Crítica | Cidade dos Etéreos
Afirmei na crítica de seu primeiro livro que Ransom Riggs não era nenhum bobalhão se aventurando no mercado animalesco e milionário da literatura. Havia pensado em sua franquia de O Lar da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares como uma enorme franquia com potencial para diversos livros – mesmo que atualmente só exista a trilogia que termina em Biblioteca das Almas.
Cidade dos Etéreos só confirmou as minhas suspeitas sobre o pensamento comercial do autor bastante perspicaz, mas ao contrário de tantas outras franquias que só decrescem na qualidade, Riggs impressiona ao manter exatamente o mesmo nível do livro anterior. Ou seja, comete os mesmos erros e acertos.
Com o ataque de Barron e do etéreo à fenda da srta. Peregrine, as crianças escaparam com vida por um triz. Porém muito foi perdido: a fenda temporal se desfez, a casa foi arruinada e Jacob não pode mais retornar ao seu tempo ficando preso em 1940 em plena Segunda Guerra Mundial. Após toda a destruição, as crianças ainda tiveram que fugir dos acólitos que cercavam a ilha de Cairnholm no País de Gales. Sem saber onde seguir e com srta. Peregrine ferida em sua forma de pássaro, as crianças terão de encontrar outra fenda com outra ymbryne para curarem a querida srta. Peregrine na vã esperança de reconquistarem um lar.
De costume, o segundo volume de uma trilogia traz obrigações básicas em sua narrativa das quais Riggs quase cumpre em totalidade. O escopo da aventura fica maior, a ameaça antagônica também e o ritmo é mais acelerado. Mas algo que o autor já demonstrava ter dificuldade no primeiro livro, praticamente assombra toda a experiência desta narrativa: o desenvolvimento pífio de seus personagens.
Felizmente, Jacob parou de parecer mais adulto do que ele poderia ser, em uma margem razoável. A prepotência interpretativa do personagem ficou restrita a poucos momentos de reflexões confidencias. Riggs decide mesmo pela grande jornada que o livro aborda, dedicando menor tempo para o protagonista que passa calado por diversos momentos importantes para o grupo.
Toda a narrativa de perseguição dividida em duas partes aqui me lembrou muito do estilo de Lemony Snicket em Desventuras em Série, se valendo de situações narrativa semelhantes, mas que se resolvem de modo mais rápido – no primeiro segmento, os órfãos fogem a todo momento de um grupo de acólitos e etéreos. A aventura realmente é mais corrida graças a progressão textual fluida, superior à do livro anterior.
Somente em alguns momentos raros que a narrativa estaciona por algumas páginas, ocasiões perfeitas para desenvolver os personagens. Sendo justo, isso acontece ao menos uma vez quando os órfãos compartilham seu passado com o leitor. Ainda assim são histórias curtíssimas, de poucos parágrafos, além de boa parte deles permanecerem calados, omitindo informação valiosa.
Então o que Riggs faz nesses momentos orgânicos de respiração de narrativa? Simples, apresenta novos personagens que também não são muito bem explorados, mas divertem o leitor por serem divertidos e peculiares. A mitologia se expande nesses casos com a caravana de ciganos, na fenda dos animais peculiares – Addison é um personagem valioso que Riggs reconheceu a importância e, por fim, com o terceiro ato da obra com a fortaleza gelada das ymbrynes. Aliás, é interessante que ele arranha um pouco o passado de srta. Peregrine e explica um pouco mais sobre o funcionamento do mundo peculiar, incluindo algumas leis e punições.
Mas como havia dito, Riggs não se arrisca muito aprofundar em nada. Os eventos acontecem, garantem o divertimento e reservam diversas surpresas. Mas é broxante ver como o autor não sabe ou tem medo de explorar mais a fundo sua mitologia. Jacob nem mesmo se confronta, em seus pensamentos, sobre estar vivendo na Segunda Guerra Mundial! Um fato que somente é lembrado em algumas passagens. As reflexões sobre seu avô também ficam restritas, quase ausentes.
Ao menos, Jacob pensa recorrentemente em como seria sua vida no futuro e na preocupação de seus pais. Em contrapartida, Riggs deve bastante no desenvolvimento do relacionamento amoroso entre o narrador e Emma. No fim, reviravoltas e inesperadas e injustificadas, burocratizam a situação. Por outro lado, se tomarmos a referência do ponto de vista de Jacob como narrador, talvez o autor exponha como Emma não passa de uma enorme incógnita para ele e, por consequência, para os leitores também. Novamente, só descobrirei se é o caso no terceiro livro.
Mas Riggs não colabora em me tornar mais otimista. Ele reconhece suas limitações com alguns personagens como Claire e Fiona, das quais consegue deixar fora da aventura por boa parte do livro. Ao menos a interação entre os órfãos é mais ativa e rica, cheia de diálogos e discussões – somente com Enoch que há certo exagero deixando o personagem redundante entre seus muitos pitis.
Cidade dos Etéreos mantém exatamente o mesmo nível da obra anterior graças a sua aventura divertida e, muitas vezes, tensa com sua enorme perseguição. Riggs acerta em tornar o narrador mais agradável, além de explorar mais as habilidades de Jacob. O terceiro ato, a melhor amostra do que autor pode oferecer até agora em sua escrita, guarda surpresas imprevisíveis que lhe deixarão ávido para conferir o terceiro volume da obra, o aguardado final da trilogia. Apesar do clima ser mais sombrio, Riggs deixa a leitura mais leve e agradável pensando no seu consumidor final.
As fotografias que fizeram sucesso no primeiro volume retornam aqui em maior quantidade e qualidade, trazendo composições bizarras e belas para ilustrar as criaturas descritas no livro – aliás, Riggs continua excelente para descrever ação, cenários e personagens. No volume, também há uma entrevista bastante curiosa com o autor que vale a pena ser lida. A cada livro lido, mais fico convencido que essa trilogia é uma das melhores obras voltadas ao público infanto-juvenil dos últimos anos.
Também é preciso parabenizar a Intrínseca com a edição de luxo que lançaram aqui no Brasil, em acabamento de capa dura e folhas de gramagem superior.
Crítica | Westworld - 01x02: Chestnut
SPOILERS!
Depois de um piloto arrasador e que já introduzia perfeitamente o admirável novo mundo que a HBO nos lançaria em Westworld, é incrível que o segundo episódio não deixe a peteca cair. Ainda roteirizado por Jonathan Nolan e Lisa Noy, este episódio é radicalmente diferente do anterior, por centrar-se agora em um pouco mais do núcleo humano, ainda que os enigmáticos Anfitriões tenham sua considerável parcela de tempo em cena.
Pra começar, somos apresentados a dois novos personagens humanos: Logan (Ben Barnes) e William (Jimmi Simpson), que estão prestes a chegar no parque e embarcar na jornada pela primeira vez. Esse núcleo é valioso por explorar com mais nitidez o universo onde o parque está inserido, assim como trazer ótimas cenas como a chegada de um trem futurista até a recepção de Westworld - em uma amostra do incrível design de produção de Zack Grobler - e o guardarroupa que oferece diferentes vestimentas do Velho Oeste para os personagens e Anfitriões que já oferecem seus serviços na entrada; tudo é permitido antes mesmo que os Recém-chegados pisem os pés na areia da cidade. A empolgação quase doentia de Logan em brigar e transar com tudo o que se mexe é bem contrastada pelo receio de William, um homem casado que estranha todo o realismo que a experiência proporciona. É um toque humano necessário que o piloto não havia introduzido com eficiência.
Deixamos o núcleo de William e Logan para voltar aos Anfitriões. A Dolores de Evan Rachel Wood tem uma participação consideravelmente reduzida, mas vital. Vemos que o incidente com seu "pai" acabou afetando sua programação; é como se um código lentamente a fizesse ter acesso a suas "memórias" (no caso, tudo o que os demais Recém-Chegados já lhe proporcionaram) e esse código rapidamente se alastra para a prostituta Maeve (Thandie Newton), que agora passa a ter flashes de um passado violento. É quando Chestnut fica cada vez mais intenso, fruto da direção habilidosa e atmosférica de Richard J. Lewis, capaz de construir uma inquietação e suspense pelo simples fator macabro da imagem dos Anfitriões encarando seus criadores com um olhar frio e sem vida - a performance de Newton nessa cena é particularmente sinistra, assim como a sequência subsequente em que Maeve acorda no laboratório de Westworld.
Falando neles, tivemos um bom tempo para passarmos ao lado do Dr. Ford de Anthony Hopkins. Dentro do parque, vemos Ford conversar com um jovem Anfitrião sobre alguns segredos que o local guarda, assim como a promessa de uma nova Narrativa para seu programador, Bernard (Jeffrey Wright). Hopkins entrega um desempenho formidável durante uma cena em que rejeita a nova proposta de Narrativa do ambicioso Lee Sizemore (Simon Quarterman), claramente enxergando ali que o parque não deve ser apenas um joguinho de truques e violência sem sentido - ainda que a maioria dos Recém-Chegados os vejam dessa forma, claro.
