Crítica | A Sociedade da Neve impacta pela realidade retratada
Em 127 horas, longa de Danny Boyle, um homem cai em um desfiladeiro e precisa arrancar seu próprio braço que havia ficado preso a uma rocha e assim conseguir escapar com vida de lá. Os filmes de sobrevivência, no geral, são assim, apresentam de forma crua e fria os fatos, causando comoção em quem assiste.
O mesmo podemos dizer de A Sociedade da Neve (J.A. Bayona), produção espanhola disponível na Netflix e que foi indicada ao Oscar de Filme Internacional. O longa trata da história real do acidente do voo 571 da Força Aérea Uruguaia, ocorrido em 1972, no qual 16 passageiros sobreviveram por 72 dias presos em um trecho remoto dos Andes, em meio a uma forte nevasca, enquanto outros 29 morreram.
Não é a primeira produção audiovisual a tratar do assunto. Vivos (1993), dirigido por Frank Marshall, já havia retratado o sofrimento dos jovens nos Andes. A questão de terem que recorrer ao consumo da carne dos amigos falecidos já havia sido apresentada e chocou da mesma maneira.
Nesta nova e excelente versão, dois elementos do gênero das produções de sobrevivência são muito bem apresentados. O primeiro é a questão emocional. Todos estão ali, entregues à própria sorte, sem água, comida, comunicação - estão praticamente abandonados.
A maneira como Bayona trabalhou o roteiro, no qual ele próprio teve participação na construção, causa uma comoção bastante grande em parte do público, especialmente nas cenas em que parentes ou amigos dos sobreviventes morrem. Ele soube capturar o principal elemento que faz o espectador se sentir naquela situação, que é a emoção.
Outro aspecto a ser mencionado, e que é bastante evidente na narrativa, é como o diretor busca chocar a audiência. Não se trata de um choque barato, como podemos ver em produções de terror, como Jogos Mortais (2004) ou O Albergue (2005). O que Bayona deseja transmitir é, sim, um choque de realidade. Primeiro, ao mostrar como os jovens precisam sobreviver em uma situação extrema, sem proteção ou alimentos; depois, ao retratar os estudantes testemunhando a morte de seus amigos por diversas circunstâncias e, em seguida, tendo que recorrer ao canibalismo para se alimentarem dos corpos, a fim de permanecerem vivos.
Certamente, a ideia do cineasta foi narrar um fato que ocorreu com o máximo de realismo possível, inserindo na história doses dramáticas que vão além da situação em que se encontram, destacando a vida pessoal de alguns dos jovens. Por haver muitos personagens no elenco, não há uma atenção devida a um protagonista específico, e essa tentativa de mostrar vários personagens acaba gerando confusão em entender exatamente quem é o protagonista.
A Sociedade da Neve é um excelente filme de sobrevivência que atende às expectativas do gênero, mas com a diferença de contar com um roteiro brilhante e uma direção eficiente que soube extrair o máximo do elenco nas cenas mais dramáticas. Seu principal mérito é que será lembrado por muito tempo; não sendo uma obra esquecível como a maioria do gênero.
A Sociedade da Neve (La sociedad de la nieve, ESPANHA – 2023)
Direção: J.A. Bayona
Roteiro: J.A. Bayona, Bernat Vilaplana, Jaime Marques, Nicolás Casariego, baseado no livro de Pablo Vierci
Elenco: Enzo Vogrincic, Agustín Pardella, Matías Recalt, Esteban Bigliardi, Rafael Federman
Gênero: Aventura, Biografia, Drama
Duração: 144 min
https://www.youtube.com/watch?v=9cjSePIf1l0
Crítica | Pobres Criaturas - um conto sobre libertinagem sexual
Yorgos Lanthimos (O Lagosta) não aparece no leque de grandes cineastas da história do cinema, muito menos entre os principais da atualidade. No entanto, é preciso reconhecer que o diretor sabe como chamar a atenção do público com produções bastante polêmicas. Sua nova fase hollywoodiana parece ser mais "leve", com um trabalho eficiente com com A Favorita (2018) e com o ótimo Pobres Criaturas.
Com uma trama poderosa e com mensagens relevantes, o longa foi indicado em onze categorias ao Oscar 2024, incluindo algumas das mais importantes, como Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Atriz (Emma Stone). Poor Things (nome original) é um filme bizarro em sua essência, sendo sim a obra mais excêntrica do diretor, que anteriormente dirigiu o igualmente bizarro Dentes Caninos (2009).
A trama acompanha a rotina de Bella Baxter (Emma Stone) em sua jornada de autoconhecimento, após ser revivida de maneira tosca pelo Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe) em uma cirurgia bizarra. Nessa nova vida, ela aprende a andar, a falar e a explorar o prazer pelo sexo em Pobres Criaturas.
Sexo, Sexo e mais Sexo
O roteiro de Tony McNamara (Cruella), baseado no livro de Alasdair Gray, é um dos mais belos trabalhos experimentados nesta temporada. Não apenas pela mensagem forte e pela beleza ímpar da direção de arte, mas principalmente pela construção narrativa, que é fantástica. Bella é retratada como uma mulher ingênua, o que faz sentido pelo fato de ela ter "nascido" há pouco tempo, apresentando a protagonista descobrindo os prazeres da vida e, principalmente, o interesse sexual.
A questão sexual tem um grande impacto na narrativa, sendo um fator impulsor para desenvolver a personagem e aprofundar a história. É através das sensações sexuais que Bella conhece Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo), que a leva a viajar pelo mundo. A partir disso, por decisão pessoal, Bella tem vários amantes em Paris, sem mencionar sua parada no Egito, onde descobre a miséria e o sofrimento humano pelos quais as pessoas passam naquele local, o que a choca profundamente.
Essa cena em particular, em que Bella vislumbra crianças mortas, funciona como uma chave para que a protagonista, que vive de modo hedonista, desperte de seu transe originado pelo prazer sexual. É como se ela tivesse acordado e aprendido uma enorme lição.
Na verdade, o que Yorgos quer mostrar é que o mundo está repleto de caos e devastação. Viver seus dias de modo hedonista e escondida, como Bella vivia, onde o Dr. Godwin não a deixava sair de casa e depois vivendo de maneira fútil com Duncan, é apenas uma máscara que faz com que a protagonista viva em um mundo de fantasia, sem desfrutar da realidade externa.
Pode-se dizer, no mínimo, que Poor Things tem o potencial de escandalizar aqueles que não estão acostumados com as obras de Yorgos Lanthimos e filmes com cenas repletas de sexo. As várias - e realmente são várias - situações em que Bella tem relações sexuais funcionam como uma expressão de sua libertação sexual, mas também carregam uma mensagem feminista, destacando que a mulher pode escolher seus parceiros sem a necessidade de submissão a um homem.
Emma Stone, o Oscar é seu
Bella é praticamente uma criança em um corpo de mulher, segredo este que só será desvendado durante a história. Em sua jornada de descoberta, ela se lança ao mundo, onde tudo é novo para ela: o paladar de novos alimentos, a dança, as conversas formais. Essas questões são apresentadas aos poucos, com Lanthimos fazendo algo semelhante ao que já havia feito em Dentes Caninos, que é nos fazer conhecer o mundo através das nossas experiências.
E para interpretar uma Bella que aprende 15 palavras por dia e anda de forma desajeitada, nada melhor e mais óbvio do que a escolha de Emma Stone para o papel. A atriz, que já havia trabalhado com o diretor em "A Favorita", entrega o tom sarcástico e engraçado que a narrativa necessita. Sua performance traz uma realidade à personagem, transformando-a ao longo do filme de uma garota ingênua para uma mulher objetiva e de pensamentos próprios, e faz isso sem que sua atuação seja superficial ou forçada.
