Critica | Air: A História Por Trás do Logo marca retorno triunfal de Ben Affleck
Após anos de trabalho como um ator inconsistente, Ben Affleck realmente encontrou sua vocação forte como diretor. Depois dos ótimos Medo da Verdade e Atração Perigosa, Affleck atingiu o ápice com o thriller político Argo, que faturou o Oscar de Melhor Filme em 2013. Sua ascensão só é rivalizada pela queda subsequente, ao interpretar uma versão divisível do Batman para Zack Snyder e dirigir um dos grandes fracassos de sua carreira com A Lei da Noite, em 2017.
Passada a fase negativa, Affleck parece ter recuperado o brilho de seus anos como diretor. Após ótimas performances em longas de gênero variados, ele retorna para conduzir Air: A História Por Trás do Logo, drama esportivo que vai te fazer acreditar que é possível tornar a história de um tênis absolutamente empolgante.
A trama é ambientada na década de 1980, quando Sonny Vaccaro (Matt Damon) procura por formas de revitalizar a presença da Nike no mercado do basquete. Sua solução radical é focar todo o investimento da empresa na criação de uma linha inspirada na figura do até então pouco conhecido Michael Jordan, iniciando uma campanha agressiva para convencer o jogador a assinar um contrato de exclusividade com a marca.
Seguindo a linha de dramas esportivos como O Homem que Mudou o Jogo, Ford vs Ferrari e especialmente Jerry Maguire - A Grande Virada, Air é daqueles filmes que transcende o tópico. Por mais que possa parecer um assunto extremamente limitado e de nicho, o excelente roteiro do estreante Alex Convery faz um trabalho formidável em tornar até mesmo as mais burocráticas reuniões de orçamento interessantes. É um texto repleto de diálogos rápidos, divertidos e que inserem o espectador dentro do processo de Sonny, que instantaneamente age como a figura visionária e subestimada da empresa - garantindo o apoio do público.
Air é muito mais sobre o processo técnico e a história humana de uma decisão simples, raramente se concentrando no esporte em si; o que definitivamente abrange seu apelo e garante excelentes performances, com Matt Damon sendo o grande chamariz, mas dividindo a cena com os ótimos Jason Bateman, Chris Tucker, Chris Messina, o próprio Affleck (em um papel bem menor) e, especialmente, a ótima Viola Davis - que definitivamente rouba a maioria de suas cenas no papel da inteligente mãe de Jordan.
Com um roteiro fantástico em mãos, Ben Affleck opta por ser o mais discreto e sutil possível. Mesmo trabalhando com o talentoso diretor de fotografia Robert Richardson, a estética de Air não é exatamente cinematográfica e parece bem confortável em apenas capturar a ação e as performances de seu elenco; com uma nítida presença do granulado da película, adequando-se bem à ambientação dos anos 1980.
O que Affleck faz de interessante é se atentar às marcas. Adotando um publicitário como protagonista, sua câmera constantemente aposta em planos detalhe e closes de jornais, revistas, brinquedos e diversos produtos da época, o que garante uma boa imersão no período temporal (e deve ter agradado o departamento de produção de objetos) mas também a visão de Sonny e sua atenção aos detalhes. Affleck também é inteligente ao nunca mostrar - apenas sugerir - a figura de Michael Jordan, ao mesmo tempo garantindo uma imagem incompleta que poucos conseguem contemplar, mas também engrandecendo sua figura mítica; que só é revelada através de imagens de arquivo do Jordan real.
Air é um excelente retorno à forma para Ben Affleck, que mais uma vez mostra o poder do cinema: nunca poderíamos imaginar o quão empolgante e emocionante seria a história de origem de um calçado.
Air: A História Por Trás do Logo (Air, EUA - 2023)
Direção: Ben Affleck
Roteiro: Alex Convery
Elenco: Matt Damon, Jason Bateman, Viola Davis, Chris Messina, Chris Tucker, Ben Affleck, Marlon Wayans, Matthew Maher
Gênero: Drama
Duração: 112 min
https://www.youtube.com/watch?v=Euy4Yu6B3nU
Crítica | Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes é uma boa jogatina
Com a crescente onda de adaptações de games para o cinema, era apenas uma questão de tempo até Hollywood tentar novamente com Dungeons & Dragons, o RPG de fantasia mais popular de todos os tempos. Mesmo baseando-se em uma premissa onde os personagens costumam ser criados pelos jogadores, há sempre a possibilidade de um universo medieval rico e diversificado para ser explorado, algo que a dupla Jonathan Goldstein e John Francis Daley faz com afinco em Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes.
A trama do filme é completamente ambientada em um universo de elementos do RPG, onde o time de ladrões Edgin (Chris Pine) e Holga (Michelle Rodriguez) precisa montar uma nova equipe de elementos fantásticos para se vingar do trapaceiro Forge (Hugh Grant), que lhes confiscou um objeto valioso, além da filha pequena de Edgin (Chloe Coleman).
Ainda que carregue a marca de Dungeons & Dragons no título, Honra Entre Rebeldes poderia ser ambientado em literalmente qualquer outro universo de fantasia. Confesso ser completamente desconhecido acerca da mitologia ou elementos do RPG, mas como um espectador leigo, soa como um universo simples e sem grandes elementos únicos - mas que com certeza devem ser melhor aproveitados por aqueles familiares com o material base. No sentido de construção de universo, simplesmente não há nada de inovador no roteiro assinado por Michael Gilio e a dupla de diretores em relação a magos, bruxas malignas e animais transformistas - apesar da ideia de um dragão morbidamente obeso ser genuinamente fascinante.
