Crítica | Lilo, Lilo Crocodilo traz uma agradável história de amizade

Crocodilos, na maioria das produções hollywoodianas, geralmente são apresentados como predadores naturais e de instintos implacáveis. Quem poderia imaginar que um musical live-action poderia agradar tanto o público trazendo um crocodilo produzido em CGI como um protagonista que adora cantar em Lilo, Lilo, Crocodilo.

O longa dirigido pela dupla Josh Gordon e Will Peck, de a Última Ressaca do Ano, e que é baseado na série de livros infantis do autor Bernard Waber, tem no roteiro de Will Davies um dos grandes trunfos da história, pois consegue de maneira leve trazer aquele sentimento visto na obra literária. A dupla de cineastas, ao adaptá-la de uma forma divertida e irreverente, sem apelação e carregando uma mensagem inteligente, atinge o objetivo de agradar tanto aos mais jovens quanto aos adultos.

A trama gira em torno de Lilo, o crocodilo cantor que é descoberto por Hector P. Valenti (Javier Bardem), um homem cheio de pompa que se acha alguém com muito talento e sonha fazer sucesso a ponto de ficar milionário, e sua entrada para o showbiz seria nada mais nada menos que Lilo. Porém, há um pequeno problema, Lilo ao mesmo tempo que tem uma voz linda também tem um pavor de cantar em público e sempre trava quando vai cantar para uma multidão. Essa é a trama secundária da história, já que em primeiro plano temos a amizade do crocodilo com o pequeno Josh Primm (Winslow Fegley) e as confusões que Lilo se mete com os pais do garoto, Mr. Primm (Scoot McNairy) e Mrs. Primm (Constance Wu).

A voz original de Lilo é conhecida pelo público, o crocodilo foi dublado por Shawn Mendes, inclusive quando canta, e a música tema “Take a Look at Us Now”, foi composta pela dupla Benj Pasek e Justin Paul, e é daquelas canções que ficam na cabeça por um bom tempo após o término da sessão, além de ser vibrante o suficiente para se dançar junto com os personagens.

O roteiro de Will Davies funciona e diverte na medida certa, pode-se dizer que é uma produção que não se vê com muita frequência nos dias de hoje, daquelas com foco para a família, mas que não tentam idiotizar o público, e que vai mais na linha de As Aventuras de Paddington 2, em querer trazer uma mensagem ao espectador e sem esquecer de entreter.

Ao criar um elo entre Lilo e o jovem Josh Primm, um garoto claramente com problemas sociais, que que tem dificuldades de se relacionar com outras crianças e até mesmo de sair de casa para ir ao colégio, acaba descobrindo nessa amizade incomum como superar essas etapas de sua vida, e o mesmo pode-se dizer a respeito de Lilo, que precisa vencer seu medo de palcos e cantar para grandes multidões. Essa conexão entre os dois transforma o longa sobre uma obra que aborda a amizade e o crescimento pessoal.

O ponto alto do filme é a atuação de Javier Bardem, interpretando um malandro que se importa mais com a fama que propriamente com Lilo. O ator canta, dança e dá ritmo para a narrativa em pontos que a trama parecia não ter um caminho definido. Há também um antagonista na história, Mr. Grumps (Brett Gelman), que vive com sua gata, Loretta, e que juntos dão mais humor para a história.

Lilo, Lilo, Crocodilo é envolvente e sabe como desenvolver a narrativa de uma forma que o filme não caia na monotonia, o roteiro é ágil em trabalhar elementos que facilitam em fazer a trama a ir adiante, inserindo uma música dançante aqui ou uma cena de ação ali. É sem dúvida uma das gratas surpresas do ano e que deve alavancar em peso a audiência.


Crítica | Adão Negro tenta, mas não consegue mudar a hierarquia de poder da DC

Dwayne Johnson sonha com Adão Negro desde o início do segundo milênio. Ainda em 2006, o astro foi escalado para ser o vilão do Capitão Marvel em um filme de Shazam!. Mas o crescimento de Johnson ao longo dos anos foi tão intenso que o projeto evoluiu para um filme próprio do anti-herói, com The Rock lentamente se tornando uma figura de influência no projeto de expansão da DC nos cinemas.