Na questão de segredos e humanos sádicos, chegamos ao núcleo do Homem de Preto (Ed Harris). Com o misterioso mapa encontrado no escalpo de um índio morto, o implacável pistoleiro continua sua jornada para encontrar os "níveis secretos do jogo". A busca o leva até o condenado Lawrence (Clifton Collins Jr.) e resulta em um tiroteio excepcional onde o Homem de Preto leva a maior vantagem, descobrindo novas pistas sobre sua jornada. A sequência também revela que o personagem também é vigiado pelos administradores do parque, mas que ignoram sua conduta violenta por tratar-se de mais um jogador. Ainda tenho minhas dúvidas quanto a real natureza do Homem de Preto, e este novo episódio só aumenta o mistério, vide sua aparição surpreendente durante o pesadelo de Maeve. Novamente um Nolan nos faz questionar se um sonho é real ou pura ficção. Coisa de família, suponho...
Chestnut consegue ser ainda mais enigmático e eficiente quanto seu antecessor, colocando Westworld em uma linha de mistério cada vez mais próxima de Lost em seu auge. O elemento de ficção científica e o temor da inteligência artificial continuam fortes, e a constatação de que "esses prazeres violentos têm fins violentos" está galopando cada vez mais próxima da realidade.
Crítica | Scream - 1ª Temporada
Scream não estreou sob bons olhos. Essa série é uma adaptação do filme que ressuscitou o slasher movie e revolucionou o terror na década de 1990. Entretanto, as próprias sequências da popularmente conhecida franquia Pânico foram responsáveis por (perdoem o trocadilho) assassinar a qualidade do título aos poucos. Somem a isso dois fatores: a franquia volta por uma emissora pouco prestigiada quando o assunto são séries e as mentes criativas por trás dela não são as mesmas (o cineasta Wes Craven ainda assinava como produtor executivo, mas faleceu dois dias antes do último episódio), e você terá uma desconfiança totalmente justificável por parte do público.
Agora, prestes a encerrar o segundo ano com um episódio especial de Halloween e com uma terceira temporada já garantida, vamos voltar um pouco a fita para relembrar o ano de apresentação dos moradores e da história da pequena cidade de Lakewood. Nesse contexto, sai a mocinha Sidney Prescott, dos longas, e entra Emma Duval, numa troca que agradou pouco. A personagem principal é um dos grandes diferenciais na série cinematográfica, afinal, Sidney foi uma verdadeira girl power nos anos 90 quando nem se falava em girl power, mas Emma é uma protagonista apática, muito longe da Sidney que confrontava o assassino cara a cara.
Apesar disso, outro fator que sempre sustentou muito bem Scream foi a metalinguagem e, para a alegria dos fãs, ela está mais viva do que nunca na série. Os diálogos metalinguísticos evoluíram e expandiram-se, um grande acerto da MTV na primeira temporada. Isso garantiu citações maravilhosas a American Horror Story, The Walking Dead e Hannibal, por exemplo. Claro que não é nenhuma novidade para quem conhece a franquia, mas foi uma bela sacada adaptar esse conceito. Scream ganhou muitos pontos com o público e com a crítica através do roteiro.
Por falar em roteiro, a decisão de ouro foi trabalhar com apenas 10 episódios nesse primeiro ano. Um número excelente, que não permitiu brecha para arcos irrelevantes. Apesar do elenco fraco, tudo correu bem no primeiro ano em termos de andamento, com um texto que optou por ser coerente e não apenas chocante. Só esse fato já merece aplausos de pé.
A primeira temporada gira em torno do misterioso passado envolvendo a mãe de Emma e o assassino deformado e mal-compreendido Brandon James, que agora recai sob a garota. Os estudantes de Lakewood começam a ser assolados por uma onda de assassinatos, cometidos por um ‘slasher’ que usa a máscara cirúrgica de Brandon (aliás, a máscara nova ficou um luxo à parte e a decisão de adaptá-la respeitou os filmes originais). Um dos fatores que me preocupou logo no início do primeiro ano foi a inclusão de elementos sobrenaturais na trama, mas felizmente eles não seguiram por esse lado (ainda).
O grande desafio de um enredo assim, claro, é transformar uma história que geralmente se resolve em pouco mais de uma hora num suspense que dê para acompanhar sem cair no sono. Recorre-se, assim, às subtramas. Nesse cenário, existem sempre preocupações de que algo se torne desinteressante e chato para o público, ou até mesmo subaproveitado. Porém, a primeira temporada de Scream não teve esse problema. A problemática do romance lésbico divulgado na internet, o caso entre a patricinha e o professor bonitão ou até mesmo o breve romance do nerd são elementos que caíram muito bem de apoio à história principal e, como eu disse antes, tudo ficou bem conectado. São histórias que parecem bobas, mas a graça de Scream sempre foi mergulhar nesses estereótipos.
Quando estava assistindo à primeira temporada, fiquei me perguntando por diversas vezes até quando o bom roteiro de Scream poderia segurar a falta de qualidade do elenco. Não que os personagens não sejam cativantes, afinal, é muito fácil se importar com o nerd, se identificar com a patricinha ou torcer pela lésbica. Esses estereótipos não surgiram aqui, eles vieram embalados em uma caixinha diretamente dos anos 90 e, apesar de batidos, é uma forma de homenagear o clássico.
Para o elenco, claro, foram escolhidos atores jovens, uma estratégia coerente para chamar o público da MTV e que funcionou. Em termos de personagens, gosto bastante da evolução da Brooke ao longo dos episódios (ela sim daria uma boa final girl!) e dos alívios cômicos bem contextualizados de Noah.
Os momentos finais dessa temporada de Scream agradam, com direito a tudo aquilo que o público estava esperando: festa, sangue (mesmo que sejam alguns momentos mornos para um final) monólogo do assassino, reviravoltas e tudo mais. Foi bem ao estilo clássico mesmo, mas deixou boas pontas soltas para a segunda temporada, provando que o show está empenhado em trabalhar essa adaptação do slasher movie. Apesar da busca desses novos elementos, como um todo, ainda é o original que norteia os caminhos da temporada.
Scream começou sabendo muito bem para onde ia e funciona como um recorte perfeito de várias referências. Um verdadeiro banquete. No geral, cumpre bem a missão de deixar o público preso, tentando descobrir a cada episódio quem é o assassino e porque ele está fazendo aquilo. A primeira temporada agiu com segurança e cautela, assim, apesar de não ser um grande acerto, também não erra feio. Ela garantiu o meu respeito e mostrou que a trama de Scream ainda é uma sobrevivente quase 20 anos depois.
Texto escrito por Evandro Claudio
Critica | It: A coisa
Clássico de Stephen King lançado em 1986, It conta história de 7 pessoas que enfrentam o terrível palhaço sobrenatural, Pennywise (A coisa) que assombra a pequena cidade de Derry no Maine. Ele aparece para essas mesmas pessoas em duas fases de suas vidas, quando crianças (em 1958) e quando adultas (em 1985).
O livro vai alternando entre as duas linhas do tempo. Quando adultos eles são pessoas extremamente bem sucedidas. Bill Denbrough é um escritor de sucesso, Ben Hanscom é um renomado engenheiro, Beverly Marsh, uma talentosa estilista, Richie Tozier, um famoso comediante da rádio, Eddie Kaspbrak tem um bem sucedido negócio de limusines em Nova York e Stan, um contador. A excessão é Mike que ficou em Derry e é um humilde bibliotecário.
Assim que Mike fica sabendo que Pennywise retornou, ele liga para os seus seis velhos amigos, lembrando-os da velha promessa de que se “A coisa" voltasse eles deveriam retornar.
King trabalha o elemento de terror nesse romance magistralmente, não tendo vergonha de liberar sua mente doentia matando criancinhas das mais terríveis maneiras que você possa imaginar, não deixando o terror psicológico de lado, tendo passagens genuinamente tensas. Como se não bastasse, o romance não oferece só terror, é também uma bela história sobre amizade.
Um personagem que deve ser citado aqui é Henry Bowers, o valentão da escola, ele traz um senso de perigo quase igual ou até superior a coisa. Ele é louco e não descansará até conseguir dar uma bela de uma surra nos garotos da escola.
É ele que acaba, por acaso, juntando uma parte do “Clube dos Ótarios” Como eles se chamam. O tímido e gordinho Ben Hanscom quando tentava fugir do valentão acaba se escondendo no Barrens e conhece o futuro líder do grupo Bill Denbrough, um garoto gago e o frágil e asmático Eddie Kaspbrak. Outro personagem que acaba conhecendo o grupo fugindo de Henry é Mike Hanlon. Além deles há o extrovertido Richie Tozier, Beverly Marsh e Stan Uris.