O que torna Honra Entre Rebeldes surpreendentemente aproveitável é sua leveza. O elenco formado por Pine, Rodriguez e os jovens Justice Smith e Sophia Lillis (o mago e a transformista, respectivamente) surge extremamente bem entrosado e carismático em cena; com o maior destaque indo para a personalidade mais radical e atrapalhada de Pine, praticamente oferecendo sua versão do Han Solo de Harrison Ford - mas com um toque musical inesperado. E praticamente confortável em sua posição como vilão fanfarrão após Esquema de Risco: Operação Fortuna e As Aventuras de Paddington 2, Hugh Grant também se diverte como o antagonista arrogante e excessivamente britânico da produção.
A outra grande surpresa deste novo Dungeons & Dragons está na direção mais do que eficiente de Daley e Goldstein. Já tendo flertado com jogos de tabuleiro na ótima comédia A Noite do Jogo, a dupla eleva os inexpressivos valores cenográficos (de design fraco até paleta de cores sem graça) através de sequências de ação extremamente bem coordenadas e elaboradas, com uma exploração engenhosa de diversos elementos mágicos (com destaque para um dispositivo capaz de criar portais) e também das habilidades de seus “jogadores”, com a personagem de Lillis protagonizando um fantástico plano sequência que envolve múltiplas transformações ao longo de uma épica fuga.
Mesmo que não seja uma grande inovação, há o suficiente em Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes para se divertir. Através de um elenco talentoso e uma direção particularmente inspirada, a Paramount Pictures pode ter encontrado uma sólida nova franquia.
Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes (Dungeons & Dragons: Honor Among Thieves, EUA - 2023)
Direção: Jonathan Goldstein e Jonathan Francis Daley
Roteiro: Michael Cillio, Jonathan Goldstein e Jonathan Francis Daley
Elenco: Chris Pine, Michelle Rodriguez, Regé-Jean Page, Justice Smith, Sophia Lillis, Hugh Grant, Chloe Coleman, Daisy Head
Gênero: Aventura
Duração: 134 min
https://www.youtube.com/watch?v=GO29QHy6-lQ
Crítica | Skinamarink: Canção de Ninar - Não impressiona, nem assusta
Skinamarink: Canção de Ninar é um dos filmes mais complexos do ano e provavelmente um dos mais estranhos também. O longa de terror dirigido por Kyle Edward Ball tem como proposta a de se criar uma obra com uma estética diferente e o de conceber uma produção que fugisse ao mainstream. Tal objetivo foi alcançado, mas provavelmente não deve capturar a atenção do grande público de forma alguma.
A trama conta a história de duas crianças que acordam no meio da noite e começam a interagir com algo que parece ser uma entidade ou algo maligno, só que não dá para saber bem o que é esse ser, até porque o diretor não nos mostra em nenhum momento esse elemento que habita a escuridão e com quem as crianças passam parte do tempo dialogando.
É preciso ter paciência para acompanhar a mais de uma hora de Skinamarink, e isso ocorre justamente pelo fato de o longa não ter um roteiro e uma narrativa convencional, fugindo completamente do formato conhecido pelo público, em que geralmente são apresentados os personagens e depois vai se desenrolando toda a história.
Kyle Edward criou uma obra experimental que não impressiona em nada, mesmo sendo algo diferente e que tenha aceitação de parte da audiência. Seu modo de filmar e de contar a história se concentra apenas em crianças sussurrando no meio da noite e sem um enfoque em seus rostos e sem um foco em algo que realmente importe para a trama, O diretor enquadra portas se abrindo de cima para baixo, frames de escadas vazias ou de cantos aleatórios da casa, além de brinquedos que se mexem sozinhos, e isso ocorre em grande parte do filme.
Algo que em um primeiro momento intriga é o fato do longa não responder pergunta alguma, não que isso seja realmente necessário para um filme, ainda mais tem como ideia de ser experimental, mas pelo menos daria maior força para a trama, mostrando quem são essas crianças, porque elas estão sozinhas em casa ou principalmente: o que raios é a sombra que hora ou outra aparece na escuridão da residência?
Um ponto positivo do filme é a sua total quebra de expectativa de que acontecimentos sombrios realmente irão acontecer pela casa e de que algo seja explicado. Mesmo com o longa sendo bastante chato e entediante, ainda assim, não é possível chamá-lo de previsível, isso é algo que certamente ele não é.
Skinamarink: Canção de Ninar tenta acertar ao ser inovador, ousando no modo de filmar e de contar a narrativa. Provavelmente irá agradar uma parcela do público que busca um formato diferente, e isso explica seu sucesso nas redes sociais. Não duvide se Skinamarink vir a se tornar um clássico cult com o tempo.
Crítica | 65 - Ameaça Pré-Histórica é um emaranhado de ideias que funcionam
Filmes originais já são uma raridade no cenário cinematográfico atual. Filmes originais de alto conceito de ficção científica produzidos por grandes nomes como Sam Raimi são ainda mais raros.
Esse é o caso de 65 - Ameaça Pré Histórica que tem uma premissa extremamente original, mas prejudicada por falta de orçamento e maior refinamento do roteiro. Ainda assim, a aventura estrelada por Adam Driver é divertida.
Desventuras em série
Acompanhamos a vida de um astronauta chamado Mills (Driver). Piloto de uma raça alienígena extremamente similar aos humanos, Mills acaba encarando uma grande viagem interestelar para custear o tratamento médico da filha.