Com os altos e baixos do universo da DC capitaneado por Zack Snyder e agora literalmente fragmentado em reboots, linhas alternativas e musicais surtados do Coringa, Johnson assume o comando de Adão Negro para dar origem a uma nova linha de filmes, derivados e produções na marca dos quadrinhos. Porém, mesmo com boas intenções, a fundação não é das mais sólidas.

Na trama, Tath-Adam (Johnson) perde toda sua família e acaba por ganhar poderes divinos de um conselho de magos. Aprisionado por 5 mil anos, ele é despertado por uma família de revolucionários, que pede sua ajuda para deter uma milícia maligna de assumir o poder da nação de Kahndaq. Temendo o poder destrutivo do chamado Adão Negro, o grupo conhecido como Sociedade da Justiça parte para contê-lo e levá-lo para uma prisão de segurança máxima.

Mudando a perspectiva de Adão Negro

Conceitualmente, Adão Negro parte de uma premissa divertida. O roteiro assinado por Adam Sztykiel, Rory Haines e Sohrab Noshirvani oferece protagonismo a um personagem que naturalmente seria um vilão de filmes do gênero; como se O Lobo da Estepe ou Loki fossem os protagonistas de Liga da Justiça e Os Vingadores, por exemplo. É uma ideia interessante, mas que fica perdida entre várias outras linhas soltas do péssimo roteiro do trio. Mesmo com a promessa de explorar temas mais sombrios, como a moralidade nebulosa de Adão Negro e o fato de este não hesitar em cometer homicídios; é um esforço extremamente superficial e repetitivo.

Pior ainda é a aposta do roteiro em um núcleo humano sofrido, representado pela família que acaba despertando o protagonista. Misturando-se entre tentativas de humor capengas, um comentário político de impacto de um textão de Facebook e uma enxurrada de clichês, o espetáculo acaba perdido na tentativa de oferecer uma humanidade vazia. Toda a relação sustentada entre Adão Negro e o jovem Amon (o inexpressivo Bodhi Sabongui) soa como uma sobra estragada da boa dinâmica entre herói e adolescente explorada por David F. Sandberg no Shazam! de 2019.

E ainda que o filme pudesse sustentar-se facilmente na inversão de perspectiva para um confronto entre o anti-herói de Johnson e a Sociedade da Justiça, Adão Negro se vê na necessidade de apresentar um vilão. Atendendo pelo nome de Sabacc, o antagonista é uma das criações mais pavorosas e risíveis que o universo DC apresentou até agora, além de ser um vilão extremamente fraco e caricato - com uma concepção visual exagerada e que garante um trabalho de efeitos visuais bem limitado. Ecos do Esquadrão Suicida de David Ayer soaram forte durante o clímax de Adão Negro, infelizmente.

A Liga Extraordinária

De positivo, está a Sociedade da Justiça. Marcando a primeira aparição do clássico grupo de heróis da DC nos cinemas, tudo envolvendo o Gavião Negro de Aldis Hodge e o Senhor Destino de Pierce Brosnan é absolutamente formidável. É uma clássica dinâmica que remete ao buddy cop, com o sábio ancião de Brosnan equilibrando o comportamento mais extremo e calculista de Hodge, e imediatamente fiquei mais interessado em saber mais sobre o passado de ambos do que em qualquer coisa envolvendo Teth-Adam, Sabacc ou o futuro de Kahndaq.

Mesmo que em posições menores, os jovens Noah Centineo e Quintessa Swindell oferecem muito carisma e alívios como Esmaga-Átomo e Ciclone; com destaque especial para as cenas envolvendo Swindell, que garantem a melhor amostra de efeitos visuais do filme inteiro.

Já Dwayne Johnson... O astro não é exatamente conhecido por sua versatilidade, e Adão Negro não oferece nada de diferente dos demais trabalhos do ator no cinema de ação. Sua presença é forte e impactante, valendo mencionar que a performance de Johnson agora aposta muito mais em uma concentração extrema e um tom mais ameaçador. Porém, características um tanto incongruentes com uma trama que insiste em torná-lo adorável e bonzinho ao lado do jovem Amon.