Uma das principais influências na cultura pop é a obra Frankenstein. Entre suas numerosas releituras, destaca-se o trabalho de Lanthimos, que, ao invés de uma simples nova versão, oferece uma protagonista e uma narrativa que funcionam como uma sincera homenagem à obra de Mary Shelley.
Os personagens secundários estão igualmente maravilhosos, com um tempo de tela bem definido e cada um possui seu próprio arco dramático, que surge e desaparece da trama no momento certo. O que mais chama a atenção, no entanto, é o humor bem empregado na história. É difícil não se divertir com as várias situações bizarras que envolvem Bella e o libertino Duncan Wedderburn.
Pobres Criaturas é esteticamente lindo, com paisagens fantásticas deslumbrantes que amplificam ainda mais a força da trama. A odisseia de descoberta de Bella pelo mundo é como se fosse um deslumbrante sonho do qual a protagonista está acordando. Sem dúvida, é um dos grandes filmes da temporada.
Pobres Criaturas (Poor Things, EUA – 2023)
Direção: Yorgos Lanthimos
Roteiro: Tony McNamara, Alasdair Gray
Elenco: Emma Stone, Willem Dafoe, Ramy Youssef, Jack Barton, Mark Ruffalo, Kathryn Hunter, Jerrod Carmichael, Vicki Pepperdine
Gênero: Comédia, Drama, Romance
Duração: 141 min
https://www.youtube.com/watch?v=RlbR5N6veqw
Review | Esquadrão Suicida: Mate a Liga da Justiça afunda Rocksteady em limbo cruel graças ao bom histórico do estúdio
"Esquadrão Suicida: Mate a Liga da Justiça" marca uma nova era para a Rocksteady e a WB Games, trazendo uma abordagem ousada ao universo DC, onde os infames vilões da Força Tarefa X tomam o centro do palco. Este lançamento era altamente antecipado, especialmente devido ao legado dos aclamados jogos da série Batman Arkham. A premissa de controlar personagens notoriamente vilanescos enfrentando ícones da cultura pop como a Liga da Justiça instigou a curiosidade e elevou as expectativas dos fãs e críticos.
À primeira vista, a transição da Rocksteady da sombria Gotham para a vibrante Metropolis, habitada pelos personagens do Esquadrão Suicida, prometia uma revolução. No entanto, o resultado final traz à tona uma sensação de déjà vu, remetendo aos jogadores às experiências anteriores com jogos como "Avengers" da Crystal Dynamics e "Anthem" da Bioware, ambos recebidos com críticas mistas. Esses títulos, assim como "Esquadrão Suicida", foram tentativas de estúdios consagrados de explorar novos territórios de gameplay, com foco em elementos de looter shooter e ação RPG, mas não alcançaram o sucesso esperado.
Apesar dessas comparações, "Esquadrão Suicida: Mate a Liga da Justiça" traz elementos inovadores, especialmente na introdução de seus personagens jogáveis: Tubarão-Rei, Pistoleiro, Capitão Bumerangue e Arlequina. Cada um destes personagens é dotado de habilidades únicas que enriquecem a exploração do vasto mapa de Metropolis. Arlequina, com seu gancho reminiscente do arsenal do Batman, pode se lançar pelos ares em uma dança aérea que evoca as acrobacias do Homem-Aranha. Capitão Bumerangue, por sua vez, emprega uma tecnologia que emula a força de aceleração dos velocistas da DC, permitindo-lhe se mover com uma agilidade surpreendente.
Tubarão-Rei e Pistoleiro oferecem contrastes interessantes em mobilidade e estilo de combate. Tubarão utiliza sua força bruta para saltos monumentais que o permitem navegar pelo cenário e causar estragos significativos, enquanto Pistoleiro se vale de seu jetpack para uma abordagem mais aérea, reminiscente do Senhor das Estrelas em "Guardiões da Galáxia". Essa diversidade na travessia é um dos pilares do gameplay, desafiando os jogadores a dominar as peculiaridades de cada personagem.
A progressão do jogo se dá através de missões que recompensam os jogadores com novos armamentos, seguindo a fórmula consagrada dos looter shooters, onde a potência das armas é diferenciada por um sistema de cores. A personalização e aprimoramento do arsenal é facilitada pela presença de Oswald Cobblepot, o Pinguim, que serve como um aliado improvável fornecendo armas e modificações.
O combate no jogo se destaca pela liberdade tática oferecida aos jogadores, permitindo uma variedade de abordagens contra as forças de Brainiac. Entre disparos, explosivos, combate corpo a corpo e finalizações silenciosas, o jogo incentiva a experimentação e adaptação, diferenciando-se significativamente do sistema de combate dos títulos anteriores da Rocksteady. Este aspecto, embora distinto do esperado pelos fãs do universo Arkham, se alinha à proposta de um título live service, prometendo uma experiência dinâmica e repleta de ação.
Distanciando-se do legado de Arkham, o jogo apresenta um gameplay que muitos podem considerar básico e monótono, reminiscente de títulos como "Avengers" da Crystal Dynamics e "Anthem" da Bioware. Esses jogos, também de estúdios renomados que buscaram explorar novos territórios de gênero, acabaram não atingindo a recepção esperada. Ainda assim, "Esquadrão Suicida" incorpora elementos inovadores, especialmente nas mecânicas individuais dos quatro personagens jogáveis: Tubarão-Rei, Pistoleiro, Bumerangue e Arlequina. Cada um traz habilidades únicas para a navegação no vasto cenário de Metropolis, desde o gancho da Arlequina até o jetpack do Pistoleiro, oferecendo um sistema de travessia que destaca o gameplay.
O jogo também se aprofunda na personalização e no arsenal dos personagens, permitindo a modificação e a aquisição de novas armas através do Pinguim. O combate oferece liberdade tática, incentivando o jogador a experimentar diferentes estratégias frente aos desafios impostos pelas hordas do Brainiac.
Contudo, "Esquadrão Suicida" enfrenta problemas significativos de poluição visual, com uma interface carregada e um campo de batalha frequentemente caótico, dificultando a compreensão do que acontece durante os confrontos. A repetitividade das missões e a semelhança entre combates contra super-heróis como Flash e Superman também são pontos de crítica.
Por outro lado, o jogo brilha em seus momentos de enfrentamento com personagens icônicos, especialmente nas batalhas contra Batman e Lanterna Verde, que se destacam pela criatividade e pelo desafio. A trama do jogo, embora não seja inovadora, é valorizada pelas atuações sólidas e pelo humor bem-executado, elementos que enriquecem a experiência.

A história, ambientada no mesmo universo de Batman Arkham, traz controvérsias, especialmente em torno da morte de Batman, deixando brechas para desenvolvimentos futuros em um modelo de live service. A localização brasileira, com vozes reconhecidas de dubladores como Guilherme Briggs e Maurício Berger, é um toque de familiaridade para os fãs da DC.
Em conclusão, "Esquadrão Suicida: Mate a Liga da Justiça" pode não ter atendido plenamente às altas expectativas geradas pelo histórico da Rocksteady, mas ainda se posiciona como uma adição funcional e ocasionalmente divertida ao gênero looter shooter. Resta saber se futuras atualizações e temporadas enriquecerão a experiência, satisfazendo tanto os fãs quanto os críticos. A esperança é que a Rocksteady possa reencontrar sua essência em projetos futuros, talvez retornando ao formato single-player que consagrou seu nome na indústria dos videogames.