No meio da jornada, a nave de transporte acaba atingida por diversos meteoritos que a derrubam a um planeta desconhecido e não mapeado até então. Mills é um dos únicos a sobreviver à queda. Tomado pelo desespero, o piloto acaba descobrindo um módulo de vida ainda intacto trazendo uma outra sobrevivente: a jovem Koa (Ariana Greenblatt).
Após resgatar a garota, Mills decide partir para a outra parte da nave destroçada que contém uma nave de emergência, permitindo a fuga do planeta estranho. Entretanto, na jornada de quinze quilômetros, Mills descobre que o ecossistema do lugar está infestado de enormes répteis perigosos conhecidos como dinossauros. O que dificulta bastante as coisas.
Acontece que Mills caiu justamente na Terra há 65 milhões de anos atrás.
O roteiro é assinado pela dupla responsável por Um Lugar Silencioso, Scott Beck e Bryan Woods, que também são os responsáveis pela direção do filme. Convenhamos que trabalhar dinossauros em narrativas é algo bastante difícil, ainda mais quando a ficção científica tentar se centrar em modelos realistas.
Até mesmo a franquia Jurassic Park derrapou tantas vezes que chegou a virar paródia de si mesma, então a missão da dupla Beck e Woods não era nada fácil. De longe, o ponto mais positivo da obra é sua premissa bastante original.
Jogar um astronauta na Terra como um planeta alienígena é uma boa ideia de fazer um Alien às avessas. Também para fugir de lugares comuns de filmes de sobrevivência como O Regresso, os dois conferem um arco de redenção para Mills, interpretado competentemente por Driver.
É um jogo óbvio e simples, mas eficaz. Em uma tentativa de aliviar a culpa de estar longe da filha em uma viagem malfadada, Mills projeta a criança na passageira Koa, colocando a missão de salvá-la do planeta inóspito como a prioridade imediata de sua vida.
O arco funciona, apesar de manjado e muito em evidência por conta da exibição de The Last of Us que também é uma obra "de escolta" - narrativas que os personagens enfrentam uma grande viagem perigosa e se entrosam emocionalmente.
O emaranhado de ideias não parte apenas das características de Alien, The Last of Us/Up - Altas Aventuras. Ao longo do filme inteiro é possível identificar trechos de referências narrativas e até mesmo visuais de outros grandes filmes do gênero como o já mencionado Jurassic Park, Interestelar, Dinossauro (sim, o da Disney) e até mesmo Minority Report.
Logo, é um tanto irônico que um filme de premissa tão original acabe tão cheio de características já muito exploradas em outros filmes. Ou seja, de clichês. Existem diversas conveniências narrativas e trechos com plot amor.
Não ajuda também o fato do roteiro seguir uma fórmula repetitiva de jogar a dupla de personagens em uma sequência de perigos para injetar ação na obra enxuta de noventa minutos e, claro, apresentar os dinossauros feitos em computação gráfica.
É de se estranhar também a decisão de fazer Koa ser uma alienígena estrangeira que não fala o mesmo idioma que Mills. Logo, apesar dos diálogos existirem e os roteiristas quererem emplacar uma impressão primitiva da relação de ambos, o drama e interação entre os dois acaba prejudicado.
No fim, parece até mesmo um repeteco da interação entre os protagonistas de O Bom Dinossauro (sim, também o da Disney). Felizmente, os roteiristas encontram espaço para injetar humor e um pouco de ternura entre ambos os personagens. O destaque fica também pela abordagem crua sobre a natureza e o ciclo da vida que o filme apresenta, sem romancear o quão inóspita é de fato a natureza selvagem.
Também é preciso dar méritos aos roteiristas por se preocuparem em fechar algumas características que seriam pontas soltas principalmente envolvendo a recorrência das frutinhas vermelhas que Koa encontra nas florestas.
Potencial frustrado
O que realmente quebra um pouco a experiência de 65 é a falta de confiança dos produtores no material. Sim, a premissa tem toda a cara de ser digna de filmes B de canais de televisão e também das histórias precursoras do gênero da ficção científica dos anos 1950 como O Incrível Homem que Encolheu, mas isso não impediria um maior investimento na produção.
Nitidamente, o maior defeito da obra é seu baixo valor de produção para uma premissa que por si só é essencialmente cara. A dupla de diretores tenta contornar muitos gastos com a decisão acertada de gravar grande parte da obra em locações com florestas e campos de gêiseres únicos do bioma norte americano.
Isso também ajuda a provocar maior realismo e imensidão do ermo perigoso que os dois protagonistas estão situados. Além disso, com menos ênfase em camadas de efeitos visuais, o orçamento do CG é bem marcante, denotando a boa qualidade da animação, textura e sonorização dos dinossauros.
A falta de orçamento fica escancarada para criar um universo mais crível no começo da obra. A introdução que serve de conduíte emocional para todo o arco de Driver se torna capenga por ser gravada em somente uma praia. Nunca mostrando a civilização alienígena que o protagonista faz parte - as outras duas atrizes do elenco também não ajudam muito pela atuação bastante irregular, principalmente por parte da filha doente de Mills.
Felizmente, os diretores tiram proveito de algumas geringonças tecnológicas que o personagem dispõe, além de terem a coragem de mostrar como os dinossauros se comportam em um tiroteio. No fim, o filme inteiro é uma desculpa para vermos Adam Driver meter bala em dinossauro e ele realmente entrega isso.