Personagens como Henry e seu grupinho de valentões, Tom Rogan (O marido de Beverly) e Al Marsh (Pai de Beverly) são bem interessante, pois são pessoas loucas, doentias e são ameaças mais sólidas, mais reais do que a sobrenatural, certas passagens envolvendo esses personagens são mais tensas do que as da “coisa”.
Stephen King escreve muito bem, com seu já conhecido cuidado para com as relações familiares e de amizade. Ele mostra os personagens ganhando afinidade aos poucos até que se tornam amigos inseparáveis. Cada um desses personagens tem individualidades bem definidas e conflitos internos interessantes.
A descrição também é muito boa, ao longo da leitura, é possível ter o mapa de Derry já pronto em sua cabeça. Alguns podem se sentir incomodados com o exagero de detalhes que o autor fornece em algumas partes, o que não foi o meu caso.
Alerta de Spoilers
Um dos temas principais do romance é o poder da crença em suas diversas formas, a religião, os placebos, a confiança em um líder. A coisa simboliza bem esse poder, pois é o que ela utiliza. Seu poder é se transformar na coisa que a pessoa mais teme. Sua preferencia por crianças é explicada. As crianças são mais imaginativas e tem medos mais simples, sendo capaz de personificá-lo com somente um rosto.
O segredo para machucá-la é virar seu poder contra ela, se ela se transformar em lobisomens, como o bom cinema de terror costuma mostrar, use prata. Essa foi uma ótima sacada em minha opinião.
O livro tem um final agridoce que me satisfez bastante. Algumas pessoas podem considerar um final bem feliz, mas discordo, eles estão contentes, mas, por outro lado se esquecem dos melhores amigos que já tiveram em vida.
Fim dos Spoilers
It é sem duvida um dos melhores livros do Mestre Stephen King, ouso dizer que figura até entre os melhores de toda a literatura de horror. Recomendo para quem quer começar a ler esse tipo de literatura e para quem já é fã do gênero é uma leitura obrigatória.
Crítica | Rick and Morty - 1ª e 2ª Temporadas
Basta passar pouco tempo, após publicarmos Festa da Salsicha onde discorri sobre animações adultas, que finalmente separo meu tempo para conferir Rick and Morty, seriado animado que atualmente é cotado na sétima posição de 250 no ranking de televisão do Imdb. Claro que ao ver um patamar absurdamente alto e popular no site-acervo cinematográfico mais famoso do mundo, a curiosidade despertou, afinal seria possível ser tão bom assim?
É atualmente considerado o melhor seriado cômico animado de todos os tempos. Melhor do que Simpsons, Family Guy, Futurama e South Park. A série surgiu exatamente no embalo em que Dan Harmon tinha virado um dos showrunners mais queridos do ambiente televisivo. Anunciado que não participaria mais de Community, sua criação de maior sucesso até então, Harmon teve a oportunidade de firmar outro strike em sua carreira de expressivo sucesso.
Inspirado diretamente pela trilogia De Volta para o Futuro, Harmon e Justin Roiland esboçaram as aventuras de um cientista brilhante velhote maluco e tosco acompanhado de neto bobalhão. O que tinha para ser algo totalmente ordinário, tornou-se a animação de maior sucesso da grade do Adult Swim do Cartoon Network americano que transmite conteúdo voltado para adultos em suas madrugadas – no Brasil, o Adult Swim não vingou tendo permanecido por poucos meses na grade entre 2006 e 2007.
A cada episódio acompanhamos uma aventura fechada protagonizada por Rick e Morty. O piloto é exemplar para fixar toda a qualidade e o tom satírico que o roteiro assume no restante das duas temporadas. Somos apresentados a um universo onde Rick e Morty estão acostumados a atravessar por portais de viagem para outras dimensões, carros voadores, armas de plasma, diversos alienígenas hostis e amigáveis, além de conviverem no núcleo familiar neurótico constituído com os pais de Morty, Jerry e Beth, e sua irmã, Summer.
Os três primeiros episódios são absolutamente maravilhosos apostando o humor inicial com paródias de filmes como A Origem, A Hora do Pesadelo, Jurassic Park e Osmose Jones. O piloto define todas as regras do universo do seriado apresentando as possibilidades que os personagens podem tomar. Apesar de Rick ser um velho alcoólatra, antissocial e misantropo, é um inventor genial e profundo conhecedor dos ambientes que explora com o neto. Já Morty não é tão brilhante, mas há um jogo muito profundo na essência desses dois personagens – isso para um seriado de 21 minutos por capítulo.
Durante as aventuras – vasta maioria de horror espacial – Rick, por ser muito poderoso e velho, pouco se lixa para as reverberações que suas ações podem trazer, afinal ele interfere com outros mundos e realidades a todo momento. Logo, toda a aura filosófica do personagem é considerada no chamado “pessimismo cósmico” onde a vida humana tem pouca ou nenhuma relevância para tudo o que há no universo. Rick a todo momento trabalha com esse humor niilista já que têm consciência de que sua vida não significa nada – ainda mais se tomarmos como referência o ótimo episódio Close Rick-counters of the Rick Kind na primeira temporada onde os personagens são confrontados por outros Ricks e Mortys de universos paralelos.
Disso vem o propósito de Morty: servir de balança moral e existencial para Rick, um certo capricho turvo de Yin e Yang. Diversas vezes Morty reclama com seu avô sobre as decisões psicóticas, homicidas e totalmente imorais e antiéticas que Rick toma, seja por seu divertimento ou pela necessidade da dupla sobreviver – já no piloto, durante uma fuga, Morty acaba cometendo atrocidades à contragosto. Mas mesmo com apreço por sua vida, deixando de lado o vazio existencial de Rick, Morty tem a pequeneza do ser humano presente em sua psique.
Não são poucos os episódios que Morty é um verdadeiro hipócrita que condena seu avô, porém nunca deixa de pedir favores para obter certa vantagem que sempre resultam em coisas desastrosas ao extremo. As motivações de seus pedidos geralmente vêm de cunho sexual – mais compreensível pelo personagem ser adolescente – seja para conquistar uma garota, salvar uma alienígena gostosa ou comprar um robô sexual.
Também quando age em favor de um ideal, Morty causa desastres completos – isso é vastamente explorado na segunda temporada através dos episódios Mortynight Run e Auto Erotic Assimilation. Este último, traz uma discussão excelente acerca da liberdade do indivíduo e das consequências que isso gera enquanto trabalha parodicamente com o filme Invasores de Corpos. Aliás, Morty também segue os pecados capitais de seu avô, mesmo que seja por acidente.
Em diversos episódios, o seriado mostra como Rick é o criador de diversos seres que não mostram gratidão por existirem nesse mundo. O mesmo acontece com Morty em Raising Gazorpazorp onde é confrontado por seu bebê alienígena sobre seu propósito na Terra. O existencialismo explorado pelos personagens toca a filosofia do absurdismo de Albert Camus onde a vida humana é sempre confrontada pela nossa busca por significado intrínseca a nossa existência enquanto lidamos com o fato de sermos insignificantes quando tomamos o escopo do universo e sua infinidade. Muitas dessas criações reclamam em busca de seu propósito vazio e quando falham em conseguir isso, surtam com a dor da existência – isso é abordado em diversos momentos, mas o auge da narrativa mais expositiva vem em Meeseeks and Destroys.
O que torna Rick um personagem mais rico ainda é seu alcoolismo e suas tentativas em demonstrar afeto ou apego, afinal, ao decorrer do seriado, descobrimos que ele luta por algo – mesmo que isso não seja revelado. Os roteiristas também inserem insights hilários e cruéis para o personagem paradoxal. Sua frase de efeito como Wabalubadubdub que significa “estou sofrendo, me ajudem”, mostra que a armadura niilista do personagem esconde um emaranhado emocional frágil. Em outros momentos também há essas confissões de dor e desespero. No fim, Rick é tão humano quanto Jerry, a epítome da mediocridade. Um personagem que se vê mais realizados em simulações malfeitas do que na própria realidade. A finale da segunda temporada torna Rick muito mais complexo do que ele aparenta ser. Aliás, o personagem é tão inteligente que ele mesmo tem a própria noção de fazer parte de um seriado televisivo. Por conta disso, ele quebra a quarta parede algumas vezes, se comunicando com o espectador.
Não só a abordagem filosófica é extremamente rica e disfarçada pela comédia, mas como há uma manipulação científica muito competente, assim como brincam com a moralidade religiosa – episódio Get Schwifty onde novamente a humanidade é confrontada pela sua insignificância, além de mexer com a filosofia de Schopenhauer aliadas às obras fantásticas de H. P. Lovecraft (autor muito homenageado na série).