Review | Like a Dragon: Infinite Wealth traz Kiryu em emocionante ato final
Quase duas décadas depois de seu surgimento, a franquia Yakuza conseguiu entregar grandes sucessos. O esforço contínuo do admirável estúdio Ryu Ga Gotoku foi persistente ao longo de cinco gerações, unindo histórias de crime e drama memoráveis aliadas à uma jogabilidade viciante.
Ao longo de quatro gerações de consoles, três remakes, onze jogos derivados e oito principais para enfim culminar no grande final de um dos protagonistas mais carismáticos da décima arte: Kazuma Kiryu. O mais curioso é o fato da história do Dragão de Dojima terminar com um gênero de jogo completamente diferente ao original: um RPG de turno.
Entretanto, Like a Dragon: Infinite Wealth não se trata apenas do canto do cisne de Kiryu, como também é a continuação direta de Yakuza 7 que, além de reformular a jogabilidade da saga, apresentou outro grande protagonista: o carismático Kasuga Ichiban.
Um conto de duas cidades
Assim como todos os outros grandes jogos da saga, Infinite Wealth apresenta uma narrativa caprichada recheada de exageros, reviravoltas, humor e tragédia. Esses são elementos onipresentes nas histórias que os profissionais do Ryu Ga Gotoku se tornaram especialistas ao longo dos anos.
Entretanto, o desafio dos roteiristas aqui é ainda maior por apresentar dois protagonistas, uma enxurrada de personagens de legado e ainda incluir novos companheiros e vilões até então inéditos. Logo, acredite, conhecer a franquia logo em Infinite Wealth é pedir para ficar extremamente perdido em muitos elementos da história que foram feitos cuidadosamente para os mais fiéis dos fãs.
Para conseguir captar pelo menos a maior parte da história, se faz necessário ter jogado Yakuza 6, Yakuza: Like a Dragon e também o recente Like a Dragon Gaiden, derivado que consegue colocar Kiryu nessa narrativa aqui.
Anos após defender o Japão de um golpe político e testemunhar a dissolução dos maiores clãs yakuza do país, Kasuga Ichiban vive uma vida ordinária, mas feliz. Mantém seu trabalho e amigos próximos em sua rotina, até que se torna vítima de uma denúncia caluniosa repleta de manipulação.
Sendo enxotado de Yokohama, Kasuga acaba descobrindo algo inimaginável até então: sua mãe está viva. Mas como nada vem fácil para o protagonista, tem um porém: ela mora no Havaí. Sem emprego e nada melhor para fazer, o herói parte para sua primeira viagem na vida pronto para descobrir uma parte de seu passado. Até que, em questão de apenas um dia, tudo se complica com uma grande vantagem: a companhia surpresa de Kyriu que também está em Honolulu.
Não é novidade para nenhum veterano da franquia que as histórias sempre são consideravelmente longas, trazendo uma plenitude de personagens envolvidos em conflitos de altos riscos. Aqui não é diferente. Uma simples busca pela mãe de Ichiban evolui para a luta contra uma conspiração nipônica que vai afetar toda a comunidade de ex-yakuzas após a grande dissolução testemunhada nos jogos anteriores.
Apesar da narrativa aqui ser um tanto mais descuidada, com trechos previsíveis e conveniências narrativas em excesso, ela é emocionante com grandes momentos que podem ser classificados dentre os melhores da saga.
Dessa vez, a história explora temas interessantes como seitas religiosas, apresentando pouco conteúdo realmente novo e apostando em elementos mais seguros. O que segue impressionando é a criatividade em conseguir unir diversos personagens com boas motivações e oferecer um bom detalhamento de personalidades para as novas adições.
Enquanto os vilões da vez são menos expressivos (sendo que um deles tem um sotaque fortíssimo japonês ao falar em inglês - sendo que essa seria o idioma principal do personagem), há boas experiências com Tomizawa e Chitose - os amigos que Ichiban faz no Havaí. Aliás fica aqui um adendo: quando jogarem, nem ousem usar a dublagem americana que é simplesmente horrorosa a ponto até de mudar o gênero de personagens de histórias secundárias. Opte sempre pelo idioma japonês.
Enquanto Chitose reserva grandes surpresas ao longo da história, Tomizawa é menos expressivo, mas com um passado bastante rico e trágico. Algo que é até impressionante por se tratar de temas muito pesados até mesmo para a franquia. Porém, ainda que os arcos de ambos não recebam a mesma qualidade ao longo dos 14 capítulos da história, a transformação é basicamente a mesma: os dois encontrando uma família com a amizade de Ichiban e de seus comparsas de antigamente.
O arco de Ichiban é quase exclusivamente ligado a encontrar a mãe e rende momentos emocionantes. A personalidade do personagem segue cativando ao preservar uma inocência e força de vontade inigualáveis - além do trabalho de voz do ator Kazuhiro Nakaya ser magistral. Aqui, a ingenuidade de Kasuga acaba rendendo diversos revezes até com consequências sérias, mas infelizmente isso pouco é abordado em conflito para o personagem crescer.
Um dos pontos mais especulados na época em antecipação ao jogo era justamente como seria a interação de Kasuga com Kiryu. Como os personagens dividem a tela por bastante tempo, há muitos diálogos engraçados e cativantes, com duas visões de mundo distintas se chocando com a mesma intenção de bondade e transformação. Kiryu é realista enquanto Ichiban tem um idealismo muito forte.
O elenco secundário envolve oito coadjuvantes que atuam também como a equipe para ser usada nos combates do jogo. Cada um deles tem seus momentos em boas histórias secundárias oferecidas nas missões de Parceria de Copo. Embora a qualidade das histórias seja um pouco inferior a de Yakuza 7, são suficientemente boas para conferir maior complexidade aos coadjuvantes. Aqui, também existem diálogos opcionais espalhados nos mapas abertos de Honolulu e Yokohama que trazem detalhes únicos de cada companheiro. Isso ajuda a estreitar o vínculo com cada um, liberando mais das missões individuais.
Kiryu tem o seu próprio arco, evidentemente, entretanto tocar nesse assunto no texto envolve um spoiler muito sensível que eu não quero estragar. É uma história ótima, mas um pouco cliché. Dentro da lógica da saga, faz todo o sentido com elementos disso se tornando até mesmo uma atividade de exploração no terço final do jogo. Aliás, a maior novidade mecânica da jogabilidade é bem sacada aqui e encaixa perfeitamente ao personagem e à situação que ele vive. A catarse final do personagem é bastante bonita e apresenta uma evolução completa de sua jornada desde Yakuza 0.
Então o que há de fato para não gostar da história de Infinite Wealth? O fato de esticarem artificialmente o tempo de jogo. Aqui, devido ao grinding de subir de nível, é fácil encarar as trinta horas de experiência para finalizar o jogo. Entretanto, a maior culpa não é pelo grinding, mas sim pelo tanto de conteúdo secundário inserido como principal.
Nos primeiros capítulos do jogo há diversos desvios da história para apresentar elementos ou mecânicas secundárias e isso acaba levando horas, além de prejudicar muito o ritmo da experiência. Constantemente somos interrompidos para aprender elementos secundários. A direção do jogo obriga você a saber dos outros conteúdos: a Liga Sujimon, o aplicativo de namoro, as tours da Alohappy, as entregas do Crazy Delivery e todas as mecânicas exclusivas da ilha Dondoko.