Os diretores, ainda de pouca experiência, são eficientes, mas não muito criativos. As encenações de suspense, assim como a decupagem das cenas, são bastante manjadas para qualquer cinéfilo irregular que já viu alguns clássicos obrigatórios. Mas, como disse, não é um trabalho ruim ou amador. Há competência, mas pouca criatividade. O que a dupla consegue entregar bastante é na qualidade dos jumpscares que são bastante eficazes.
Uma pena também que a falta orçamentária afete o clímax que conta com outra ideia bastante original em tornar a fuga de Mills do planeta ainda mais emocionante. É um bom clímax, eficiente, com dois grandes dinossauros que, por sinal, possuem uma certa liberdade criativa no design para torná-los um pouco mais “alienígenas”. Só que a sequência é curta e os planos elaborados para mostrar o acontecimento são poucos.
Triste, para o potencial do filme. Aliás, verdade seja dita, uma característica que surpreende bastante é a boa trilha musical da obra. Os diretores também são eficientes com a condução no trabalho da atriz mirim Greenblatt que, apesar de boa, pode acabar irritando alguns espectadores pelo trabalho ser mais caricato por conta do roteiro fazer dela uma mímica na hora de se expressar.
Por fim, 65 - Ameaça Pré-Histórica é um bom divertimento. Ao contrário dos perigos e dinossauros cheios de dentes que exibe, é uma experiência inofensiva e bastante agradável.
65 (EUA, 2023)
Direção: Scott Beck, Bryan Woods
Roteiro: Scott Beck, Bryan Woods
Elenco: Adam Driver, Ariana Greenblatt, Chloe Coleman, Nika King, Brian Dare
Gênero: Ação, Drama
Duração: 93 min
https://www.youtube.com/watch?v=bHXejJq5vr0&ab_channel=SonyPicturesEntertainment
Crítica | Creed III é uma excelente estreia na direção para Michael B. Jordan
Desde sua estreia nos cinemas em 1976, Rocky: Um Lutador se tornou uma das franquias mais adoradas e cultuadas da História de Hollywood. A saga do boxeador de Sylvester Stallone parecia encerrada em 2006, mas o cineasta Ryan Coogler apostou em um surpreendente spin-off com Creed: Nascido para Lutar, que agora trilha seu próprio caminho em uma trilogia estrelada por Michael B. Jordan.
Em seu terceiro capítulo nos cinemas, o lutador prodígio filho de Apollo Creed (Carl Weathers) conta com um desafio maior ainda, já que Stallone não está envolvido no projeto após diferenças criativas com a produção. Sem o "padrinho" da franquia, Creed III acrescenta mais um desafio ao apostar em Michael B. Jordan para assumir a direção do projeto; marcando sua estreia na função. Quanto maior os riscos, maior a recompensa, e Creed III certamente se aproveita disso.
A história do filme acompanha Adonis Creed (Jordan), que anuncia sua aposentadoria do boxe profissional para se concentrar na vida familiar ao lado de Bianca (Tessa Thompson) e sua filha Amara (Mila Davis-Kent). Tudo muda quando ele se reencontra com Damian (Jonathan Majors), um antigo amigo da infância e ex-presidiário que ressurge para desafiar seu título como campeão.
Dispensando a teoria de que a franquia Creed apostaria em duelos do protagonista contra os filhos dos oponentes de Rocky Balboa (algo que ocorreu em Creed II, com o retorno da família Drago), o roteiro de Keenan Coogler e Zach Bailey é muito mais complexo. Assumindo elementos consagrados de Rocky III: O Desafio Supremo - com o protagonista confortável financeiramente e se afastando da luta - e Rocky V - com um amigo e prodígio que se converte em oponente -, o texto da dupla é eficiente nos riscos dramáticos e no desenvolvimento de seus personagens; alcançando um resultado ainda superior aos dos filmes citados.
Parte disse reside no ótimo tempo passado com a nova família Creed. A Bianca de Tessa Thompson permanece carismática e interessante, mas o núcleo enriquece grandemente com a presença da jovem Mila Davis-Kent como Amara Creed, que garante diversos momentos adoráveis e divertidos - e que se beneficiam da linguagem de sinais, considerando que Amara é muda e surda. Isso também garante uma evolução notável na performance de Jordan, que agora surge muito mais maduro e sábio como Adonis Creed, já longe de ser o jovem esquentado e agressivo do primeiro filme de 2015.
Creed III também se beneficia de um ótimo antagonista na figura do Damian de Jonathan Majors, já que oferece um desafio bem mais pessoal para Adonis. Nunca antes na franquia (com exceção do fraco Rocky V) o protagonista experiencia uma relação de amizade com a pessoa que deve enfrentar no clímax, e isso por si só oferece um sopro de ar fresco para o novo filme; além do ótimo trabalho de Majors como um sujeito que é essencialmente bom, mas com delírios de grandeza e uma compreensível batalha contra sua própria idade. O único demérito do roteiro nesse sentido é acelerar demais o tempo para Damian se tornar uma estrela do boxe, já que a transição de colega para "vilão" parece ocorrer de uma cena para outra, com pouco desenvolvimento.