Os roteiristas têm competência extrema em tornar conceitos complexos de física quântica, de ciência que aborda de Schrodinger até Heisenberg e até mesmo religiosos em diálogos simples, fáceis e engraçados. Atrás de toda a complexidade criativa que os criadores investem na produção, os episódios têm fórmulas bem definidas e fáceis de serem distinguidas.
Excluindo episódios importantes como os de abertura e encerramento de temporada, Rick and Morty funcionam de modo sólido. Acompanhamos Rick e Morty em alguma aventura seja no espaço e suas dimensões ou na Terra e, como segunda linha narrativa, vemos alguma enrascada que a família deles tem que superar sem a ajuda de Rick. No segundo episódio da primeira temporada, já é possível ter uma noção rica de como os roteiros funcionam: enquanto Rick e Morty se aventuram nos sonhos do professor de matemática Goldenford ao melhor estilo A Origem, os outros personagens tem que lidar com o cachorrinho Snuffles que após ganhar um aparato de Rick para se comunicar com os outros, passa a crer melhor sobre sua existência e decide iniciar uma dominação global onde os humanos são os bichinhos de estimação dos cães.
É sempre assim e na maioria das vezes, os roteiristas conseguem construir ambas narrativas de modo cativante, muito criativo e totalmente imprevisível em sua conclusão. A comédia paradoxal baseada em um nonsense racionalista é diluída em meio aos arrotos de Rick e dos diálogos repletos de palavrões. Porém, os palavrões aqui não são a comédia como acontece em Festa da Salsicha, mas sim sempre se comportam como artifícios de ênfase dramática ou como frases de efeito.
O humor não se restringe apenas ao texto, evidentemente. O time de roteiristas e diretores se esforçam em criar universos absolutamente estranhos, inéditos e encantadores para cada episódio: desde dimensões onde hamsters se movimentam enfiados no traseiro de humanos até mesmo um planeta com velhinhas gosmentas. É uma diversidade fabulosa no design de personagens e cenários – quase nenhuma reciclagem.
Como lidamos principalmente com ficção científica, uma constante no seriado é a violência gráfica, mas também sempre a favor da comédia. De tudo que falei, realmente parece que o seriado é perfeito. Bom, digamos que ele chega muito próximo disso, pois até em seus episódios considerados fracos, há um propósito digno para que se desenrolem desse modo.
Por exemplo em Rixty Minutes onde Rick instala uma televisão que mostra diversos canais de Terras paralelas, além de fornecer óculos de realidade aumentada que mostra a vida de Jerry e Beth em outras realidades. Ali há uma diversidade de esquetes fracas com os canais de televisão mostrando bizarrices, porém há todo o trabalho em aprofundar o relacionamento amoroso sempre em crise dos pais de Morty. É justamente nesses onde ocorrem mensagens elaboradas de afeto e significância existencial para os personagens. São momentos que valem ouro tanto por serem inteligentes quanto efetivos na semiótica.
O traço e a animação seguem o estilo de desenho animado pós-moderno como Hora de Aventura, O Incrível Mundo de Gumball, Apenas um Show ou Gravity Falls, porém há toques de expressões a la South Park também e algum uso de linguagem corporal oriundo dos desenhos de Chuck Jones e seus Looney Toones. Assim como a maioria desses desenhos, não há um trabalho que fuja do convencional em termos de enquadramento – apenas em momentos muito especiais que os diretores fogem da linguagem padrão dessas animações.
O trabalho de dublagem é excepcional especialmente o de Jostin Roiland, co-criador da série. Roiland faz Rick com diversos maneirismos na fala, incluindo uma gagueira confusa escondida nas falas rápidas. Também dublando Morty, há uma clara tentativa eficiente em emular o sotaque e timbre da voz de Michael J. Fox – ator que interpreta Marty em De Volta para o Futuro. Novamente, o jeito que Fox falava nos filmes é emulado com Morty, suas gagueiras e diversos barulhinhos guturais repletos de incertezas.
Aliás, deixo aqui registrada toda a minha admiração pelo sexto episódio da primeira temporada: Rick Potion #9. É disparado o episódio mais absurdo, fantástico, grotesco, perturbador, incrível que eu já tenha visto em qualquer obra desse gênero até então. Ali, os roteiristas também apresentam elementos que posteriormente são retomados no seriado. Então há sim um fio narrativo maior conduzindo todos esses episódios que a primeiro momento podem parecer desconexos.
Rick and Morty é possivelmente a melhor coisa que aconteceu à animação adulta desde o advento de South Park. O humor tão politicamente incorreto quanto é melhor trabalhado em diversas histórias fantásticas de ficção científica e horror, além de apresentarem um rol espetacular de personagens carismáticos e engraçados. Não somente pelo teor da comédia ser tão peculiar e certeiro, mas também do modo mágico que simplificam temas filosóficos e científicos complexos. Quando as possibilidades são infinitas, não há como Rick e Morty te decepcionarem.
*Fique atento pois todos os episódios do seriado estão disponíveis na Max.
Crítica | Gotham - 1ª Temporada
Estamos vivendo um boom de adaptações de super-heróis no mercado audiovisual. Não só o cinema orquestra gigantescos universos cinematográficos que visam viajar por diversos gêneros com seus personagens coloridos e sombrios, mas a televisão também vem criando algo que rapidamente tornou-se popular e com uma base de fãs fortíssima - e com seguidores mais fiéis, alguns diriam. A Marvel foi um passo além na escolha de unificar absolutamente tudo, incluindo suas séries na ABC, Agents of SHIELD e a finada Agent Carter, e suas adaptações sombrias e violentas de heróis urbanos na Netflix.
Já a DC tem algo mais próximo de um "multiverso". Todas as séries da CW e FOX vivem seus respectivos universos isolados, sem conexão com a ainda pequena franquia cinematográfica que vem se montando com a entrada de Zack Snyder - o que ocasionalmente força a saída de núcleos e personagens da telinha, como o Esquadrão Suicida, por exemplo. Flash, Arrow, Legends of Tomorrow e agora Supergirl vão lentamente montando sua própria Liga da Justiça ali, enquanto outra série popular da DC vive em seu próprio mundinho separado: Gotham.
A ideia de uma série do Batman sem o Batman parecia estúpida. A noção de ter versões infanto-juvenis dos principais vilões do Cavaleiro das Trevas, pior ainda - já que as melhores encarnações do personagem exploram a ideia de que sua presença é o principal motivo pelo qual temos uma insurgência de vilões, como se fosse responsável por eles. Para se apreciar a série de Bruno Heller, é preciso ter em mente que estamos diante de um universo paralelo completamente aleatório, que vai tomar todas as liberdades artísticas possíveis e definitivamente não será para todos. A grande surpresa é que Gotham não é a porcaria que eu imaginei.
Como poderia imaginar, a trama começa justamente na noite em que Bruce Wayne (David Mazouz) tem seus pais assassinados em sua frente, durante um assalto que contou com a jovem Selina Kyle (Camren Bicondova) como testemunha oculta. Paralelamente, acompanhamos o novato Jim Gordon (Ben McKenzie) acostumando-se à rotina do corrupto departamento da polícia da cidade, sendo designado a trabalhar com Harvey Bullock (Donal Logue), um tira com métodos pouco ortodoxos que apresenta Gordon ao submundo comandado por Fish Mooney (Jada Pinkett Smith) e sua guerra de gangues com as famílias mafiosas de Carmine Falcone (John Doman) e Sal Maroni (David Zayas).
São diversos núcleos que misturam-se em uma narrativa linear complexa para alguns personagens com a velha fórmula do caso da semana para os protagonistas, algo esperado quando estamos no gênero policial. Nesse sentindo, a melhor maneira de enxergar a série é como uma revistinha pulp barata. O conteúdo não é exatamente bom, ou executado da melhor forma, mas agrada justamente por esse aspecto capenga e às vezes tosco que Heller e seu time de roteiristas abordam. Por exemplo, como não torcer o nariz para um criminoso que executa suas vítimas ao amarrá-las em pequenos balões de hélio para fazê-los flutuar pela cidade ou um serial killer que acredita estar possuído pelo espírito de um cabrito. É uma mistura saudável e divertida do Batman de Joel Schumacher com o aspecto gótico de Tim Burton, mas com um nível de violência um pouco acima da média - o que torna a combinação ainda mais curiosa.
A estrutura de caso da semana é definitivamente o maior demérito da série, que se vê na necessidade de criar oponentes e tramas que até funcionariam com maior desenvolvimento (Ok, menos a do Homem do Balão, essa é imperdoável) caso tivessem mais tempo para serem trabalhadas, e o que temos no lugar é uma fórmula batida, clichê e que acaba sendo resolvida fácil demais com alguma pancadaria ou visitas aos pontos barra pesada da cidade. Isso só melhora após o décimo episódio, posterior ao hiato da série que retornou com uma narrativa mais centrada e focada em menos núcleos - o caso da semana agora se convertia em caso de "algumas semanas", como a introdução ao Espantalho e o assassino Ogro, em uma boa performance de Milo Ventimiglia.