Na direção, o habilidoso Jaume Collet-Serra tem pouco espaço para explorar suas habilidades. Vindo do cinema de ação de Liam Neeson (como os ótimos Sem Escalas e Noite Sem Fim), o diretor argentino se destaca nas sequências que envolvem os distintos poderes da Sociedade da Justiça, como a já mencionada Ciclone e suas rajadas de vento coloridas, o aumento de tamanho de Esmaga-Átomo e todo o misticismo por trás do Senhor Destino; capaz de se multiplicar, teleportar e criar ilusões visualmente fascinantes.

Serra acaba mais perdido quando a pancadaria excessivamente CGI toma conta das demais sequências envolvendo o protagonista. É até estranho como a escolha musical do filme para canções e músicas pop destoa do resto do filme; desde Rolling Stones até a canção mais clichê de Kanye West já usada em Hollywood. No entanto, o compositor Lorne Balfe merece aplausos pela trilha sonora original, que ajuda a garantir uma caráter verdadeiramente épico para alguns momentos.

Apesar da ousadia temática e dos bons elementos, Adão Negro desperdiça suas boas ideias com um roteiro muito abaixo de seu potencial. Dwayne Johnson tem carisma, mas perde espaço para os "coadjuvantes" do longa, que mereciam seu próprio projeto. A hierarquia de poder da DC permanece intocada, infelizmente.

Adão Negro (Black Adam, EUA - 2022)

Direção: Jaume Collet-Serra
Roteiro: Adam Sztykiel, Rory Haines e Sohrab Noshirvani
Elenco: Dwayne Johnson, Aldis Hodge, Noah Centineo, Quintessa Swindell, Pierce Brosnan, Viola Davis, Sarah Shahi, Marwan Kenzari, Bodhi Sabongui, Jennifer Holland
Gênero: Ação
Duração: 125 min

https://www.youtube.com/watch?v=K6ii-otP1A8&t=3s


Crítica | Moonage Daydream – As Múltiplas Faces do Camaleão

David Bowie foi um dos grandes nomes da história do Rock, tinha uma alta capacidade de inovar e se renovar através do tempo, não à toa foi apelidado como camaleão do rock. Realizar uma abordagem sobre a vida de Bowie é algo que caberia facilmente em uma minissérie, tamanho o vasto material existente. Não é uma tarefa das mais simples, e mesmo assim o documentário Moonage Daydream (Brett Morgen) cumpre com perícia esse objetivo.

Dividido em fases de sua carreira, o documentário biográfico faz uma análise a respeito de sua vida, mas não de maneira aprofundada, sem trazer uma reflexão sobre algumas passagens importantes que são apresentadas e que deveriam ter uma maior importância da produção. Há também momentos que ficaram de fora, como a própria fase final do cantor, em seus últimos anos de vida, que o diretor evitou mostrar no documentário.

O roteiro, também escrito por Brett Morgen, traz muito da genialidade de Bowie, mas pouco da vida íntima do cantor, o que pode não agradar muitos aos fãs do astro do rock. Essa superficialidade do roteiro não atrapalha a trama, até porque a mensagem é passada com eficácia: a de que David Bowie, através do tempo, mudou não apenas o seu jeito de pensar, como é mostrado no documentário, mas também mudou a cultura com as suas músicas e performances.

Brett Morgen trabalhou na produção por longos quatro anos. Diferente do que se vê em muitas obras do gênero, em que há algum tipo de narração apresentando os fatos como aconteceram ou que há algum tipo de divisão por capítulos, o cineasta decidiu simplesmente colocar Bowie como sendo o narrador de sua própria história. Há várias aparições do cantor em entrevistas que foram concedidas pelos artista, fazendo com que esses relatos reais trouxessem uma maior aproximação com o público que assiste a produção.