Ainda assim, é uma fundação forte que possibilita uma visão potente e original para Michael B. Jordan como diretor. Mantendo o foco no drama e nas relações de personagens através de uma câmera eficiente, Jordan se revela um excelente realizador ao trazer as cenas de luta mais dinâmicas e visualmente desafiadoras da franquia; é um olhar que mira mais em Touro Indomável do que Rocky, e que explora os pontos de vista de seus lutadores de uma forma íntima e quase surreal, às vezes flertando com as "lutas inteligentes" do Sherlock Holmes de Guy Ritchie e diversos elementos de anime que o próprio Jordan taxou como inspirações em algumas entrevistas.
Movendo-se com um ritmo ágil e que compensa os clichês conhecidos do gênero, Creed III consagra não apenas o lutador de Michael B. Jordan como sua própria franquia, mas também o astro como um diretor interessantíssimo e com gigantesco potencial. Quase 60 anos depois, ainda é possível voar bem alto com a franquia.
Creed III (EUA, 2023)
Direção: Michael B. Jordan
Roteiro: Keenan Coogler e Zach Bailey
Elenco: Michael B. Jordan, Tessa Thompson, Jonathan Majors, Phylicia Rashad, Mila Davis-Kent, Wood Harris, Florian Munteanu
Gênero: Ação, Drama
Duração: 116 min
https://www.youtube.com/watch?v=3ikxQd930lA
Crítica | A Baleia traz Brendan Fraser em performance transformadora
Novamente temos a figura de Darren Aronofsky trazendo um ator de volta aos holofotes com uma grande performance. É impossível não remeter à temporada gloriosa de Mickey Rourke com O Lutador, de 2008, que quase garantiu um Oscar ao ator após anos afastado das telas. E agora Aronofsky faz algo parecido para Brendan Fraser no drama A Baleia, que também está recebendo atenção dos prêmios.
O projeto é adaptado da peça homônima de Samuel D. Hunter, que também trabalha no filme como roteirista. Mantendo a tradição associada a trabalhos de Aronofsky, A Baleia é um longa polêmico por seu retrato e temática, mas que vale elogios pelo trabalho de Fraser.
A história do filme acompanha Charlie (Fraser), um homem morbidamente obeso que está em seus últimos dias de vida. Enquanto ministra cursos de redação pela internet, Charlie tenta se reconectar com sua filha adolescente rebelde (vivida por Sadie Sink) enfim se preparando para enfrentar alguns demônios de seu passado.
A Baleia definitivamente não esconde suas raízes teatrais, perfeitamente se adequando na categoria de teatro filmado. O fator mais interessante no roteiro de Samuel D. Hunter é como o espectador recebe apenas fragmentos da história, do passado completo que envolve o Charlie e a relação com sua família, e isso vai formando uma imagem mais clara e controversa à medida em que a história avança.
O longa acaba apresentando uma boa história de fundo, e no geral rende interações fascinantes entre seus personagens. As mais presentes envolvem conversas bem agressivas do Charlie com sua filha, que Sadie Sink é eficiente em injeta uma raiva e um caráter violento que é bem interessante de ver. Mas o ponto alto definitivamente reside na relação de Charlie com a Liz, sua enfermeira vivida pela ótima Hong Chau. O texto explora um conflito bem curioso entre os dois, porque a Liz mantém o Charlie vivo, realiza seus exames, mas ao mesmo tempo também é responsável por lhe trazer comida de qualidade questionável.
O fator mais negativo certamente é a subtrama bem descartável do personagem de Ty Simpkins, que interpreta um missionário de um culto religioso que constantemente visita a casa de Charlie. O propósito da trama é claro, e desempenha uma função crucial na jornada da personagem da Sadie Sink, mas definitivamente é um arco que atrapalha e tira o foco da relação central envolvendo Charlie.
Porém, o grande problema mesmo acaba sendo o próprio Darren Aronofsky. Ao longo da narrativa, existe um descompasso na forma como A Baleia quer retratar o Charlie: o texto e a performance de Brendan Fraser lutam pra tornar essa figura em alguém humano e empático, enquanto Aronofsky busca o retrato mais monstruoso possível. É a forma como sua câmera destaca a maquiagem, o corpo obeso, e principalmente a trilha sonora mega intrusiva e exagerada do Rob Simeon, que transforma algumas cenas do Charlie comendo descontroladamente em filme de terror.
É uma decisão contraditória com a própria abordagem do filme, que também se volta para um olhar mais intimista pela razão de aspecto menor (fazendo uso da tela em 4:3, quadrado), o que garante um enfoque maior nos personagens - o que só exacerba de uma forma negativa a presença física de Charlie, além de reforçar a presença de momentos excessivamente melodramáticos. É definitivamente um filme feito pra ganhar Oscar.
Mas obviamente, o destaque maior fica com Brendan Fraser. Sempre muito bem aproveitado em comédias e longas de aventura, e A Baleia é a oportunidade perfeita para o ator mostrar um lado totalmente diferente. Obviamente, a maquiagem e o traje de obesidade estão ali para um apoio considerável, mas é mesmo o trabalho de voz, o trabalho com os olhos, a forma como o Charlie parece ser incapaz de ser ofendido pelos outros; em como ele é absurdamente otimista e positivo mesmo com coisas que ele não deveria. Nesse lado mais dócil, Brendan Fraser encanta e emociona, oferecendo uma performance bem bonita, mas sofrida também; já que em todo momento em que o Charlie ri, sente fortes dores no peito.
Esse acaba sendo o principal elogio para A Baleia. Apesar do excelente trabalho de Brendan Fraser e do elenco no geral, o longa acaba em conflito consigo mesmo, já que Darren Aronofsky parece mais interessado no aspecto monstruoso de sua história, que por natureza está lutando para ser mais humana e intimista.