Mas o que nos faz suportar Gotham em seus piores momentos e nos empolgar naqueles mais bem sucedidos é o elenco e a caracterização de seus personagens. Mesmo sem o icônico bigode, Ben McKenzie é muito eficiente na construção de seu Jim Gordon. Mesmo sendo uma performance de uma nota só, o ator consegue captar e transmitir a bússola moral do personagem e a raiva interna que ocasionalmente lhe toma, na maioria das vezes por ser incapaz de combater a corrupção ou levar a melhor sobre seus superiores no departamento.
Sua química com Daniel Logue também é um ponto alto, já que abraça o estereótipo do buddy cop de forma leve e engraçada, o que também se deve à performance fanfarrona de Logue - que surpreende quando os roteiristas lhe fornecem raros momentos dramáticos. Só fica difícil aguentar todo o núcleo romântico de Gordon com Barbara (Erin Richards), que acaba se levando a sério demais em um seriado que abraça o cartunesco. Se bem que a situação fica pior justamente quando os produtores resolvem inventar uma reviravolta completamente absurda e risível para a personagem, em mais um exemplo da reinvenção proposta por Heller. Felizmente, Gordon ganha uma subtrama amorosa mais interessante com a entrada de Morena Baccarin.
Quem surpreende aqui é Jada Pinkett Smith, dando vida a uma vilã inédita nos quadrinhos do personagem e que mostra-se uma das figuras mais perigosas e ameaçadoras da série, e a atriz claramente se diverte ao criar uma figura que constantemente ultrapassa a linha do over the top. Mas quem realmente se encaixa nesse perfil é o excelente Robin Lord Taylor, que entrega a versão em carne e osso mais carismática e memorável do Pinguim até hoje (não que seja difícil esquecer a encarnação idiota de Danny DeVito em Batman - O Retorno). Este Oswald Cobblepot em início de "carreira" garante os melhores momentos da série com seu núcleo que concentra-se na ascensão do sujeito no mundo criminoso, evocando até mesmo O Poderoso Chefão em seus momentos mais gloriosos, e Taylor domina cada cena em que aparece com sua mistura certeira de grotesco e excêntrico.
Ainda sobre jovens vilões do Morcego, vale destacar a incrível Camren Bicondova. Embora tenha meus problemas com ver uma Selina Kyle completamente formada e já experienciada mesmo quando criança, a performance energética e irônica da atriz é capaz de nos fazer aceitar a ideia, e o seriado ganha ritmo quando sua mini ladra gatuna está em ação. Outro destaque é Cory Michael Smith, que interpreta Edward Nigma antes de sua transformação no Charada, colocando-o como um isolado e tímido forense no departamento de polícia. Seu núcleo que envolve um difícil aproximamento com uma colega de trabalho começa tedioso, mas ganha proporções interessantes quando vemos os vislumbres de seu alter ego enigmático. Só poderiam diminuir os trocadilhos, claro.
Temos também uma introdução duvidosa e confusa a um tal de Jerome que pode vir a se tornar o Coringa no futuro, e ainda que a série não saiba exatamente o que fazer com ele, Cameron Monaghan é uma revelação ao trazer a psicopatia e a risada maléfica de Jerome.
Por fim, temos Bruce Wayne. Infelizmente, Heller não é muito hábil em como lidar com o personagem. Compreendo que isso é uma releitura e liberdades criativas são inevitáveis, mas realmente não há muito o que Bruce possa aprender antes do período em que viaja o mundo e aprende artes marciais de todos os tipos. Como a série dificilmente deixaria o garoto de luto durante todo o tempo, Bruce ganha um núcleo forçado onde tenta encontrar o assassino de seus pais e treinar seu corpo para se livrar do medo. É fraquíssima, mas vale para termos a interação de David Mazouz com Sean Pertwee, que faz uma das encarnações de Alfred Pennyworth mais divertidas e diferentes que já vi.
Tecnicamente, Gotham é formidável e ao mesmo tempo não. Mas isso faz parte do charme. O trabalho de design de produção da equipe é realmente fantástico por trazer a arquitetura gótica, colorida e ocasionalmente sombria (a paleta é quase sempre de filtro tungstênio) da era Tim Burton a um período temporal difícil de se identificar; nunca fica claro em que ano a série se passa, e as vestimentas, adereços e carros de época ajudam nessa confusão que torna-se atmosférica. Quando digo que "ao mesmo tempo não", é porque a presença de efeitos visuais de preenchimento e cenários virtuais são perceptíveis, mas isso estranhamente torna a experiência mais característica e próxima da analogia feita com a revistinha pulp.
A fotografia é um departamento que também surpreende ocasionalmente. A paleta de cores frias e puxadas para o tungstênio acabam entrando em contraste com o amarelo e vermelho durante as cenas que envolvem o clube de Fish Mooney ou a aconchegante mansão de Bruce Wayne, garantindo um visual sólido para a série. Ainda que poucas, algumas cenas de ação são impressionantes pela simplicidade da coreografia e a direção certeira, principalmente quando temos T.J. Scott atrás das câmeras, vide a sequência de luta em contra luz que é uma grata combinação da luz de 007 - Operação Skyfall com a cenografia de Blade Runner: O Caçador de Andróides. Créditos também para Paul A. Edwards que trouxe um confronto claustrofóbico em uma trama levemente inspirada em Clube da Luta para o episódio que nos apresenta ao Máscara Negra.
Gotham é uma série beneficiada pelo cartunesco. Sem apelar demais ao camp ou ridículo que afundou a franquia de Joel Schumacher nos anos 90, a história é bem sucedida ao trazer boas encarnações de personagens consagrados e narrativas despretensiosas que são capazes de manter o interesse. Agora, o universo é tão bem estabelecido e atmosférico que eu queria mesmo era ver o Batman ali...
Crítica | Westworld - 01X01: The Original
A HBO talvez seja a maior emissora de televisão do planeta. Não em audiência, em acessibilidade ou outros benefícios que serviços de streaming ou a TV aberta são capazes de fornecer, mas certamente em termos de escala e produção; ninguém no ramo é mais ambicioso e cinematográfico, e basta olhar para alguns trechos de Game of Thrones para a absoluta constatação. E claro, a HBO precisa entregar as chaves do reino para outro gigante após a conclusão das Crônicas de Gelo e Fogo, atualmente a maior série de todos os tempos em termos de escala e prêmios Emmy. Bem, acho que é seguro afirmar que a HBO encontrou seu novo trunfo em Westworld, novo seriado que o Bastidores teve a oportunidade de conferir com exclusividade.
A nova megaprodução é baseada no longa-metragem Westworld - Aqui Ninguém tem Alma de 1971, com um roteiro original de Michael Crichton (responsável também pelo livro que inspirou Jurassic Park) que imaginava um parque temático para adultos que recriava o período do Velho Oeste fielmente com andróides, locações e vestimentas. Uma experiência verdadeiramente imersiva. Agora, a série que traz os nomes de Jonathan Nolan, Lisa Joy Nolan e J.J. Abrams na produção mergulha ainda mais fundo ao se debruçar sobre conceitos de ficção científica e filosofia, oferecendo um enfoque maior sobre a inteligência artificial que pouco a pouco vai tomando consciência da natureza fabricada de seu mundo, para desespero (e fascínio) de seus criadores.
O primeiro episódio é especialmente eficiente nesse quesito de surpresa, ainda mais para aqueles que forem assistir sem qualquer conhecimento prévio. Somos jogados em uma rotina de época com a jovem Dolores (Evan Rachel Woods), que reencontra um amor antigo, Teddy (James Marsden) em uma de suas costumeiras viagens à cidade. O passeio jocoso é interrompido quando bandidos invadem sua casa e massacram sua família, sendo então abordados por um pistoleiro conhecido apenas como Homem de Preto (Ed Harris), que extermina os bandidos e coloca o casal sob sua mira. Teddy reage atirando, mas as balas simplesmente quicam no corpo do Homem de Preto: é quando aprendemos a real natureza daquele mundo, onde os andróides são incapazes de machucar humanos, e que estes são livres para fazer o que bem entenderem em Westworld. A cena reseta e acompanhamos novamente a rotina de Dolores. Entendemos também que o parque funciona em um looping diário que programa cerca de 2.000 robôs envoltos em 100 narrativas interligadas, para o entretenimento e diversão sádica dos visitantes.
