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Crítica | Cidade dos Etéreos

Afirmei na crítica de seu primeiro livro que Ransom Riggs não era nenhum bobalhão se aventurando no mercado animalesco e milionário da literatura. Havia pensado em sua franquia de O Lar da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares como uma enorme franquia com potencial para diversos livros – mesmo que atualmente só exista a trilogia que termina em Biblioteca das Almas.

Cidade dos Etéreos só confirmou as minhas suspeitas sobre o pensamento comercial do autor bastante perspicaz, mas ao contrário de tantas outras franquias que só decrescem na qualidade, Riggs impressiona ao manter exatamente o mesmo nível do livro anterior. Ou seja, comete os mesmos erros e acertos.

Com o ataque de Barron e do etéreo à fenda da srta. Peregrine, as crianças escaparam com vida por um triz. Porém muito foi perdido: a fenda temporal se desfez, a casa foi arruinada e Jacob não pode mais retornar ao seu tempo ficando preso em 1940 em plena Segunda Guerra Mundial. Após toda a destruição, as crianças ainda tiveram que fugir dos acólitos que cercavam a ilha de Cairnholm no País de Gales. Sem saber onde seguir e com srta. Peregrine ferida em sua forma de pássaro, as crianças terão de encontrar outra fenda com outra ymbryne para curarem a querida srta. Peregrine na vã esperança de reconquistarem um lar.

De costume, o segundo volume de uma trilogia traz obrigações básicas em sua narrativa das quais Riggs quase cumpre em totalidade. O escopo da aventura fica maior, a ameaça antagônica também e o ritmo é mais acelerado. Mas algo que o autor já demonstrava ter dificuldade no primeiro livro, praticamente assombra toda a experiência desta narrativa: o desenvolvimento pífio de seus personagens.

Felizmente, Jacob parou de parecer mais adulto do que ele poderia ser, em uma margem razoável. A prepotência interpretativa do personagem ficou restrita a poucos momentos de reflexões confidencias. Riggs decide mesmo pela grande jornada que o livro aborda, dedicando menor tempo para o protagonista que passa calado por diversos momentos importantes para o grupo.

Toda a narrativa de perseguição dividida em duas partes aqui me lembrou muito do estilo de Lemony Snicket em Desventuras em Série, se valendo de situações narrativa semelhantes, mas que se resolvem de modo mais rápido – no primeiro segmento, os órfãos fogem a todo momento de um grupo de acólitos e etéreos. A aventura realmente é mais corrida graças a progressão textual fluida, superior à do livro anterior.

Somente em alguns momentos raros que a narrativa estaciona por algumas páginas, ocasiões perfeitas para desenvolver os personagens. Sendo justo, isso acontece ao menos uma vez quando os órfãos compartilham seu passado com o leitor. Ainda assim são histórias curtíssimas, de poucos parágrafos, além de boa parte deles permanecerem calados, omitindo informação valiosa.

Então o que Riggs faz nesses momentos orgânicos de respiração de narrativa? Simples, apresenta novos personagens que também não são muito bem explorados, mas divertem o leitor por serem divertidos e peculiares. A mitologia se expande nesses casos com a caravana de ciganos, na fenda dos animais peculiares – Addison é um personagem valioso que Riggs reconheceu a importância e, por fim, com o terceiro ato da obra com a fortaleza gelada das ymbrynes. Aliás, é interessante que ele arranha um pouco o passado de srta. Peregrine e explica um pouco mais sobre o funcionamento do mundo peculiar, incluindo algumas leis e punições.

Mas como havia dito, Riggs não se arrisca muito aprofundar em nada. Os eventos acontecem, garantem o divertimento e reservam diversas surpresas. Mas é broxante ver como o autor não sabe ou tem medo de explorar mais a fundo sua mitologia. Jacob nem mesmo se confronta, em seus pensamentos, sobre estar vivendo na Segunda Guerra Mundial! Um fato que somente é lembrado em algumas passagens. As reflexões sobre seu avô também ficam restritas, quase ausentes.

Ao menos, Jacob pensa recorrentemente em como seria sua vida no futuro e na preocupação de seus pais. Em contrapartida, Riggs deve bastante no desenvolvimento do relacionamento amoroso entre o narrador e Emma. No fim, reviravoltas e inesperadas e injustificadas, burocratizam a situação. Por outro lado, se tomarmos a referência do ponto de vista de Jacob como narrador, talvez o autor exponha como Emma não passa de uma enorme incógnita para ele e, por consequência, para os leitores também. Novamente, só descobrirei se é o caso no terceiro livro.

Mas Riggs não colabora em me tornar mais otimista. Ele reconhece suas limitações com alguns personagens como Claire e Fiona, das quais consegue deixar fora da aventura por boa parte do livro. Ao menos a interação entre os órfãos é mais ativa e rica, cheia de diálogos e discussões – somente com Enoch que há certo exagero deixando o personagem redundante entre seus muitos pitis.

Cidade dos Etéreos mantém exatamente o mesmo nível da obra anterior graças a sua aventura divertida e, muitas vezes, tensa com sua enorme perseguição. Riggs acerta em tornar o narrador mais agradável, além de explorar mais as habilidades de Jacob. O terceiro ato, a melhor amostra do que autor pode oferecer até agora em sua escrita, guarda surpresas imprevisíveis que lhe deixarão ávido para conferir o terceiro volume da obra, o aguardado final da trilogia. Apesar do clima ser mais sombrio, Riggs deixa a leitura mais leve e agradável pensando no seu consumidor final.

As fotografias que fizeram sucesso no primeiro volume retornam aqui em maior quantidade e qualidade, trazendo composições bizarras e belas para ilustrar as criaturas descritas no livro – aliás, Riggs continua excelente para descrever ação, cenários e personagens. No volume, também há uma entrevista bastante curiosa com o autor que vale a pena ser lida. A cada livro lido, mais fico convencido que essa trilogia é uma das melhores obras voltadas ao público infanto-juvenil dos últimos anos.

Também é preciso parabenizar a Intrínseca com a edição de luxo que lançaram aqui no Brasil, em acabamento de capa dura e folhas de gramagem superior.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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