A Baleia (The Whale, EUA - 2022)
Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Samuel D. Hunter, baseado na própria obra
Elenco: Brendan Fraser, Hong Chau, Sadie Sink, Ty Simpkins, Samantha Morton
Gênero: Drama
Duração: 117 min
https://www.youtube.com/watch?v=iQ512g6iU3I&t=16s
Crítica | Batem à Porta é um exercício tenso e elegante de M. Night Shyamalan
Poucos cineastas podem dizer que tiveram uma ressurgência como a que M. Night Shyamalan teve nos últimos anos.Após estourar no final da década de 1990 com o excelente O Sexto Sentido, o diretor indiano entregou os ótimos Corpo Fechado e Sinais, mas sua carreira logo enfrentou solavancos e opiniões mistas com obras como A Vila, A Dama na Água e principalmente Fim dos Tempos.
Isso levou Shyamalan a pegar projetos de encomenda e sem muito interesse criativo, como O Último Mestre do Ar e Depois da Terra. Mas a partir de 2015 Shyamalan deu início a uma ascensão de volta ao topo com o despretensioso A Visita, alcançando um novo nirvana criativo com com Fragmentado e Vidro, que completam sua trilogia iniciada com Corpo Fechado.
Mantendo sua bússola criativa forte após o intenso Tempo (de 2021), Shyamalan agora entrega um de seus filmes mais interessantes e elegantes com Batem à Porta, marcando sua última parceria com a Universal Pictures.
A trama acompanha um casal vivido por Jonathan Groff e Ben Aldrige, que precisa proteger a filha pequena (Kristen Cui), quando um grupo de invasores ataca a cabana de verão da família. Liderados por um enigmático Dave Bautista, o grupo afirma que um deles será escolhido em um sacrifício, que impediria a suposta chegada do Apocalipse na Terra.
O roteiro do filme é escrito pelo próprio Shyamalan ao lado de Steve Desmond e Michael Sherman, levando como base o livro A Cabana no Fim do Mundo, de Paul Tremblay. De imediato, o projeto rende uma mistura eficaz do thriller de invasão de casa, com um pano de fundo de fim do mundo, mas o ponto alto de Batem à Porta é seu ponto de dúvida: estaria Dave Bautista falando a verdade sobre a possibilidade do apocalipse, ou seriam os invasores apenas psicopatas intolerantes que querem torturar o casal?
Ao longo da narrativa, o roteiro do trio apresenta diversas situações pra testar as duas possibilidades, sendo particularmente inteligente quando um dos pais começa a acreditar na história de Bautista; mas garantindo desconfiança do público, já que é justamente o personagem que sofreu uma concussão durante o conflito inicial Além disso, Batem à Porta mantém a estranheza habitual de Shyamalan em mostrar “pessoas normais”, que aparecem nos noticiários e jornais na TV que o grupo constantemente sintetiza para ilustrar a catástrofe externa, fazendo o espectador questionar se tais imagens não são fabricadas ou falsificadas. O roteiro é excepcional em sua capacidade de duvidar.
Como diretor, Batem à Porta garante um dos trabalhos mais seguros da carreira de Shyamalan. O cineasta tem um domínio de câmera admirável, nos enquadramentos diversificados e na forma como cria uma atmosfera muito tensa e assustadora dentro de um espaço limitado. Há diversos recursos criativos com posicionamentos em objetos e também pistas interessantes do rumo da história a partir dos enquadramentos e da distribuição dos personagens nestes.
Há tempos já se mostrando como um ator dramático fascinante, Dave Bautista oferece o melhor trabalho de sua carreira até então. A forma como Bautista oferece esse contraste da forma física brutal e imponente do líder Leonard, com sua fala calma, educada as boas maneiras garantem um resultado marcante. O restante do elenco de apoio também garante bons momentos com Nikki Amuka-Bird e Abby Quinn, mas é mesmo Rupert Grint, o eterno Rony Weasley, quem rouba a cena como o mais violento e esquentado daqueles invasores.
Também é de se aplaudir a dinâmica entre Jonathan Groff e Ben Aldrige, que formam um balanço interessante entre um sujeito mais cético e agressivo, enquanto o outro é mais suave e disposto a acreditar, oferecendo um núcleo adorável com a jovem Kristen Cui, que interpreta a filha do casal. Mas apesar da boa química, infelizmente o longa gasta um tempo precioso com flashbacks que pouco acrescentam; e que quebram a ótima construção de tensão no tempo presente.
Tudo isso carrega Batem à Porta a um desfecho que poderia se beneficiar de um pouco mais de ambiguidade. Para um filme que explora tanto a dúvida e o simulacro, a conclusão soa surpreendentemente direta, e aparentemente simples. É um ponto que certamente vai dividir o público, mas que não tira o fato de que M. Night Shyamalan segue contando histórias desafiadoras e fascinantes, garantindo aqui um de seus trabalhos mais maduros dos últimos anos.