São diversos temas que Jonathan Nolan explora com maestria aqui, tanto em seu roteiro conciso quanto na direção acertadíssima. Ainda que o episódio exibido estivesse incompleto em termos de efeitos visuais e design de som, é uma produção que impressiona por sua escala e nível de detalhes, deixando o queixo no chão com as lindas tomadas que exploram a área externa do terreno e as montanhas rochosas tão icônicas do gênero do faroeste. O design de produção também impressiona pelo visual quase assombroso da sala de controle do parque e as salas de testes onde vemos a programação dos andróides, liderada pelo excelente Jeffrey Wright e o sempre imponente Anthony Hopkins - aqui em uma performance que promete explorar um lado muito mais sensível do ator.
Mas, dentre tantos grandes nomes, é Evan Rachel Wood quem rouba os holofotes. Os diferentes dramas enfrentados por Dolores nas diferentes variações de seu cotidiano e a reviravolta final são evolventes, e a performance da atriz é sensacional ao conferir tanto o aspecto "mecânico" do andróide quanto aos tiques de humanidade e revolta que encontramos ali - seu interrogatório que abre e encerra o piloto é memorável. De maneira similar, o pistoleiro vivido por Ed Harris cativa nossa curiosidade por sua movitação: um humano cruel que parece querer descobrir os segredos de Westworld e seus andróides, iniciando uma caçada específica pelo sistema de controle do local. E ainda que tenha um papel limitado neste primeiro episódio, o bandido Hector Escantor de Rodrigo Santoro garante uma presença marcante graças ao carismático trabalho do ator e uma excelente cena de ação que se beneficia de um arranjo incrível de "Paint it Black" pelas mãos talentosas de Ramin Djawadi.
Com apenas um episódio, já fica a ciência de que a HBO tem algo muito especial com Westworld. Uma série grandiosa e épica com um gigantesco potencial, tanto na aventura, quanto na ficção científica desafiadora e genuína em sua mais pura forma. Mal posso esperar pra ver aonde a série será capaz de chegar.
Westworld estreia na HBO em 2 de Outubro.
Crítica | Magnífica 70 - 2ª Temporada - Exibição Especial
Além da estreia exclusiva do piloto de Westworld, o Bastidores conferiu o primeiro episódio da segunda temporada de Magnífica 70, uma produção original da HBO Latin America que mostrou-se um dos produtos mais criativos e originais da safra nacional do ano passado. Partindo da premissa empolgante de se ter um agente da Censura levando uma vida dupla como cineasta pornô aspirante, a série
Surpreendendo em seus minutos iniciais, o episódio traz um súbito salto de 18 meses, levando o espectador para um momento distinto onde encontramos os personagens em situações diferentes. Vicente (Marcos Winter) trabalha no roteiro e direção de dois filmes: uma produção ufanista sob ordem do comitê da censura e um longa com pretensões mais artísticas; um serviço tão pesado que discutir consigo mesmo é um hábito comum para o sujeito. Seu sócio Manolo (Adriano Garib) também continua na produção de longas ao lado de Vicente na Magnífica 70, dessa vez lidando com a chegada de seu filho indesejado e um romance com Isabel (Maria Luísa Mendonça). Por fim, temos o retorno de Dora Dumar (Simone Spoladore), que surge viciada em drogas e totalmente desequilibrada para espionar a produção sob chantagem dos militares.
É uma estratégia interessante e moderna que deixa o espectador propositalmente confuso, à medida em que vai se acostumando ao novo setting da série e as situações estranhas de seus protagonistas. O arco de Vicente, em especial, promete trilhar uma jornada de conflito interno semelhante à de Birdman ou as comédias existenciais de Charlie Kauffman, e Winter mantém sua performance sólida e ganha material interessante para trabalhar; sua longa cabeleira agora substitui o cabelo lambido da primeira, e isso por si só já diz muito sobre o personagem e sua constante evolução.
Sua interação com Manolo e Isabel continua divertida, especialmente pelo timing certeiro de Garib e a nova persona que Mendonça traz para Isabel, que surge aqui muito mais forte e interessante. Claro que a trama de Dora quanto a sua chantagem para espionar seus ex-colegas soa um pouco artificial, mas traz um bom vislumbre do que pode tornar-se nos próximos episódios - e Spoladare se sai muitíssimo bem em traçar um retrato decadente, ainda que inevitavelmente magnético, de Dora. A subtrama que envolve o irmão e a chegada da "família" de Manolo soam mais como um filler destoante do que algo realmente construtivo, mas é absolutamente divertido acompanhar as cenas em que todos os núcleos se misturam no set de filmagem, ponto alto da série até então.
Assim como na temporada anterior, deve-se reconhecer o capricho da produção. A direção de arte segue criativa e eficiente em sua recriação dos anos 70, mantendo a estética colorida e vibrante que vimos em longas como Boogie Nights e até mesmo o recente Vício Inerente. A direção de fotografia também abraça o ruído e imperfeição da película para uma experiência que soa nostálgica e de época, tudo novamente sob o comando do diretor Claudio Torres e da produtora Maria Angela de Jesus. Uma série plasticamente perfeita, e acima do padrão de produções nacionais.
Magnífica 70 tem um bom início de temporada e promete manter a mesma linha de eficiência e diversão que sua anterior, levando seus carismáticos personagens a cantos misteriosos e curiosos.
A segunda temporada de Magnífica 70 estreia em 2 de Outubro na HBO, às 22h.
Review | The Amazing Spider-Man
O Homem-Aranha com certeza já deve ter aparecido em algum momento da sua vida através de quadrinhos, filmes, animações, camisas e claro nos seus diversos jogos eletrônicos. No ano 2000 saia o jogo mais espetacular do “aracnídeo” para a plataforma Playstation 1 e Nintendo 64 usando a mesma engine da série Tony Hawk Pro Skater considerada naquela época a melhor para demonstrar a realidade no mundo dos games.
Outro bom ano para os jogos do Homem-Aranha foi em 2005 com “Ultimate Spider-Man” lançado para todas as plataformas dando agora a liberdade de sair andando e explorando toda a cidade de Manhattan com seus poderes. Por final, chegamos em 2012 e o jogo ”The Amazing Spider-Man” é lançado para a geração Xbox360 e PS3 e como dizia um bom personagem de outro jogo chamado Nathan Spencer ”é aqui que nossa história começa”.
Logo ao iniciar o jogo e pular os logos das empresas somos presenteados com uma introdução falando e explicando sobre a Oscorp e sobre os projetos de nano robôs, sendo uma das novas maravilhas do mundo moderno tanto para uso medicinal como usos de lazer e familiares, um total projeto de marketing da Oscorp. Vale lembrar que o jogo é uma continuação do filme de mesmo nome, por isso eles tentam fundir esses 2 aspectos em um elemento só. Com esse conhecimento sobre a Oscorp em mão, podemos começar a entender melhor o enredo e as consequências da história do jogo.
A história em si não é muito chamativa, muito menos a trilha que essa história segue. Na trama o personagem Allistar Smythe está secretamente utilizando os experimentos do Dr.Connors para criar seres transgênicos dentro da Oscorp, um tipo de ser metade homem e metade animal. Porém tudo dá errado quando os transgênicos saem de controle e escapam do laboratório da Oscorp liberando um vírus fatal na cidade e infectando todos os cidadãos de Manhattan. Agora cabe ao Homem-Aranha deter todos os transgénicos, conseguir uma cura para o vírus, deter os robôs gigantes de Allistar e como sempre, livrar seu nome dessa encrenca toda.
The Amazing Spider-Man tem um ótimo trabalho gráfico e detalhes magníficos, ao explorar a cidade podemos notar a iluminação nos prédios e reflexos de luz em espelhos, a água bem nítida e realista dos parques e a roupa, bem-feita e modelada, que nosso herói utiliza. Um detalhe interessante de mencionar é o desgaste da roupa conforme vamos jogando, demonstrando rasgos e machucados em todo o corpo do personagem.
O trabalho foi tão bem feito no uniforme que é capaz de notar cada detalhe do material usado na roupa. O sistema de período do dia para a noite também ajuda muito nos gráficos do jogo, tendo uma cidade mais iluminada e viva a noite, com luzes de apartamentos ligados e carros com faróis acesos.
Uma das coisas bem decepcionantes são as expressões e emoção que os personagens tentam passar não só para o jogador como para outros personagens secundários encontrados no modo história. Não existem rostos alegres, tristes ou nervosos, apenas um diálogo robótico e expressões neutras de qualquer tipo de evento que esteja acontecendo na cidade. Isso faz com que o jogador não se preocupe muito com os personagens ou suas ações feitas na cidade, dando um altíssimo grau de desafeto e sendo um elemento muito mal explorado no jogo.
Em The Amazing Spider-Man temos ao todo 12 capítulos, cada capítulo varia de 30 a 50 minutos, dentro de cada missão existem dois tipos de coletáveis, os quadrinhos que são apenas revistinhas que flutuam em algum local escondido da fase e as caixas de som, que revelam alguns acontecimentos sobre personagens e dos inimigos que nosso herói irá enfrentar, para aqueles que querem fazer 100% de todos os capítulos é melhor explorar bem e ficar com os olhos bem atentos nesses coletáveis.