Tudo isso inflou ao máximo a narrativa com filler. Logo, nunca há um senso de urgência no até a metade do jogo, mesmo depois de sabermos mais das circunstâncias da dificuldade de encontrar a mãe de Ichiban. Isso já era bastante evidente em Like a Dragon Gaiden, mas ver isso se repetir em um capítulo principal da saga, com orçamento alto, é uma surpresa negativa.
Então, mesmo que toda a jornada valha a pena, principalmente pelo carinho e cuidado no encerramento da história de Kiryu, é preciso ter uma boa dose de paciência para chegar até o final do jogo. Para complicar ainda mais, surpreendentemente a coesão da narrativa é uma das piores da saga, com muitas pontas soltas e decisões questionáveis para encerrar o clímax da obra - além do fato de Ichiban “sobrar” na história após sua cena mais emocionante. Ao menos, há fanservice e boas referências de sobra.
Ambição sem precedentes
Em termos de escopo, não há dúvidas que Infinite Wealth é o jogo mais massivo da franquia. São três cidades para explorar, sendo que Honolulu é totalmente nova. Mais de 100 tipos de inimigos que também podem ser usados como Sujimons, além de praticamente todas as atividades secundárias que já vimos na saga: karaokê, golfe, baseball, arcades, dardos, pesca, mahjong, blackjack, poker, entre outros.
Cada cidade também está recheada de missões secundárias trazendo conexões significativas para Kyriu e histórias absurdas para Ichiban. São algumas das melhores missões da saga e vale bastante a pena dar uma chance pra elas. Fãs de longa data ficarão felizes pelo ressurgimento de muitos personagens carismáticos.
Entretanto, o maior foco do desenvolvimento de conteúdo adicional está em dois modos: o retorno expandido dos Sujimons que agora possuem torneios e até uma liga Sujimon e a ilha Dondoko. Nela, o estúdio trabalha toda a mecânica de um jogo de lazer como Animal Crossing oferecendo um espaço grande para Ichiban criar um resort cinco estrelas construindo locais e objetos de decoração diversos, além de precisar obter e colecionar diferentes recursos. É algo que por si pode te ocupar dezenas de horas de tão massivo que se trata o escopo.
Em termos de mecânica, Infinite Wealth traz uma bela repaginada de Yakuza 7, refinando os elementos de RPG de turno inaugurados na época. Agora, o jogador pode refinar a estratégia em cada batalha ao poder posicionar o personagem em certo raio de movimentação. Isso permite conectar golpes com outros membros do grupo ou poder atingir diversos inimigos em golpes especiais e normais.
Isso deixa as lutas mais dinâmicas e ativas para o raciocínio do jogador. Entretanto, em Honolulu, o mapa é ridículo de tão cheio de inimigos o que acaba resultando em muitas sequências de batalhas, interrompendo o fluxo do jogo em momentos mais urgentes. É uma dose bastante exagerada. Felizmente isso não acontece em Yokohama.
O grinding de Yakuza 7 também é mitigado por aqui, tornando o processo de evoluir de nível menos custoso. Tanto que o jogador pode farmar experiência com inimigos de nível inferior (avistados com ícones azuis) e ativar o “Massacre” que finaliza as batalhas assim que elas começam. Duas masmorras infinitas também são ótimas para treinar e subir de nível rápido, embora sejam mais difíceis.
Mais efeitos de buff e debuff foram inseridos para os personagens durante as batalhas, deixando o desafio mais complexo, além da exigência de maior preparo do jogador com itens diversos. O mesmo se aplica para as armas que precisam de upgrades e também possuem efeitos de status podem congelar, queimar, paralisar, envenenar, entre outros.
A jogabilidade foi refinada ao máximo e, honestamente, é difícil crer que haja mais espaço de para a evolução de mecânicas nas próximas iterações. O caminho que devem seguir é apostar mais no excêntrico e ridículo como a divertida luta contra um tubarão gigante que foi propagandeada ao máximo pelo marketing do jogo.
Sobre o novo mapa de Honolulu, é notável o esforço do Ryu Ga Gotoku que tem a má fama de reciclar assets infinitamente. Embora tenhamos dois grandes distritos já conhecidos pelos jogadores, Honolulu compensa pela quantidade massiva de atividades e cuidado na criação de diversos bairros distintos dentro da cidade, além de apresentar três novas facções de inimigos. Mas como a densidade de inimigos é muito alta, enfrentamos muitas vezes os mesmos NPCs, o que acaba enjoando um tanto depois de diversas horas investidas.
Graficamente, a engine da franquia, reformulada desde Yakuza 6, já dá sinais de cansaço. A iluminação em diversas cinemáticas é caprichada, mas há falta de cuidado no detalhamento de alguns personagens secundários em termos de textura. As animações faciais seguem excelentes, assim como a coreografia das lutas que são interativas via QTEs. As cidades mantêm uma boa qualidade visual, principalmente no modo noturno, mas a distância de renderização sofre bastante com pop-in de elementos em cena conforme o personagem avança no mapa. Pode ser um tanto distrativo e certamente será um elemento negativo em iterações futuras caso isso permaneça.
Os novos NPCs americanos são feitos com cuidado e há até mesmo uma nova mecânica de interagir com todos e poder conquistar a amizade alguns, elevando a popularidade e atributos de Ichiban. Pena que a mesma mecânica não é replicada com Kiryu nos capítulos focados nele.
Em suma, visualmente o jogo é ok e perfeitamente aceitável para ser um cross-gen, mas está longe de atingir todo o potencial da franquia. Aliás, destaca-se aqui todo o excelente trabalho do port para o PC. Além de estar muito bem polido e otimizado, o jogo chega com FSR 3 e DLSS 3, multiplicando o FPS generosamente para uma experiência visual perfeitamente fluida. O Ryu Ga Gotoku é um estúdio que realmente é digno de atenção pelo cuidado do estado de seus lançamentos.
Quem tem amigos, tem tudo
Like a Dragon: Infinite Wealth não se trata do melhor jogo da franquia, mas está entre os melhores com certeza. Apesar da falta de coesão e deixar muitas pontas soltas para futuras iterações, o jogo tem uma montanha de conteúdo divertido, traz um refinamento de mecânica muito bem idealizado, além de concluir o arco de Kiryu de forma mais que satisfatória, oferecendo uma catarse que dialoga com a história do personagem desde a sua concepção.
Agora, diante desse ritmo de trabalho insano no qual o estúdio entregou 3 jogos em um intervalo menor que um ano, torço muito para que Yakuza 9 consiga explorar ao máximo o potencial de Kasuga Ichiban enquanto também delineia ainda mais novidades para os personagens de legado, tão inesquecíveis. Finalmente, é uma ótima experiência que recomendo a todos os fãs da franquia.
Crítica | Anatomia de uma Queda é um drama envolvente e eficiente
A morte de um familiar por si só já é um trauma enorme, imagine as proporções que isso toma se essa morte foi decorrente de circunstâncias suspeitas. É comum em produções cinematográficas abordarem tal tema sob uma perspectiva investigativa, geralmente com algum plot twist surpreendente no final.
Em Anatomia de uma Queda, longa dirigido por Justine Triet (Sybil), acompanhamos Sandra Voyter (Sandra Hüller), uma mulher que leva uma rotina comum com seu marido, um escritor frustrado, e com seu filho deficiente visual. Isso muda quando Sandra é acusada de ter matado o seu marido, jogando-o do segundo andar da residência.