A história do documentário começa nos anos 1970, e vai apresentando Bowie como um personagem de múltiplas personalidades, mostrando os principais momentos do artista ao longo dos anos. Na obra não se vê muita conversa com empresários, colaboradores da carreira de Bowie ou parentes, o foco é total no artista britânico, e esse é um dos grandes acertos de Moonage Daydream, pois quem assiste a um documentário a respeito de David Bowie quer ver algo centrado em sua vida e a partir de seu ponto de vista, e não algo a partir do relato de pessoas terceiras que o conheciam e saber o que elas pensavam dele.

A obra se mostra bastante previsível ao contar quem era o artista, como foi sua carreira e como era seu estilo de vida, porém acerta ao dar um equilibrado tom dramático. O ponto alto, sem dúvida, são as performances musicais, como o clássico concerto Ziggy Stardust. Há também espaço para para a inserção de cenas com Bowie atuando em filmes conhecidos pelo público, casos de Labirinto, a Magia do Tempo (1986) e O Homem Que Caiu na Terra (1976.)

Moonage Daydream é um documentário feito para os fãs pensado em homenagear Bowie, e o resultado final dá muito certo. Em sua mais de 2h, mesmo sendo cansativo em alguns momentos, é possível conhecer mais da genialidade do cantor, roteirista, diretor e ator, e dá para entender como sua influência se deu sobre a cultura pop até os dias atuais. É sem dúvida um dos materiais mais completos já produzidos a respeito do artista britânico.

https://www.youtube.com/watch?v=9xA5BuTyZaI&ab_channel=UniversalPicturesPortugal


Crítica | Halloween Ends não sabe como encerrar nova fase de Michael Myers

Michael Myers já foi e se foi inúmeras vezes desde que a franquia Halloween se estabeleceu como uma das marcas mais fortes do gênero do terror. Iniciada de forma humilde por John Carpenter, Debra Hill e seus amigos em 1978, a saga contou com nada menos do que 13 filmes, com diferentes linhas do tempo, releituras e remakes. Nenhuma delas, porém, foi mais bem sucedida do que aquela capitaneada por David Gordon Green e a Blumhouse.

Oferecendo mais um reboot que ignorou os longas anteriores, o Halloween de 2018 apresentou uma ótima sequência legado e trabalhou bem a Laurie Strode de Jamie Lee Curtis. Em decorrência do lucro gigantesco, mais dois filmes foram encomendados, e a impressão deixada por Halloween Kills e agora por Halloween Ends, é que Green e Jason Blum realmente não faziam ideia de como estender a história além de mais um filme.

A trama é ambientada 4 anos depois dos eventos do filme anterior, com Laurie Strode (Curtis) enfim podendo relaxar após um período de sumiço do assassino Michael Myers. Vivendo com sua neta Allyson (Andi Matichak), Laurie logo teme o perigo quando sua protegida se aproxima do misterioso Corey Cunningham (Rohan Campbell), um jovem assombrado por um trauma no passado, e que oferece uma estranha conexão com o desaparecido Michael Myers.

Halloween Ends é um filme estranho. Definitivamente não é o que o público está esperando, tampouco o que poderíamos esperar após um final tão abrupto e criador de cliffhanger como é o de Halloween Kills - o que já torna a decisão de um salto temporal absolutamente radical. O que encontramos aqui é um filme completamente diferente dos anteriores, bem mais contido e que ao menos se beneficia de ser uma experiência completa com começo, meio e fim. Mas que, curiosamente, pouco tem a ver com Michael Myers ou Laurie Strode.

Em uma decisão que certamente será controversa, o novo filme é praticamente inteiro sobre o Corey Cunningham de Rohan Campbell. Mais curiosa ainda é a decisão de Green de olhar muito mais para outro clássico de John Carpenter que não Halloween: Christine, O Carro Assassino de 1983. Assim como na adaptação de Stephen King, o arco de Corey é o de um jovem desajustado e nerd que embarca em uma transformação sombria - e é curioso notar como as feições de Campbell remetem muito à de Keith Gordon em Christine. É uma decisão interessante e inesperada, mas que causa estranheza.