A jogabilidade é bem fluida e fácil de se adaptar, os combos são bem desenvolvidos e animados e o sistema de combate bem moldado. Podemos sentir que o herói de fato está batendo em seu inimigo. Também é possível sentir a esquiva apertando o botão certo na hora correta e o aumento de velocidade dos combos conforme o personagem continua batendo, no mesmo estilo que a série Batman oferece em seus jogos, vale ressaltar que não existe uma barra de vida dentro do jogo e para se recuperar o herói deve estar parado fora de combate, o uso da teia é ilimitado e muito bem vindo no modo stealth onde nosso herói deve nocautear os inimigos de uma forma sorrateira e também para interagir com objetos ao redor do cenário, graças a essas duas mecânicas os combos misturando golpes padrões e teia dão um charme e uma melhora no combate do herói.
Falando mais um pouco de suas habilidades, o jogador irá reparar que existem 2 tipos de árvores de habilidades. A primeira é quando o herói passa de nível automaticamente conseguindo uma quantidade de pontos de experiência defendendo inimigos e fazendo ações pela cidade. Já a outra tem o nome de “Tech Skills” que cuidam da parte de evolução da teia, resistência do uniforme a tiros e golpes e velocidade de sua habilidade “Web-Rush”, para conseguir esses pontos nosso herói deve achar algumas caixas mecânicas ou derrotar diversos robôs que lhe darão peças.
The Amazing Spider-Man tem diversos tipos de side-quests ao decorrer do jogo. Prepare-se para pegar 700 quadrinhos espalhados pela cidade, levar os infectados aos hospitais mais próximos, combater quadrilha de inimigos, salvar civis de crimes e entre muitos outros que dão uma tremenda vida ao jogo e um desafio até divertido para abrir as conquistas e extras especiais que o jogo oferece. Completando essas quests o jogador poderá liberar os primeiros volumes das histórias em quadrinhos do Homem-Aranha, uniformes especiais como a “Black Suit” e a “Foundation Future suit”, concept-arts mostrando o antes e depois dos cenários feitos e biografias dos personagens e suas histórias e papéis no jogo. Não é de negar que o esforço feito para adquirir essas recompensas é gratificante e valendo a pena perder um tempo dando uma atenção especial a essas side-quests.
Os inimigos em The Amazing Spider-Man também devem ser mencionados com uma atenção especial. Existem diversos inimigos presentes na cidade, os próprios transgênicos como Rhino e Scorpion, os cidadãos infectados, bandidos normais ou armados até o dente, robôs e claro os próprios chefes gigantescos que tentam acabar com a graça do nosso ”aracnídeo”. Também vale lembrar que para fazer 100% do game é necessário fotografar todos os inimigos que o jogador já enfrentou e registrar as fotos em seu save.
Podemos falar que The Amazing Spider-Man é um bom jogo apenas, tanto suas missões principais como side-quests acabam enjoando e deixando o jogador entediado. O port porco recebido para a versão de computador não colabora ao fazer o game fechar o executável a cada 40 minutos. O jogo acerta muito bem nos gráficos e nos extras explorando a cidade, mas também peca com expressões faciais dos personagens. O que nos motiva continuar jogando é a curiosidade de chegar no final e descobrir como essa história acaba depois de tanto esforço levando em torno de 15 a 18 horas para finalizar o game.
Crítica | Fargo - 1ª Temporada
obs: em respeito àqueles que ainda não viram à Fargo, o texto está livre de spoilers.
Dizem que a revolução já foi televisionada. Brett Martin escreveu seu livro Homens Difíceis justamente para provar que houve uma explosão criativa na televisão com o surgimento de séries fenomenais como The Wire, The Shield, Breaking Bad, Mad Men, OZ, Game Of Thrones, Família Soprano, entre outros. Apesar do espaço amostral de seu estudo ir de 1997 até 2014, foi justamente em 2014 que tivemos algo que pode ser considerado um belo revival, uma segunda revolução. A quarta temporada de Game Of Thrones até hoje se destaca das demais. No mesmo ano, tivemos a ascensão aos céus de Nic Pizzolato com a intrigante e maravilhosamente técnica primeira temporada de True Detective.
Porém, a madrepérola desse ano tão peculiar para o audiovisual – tanto cinematográfico quanto televisivo, é, sem a menor dúvida, o seriado homônimo inspirado em Fargo, dramédia policial realizada pelos irmãos Coen em 1996. Com coragem, Noah Hawley estudou muito bem toda a filmografia e estilo dos Coen para ser capaz de criar um seriado que consegue superar, facilmente, o trabalho dos criadores da obra original.
Não somente pela dificuldade em mimetizar o estilo tão peculiar e sinergético de dois irmãos na escrita, mas também em conduzir inteiramente o seriado. É como se Hawley fosse o irmão perdido que os pais dos Coen colocaram na adoção, pois toda a obra pulsa como se houvesse a presença ativa da dupla de roteiristas/cineastas – no caso, eles participam como produtores executivos.
Aqui, a história se passa na pequenina cidade de Bemidji no interior de Minnesota. Obviamente, o clima gélido predomina e domina as vidas pacatas dos cidadãos comuns. Sem grandes sonhos, sem grandes responsabilidades, lá vive Lester Nygaard, nosso herói average man. Medroso, covarde, de grande instinto de auto-preservação, Lester sustenta sua casa e esposa trabalhando como corretor de seguros. Certo dia, um antigo colega bullie do ensino médio reecontra Lester na saída do trabalho. Evitando conflitos, sem sucesso, Lester acaba com o nariz quebrado.
No hospital, encontra um cidadão peculiar, com um quê de mistério. Alguém exótico, um alienígena daquele ambiente avassaladoramente pacato de Bemidji. Mal sabe ele que socializar com o forasteiro será uma das melhores e piores decisões que cometerá em sua vida. Contando de seu causo, o cidadão fala seu nome: “Lorne Malvo”, e diz que gostaria de matar o antigo rival de Lester. Estupefato, o pacato homenzinho nem nega e nem aprova o pedido.
Ao incutir a ideia da violência extrema na cabeça de Lester, Malvo acaba mudando a vida dele para sempre. Cansado de ser tratado como lixo por todos, incluindo sua esposa, Lester comete um terrível assassinato. Sem poder contar com ninguém, ele terá de encontrar uma maneira de não acabar preso pela preguiçosa força policial local. O problema é que seu caso de violência passa a ter conexão com os crimes do psicopata Malvo e um casal de policiais está convencido que Lester tem culpa não somente de um crime, mas de vários.
A maestria do episódio piloto já deixa claro que a obra que assistiremos no restante dos nove episódios será algo absolutamente fora do normal, fugindo das convenções habituais da narrativa clássica. Claro, não foi Hawley e nem os Coen que inventaram a jornada do anti-herói já experimentada em diversos formatos – aponto aqui que uma das características da revolução televisiva vem justamente dessa escolha artística peculiar de acompanharmos personagens desprezíveis extremamente humanos onde, sim, nos acomete a mais profunda das identificações – aqui em Fargo, nós temos o melhor trabalho de escrita para televisão em tempos.
A razão é bem simples: a excelência da construção dos dois personagens protagonistas: Lester e Malvo. Um sendo o completo oposto do outro, mas que possuem profunda empatia por mistérios da vida. Ambos são criações perfeitas vindas de outros filmes dos Coen já há muito consagrados como Um Homem Sério, Ave, César! e Onde os Fracos não Têm Vez.
O drama incomum do homem comum é a frase que define a obra dos Coen desde seu primeiro e já ótimo filme Gosto de Sangue. Pois é exatamente isto que temos aqui, misturas de características embrionárias com outras marcas autorais que os irmãos adquiriram ao longa da carreira. Lester é o nosso homem comum que vê sua vida na corda bamba mais isenta de moral do mundo: dependendo do lado que ele cair, ganhará glória ou será preso, condenado à morte. Já Malvo é o típico assassino de aluguel tão presente na filmografia Coen. Aqui, mais próximo de Anton Chigurh, mas ganhando toques de empatia e carisma muito mais profundos do que os conferidos na apatia da atuação de Javier Bardem.
Com Lester nossa identificação vem por conta da similaridade dos fatos que ocorrem em sua vida e na possibilidade de arruinarmos as nossas, não fosse o forte compasso ético e moral que carregamos diariamente. Para engrenar a dramédia, Lester atinge seu ponto de ruptura ao assassinar alguém tão próximo de sua vida. Mas como a estrutura narrativa do piloto é justamente exibir o quão sacal e cruel é a vida deste homem, conferimos uma carta-branca para seus atos hediondos. Nós torcemos por ele até o fim onde já se encontra transformado, uma cópia imperfeita de Malvo.