Batem à Porta (Knock at the Cabin, EUA - 2023)
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan, Steve Desmond e Michael Sherman, baseado na obra de Paul Tremblay
Elenco: Dave Bautista, Jonathan Groff, Ben Aldrige, Kristen Cui, Rupert Grint, Nikki Amuka-Bird e Abby Quinn
Gênero: Suspense
Duração: 100 min
https://youtu.be/cDT-IXnEWMk
Crítica | Aftersun - É sensível e delicado na medida certa
Em um primeiro olhar Aftersun parece apenas mais um drama sobre um pai que está passando férias em uma região da Turquia com sua a filha que está entrando na adolescência, mas o longa que foi plenamente esnobado pelo Oscar vai muito além disso. Aftersun traz trama sobre as lembranças que temos do passado, no caso as memórias de Sophie (Frankie Corio) com seu pai Calum (Paul Mescal) no período de férias antes do mesmo cometer suicídio.
Escrito e dirigido por Charlotte Wells de forma sensível, o longa independente caiu nas graças do público, e não é por menos, aborda questões bastante atuais e delicadas, como a relação familiar entre pai e filha e principalmente: a questão do suicídio. Wells apresenta todas essas questões de maneira poética, com destaque para a interpretação espetacular de Paul Mescal, não á toa indicado ao Oscar na categoria de Melhor Ator.
Wells havia filmado em 2015 seu curta-metragem “Tuesday”, em que já havia sido focado na morte de seu pai no período de sua adolescência. Já Aftersun aborda outro tipo de relacionamento de afeto entre pai e filha, tornando-o parcialmente inspirado em fatos.
No longa, Calum é um homem que sofre por dentro e em várias passagens são apresentadas situações em que ele suporta em silêncio, para que sua filha não o veja dessa forma, não que Sophie não perceba que há algo de errado com seu pai. A cena final provavelmente irá tirar lágrimas de algumas pessoas, feita de maneira sutil e pensada como se fosse um adeus. É um dos grandes filmes da temporada, sem dúvida.
https://www.youtube.com/watch?v=pg7pV_VHWrk&t=12s&ab_channel=Cr%C3%ADticaFalada
Crítica | Tár - É intrigante e conta com toda a genialidade de Cate Blanchett
Lydia Tár (Cate Blanchett) é uma maestrina reconhecida mundialmente no meio da música erudita e está em seu auge em Tár. A regente se transforma ao segurar sua batuta, torna-se poderosa e onipotente, ditando com exatidão o ritmo da orquestra. Lydia leva para sua vida pessoal essa seriedade profissional em que dita as regras do jogo.
Escrito e dirigido por Todd Field, Tár, é sem dúvidas o melhor trabalho por trás das câmeras de Field, já que seus dois filmes anteriores, Pecados Íntimos (2006), que é bom dentro das possibilidades apresentadas, e Entre Quatro Paredes (2001), um drama maçante e bastante esquecível, em que Field já mostrava algumas qualidades que iria expor em Tár alguns anos adiante, como a fotografia fria e as boas técnicas de enquadramento.
Pode-se dizer que Tár é o grande trabalho da carreira de cineasta de Field, que volta a direção após 16 anos de um longo hiato. Um retorno um tanto quanto triunfante, em que traz uma história sobre obsessão e poder, em que a cada cena somos absorvidos mais e mais na rotina dos personagens, seus dramas particulares e no panorama que se encontram em suas carreiras e vidas pessoais, e principalmente, na trajetória sombria em que Lydia Tár vai caminhando e se inserindo rumo a uma trilha sem saída, em que apenas a música será a sua companhia.
O Declínio de Tár
É verdade que é um desafio acompanhar Tár em seus 158 min e também é uma realidade dizer que não é um longa para todos, pois, há algumas mensagens no longa que são complexas de serem compreendidas, isso além de contar com planos longos e diálogos extensos e exaustivos. Porém, Tár como produção surpreende ao fugir completamente do padrão hollywoodiano, e isso acontece justamente por não contar com as conhecidas reviravoltas manjadas que geralmente surgem no seu ato final das produções. Por isso, gera uma quebra de expectativas por parte do roteiro e que provavelmente o público não estivesse esperando que iria ocorrer.
Essa quebra de expectativa que com o roteiro de Field, fazendo com que Tár não necessite de plot twists para finalizar sua história, como, por exemplo, ocorre com os filmes sul-coreanos, é algo bastante elogiável. Tár em seu ato final, quando a protagonista cai em total desgraça pessoal, o roteiro permite que a personagem pegue o seu rumo sem que a trama crie um plano mirabolante para que Lydia saia daquela situação e recupere-se repentinamente, algo que certamente iria deixar parte do público até com a reação de pensar que aquilo fosse algo natural, já que usualmente essa virada na narrativa ocorre com frequência em diversas produções de vários gêneros distintos.
Esse toque de realidade que o roteiro nos proporciona espelha situações que se destacam na mídia e nas redes sociais atualmente, como a cultura do assédio e do cancelamento. Os personagens e as situações que estão envolvidos, principalmente Lydia Tár, e os sucessivos escândalos que vão surgindo, dão esse tom, primeiro com as descobertas de que Lydia estaria usando sua posição como regente para assediar outras alunas, e depois com o cancelamento pelas redes sociais com um vídeo que foi divulgado na “internet”, em que Tár confronta um aluno que não quer tocar Bach por achá-lo um velho branco e a artista tenta fazê-lo mudar de opinião. O roteiro de Field quer nos deixar claro nesses e em outros diálogos fascinantes como que ocorre o poder no mundo e quem o detém está no comando.
Cate Blanchett novamente magnífica
Falar de Cate Blanchett é uma tarefa fácil, isso porquê em sua carreira há muitos trabalhos que beiram a perfeição. Em O Aviador (2004) recebeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por sua performance como Katharine Hepburn, enquanto que em Blue Jasmine (2013) convenceu a todos com outra elogiada interpretação e ganhou seu segundo Oscar, dessa vez na categoria de Melhor Atriz. É muito provável que Blanchett repita tal feito com seu papel em Tár e receba outro Oscar de Melhor Atriz.