Especialmente porque Rohan Campbell não é exatamente um ator dos mais talentosos, e o roteiro de Green, Danny McBride, Chris Bernier e Paul Brad Logan (!) insiste em uma relação amorosa extremamente apressada e artificial entre Corey e Allyson. É uma sucessão de eventos assustadoramente rápida e vazia, e que se torna ainda mais incômoda quando nos damos conta de que a "mensagem" por trás do arco de Corey não faz sentido. Há uma abordagem sobre o mal de Michael Myers ser contagioso, mas o filme nunca se compromete por completo com essa ideia. Pior ainda, simplesmente a joga no lixo nos últimos 20 minutos.

Todo o filme sobre Corey é completamente ignorado e irrelevante quando Halloween Ends "se lembra" do filme que precisa ser, e do conflito iminente entre Laurie Strode e Michael Myers. É quando o próprio David Gordon Green, outrora tão detalhista e atencioso no filme de 2018, encontra alguma inspiração para criar suspense e atmosfera; ainda que não haja surpresa alguma no que poderíamos encontrar nesse quesito. Mas, sendo bem sincero, é só mesmo a trilha sonora inspirada de John Carpenter, Cody Carpenter e Daniel Davies que é capaz de oferecer alguma energia para o projeto.

Novamente, a reinvenção de Halloween não precisava ter ido muito além de seu eficiente filme de 2018. Halloween Ends até tem uma proposta interessante e ousada, mas seus idealizadores parecem indecisos demais quanto ao tipo de história que querem contar, e que no fim das contas não faz muito sentido. Então, quanto tempo até Michael Myers retornar mais uma vez?

Halloween Ends (EUA, 2022)

Direção: David Gordon Green
Roteiro: David Gordon Green, Danny McBride, Chris Bernier e Paul Brad Logan
Elenco: Jamie Lee Curtis, Andi Matichak, Rohan Campbell, James Jude Courtney, Will Paton, Kyle Richards, Nick Castle
Gênero: Terror
Duração: 111 min

https://www.youtube.com/watch?v=rwvFQAjRgMY


Crítica | Noites Brutais é o filme de terror mais surpreendente do ano

É maravilhosa a sensação de não saber nada sobre um filme antes de entrar em uma sessão. Foi exatamente esse sentimento que me acompanhou durante uma exibição de Noites Brutais (Barbarian, no original), um longa-metragem que eu não tinha conhecimento de sua existência, tampouco do que se tratava. Justamente essa é a condição ideal para ver o filme de Zach Cregger que chega ao catálogo do Star+, já que trata-se de uma das experiências mais surpreendentes do ano.

Para dizer o básico a fim de preservar suas surpresas, basta dizer que a trama envolve a jovem Tess (Georgina Campbell) encontrando um rapaz chamado Keith (Bill Skarsgard) na casa que ela havia reservado em um Airbnb. Ambos estão confusos pela situação, e resolvem passar a noite juntos para resolver o problema, sem ter consciência do que realmente está acontecendo no local.

Em uma entrevista para o podcast do Directors Guild of America, o diretor e roteirista Zach Cregger afirmou que escreveu o roteiro de Noites Brutais sem ter consciência de como a história terminaria. A cada ponto em que a trama caísse para o clichê ou o esperado, Cregger mudaria o curso da trama, a fim de causar surpresas. O efeito funciona, já que o filme é praticamente impossível de se prever ou adivinhar, o que garante uma experiência de terror profundamente efetiva e surpreendente, já que Cregger mostra-se um especialista em antecipar e prever as mais óbvias armadilhas do gênero.

Durante toda a primeira parte, o espectador fica imerso na situação de Tess e Keith. É um exercício muito bem construído, já que naturalmente seguimos as desconfianças da protagonista de que o jovem possa ser algum tipo de psicopata, e a história leva a desdobramentos realmente surpreendentes. Há até mesmo todo o arco envolvendo a presença de Justin Long, como um personagem que realmente testa a paciência do espectador, e que garantem uma história divertida e angustiante de se acompanhar.