Malvo nos encanta da mesma forma que encanta Lester, projeção máxima do espectador na obra. Noah Hawley escreve Malvo com maestria impecável. Nele, não é preciso traçar alguma jornada, já que o personagem é imutável: egoísta, inteligentíssimo, culto e engenhoso. Porém o destino o laça com Lester onde, posteriormente, é revelado que esse jogo mental entre o psicopata e suas vítimas se trata de um fetiche dele, revelando seu vício humano, além da violência. O curioso é notar como Lester, apesar de ser o retrato da mediocridade, é o ponto fora da curva da vida do assassino. O breve contato entre eles no hospital, acaba traçando toda a tragédia para as duas partes. Pequenas ações que geram reações no fio temporal de toda a narrativa.
Então, nisso, entra novamente a característica definidora de Onde os Fracos não têm Vez, mas ocasionando a fraqueza agora no psicopata que cede ao seu vício. A audácia de Hawley é tanta que aborda uma narrativa de múltiplos pontos de vista praticamente isenta de furos – algo dificílimo. O primeiro episódio marca a reunião e a separação de Lester com Malvo – os dois só se reencontram ao fim do episódio oito. Portanto, para o sicário, o contato com Lester era apenas mais um dia comum em sua rotina enquanto causa essa mudança abrupta na vida do homenzinho.
Mais adiante, no meio do seriado, em dos muitos monólogos encantadores que Hawley constrói para Malvo, traça uma parábola sobre a origem do povo romano – um povo criado por lobos, e sua perseguição a Jesus Cristo. Ali, o roteirista define a notória divisória que separa todos os personagens desta história: ou são humanos, ou são lobos, predadores, movidos pelo instinto da sobrevivência.
Algumas obras de arte cobram muito do conhecimento exterior do espectador para compreende-la em sua totalidade. Em Fargo, isso não acontece. Quando Hawley não dá as dicas visualmente, o próprio texto revela o sentido poético que ele administra na obra. O showrunner faz questão de fazer o público entender as mensagens. Mas nada é entregue de bandeja para nós. Muitas coisas citadas precisam sim da nossa análise para encaixarmos as peças entre significados e significantes. Com isso, Fargo emana vida e clama pela participação ativa do espectador.
Enquanto Lester tenta de maneiras inteligentes e engenhosas despistar o núcleo policial – gradualmente, se transformando em lobo –, Malvo consegue outros serviços, uma subtrama de homenagem ao filme original e também a Queime Depois de Ler. O que poderia ser apenas um filler ordinário, dá origem a um dos muitos momentos poderosíssimos: as simbologias religiosas presentes na negociação da chantagem contra Stavros Milos.
Mantendo o espectro sempre muito simples de narrativa, Hawley se vale de alguns “clichês” como a utilização das fraquezas psicológicas de Stavros. No episódio seis há certo clímax de muitos dos arcos brilhantemente construídos até então, mas nada supera o excelente trabalho culminado com a chuva dos peixes. Para não estragar a curiosidade de quem procurará pelo seriado, me limito a dizer que Stavros vê seu reino de supermercados ser atingido pelas mesmas pragas que assolaram o Egito antigo conforme descrito no livro Êxodo, da Bíblia.
A ironia da chuva dos peixes se dá em cima de todas as circunstâncias da origem da riqueza de Stavros, um dos melhores personagens da série, e da resolução final do “milagre”. Enquanto a simbologia cristã do peixe representa fecundidade, multiplicação e até mesmo um acróstico (em grego) de Jesus Cristo. Um símbolo sagrado, portanto. Mas para Stavros, o sagrado o pune, conferindo toda a ironia que cerca esse núcleo. Um jogo de opostos maravilhoso e muito inteligente, além de simples.
Aliás essa característica da narrativa ser ao mesmo tempo simples e complexa define o restante dos núcleos. Apesar de menos charmosos, o arco policial e de outros sicários, também conseguem surpreender. Como se tratam de personagens menos exóticos e menos malfadados quanto Malvo e Lester, a empatia é menor, mas em termos de narrativa, Hawley convence ao esmiuçar tão bem esse fantástico jogo de gato e rato entre diversas partes que se perseguem quase que simultaneamente.
Importante dizer que a vasta maioria deles possuem características verdadeiramente únicas e imutáveis. Na verdade, a epítome das relações em Fargo são descritas de certa forma no pôster motivacional de Lester – "E se você estiver certo e todos errados?" Veja, o único personagem que passa verdadeiramente por uma transformação genuína é Lester. Outros já chegaram no ápice do desenvolvimento assim que são apresentados como Malvo e os sicários. Já os “humanos” permanecem os mesmos, entre seus atos de heroísmo e covardia. A policial Molly permanece perseguindo Lester, ela continua obstinada em seu objetivo concreto. Gus, mesmo tendo seus breves momentos de glória, mantém a essência medíocre. Resumindo, Fargo se trata do triunfo dos medíocres e do homem comum.
Não somente o texto se assemelha tanto com as obras dos Coen. Os diretores do seriado possuem tamanha sinergia que todos os episódios dão a impressão de serem dirigidos pela mesma pessoa. Um time de cinco diretores trabalhou para entregar o resultado mais cinematograficamente próximo da técnica dos Coen. Se for familiarizado sabe que a linguagem visual dos irmãos é sempre simples, apesar de esteticamente estonteante com a colaboração da fotografia de Roger Deakins.
As aberturas, muitas vezes, são os ápices de enquadramentos mais diversificados e criativos, já que assim que um personagem entra em cena, dificilmente há solilóquios. Em meio a tantos diálogos, temos os enquadramentos clássicos dos Coen: planos e contraplanos exclusivos para cada personagem em planos próximos captados por objetivas grandes angulares. Engraçado notar é que mesmo assim a linguagem visual é bastante diversificada em vários trechos. Não se engane, Fargo é um seriado belíssimo de se ver.
Aliás, a paleta de cores frias com inúmeros tons monocromáticos de azul e cinza é outro atrativo. Também sempre dialogando com o espírito gélido de seus personagens: seja em suas deficiências sociais, de suas índoles deprimidas ou do perigo que representam para os outros.
Não são raros os momentos de brilhantismo cinematográfico na direção de Fargo. Um enquadramento bem pensado ali, o uso da poderosíssima trilha musical acolá, o casamento de ritmos de montagem com efeitos sonoros e até mesmo de muitos raccords visuais elegantes através de movimentação de câmera e fusões inspiradas. Se aprende muito assistindo essa maravilha de técnica. Dentro todos, o episódio seis e o nove se destacam por simbologias visuais grandiosas.
No seis, durante uma incursão da SWAT, temos uma sequência digna de Christopher Nolan, além da já citada chuva dos peixes. No episódio nove, quando finalmente Lester confronta Malvo para mostrar a sua transformação psicológica de presa para predador, temos mais um ápice chocante. Após o massacre, Lester foge. Para fechar a sequência, o diretor enquadra o esguio Malvo – encarnado assustadoramente por Billy Bob Thornton, entre duas manchas de respingos de sangue nas paredes assim transformando o carismático psicopata em um anjo da morte. É algo sutil, elegante, é simplesmente Fargo.
Em outro momento tão inspirado quanto, um plano sequência bem orquestrado consegue resolver todos os problemas causados por uma questão orçamentária.
Enfim, se você acha a quarta temporada de Game of Thrones muito angustiante, é por que não viu nada do que foi realizado nessa experimentação de Fargo.
A primeira temporada de Fargo é uma das melhores obras audiovisuais que você verá na vida – não importa a sua idade. A violência brutal, o desconforto da comédia de erros, a engenhosidade perfeita e criativa do roteiro de Noah Hawley, as atuações exemplares de todo o elenco – com destaque para Martin Freeman e Billy Bob Thornton, da construção impressionante de um dos melhores personagens da História da ficção como é este Lorne Malvo, da música potente que consegue transformar o olhar frustrado de uma mulher em um profundo momento de horror penetrante e dos tantos lances absolutamente geniais do grupo de diretores capazes, não há erro com esse seriado extremamente peculiar unindo toda a mediocridade humana com o pior que ela pode produzir.
Acredite, cada morte é sentida e tem um peso estratosférico na trama. Cada antecipação de ações infelizes que os personagens tomarão lhe deixarão atônito e sem fôlego. Na despedida, só resta a angústia. Não somente pela saudade de termos presenciado criação tão feroz, mas sim pelo vazio causado na ausência de cada um desses personagens tão verossímeis, tão reais que dão a ilusão perfeita de que os conhecemos há tempos. E, talvez, um leve assombro, pois com certeza há de enxergar que nosso dia-a-dia é um dia do cotidiano gélido de Lester Nygaard.
Que o terror deste pacato e triste homem, não está a mais do que uma escolha infeliz de distância na nossa realidade.