A narrativa se concentra principalmente nessa questão central: se foi Sandra ou não quem matou o seu marido Samuel Maleski (Samuel Theis). Esse fato a coloca em um longo julgamento, e ela precisa conviver com o drama de ser acusada e ainda ter o seu filho envolvido na história. Anatomia de uma Queda é brilhante na maneira como estrutura toda a situação e na forma como transforma um assassinato em uma questão de cunho pessoal para a protagonista.
O grande acerto do roteiro da dupla Justine Triet e Arthur Harari está relacionado ao dilema moral, pois é Sandra Voyter quem precisa passar por várias situações durante o julgamento - apresentado de modo monótono e com ótimos diálogos - tendo que enfrentar a alegação de que foi ela quem matou Samuel. Provas são apresentadas nesse julgamento que podem provar sua inocência ou não, dando maior dinamismo e aprofundando a trama.
É atribuído ao filho de Sandra um papel-chave relevante para a narrativa, pois de forma inteligente e por circunstâncias que irão surgir, causa comoção no público. Primeiro, pelo fato de ter encontrado seu pai morto, e depois por ter que testemunhar contra sua própria mãe. Há ainda um elemento importante para transformar o julgamento em um ato mais cruel para a protagonista, com o promotor (Antoine Reinartz) agindo como um perfeito carrasco.
É quase certo que parte do público pode se sentir cansada com o ritmo maçante imposto pela diretora, mas em nenhum momento isso se reflete no andamento da trama. Mesmo sendo, sim, um longa "parado", não se mostra entediante ou chato. Pelo contrário, a ação e a força dos diálogos são o suficiente para criar uma transição rápida na história, apresentando a briga entre Sandra e seu marido, o seu filho e o seu cachorro - que rouba a cena no filme - para depois executar com eficiência a investigação e o seu julgamento moral e jurídico.
Carregado de tensão durante o julgamento e durante o primeiro ato, que ocorrem as brigas entre Sandra e Samuel, contando com um teor de suspense digno das produções do gênero, deixando a desejar com o seu final aberto. Querendo ou não, esse desfecho deixa um gostinho de frustração no espectador. Por essas e outras, Anatomia de uma Queda foi indicado em 5 categorias do Oscar, incluindo as principais: Melhor Filme, Melhor Diretor e Roteiro Original.
Os dramas de tribunal capturam a atenção do espectador pela maneira como são elaborados e pelo suspense que geram em relação às situações debatidas. Anatomia de uma Queda não será o primeiro nem o último a abordar esse tema de maneira tão impactante. Diferentemente de Kramer vs. Kramer (1979), que também explora o debate sobre o que é verdade dentro de uma narrativa. A produção francesa se destaca pelo seu aprofundamento na situação, deixando uma enorme dúvida e curiosidade no público.
Anatomia de Uma Queda (Anatomie d'une chute, FRA – 2023)
Direção: Justine Triet
Roteiro: Justine Triet, Arthur Harari
Elenco: Sandra Hüller, Swann Arlaud, Milo Machado, Samuel Theis, Antoine Reinartz
Gênero: Policial, Drama, Suspense
Duração: 151 min
https://www.youtube.com/watch?v=36nFZ7nNqug
Crítica | O Pacto – Guy Ritchie faz uma poderosa Odisséia sobre Honra e Amizade
Disponível na Amazon Prime desde meados do ano passado, o último filme do usualmente aclamado como o Tarantino Britânico, Guy Ritchie, infelizmente não fez o mesmo burburinho que seus blockbusters – geralmente por razões divisivas de opinião – geralmente ocasionam.
O que é uma pena, pois O Pacto segue uma linha no qual o diretor vem adotado nos últimos anos desde que seus contratos com a Warner e Disney e suas produções megalomaníacas por lá terminaram e fez um bom retorno à sua velha forma de filmes de médio-orçamento no qual revisitou os gêneros de gangster que o consagraram no passado como no ótimo Magnatas do Crime, mas também uma inesperada curva em projetos mais sérios, dramáticos e sombrios como o subestimadíssimo Infiltrado.
O que já gerou certo burburinho entre os mais críticos sobre Ritchie tentando alcançar maturidade cinematográfica para se mostrar como um cineasta maduro e diversificado, longe de sua personalidade marca registrada de 'autor', conhecida por seus maneirismos estilizados, gângsteres britânicos durões exalando estilo, e uma montagem frenéticas com intuito cômico junto de diálogos mordazes de humor negro; ou reunindo tudo isso em seus blockbusters 'ame ou odeie' que permearam a década passada.
Com O Pacto mais se parecendo com um filme do Peter Berg (O Grande Herói; Horizonte Profundo), e conseguindo resultar no feito impressionante de torná-lo não apenas apolítico – dado os temas deveras similares de militarismo americano; mas também um ótimo entretenimento à moda antiga que essa geração nutella decidiu de apelidar como ‘dad-movie’ (filme de pai), e nutrindo tudo isso com um drama bem solidado em sua essência e um fulgor cinéfila de sobra nas inspirações que carrega!
Sendo o terceiro projeto de Ritchie, co-escrevendo ao lado de Ivan Atkinson e Marn Davies, co-roteiristas de Magnatas e Infiltrado que formam essa onda gloriosa dos últimos filmes de Ritchie, (apenas ignoremos a existência de Esquema de Risco: Operação Fortune como uma infeliz bala perdida), onde Ritchie mostra-se como algo que alguns suspeitavam, a maioria negava ou nunca foi capaz de enxergar: o cineasta de visão escondido dentro dele, com claras aspirações clássicas.
Que o vê transformando o que é basicamente um fiapo de roteiro que tenta recapturar os filmes de 'guerra ao terror' dos anos 2000, se inclinando mais para formar o que está tentando recriar de forma inspiradora uma odisséia de cavalaria digna de John Ford (Legião Invencível; Rio Grande)- apenas troque o racismo enraizado de Rastros de Ódio pelo sentimento culpa militar e você tem basicamente o que O Pacto é – embora esteja mais alinhado com algo como Marcha de Heróis. Mas carregado de um tom sombrio e impacto bruto digno dos dias de faroestes de sobrevivência mais brutais e casca grossa de mestres como Budd Boetticher e Anthony Mann.
A guerra do Afeganistão é provavelmente um incômodo temático já tão explorado em outros filmes, para não dizer um evento ainda tão recente para sequer formar uma perspectiva coerente sobre os motivos por trás e sua causa desesperada na luta contra o Talibã – conforme apresentado pelo próprio filme; mas é algo em que Ritchie claramente se interesse, especialmente no ângulo mal tocado dos soldados-intérpretes, abandonados e esquecidos, desde a retirada oficial de 2021. E essa verdade inconveniente é o que paira sobre o cerne dramático do filme.
Embora o seu espectro político seja mantido, em sua maioria, “imparcial” – se é que isso é possível; aplicando tudo isso através da linguagem do Faroeste, não apenas estilisticamente – incluindo verdadeiros duelos com cheios de tensão em coldres de armas prestes a desapotar e a bala rolar solta; e a sobrevivência na região selvagem que ecoa aquelas paisagens de fronteira capturadas em alguma bela vastidão de paisagens naturais aprisionadas; mas, assim como os faroestes de antigamente, a área cinzenta e obscura de toda a moral por trás desse tema histórico é complexa demais para assumir qualquer forma de postura moral direta – embora possa não ter a força de direção para ilustrar as camadas por trás isto; apenas se basta em defender a humanidade de seus personagens.