Tendo dirigido apenas a comédia adolescente Miss Março: A Garota da Capa em 2009, Cregger mostra-se também um excelente diretor de suspense. Passando do terror atmosférico da desconfiança de Tess, até todas as viradas que o longa oferece posteriormente, Noites Brutais é realmente uma experiência tensa e assombrosa. Cregger faz excelente uso de espaços escuros e longos corredores de um porão, garantindo uma imersão poderosa e a constante sensação de que algo terrível vai acontecer.

O único demérito de Cregger vai com o uso um tanto excessivo de lentes grande angulares em determinadas sequências. Ainda que haja um propósito narrativo para algumas delas (com apenas um personagem), o efeito acaba se esgotando e remetendo demais à experiência de um videogame, no sentido ruim. Felizmente, é apenas um detalhe em meio a um trabalho predominantemente positivo - e que aproveita muito bem sua ameaça principal, que traz ecos profundos do ótimo terror espanhol [REC].

Definitivamente não haverá filme como Noites Brutais em 2022. Não só é uma formidável história de terror que foge dos clichês e convenções, mas também uma experiência imprevisível para fãs de qualquer tipo de história, e que vai causar uma tremenda impressão. Simplesmente imperdível.

Noites Brutais (Barbarian, EUA - 2022)

Direção: Zach Cregger
Roteiro: Zach Cregger
Elenco: Georgina Campbell, Bill Skarsgard, Justin Long, Richard Brake, Matthew Patrick Davis
Gênero: Terror
Duração: 103 min

https://www.youtube.com/watch?v=tIdAa0qAXJM


Crítica | Morte, Morte, Morte é um dos piores filmes da A24

A A24 tem se estabelecido como um selo de qualidade incontentável. De dramas existenciais emocionantes até peças de gênero mais comerciais, é realmente impressionante o que a produtora/distribuidora americana tem feito na última década, e o terror acabou sendo um de seus pontos mais notáveis ao longo da jornada.

Claramente inspirando-se no impacto do Pânico original de Wes Craven, a cineasta holandesa Halina Rejn tenta fazer de Morte, Morte, Morte o grande slasher da geração Z. Porém, o resultado acaba pendendo mais para o irritante do que o assustador, ou até mesmo o divertido.

Na trama, a jovem Bee (Maria Bakalova), acompanha a namorada Sophie (Amandla Stenberg), em uma reunião de amigos do colégio para verem juntos a passagem de um furacão. Trancafiados dentro de uma luxuosa mansão, o grupo resolve brincar de "Bodies Bodies Bodies", que consiste basicamente em uma variação macabra do famoso jogo do detetive. Mas a situação fica estranha quando alguns dos amigos realmente começam a morrer.

Por mais que Morte, Morte, Morte apresente uma premissa que geralmente costuma funcionar, a do whodunit, todo o processo é prejudicado por seus personagens. Assumindo um caráter satírico de todos os estereótipos e problemas típicos da geração Z, o longa apresenta um leque de personagens que beira o insuportável, impossibilitando qualquer conexão destes com o público. Mesmo que a reviravolta final seja interessante, a ligação com seus tapados protagonistas é nula.

Confira a análise completa no canal de YouTube do Lucas Filmes.

https://www.youtube.com/watch?v=enHDT4_qw0o&t=1s


Crítica | Amsterdam desperdiça grande elenco com trama enfadonha e sem graça

É curioso observar como David O. Russell foi das celebrações mais exageradas ao esquecimento total. No início dos anos 2010, o cineasta americano conseguiu uma trifecta invejável ao ser indicado ao Oscar três vezes consecutivas, além de garantir indicações e vitórias para boa parte de seus respectivos elencos: o drama de boxe O Vencedor, a comédia dramática O Lado Bom da Vida e o thriller cômico Trapaça; todos lhe garantiram indicações como roteirista e diretor.