A atuação de Blanchett se não é a melhor de sua carreira, pode-se dizer que é uma das mais imponentes. Lydia é uma mulher dura, em alguns momentos podem ser considerada até como uma pessoa severa, tem seu lado romântico, mas nada tira a sua força exterior, e Blanchett transpassa isso para o público em uma performance profunda e sincera e que deve lhe render seu terceiro Oscar.
Tár nos é levado a imaginar que é um thriller em alguns momentos, devido ao jeito que Field trabalha a trama. A fotografia é algo igualmente a ser elogiável, com um tom gelado que reflete a solidão da protagonista em um trabalho de composição magnífico do diretor de fotografia Florian Hoffmeister. Tár é uma produção deslumbrante, com seus altos e baixos e que não empolga na primeira hora de filme, mas que tem suas mensagens e com o andar da narrativa vão ganhando sentido e também vão ganhando o espectador.
Tár (Tár, EUA – 2022)
Direção: Todd Field
Roteiro: Todd Field
Elenco: Cate Blanchett, Noémie Merlant, Nina Hoss, Sophie Kauer, Adam Gopnik, Mark Strong, Sylvia Flote, Alec Baldwin
Gênero: Drama, Musical
Duração: 158 min
Crítica | M3GAN traz o nascimento de um novo ícone do terror
James Wan certamente tem um fascínio curioso por bonecos do mal. Depois de apresentar o boneco Billy na franquia Jogos Mortais e a tenebrosa Annabelle nos filmes da série Invocação do Mal, o mestre do horror contemporâneo apresenta mais uma criatura original em sua mais nova produção: a ficção científica sombria M3GAN, que une Wan novamente com Jason Blum após ambos iniciarem a franquia Sobrenatural em 2010.
A trama acompanha a engenheira Gemma (Allison Williams), que precisa cuidar de sua sobrinha Cad (Violet McGraw), após um terrivel acidente de carro a deixar órfã. Buscando formas de entretê-la, Gemma apresenta Cady à M3GAN, um projeto em desenvolvimento de uma boneca de inteligência artificial. Mas à medida em que Cady se afeiçoa da boneca, M3GAN começa a desenvolver sua própria personalidade mortal.
Marcando o início de uma nova parceria entre a Atomic Monster de Wan e a Blumhouse, M3GAN é uma tremenda surpresa. Provavelmente seja melhor controlar as expectativas e não esperar um filme de terror convencional, já que o roteiro escrito por Akela Cooper (do surtado Maligno) está bem mais interessado em explorar elementos de ficção científica do que pensar em novas formas de assustar ou fazer o espectador pular da cadeira. Na verdade, o resultado temático e narrativo de M3GAN é surpreendentemente maduro e bem escrito.
Partindo do argumento de Wan, a história de Cooper é um perfeito template para um bom filme pipoca. Levando em conta a gigantesca dependência da Humanidade em tecnologia (com uma ênfase incisiva para crianças viciadas em aparelhos eletrônicos), M3GAN garante um excelente conto cautelar sobre o distanciamento humano e a ascensão da inteligência artificial. É uma trama bem desenrolada e que garante evoluções e reviravoltas construídas de forma excepcional, garantindo o uso mais inspirado da "Arma de Tchekhov" (um dispositivo para introduzir elementos importantes em pontos distintos da história) desde Aliens: O Resgate.
O que nos leva à própria M3GAN do título. A protagonista robótica é criada através de um eficiente misto com uma atriz de corpo inteiro (a dançarina Amie Donald), um rosto com elementos animatrônicos e também um toque de computação gráfica na pós-produção. Isso garante uma personagem que é sempre fascinante durante cada frame de cena, e que é ao mesmo tempo acolhedora e atenciosa, mas muito ameaçadora e assustadora nos momentos certos. Há também um inspirado trabalho vocal de Jenna Davis, que se diverte ao assumir elementos mais pops para sua dicção automatizada; como o jeito de fala adolescente, canções inesperadas e a dança que já se tornou sensação no TikTok.
Por fim, o neozelandês Gerard Johnstone faz um trabalho sólido na direção. É uma condução segura e sem muitos floreios, privilegiando a história e as relações intimistas entre personagens; onde Johnstone é inteligente em criar diversos quadros que servem como boas alegorias para os conflitos. O único demérito, por mais que a tensão seja bem aplicada nos momentos certos, é que certamente M3GAN precisava de uma classificação indicativa maior para ser mais impactante; já que diversos atos de violência surgem estranhamente higienizados e artificiais.
No mais, M3GAN é pura diversão. Servindo quase como o equivalente a O Exterminador do Futuro da geração Z, a nova parceria de James Wan com a Blumhouse é um perfeito exemplar do gênero, sendo divertido e reflexivo na medida certa, e ainda presenteando o espectador com um carismático novo ícone.
M3GAN (EUA, 2023)
Direção: Gerard Johnstone
Roteiro: Akela Cooper, James Wan
Elenco: Allison Williams, Violet McGraw, Amie Donald, Ronny Chieng, Brian Jordan Alvarez, Jen Brown, Lori Dungey, Amy Usherwood
Gênero: Ficção científica
Duração: 102 min
https://www.youtube.com/watch?v=B2ElNEFIsSc&t