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Crítica | Adão Negro tenta, mas não consegue mudar a hierarquia de poder da DC

Dwayne Johnson sonha com Adão Negro desde o início do segundo milênio. Ainda em 2006, o astro foi escalado para ser o vilão do Capitão Marvel em um filme de Shazam!. Mas o crescimento de Johnson ao longo dos anos foi tão intenso que o projeto evoluiu para um filme próprio do anti-herói, com The Rock lentamente se tornando uma figura de influência no projeto de expansão da DC nos cinemas.

Com os altos e baixos do universo da DC capitaneado por Zack Snyder e agora literalmente fragmentado em reboots, linhas alternativas e musicais surtados do Coringa, Johnson assume o comando de Adão Negro para dar origem a uma nova linha de filmes, derivados e produções na marca dos quadrinhos. Porém, mesmo com boas intenções, a fundação não é das mais sólidas.

Na trama, Tath-Adam (Johnson) perde toda sua família e acaba por ganhar poderes divinos de um conselho de magos. Aprisionado por 5 mil anos, ele é despertado por uma família de revolucionários, que pede sua ajuda para deter uma milícia maligna de assumir o poder da nação de Kahndaq. Temendo o poder destrutivo do chamado Adão Negro, o grupo conhecido como Sociedade da Justiça parte para contê-lo e levá-lo para uma prisão de segurança máxima.

Mudando a perspectiva

Conceitualmente, Adão Negro parte de uma premissa divertida. O roteiro assinado por Adam Sztykiel, Rory Haines e Sohrab Noshirvani oferece protagonismo a um personagem que naturalmente seria um vilão de filmes do gênero; como se O Lobo da Estepe ou Loki fossem os protagonistas de Liga da Justiça e Os Vingadores, por exemplo. É uma ideia interessante, mas que fica perdida entre várias outras linhas soltas do péssimo roteiro do trio. Mesmo com a promessa de explorar temas mais sombrios, como a moralidade nebulosa de Adão Negro e o fato de este não hesitar em cometer homicídios; é um esforço extremamente superficial e repetitivo.

Pior ainda é a aposta do roteiro em um núcleo humano sofrido, representado pela família que acaba despertando o protagonista. Misturando-se entre tentativas de humor capengas, um comentário político de impacto de um textão de Facebook e uma enxurrada de clichês, o espetáculo acaba perdido na tentativa de oferecer uma humanidade vazia. Toda a relação sustentada entre Adão Negro e o jovem Amon (o inexpressivo Bodhi Sabongui) soa como uma sobra estragada da boa dinâmica entre herói e adolescente explorada por David F. Sandberg no Shazam! de 2019.

E ainda que o filme pudesse sustentar-se facilmente na inversão de perspectiva para um confronto entre o anti-herói de Johnson e a Sociedade da Justiça, Adão Negro se vê na necessidade de apresentar um vilão. Atendendo pelo nome de Sabacc, o antagonista é uma das criações mais pavorosas e risíveis que o universo DC apresentou até agora, além de ser um vilão extremamente fraco e caricato – com uma concepção visual exagerada e que garante um trabalho de efeitos visuais bem limitado. Ecos do Esquadrão Suicida de David Ayer soaram forte durante o clímax de Adão Negro, infelizmente.

A Liga Extraordinária

De positivo, está a Sociedade da Justiça. Marcando a primeira aparição do clássico grupo de heróis da DC nos cinemas, tudo envolvendo o Gavião Negro de Aldis Hodge e o Senhor Destino de Pierce Brosnan é absolutamente formidável. É uma clássica dinâmica que remete ao buddy cop, com o sábio ancião de Brosnan equilibrando o comportamento mais extremo e calculista de Hodge, e imediatamente fiquei mais interessado em saber mais sobre o passado de ambos do que em qualquer coisa envolvendo Teth-Adam, Sabacc ou o futuro de Kahndaq.

Mesmo que em posições menores, os jovens Noah Centineo e Quintessa Swindell oferecem muito carisma e alívios como Esmaga-Átomo e Ciclone; com destaque especial para as cenas envolvendo Swindell, que garantem a melhor amostra de efeitos visuais do filme inteiro.

Já Dwayne Johnson… O astro não é exatamente conhecido por sua versatilidade, e Adão Negro não oferece nada de diferente dos demais trabalhos do ator no cinema de ação. Sua presença é forte e impactante, valendo mencionar que a performance de Johnson agora aposta muito mais em uma concentração extrema e um tom mais ameaçador. Porém, características um tanto incongruentes com uma trama que insiste em torná-lo adorável e bonzinho ao lado do jovem Amon.

Na direção, o habilidoso Jaume Collet-Serra tem pouco espaço para explorar suas habilidades. Vindo do cinema de ação de Liam Neeson (como os ótimos Sem Escalas e Noite Sem Fim), o diretor argentino se destaca nas sequências que envolvem os distintos poderes da Sociedade da Justiça, como a já mencionada Ciclone e suas rajadas de vento coloridas, o aumento de tamanho de Esmaga-Átomo e todo o misticismo por trás do Senhor Destino; capaz de se multiplicar, teleportar e criar ilusões visualmente fascinantes.

Serra acaba mais perdido quando a pancadaria excessivamente CGI toma conta das demais sequências envolvendo o protagonista. É até estranho como a escolha musical do filme para canções e músicas pop destoa do resto do filme; desde Rolling Stones até a canção mais clichê de Kanye West já usada em Hollywood. No entanto, o compositor Lorne Balfe merece aplausos pela trilha sonora original, que ajuda a garantir uma caráter verdadeiramente épico para alguns momentos.

Apesar da ousadia temática e dos bons elementos, Adão Negro desperdiça suas boas ideias com um roteiro muito abaixo de seu potencial. Dwayne Johnson tem carisma, mas perde espaço para os “coadjuvantes” do longa, que mereciam seu próprio projeto. A hierarquia de poder da DC permanece intocada, infelizmente.

Adão Negro (Black Adam, EUA – 2022)

Direção: Jaume Collet-Serra
Roteiro: Adam Sztykiel, Rory Haines e Sohrab Noshirvani
Elenco: Dwayne Johnson, Aldis Hodge, Noah Centineo, Quintessa Swindell, Pierce Brosnan, Viola Davis, Sarah Shahi, Marwan Kenzari, Bodhi Sabongui, Jennifer Holland
Gênero: Ação
Duração: 125 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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