Mas após Joy: O Nome do Sucesso, foi como se Hollywood subitamente se cansasse de David O. Russell. Pessoalmente, nunca tive admiração alguma por seu trabalho, com exceção do charme irresistível de O Lado Bom da Vida, e tal fiasco levou o diretor a “se esconder” por 7 anos até o lançamento de Amsterdam, produção que aposta novamente em um elenco gigantesco um mix de gêneros que tanto agradam ao diretor. Porém, o resultado aqui é sem dúvidas o ponto mais baixo de sua carreira até agora.

Na trama, os amigos e veteranos de guerra Burt Berendsen e Harold Woodsman (Christian Bale e John David Washington) são contratados para investigar a misteriosa morte de seu antigo general. Porém, os dois logo são incriminados pelo assassinato brutal de sua neta, e precisarão se reencontrar com uma velha amiga enfermeira (Margot Robbie), para limpar seus nomes e encontrar os responsáveis por trás do crime.

De início, Amsterdam adota diversos elementos de um clássico whodunit; subgênero que Hollywood aprendeu a amar novamente após o sucessos de Entre Facas e Segredos e Assassinato no Expresso do Oriente. A ambientação é extremamente funcional, com o design de produção recriando com perfeição a Nova York dos anos 30, e a dupla de Bale e Washington facilmente se encaixando como duas figuras típicas do cinema de detetive noir da década de 1940. A amizade da dupla, por sinal, é de longe o ponto mais brilhante e agradável do filme todo.

Assim que o roteiro de Russell começa a avançar no desenrolar do mistério, tudo começa a desmoronar. Apesar de um bom estabelecimento de amizade entre Bale, Washington e a enfermeira de Margot Robbie - e o desejo do trio de largar tudo e conseguir voltar para os dias de paz e conforto em Amsterdã -, é virtualmente impossível de se manter em interesse na jornada do filme. O desfecho e o objetivo geral de Russell, que supostamente é inspirado em eventos reais, é extremamente absurdo e digno de um desenho animado de baixa qualidade

Não ajuda o fato de que, mesmo absurda, a trama do filme seja bem linear e direta e constantemente interrompida. O grande problema está no tamanho do estelar elenco, que parece ter uma regulamentação para o tempo de tela de cada um: o filme literalmente estaciona seu desenvolvimento e jornada para dar atenção a cada um dos membros de seu extenso elenco, que inclui grandes personalizes como Michael Shannon, Rami Malek, Anya Taylor-Joy, Chris Rock e até o veterano Robert De Niro. Amsterdam dá as mais bruscas e tediosas pausas em sua - igualmente tediosa - trama para dar espaço a cada um deles, que atuam como se estivessem hipnotizados; em uma estranha decisão de Russell como diretor de atores, que parece conduzir seu elenco como se estivessem em uma peça de teatro ruim.

A única exceção fica com Christian Bale, que parece navegar muito bem nesse palco torto e estranho. É uma das ocasiões em que o astro mais pôde exercer seus músculos de comediante, visto que seu personagem exibe muita comédia física graças ao fato de ter um olho de vidro muito mal encaixado. É literalmente o único elo fácil de se seguir e acompanhar, já que nem o pseudo casal formado por Margot Robbie e John David Washington é capaz de oferecer alguma química ou brilho.

Falho como roteirista e condutor de elenco, David O. Russell mostra-se igualmente problemático em sua direção técnica. Mesmo aliado do badalado diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (triplamente premiado com o Oscar por Gravidade, Birdman e O Regresso), Russell faz de Amsterdam uma experiência visualmente genérica e sem qualquer valorização de seu grande elenco e ambientação. A linguagem de Russell se resume a planos médios lotados de pessoas e movimentações de câmera simplórias, que em nada parecem aproveitar as forças de Lubezki - preso a uma paleta de cores imutável e lavada.

Mesmo com um elenco maravilhoso em mãos, David O. Russell faz de Amsterdam uma das experiências mais vazias e tediosas de 2022. É uma história impossível de se seguir com interesse, povoada por figuras desinteressantes e diálogos enfadonhos. Pode não ser o pior filme do ano, mas é um dos mais insuportáveis.