Assim, no meio do breu nebuloso da burocracia em sua esfera política injusta e impune ao horror vil da guerra, a única coisa que pode ser tirada de valore aqui é a lealdade, a amizade e a honra que nasceram entre esses homens; construídos no calor do combate, na honra de compartilhar a presença e testemunhar os valores e a bravura um do outro, e a recusa em desistir de cada um quando teria sido muito mais fácil simplesmente ir embora. Tudo perfeitamente refletido na grande dupla central formada entre Jake Gyllenhaal e Dar Salim.
Gyllenhaal e ‘ótimo’ são sinônimos como você e eu já esperamos à essa altura, trazendo em sua atitude de durão focado caminhando com sua aura de humanidade facilmente simpática em conjunção na mesma medida, mas brilhando especialmente na sua segunda metade do filme onde ele decai em um ciclo de moral assombrada.
Porém, a verdadeira estrela do show é Dar Salim, interpretando o companheiro intérprete com uma presença cativante e rígida, mas carregado de uma sutileza natural carregada de emoções – a cena que ele tenta confortar o John de Gyllenhaal logo após a perda traumática de toda sua equipe massacrada, sem conseguir encontrar as palavras certas, define todo o coração do personagem tão perfeitamente que chega a doer de tão bom!
Embora a relação dos dois atravesse um terreno temático básico e clichê dentro da dinâmica tradicional de ‘irmãos de armas’ e do vínculo masculino sob pressão da guerra, a dupla o torna não apenas crível em uma troca que não é exatamente uma amizade, por assim dizer, mas trabalhando mais como uma dívida de vida eterna; um pacto, um juramento formado em seu sangue compartilhado.
Se, em última análise, se torna de fato envolvente e emocionante durante seu ritmo enxuto e bruto, é graças então também à ação tática, bem conduzida por Ritchie, que dirige a ação de guerra com competência. Não há muita inventividade fora de cobertura padrão e boa consciência geográfica, mas há boa injeção de tensão. E até usando um pouco de seus artifícios reconhecíveis e marcas 'estilísticas' em total benefício da história principal, desde letreiros explicando termos militares ou apresentando personagens com dinâmica bem humorada em meio a um monte de apelidos engraçados em torno da equipe que imediatamente cria-se uma simpatia para vender o peso de sua perda e daí focar em nossa dupla de protagonistas.
Só não tenho certeza ainda do objetivo daquela montagem ‘bêbada’ no meio do filme – não a parte do “pesadelo burocrático”, mas sim a segunda parte quando John fica consumido de visões repetidas do que ele já havia testemunhado da jornada de Ahmed através zona da guerra. Que acaba martelando um pouco demais a linha temática da 'culpa', que se espalha um pouco ao longo do segundo ato que é mais fraco que a forte primeira metade.
Enquanto isso, a montagem que segue Ahmed carregando o ferido John em um carrinho de mão de madeira a pé por vários quilômetros através do território inimigo, em uma demonstração completa do esforço humano incansável, não é apenas SENSACIONAL, mas fortemente emocional graças à entrega tão vigorosamente comprometida e apaixonada de Salim – o fato de nenhuma temporada de premiações ter reconhecido essa atuação me assusta (embora não me surpreenda com sua hipocrisia incessante).
Sempre que o filme decai em curvas fracos, o valor de produção por trás das câmeras o salva com energia de sobra, e um final que, embora atinja notas previsivelmente convencionais, soa genuíno e ..., se você me dissesse à uns dez anos atrás, que um dia um filme do Guy Ritchie teria me feito lacrimejar, eu teria te olhado com desdém. Bom, aqui estamos!
O Pacto (Guy Ritchie's The Covenant, EUA, 2O23)
Direção: Guy Ritchie
Roteiro: Guy Ritchie, Ivan Atkinson, Marn Davies
Elenco: Jake Gyllenhaal, Dar Salim, Antony Starr, Alexander Ludwig Sean Sagar, Bobby Schofield, Emily Beecham, Jonny Lee Miller
Gênero: Guerra, Drama, Ação, Aventura
Duração: 123 min
https://www.youtube.com/watch?v=02PPMPArNEQ
Crítica | Argylle - O Superespião tenta surpreender, mas se perde pelo caminho
Matthew Vaughn não é um dos melhores cineastas da atualidade, mas certamente é um dos mais requisitados pelos estúdios, principalmente quando o assunto são filmes de ação. Responsável por obras como Kick-Ass - Quebrando Tudo (2010) e X-Men: Primeira Classe (2011), decide continuar se aventurando pelo mundo da espionagem após a trilogia Kingsman com o filme Argylle - O Superespião.
A trama conta a história de Elly Conway, uma autora que escreve sobre espionagem, tendo como protagonista Argylle (Henry Cavill) em sua obra. Por acaso, ela se vê envolvida em uma história incrivelmente semelhante àquela que está registrando. No entanto, Elly percebe que ao escrever os acontecimentos descritos no livro, eles acabam se desenrolando em sua vida real.
Essa brincadeira entre o real e o imaginário é um grande acerto no roteiro de Jason Fuchs, porque de certa forma, é algo que foge do comum visto na maioria dos filmes de ação. Isso proporciona uma quebra na sequência tradicional de pancadaria e destruição, introduzindo uma abordagem ficcional que entretém o público, mesmo que essa fantasia seja um tanto boba e sem graça em grande parte do filme.
A personagem Elly Conway não é apenas a protagonista do longa, mas também o nome da criadora da obra Argylle na vida real. Enquanto o roteiro acerta ao explorar a dicotomia entre o que é real e imaginário, ele falha em não criar reviravoltas significativas na história.
Matthew Vaughn irrita ao inserir na trama plot twists excessivos e sem graça. A ideia do cineasta era clara: a de entreter e divertir o público, o problema é que seu conteúdo se mostra fraco e cansativo. São tantas reviravoltas - a maioria fazendo sentido para a narrativa, infelizmente - que nas primeiras vezes até que dá para levar adiante, mas depois de um tempo, elas ocorrem com tanta frequência que se tornam repetitivas e desnecessárias.
Matthew constrói uma narrativa até que convincente, porém, a qualidade se torna bastante duvidosa com o passar da história. Mesmo com um elenco de renome, alguns personagens são subaproveitados, com aparições rápidas e que poderiam sim ter maior aprofundamento, proporcionando um frescor adicional à trama, casos da cantora Dua Lipa, que até se sai bem quando surge em cena, e de Henry Cavill, que já havia interpretado um espião em O Agente da U.N.C.L.E. (2015), e que aqui interpreta um personagem divertido.
O humor até funciona em algumas cenas, mas na maioria das vezes é usado para quebrar a ação ou para dar uma graça desproporcional à cena, ficando evidente que a ideia do roteiro de Matthew a focar em um público mais jovem. como a cena de luta no trem e que relembra ao último
Vazio em trazer uma mensagem decente, mas em contrapartida recheado de ação, como uma película desse gênero demanda. Matthew Vaughn já demonstrou ser ótimo em coreografar cenas de ação, como pode ser visto na franquia Kingsman, mais especificamente em Kingsman: Serviço Secreto (2014). A cena no trem é ótima, lembrando até mesmo o recente Missão: Impossível - Acerto De Contas - Parte 1, com a diferença que o longa com Tom Cruise trazia cenas menos forçadas.
Filmes sobre espionagem existem aos montes, alguns se destacam, como 007: Sem Tempo para Morrer (2021), da franquia James Bond, enquanto outros são verdadeiros desastres, e é aí que Argylle - O Superespião se encaixa. Como entretenimento, ele funciona, mas os excessos de clichês, reviravoltas e piadinhas atrapalham bastante o acompanhamento da história, transformando uma obra que tinha potencial para ser ótima em quase que um fracasso completo.
