar. Todos os elementos que compõem uma grande história estão presentes aqui. De certa maneira, a série é muitas em uma só. Não é um acaso que, depois de Twin Peaks, as coisas nunca mais foram as mesmas. Sabe-se que a segunda temporada é deveras irregular e faria com que a série tivesse uma vida curta (embora ela esteja retornando), porém, o resultado obtido ainda na primeira temporada seria suficiente para colocá-la numa das posições de maior destaque da televisão norte-americana. Não é todo dia que vemos algo minimamente parecido com a cria de David Lynch e Mark Frost.
Twin Peaks – 1ª Temporada (EUA, 1990)
Criado por: David Lynch e Mark Frost
Direção: David Lynch, Mark Frost, Duwayne Dunham, Tina Rathborne, Tim Hunter, Lesli Linka Glatter
Roteiro: David Lynch, Mark Frost, Harley Peyton, Robert Engels,
Elenco: Kyle Maclachlan, Michael Ontkean, Sheryl Lee, Sherilyn Fenn, Ray Wise, Everett McGill, Russ Tamblyn, Richard Beymer, Lara Flynn Boyle, Dana Ashbrook, James Marshall, Warren Frost, Mädchen Amick, Peggy Lipton, Jack Nance
Emissora: ABC
Gênero: Suspense
Duração: 410 minutos