Amsterdam (EUA, 2022)

Direção: David O. Russell
Roteiro: David O. Russell
Elenco: Christian Bale, Margot Robbie, John David Washington, Chris Rock, Rami Malek, Anya Taylor-Joy, Robert De Niro, Zoe Saldaña, Michael Shannon, Mike Myers, Taylor Swift, Timothy Olyphant
Gênero: Comédia
Duração: 134 min

https://www.youtube.com/watch?v=RE8rlyhJsi8&t=85s


Crítica | Abracadabra 2 é uma continuação digna e divertida o suficiente

Após anos de rumores e boatos, a Disney enfim deu sinal verde para Abracadabra 2, que chega no catálogo do Disney+ quase 30 anos após a estreia do filme original, lançado nos cinemas em 1993 com direção do ex-coreógrafo Kenny Ortega.

A trama do filme acompanha esse longo salto temporal, apresentando uma nova geração de adolescentes que, ao contrário do primeiro filme, é mais acostumada e ligada no histórico de Salem e das irmãs Sanderson. Em seu aniversário de 16 anos, a jovem Becky (Whitney Peak) acaba invocando por acidente o retorno das bruxas lendárias, vividas novamente por Bette Midler, Sarah Jessica Parker e Kathy Najimy.

Sob direção da também ex-coreógrafa Anne Fletcher, Abracadabra 2 mantém o mesmo tom bem humorado do primeiro filme, complementando sua mitologia de forma bem realizada e moderna. Mesmo não sendo uma experiência surpreendente, é maravilhoso reencontrar o trio de bruxas central, que se diverte como se nem um dia tivesse passado desde o filme original.

Confira a análise completa no canal de YouTube do Lucas Filmes.

https://www.youtube.com/watch?v=g3IvJGMXmyw


Crítica | Blonde é uma experiência vazia sustentada por Ana de Armas

Marilyn Monroe é um dos maiores ícones da História do Cinema, e sua figura foi alvo de diversos estudos e obsessões ao longo dos anos. Um dos principais é o livro Blonde, Joyce Carol Oates, obra que é mais alegórica do que voltada a fatos concretos.

Levando esse pensamento em mente, o cineasta Andrew Dominik transforma Blonde em uma experiência que almeja explorar o sofrimento e os traumas de Norma Jeane, vivida com perfeição por uma excelente Ana de Armas; que explora bem a dualidade de Norma com sua persona de Marilyn Monroe.

Porém, Blonde aposta em uma estrutura extremamente repetitiva. Apesar de esteticamente formidável e muito bem fotografado, o filme não vai muito além de um exercício vazio pautado unicamente na questão de daddy issues.

Confira a análise completa no canal de YouTube do Lucas Filmes.

https://www.youtube.com/watch?v=BeOSQznHPIM&t=5s


Crítica | Sorria é mais uma ótima surpresa no cinema de terror de 2022

Parando para pensar, um sorriso é justamente a reação mais aposta que se pode imaginar para assistir um filme de terror. Reside aí o grande mérito do diretor e roteirista Parker Finn, que faz sua estreia com Sorria em um conceito difícil de dar certo.

Na trama, a terapeuta Rose (Sosie Bacon) está tentando superar o trauma de ter visto uma paciente se suicidar na sua frente, enquanto sorria de forma maligna. Ela logo descobre que foi vítima de uma maldição, e que uma entidade sinistra, demarcada por sorrisos macabros, está perseguindo-a por toda parte.

Aproveitar o poderio imagético de um sorriso para causar medo é certamente um desafio. O longa não é isento de seus momentos ridículos, mas o saldo geral é bem mais pendente para o perturbador, já que a direção de Finn oferece um raro balanço de terror comercial de estúdio com aspirações mais "arthouse" de produtoras como a A24 - e o terror Corrente do Mal logo vem à mente como referência.

Justamente por isso, Sorria é um filme capaz de assustar bem mais quando não está mostrando suas ameaças, mas sim trabalhando a tensão e a expectativa de algo sinistro acontecendo; ambas características que a atriz Sosie Bacon domina com perfeição.

Confira a análise completa no canal de YouTube do Lucas Filmes.

https://www.youtube.com/watch?v=9EY_hZ43_gw&t=8s