Argylle - O Superespião (Argylle, EUA – 2024)
Direção: Matthew Vaughn
Roteiro: Jason Fuchs
Elenco: Henry Cavill, Bryce Dallas Howard, Dua Lipa, Ariana DeBose, Sofia Boutella, Sam Rockwell, Samuel L. Jackson, John Cena, Bryan Cranston
Gênero: Ação, Suspense
Duração: 139 min
https://www.youtube.com/watch?v=9XG-EVCzGJ8
Review | Tekken 8 transforma os erros passados da série em excelência inigualável
Tekken, reconhecida como uma das franquias mais elogiadas no universo dos jogos de luta, viu seu auge na era do PS1, mantendo-se como um ícone do gênero mesmo quando gigantes como Street Fighter desapareceram temporariamente das prateleiras e Mortal Kombat oscilava com lançamentos de qualidade na era do PS2.
O oitavo capítulo de Tekken continua a saga do eterno conflito entre os Mishima, introduzindo inovações e novos personagens. Em meio à profusão de lançamentos excepcionais de jogos de luta nos últimos anos, surge a oportunidade de explorar a mais recente entrada da duradoura série da Namco.
https://www.youtube.com/watch?v=_MM4clV2qjE
Prepare-se para a Próxima Batalha!
De certa forma, toda a narrativa de Tekken orbita em torno de legados e da maneira como os personagens enfrentam suas origens, aceitando ou rejeitando-as. Tekken 8 abraça esse legado de forma inédita, reconhecendo os triunfos e fracassos dos jogos anteriores, esforçando-se por incorporar novos elementos de maneira magistral. Assim, a própria criação e apresentação do jogo refletem a história intrínseca dos títulos anteriores.
Começando pelo sistema de combate, os veteranos notarão uma inovação chamada "sistema de calor". Cada personagem, no início de cada round, possui uma barra azul abaixo da barra de vida, indicando o nível de calor. Quando ativado, o personagem entra em um modo agressivo, ganhando um aumento de dano (mesmo quando bloqueado, parte do dano é absorvido) e novos movimentos, como o "heat dash", aproximando-se rapidamente do oponente, e o "heat smash", possibilitando combos devastadores.
Ambos os movimentos, no entanto, esgotam rapidamente a barra. Utilizando o calor de maneira estratégica, você garante 10 segundos de vantagem. Em minha experiência, os momentos ideais para usar são no início da partida para estabelecer domínio sobre o oponente ou quando este está com pouca vida, buscando encerrar a luta. No entanto, a escolha de como usar varia conforme o estilo de cada jogador. O timing dos golpes, sempre necessário, torna-se especialmente importante quando o modo está ativo.
Introduzindo ainda a mecânica chamada "medidor recuperável", familiar para aqueles que jogaram os spin-offs Tekken Tag Tournament. Nota-se que, na barra de vida, ao sofrer dano, há um espaço transparente. Esse espaço pode ser preenchido sendo o mais agressivo possível. Mesmo quando o oponente bloqueia, a barra de vida é reintegrada ao espaço indicado. O jogo incentiva a agressividade e pune a excessiva defensiva, conferindo mais dinamismo às partidas do que os Tekken anteriores, que geralmente priorizavam a defesa. Aqui, a melhor defesa é sempre o ataque.
Novos Modos!
Nos modos offline, encontramos novidades interessantes. Tekken 8 se destaca pelo rico conteúdo oferecido. Os modos "Despertar das Trevas" e os episódios individuais de cada personagem proporcionam uma imersão adicional. O clássico modo Arcade, indispensável nos jogos de luta, está presente, evitando repetir o fiasco do lançamento de Street Fighter V. Outros modos, como "Missão Arcade" e "Batalha com o Fantasma", também enriquecem a experiência.
O modo Batalha Arcade lembra, de certa forma, o modo história de Street Fighter 6, pois você cria um personagem e embarca em uma aventura. No entanto, seu avatar representa um jogador de Tekken, não um lutador, e a criação é mais simplificada em comparação com o jogo da Capcom. Neste modo, o jogador inicia uma jornada para se tornar campeão de torneios de Tekken, enfrentando diversos oponentes em fliperamas, aprimorando suas habilidades. É ideal para novos jogadores que desejam familiarizar-se com a jogabilidade e as mecânicas antes de adentrar o competitivo online.
No modo "Batalha com o Fantasma", os jogadores podem aprimorar suas habilidades enfrentando uma inteligência artificial que imita seus movimentos e reações. Esta é uma maneira eficaz de treinar para combates online, oferecendo uma adição brilhante nesta nova versão de Tekken. Além de lutar contra seu próprio fantasma, é possível desafiar fantasmas criados pelos desenvolvedores.
Além disso, o clássico modo Tekken Ball, ausente desde Tekken 3 no PS1, faz um retorno triunfal. Nos modos online, há partidas casuais para quem busca jogar rapidamente, sem se preocupar com ranking, e partidas por ranking, onde os jogadores acumulam pontos a cada luta, ascendendo a novas categorias.

Conheça os Lutadores!
A seleção de lutadores em Tekken 8 é intrigante, destacando personagens recorrentes como Jin Kazama, Kazuya Mishima, Hworang, King, Yoshimitsu, entre outros. O retorno de figuras ausentes há algum tempo, como Jun Kazama e Raven, acrescenta nostalgia ao elenco.
A diversidade de personagens oferece diferentes abordagens de gameplay, desde especialistas em agarrões como King até mestres em reversals e counters como Asuka e Jun. Personagens com ataques rápidos, como Leroy e Marshaw Law, contrastam com aqueles que equilibram diversas características, a exemplo de Jin e Kazuya.
Três novos lutadores também se juntam ao elenco: Azucena, uma peruana dona de uma fazenda de café; Victor, um super espião dublado por Vincent Cassel, que utiliza armas e gadgets exóticos; e Reina, uma misteriosa garota que parece incorporar o estilo de luta de Heihachi Mishima, preenchendo a lacuna deixada pelo falecido personagem.
Casos de Família
A trama de Tekken segue a dinâmica familiar conturbada dos Mishima. Desde o primeiro jogo, com Heihachi jogando seu filho Kazuya de um precipício, desencadeando um desejo de vingança, a série permanece impulsionada por esse desejo ao longo dos anos.
Tekken 8 assume a premissa inicial, onde Kazuya busca dominar o mundo, agora necessitando dos poderes do demônio Azazel selados no braço de Zafina. Neste capítulo, Jin se torna o protagonista, confrontando tanto seu pai com seus delírios de grandeza quanto a si mesmo, buscando redenção por seus erros passados. O jogo procura encerrar o arco de rivalidade entre Jin e Kazuya, adicionando densidade à narrativa, algo que marcou Tekken desde a era do PS1.

Conclusão
Tekken 8 é um notável jogo de luta, repleto de modos e personagens que cativam, convidando a horas de exploração e aprendizado dos movimentos únicos de cada lutador. Com uma trama envolvente que busca encerrar a rivalidade entre Jin e Kazuya, o jogo quebra a maldição da família Mishima de maneira satisfatória. A variedade de personagens, com promessas de mais por vir, e a inclusão de modos novos e antigos tornam-no altamente recomendado para veteranos e uma experiência acessível para os novatos. A comunidade gamer recebe, mais uma vez, um título excepcional neste gênero.
Crítica | Mergulho Noturno - Um terror genérico e superficial
Se há um gênero capaz de se reinventar entre as diversas produções lançadas todos os anos, esse é, sem dúvida, o do Terror. Filmes como Corra! (2017) e Fale Comigo (2023) podem não ter uma história inovadora, mas trazem uma premissa original e de qualidade, conquistando o espectador.
Tal fato não se pode dizer de Mergulho Profundo, longa dirigido por Bryce McGuire e inspirado em seu curta-metragem “Night Swim”, de 2014. Ao contrário, apresenta um roteiro genérico, sem ter nada de brilhante ou impressionante.
A trama conta a história de uma família que se muda para uma nova casa mal-assombrada, mas, nesse caso, não é a casa em si que é amaldiçoada, e sim a piscina, ou a água que a banha. Ao longo da história, surgem espíritos à beira da água que aparecem e desaparecem com a mesma rapidez e brinquedos se movendo sem ninguém tocá-los.
Olhando rapidamente a sinopse, até dá para imaginar que possa ter um roteiro decente, mas depois dos primeiros trinta minutos assistidos, fica aquela impressão de que a produção não traria nada empolgante. Night Swim (nome original) está recheado dos mais diversos clichês do gênero, como o da casa mal-assombrada, os sustos óbvios envolvendo espíritos ou algum outro tipo de entidade, e a história da família comum que se muda para uma nova residência por qualquer motivo aleatório e se vê envolvida em uma trama intrínseca de suspense e horror.
O roteiro de Bryce McGuire e Rod Blackhurst frustra as expectativas do público em relação ao suspense, que deveria ser um elemento central da narrativa, mas se transforma em um puro tiro no vazio devido à sua concepção mal elaborada. Em nenhum momento, há uma imersão efetiva no terror, deixando a trama ainda mais vazia do que inicialmente parecia ser.
Outro problema evidente no roteiro foi a escolha de abordar o terror familiar. Muitas dessas produções do gênero optam por explorar o ciclo familiar para desenvolver sua narrativa, no entanto, ao contrário de Invocação do Mal (2013), que executou esses elementos com maestria. O longa mais se assemelha a uma versão de baixa qualidade de Terror em Amityville (1979), carente de excelência no roteiro e desprovido de momentos realmente assustadores.
O drama pessoal enfrentado por Ray Waller (interpretado por Wyatt Russell), um jogador de beisebol que sofreu uma lesão grave no joelho, depende de uma construção adequada. Ray percebe que a água da piscina começa a curá-lo e desenvolve um certo apreço pelo ambiente, a exploração desse drama específico deixa bastante a desejar. Sua esposa, Eve Waller (Kerry Condon), também tem seu papel reduzido a uma representação genérica de uma mãe de família que tenta superar o ser maligno que reside em sua casa. A falta de profundidade nesses cenários compromete ambos os enredos, impedindo que alcancem todo o seu potencial emocional e narrativo.
Mergulho Noturno decepciona que mal parece uma obra da Blumhouse, mesmo com James Wan como produtor. Nem mesmo a presença de Wan consegue resgatar a trama do completo vazio. O filme tinha potencial, como visto no primeiro ato, porém, esse potencial foi desperdiçado, e infelizmente, o diretor não soube explorar devidamente as tramas e subtramas apresentadas.
Mergulho Noturno (Night Swim, EUA – 2024)
Direção: Bryce McGuire
Roteiro: Bryce McGuire, Rod Blackhurst
Elenco: Wyatt Russell, Kerry Condon, Amélie Hoeferle, Gavin Warren, Jodi Long
Gênero: Terror, Suspense
Duração: 98 min
https://www.youtube.com/watch?v=1Nfqu19Ov88
Crítica | Vidas Passadas é uma sensível história de amizade e amor
O amor é uma emoção profunda, que surge de maneira inesperada e é expressada de diversas formas por diferentes culturas. Em obras audiovisuais, alguns gêneros exploram esse sentimento, às vezes com um excesso de clichês, às vezes surpreendendo e quebrando as expectativas em relação a determinados casais.
Em Vidas Passadas, longa de estreia da diretora Celine Song, que também assina o roteiro, conta a história de dois amigos, Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo). Quando jovens, eram grandes amigos na Coreia do Sul, até que Nora se muda com sua família para os EUA e passa a residir ali desde então. Decorrem inicialmente 12 anos até que voltem a se comunicar, para, posteriormente, ocorrer outro hiato de 12 anos, até que finalmente se reencontram, desta vez pessoalmente.
Os percalços enfrentados pelos amigos constituem o mote da trama, com o roteiro destacando o arco narrativo de Nora. As conversas quase sempre são apresentadas com uma ênfase maior no que é dito pela protagonista, abordando seus dramas pessoais, a saudade de uma época que se passou, e seu ponto de vista sobre relacionamentos, com foco no discurso de vidas passadas.
É uma obra cinematográfica repleta de emoção, capaz de dilacerar o coração do espectador, ao trazer uma história melancólica de encontros através do tempo. Além disso, é uma produção que aborda profundamente as questões de escolhas e destino, destacando o paradoxo de estarem juntos, mas separados.
Nora e Hae Sung nutrem sentimentos de amizade e paixão um pelo outro, mas devido aos acasos que surgem em suas vidas, acabam trilhando caminhos distintos. No entanto, mesmo após 12 anos, permanecem conectados ao passado, e após outra pausa nos encontros virtuais, mais 12 anos se passam. Hae Sung, durante seu serviço militar na Coreia do Sul, experimenta uma sensação de infelicidade, enquanto Nora aspira tornar-se uma dramaturga de sucesso nos EUA. No entanto, ao longo dos anos em que ela reside em Nova York, esse sonho vai gradualmente sendo abandonado.
O roteiro de Celine aborda de forma acertada o contexto utilizado por Nora, o In-Yun, que seria uma espécie de mecanismo pelo qual o universo une pessoas que compartilharam alguma conexão em outras vidas. É uma excelente maneira de apresentar ao público ocidental um conceito que pode não ser familiar, sendo trabalhado de forma belíssima pela cineasta.
Os diálogos são fascinantes, destacando-se a conversa no bar que abre a produção e cujo desfecho é apresentado no último ato. Nora e Sung refletem sobre a vida, imaginando como seria se tivessem se encontrado antes ou se tivessem ficado juntos. Em contrapartida, ao bate-papo do casal, é possível presenciar que no balcão está Arthur (John Magaro), marido de Nora, que está ali como alguém que percebe a profundidade da conexão entre os dois amigos. Essa cena proporciona algumas risadas devido à situação retratada, já que Arthur não sabe falar coreano e percebe o quão deixado de lado está naquela circunstância.
Apesar do roteiro brilhante e da direção sensível de Song, não podemos ignorar que a obra, em contrapartida, se torna maçante em vários momentos, chegando a ser cansativa de acompanhar, especialmente devido aos longos diálogos, que, embora profundos, acabam por se tornar um tanto monótonos.
O apelo emocional que a cineasta transmite em Vidas Passadas, particularmente na cena final no bar, reflete sua intenção de retratar as barreiras culturais e linguísticas que a protagonista enfrenta, posicionada entre dois homens que a amam. A narrativa é uma exploração profunda de temas como amizade, amor, arrependimento pessoal, e a verdadeira essência da vida, destacando a importância de se viver o presente e deixar o passado para trás.
Vidas Passadas (Past Lives, EUA – 2023)
Direção: Celine Song
Roteiro: Celine Song
Elenco: Greta Lee, Teo Yoo, John Magaro, Moon Seung-ah
Gênero: Drama, Romance
Duração: 105 min
https://www.youtube.com/watch?v=pK73iGzO6jE