Crítica | Andor é uma releitura surpreendente e adulta do universo Star Wars

Tem sido difícil ser fã de Star Wars ultimamente. Apesar de as duas temporadas de The Mandalorian serem excelentes, o plano da Disney para expansão da saga de George Lucas no cinema estão nebulosos, ainda mais depois do resultado criativo do sofrível A Ascensão Skywalker, enquanto as séries recentes O Livro de Boba Fett e Obi-Wan Kenobi escancaram a saturação e o desleixo com a saga.

Quando olhamos para a lista de próximas produções, uma série derivada sobre um dos personagens mais desinteressantes de Rogue One: Uma História Star Wars, não é exatamente a forma mais empolgante de chamar atenção. Justamente por isso, e até pornão ser um grande fã de Rogue One, a nova Andor quase passa batida por meu radar. Ainda bem que não foi o caso.

A convite da Disney Brasil, assistimos aos três primeiros episódios da série desenvolvida por Tony Gilroy, que é ambientada cinco anos antes dos eventos de Rogue One, seguindo o rebelde Cassian Andor (Diego Luna) em uma jornada para encontrar sua irmã perdida enquanto é perseguido por forças do Império - e também possíveis aliados que desejam se aproveitar de seus talentos.

Provavelmente já foi dito uma abundância de vezes que “tal obra não parece em nada com dito universo”, especialmente para filmes e produções da Disney. Mas Andor é realmente digna dessa constatação, já que não remete em nada a nenhum filme ou série do universo de Star Wars, e tampouco de outros trabalhos lançados pela Disney - seja no cinema ou em seu catálogo de streaming contemporâneo. Andor não é Star Wars, e eu vejo isso como um elogio gigantesco.

O maior erro das mais diversas produções de Star Wars é tentar honrar demais o passado, recriar tudo como era nos bons tempos dos anos 1970. Andor não tem o menor interesse nisso, e o showrunner Tony Gilroy (que foi um dos roteiristas de Rogue One) teça uma história radicalmente ousada em tom e execução, literalmente criando uma narrativa pesada de guerra e espionagem que, não fosse a vinheta da saga na abertura dos episódios, você nem precisaria associar com o grande universo de Star Wars. Andor está muito mais próxima de Blade Runner do que a saga criada por George Lucas, ou até mesmo do clima de paranoia e intriga da franquia Jason Bourne, da qual Gilroy foi um dos principais idealizadores.

Isso certamente vai afastar alguns espectadores, visto que Andor tem um ritmo bem lento e está mais concentrado em construir o caráter de seus personagens e colocá-los em longos e complexos diálogos. Tal característica é bem presente no excelente arco antagonista da série, que acompanha um grupo de seguranças subordinados do Império que preza pela burocracia e a ordem - com grande destaque para o ator Kyle Sollerperfeitamente incorporando um nível fascismo corporativo que nunca fora mostrado no Império antes.

A própria realização da série já se destaca em relação a outras do padrão Disney. Por mais que The Mandalorian tenha feito maravilhas com a tecnologia dos telões de LED chamados de Volume, a tecnologia foi banalizada com fotografias dessaturadas e sem vida em O Livro de Boba Fett e Obi-Wan Kenobi. Andor claramente esbanja um valor de produção mais alto ao se passar em locações e sets reais, e mesmo que os episódios sejam predominantemente realizados com uma paleta cinza e suja, é uma fotografia com muito mais textura e personalidade - até mesmo mais do que o próprio Rogue One, que é uma referência absoluta para a série - e muito usada nas intensas cenas de ação, comandadas a pulso firme por Toby Haynes.

O único ponto mais fraco reside justamente em Cassian Andor. Por mais que Diego Luna esteja bem à vontade no papel, o personagem em si ainda não soa muito convincente e distrai a trama central com os sonolentos flashbacks de sua infância, funcionando bem mais como um avatar do público nesse universo perfeitamente bem construído e povoado com outras figuras mais interessantes; em especial, a mentora rebelde vivida por Fiona Shaw e o forasteiro idealista muito bem personificado por Stellan Skarsgard.

Contra todas as expectativas inexistentes, Andor tem o potencial de ser a obra mais complexa e caprichada que a Disney já ofereceu a Star Wars. Com uma ambientação muito mais política e lenta, os primeiros três episódios da nova série já servem para me deixar interessado na franquia novamente. Um verdadeiro milagre considerando tudo o que tivemos que aturar nos últimos anos.

Andor (EUA, 2022)

Showrunner: Tony Gilroy
Direção: Toby Haynes
Roteiro: Tony Gilroy
Elenco: Diego Luna, Adria Ajorna, Fiona Shaw, Stellan Skarsgard, Kyle Soller, Dave Chapman
Gênero: Ação
Streaming: Disney+
Duração: 35 min (cada episódio)

https://www.youtube.com/watch?v=cKOegEuCcfw


Crítica | A Mulher Rei dispensa fidelidade histórica para criar um bom entretenimento

Por mais que Pantera Negra possa parecer um simples filme de super-heróis, seu impacto em Hollywood foi inegável. O sucesso financeiro do filme de Ryan Coogler na Marvel Studios ajudou a inspirar e tirar do papel diversas histórias com elenco negro; seja a sequência bem tardia da comédia popular Um Príncipe em Nova York ou algo mais obscuro e independente, como é o caso de A Mulher Rei; que ainda segura nas costas as responsabilidades de manter a chama do épico histórico acesa nos cinemas.

A história de A Mulher Rei começa de um ponto curioso, com a atriz Maria Bello (de A Múmia: Tumba do Imperador Dragão) aprendendo sobre a origem das guerreiras de Agoije em uma viagem para a África. Inspirada, ela desenvolve um roteiro com Dana Stevens, que logo chama a atenção de Viola Davis. Mesmo assim, o filme só é efetivamente aprovado com um orçamento à altura de sua proposta quando Pantera Negra arrecada US$1 bilhão no mundo inteiro.

Na trama, o jovem rei Ghezo (John Boyega) tenta proteger o reino de Daomé dos ataques de uma nação rival, os Oyó, que mantém relações com comerciantes de escravos de Portugal. Ghezo conta como principal trunfo a presença das Agojie, um exército de guerreiras extremamente letal, liderado pela valente Nanisca (Viola Davis), que também lida com a expectativa de ser eleita como a próxima Mulher Rei de Daomé.

Investimento simplista

É importante frisar que A Mulher Rei não é exatamente fiel aos eventos históricos. Pessoalmente, esse tipo de decisão nunca me afeta - afinal, estamos falando de cinema comercial, e não de um documentário. Isso justamente porque o resultado alcançado pela obra está bem focado em oferecer um entretenimento envolvente e derivativo do semi-extinto gênero dos épicos históricos, tão populares na década de 1990 e o início do novo milênio.

Isso faz com que A Mulher Rei seja um tanto simplista e maniqueísta em seus conceitos políticos, especialmente em como torna os heróis bastante heróicos e os vilões extremamente vilanescos. Curiosamente, essa característica se destaca menos no roteiro de Stevens, mas em grande abundância pela trilha sonora do veterano Terence Blanchard. Apesar de criar bons temas para representar as Agoije, Blanchard pesa a mão nos sons didáticos clichês para sonorizar vilões e algumas cenas de combate - garantindo o tipo de música que ensina o que o espectador deve sentir a cada segundo.

Também é importante resaltar como o filme parece indeciso ao que fazer com o descartável arco de romance envolvendo a Nawi de Thuso Mbedu e um comerciante de escravos "de boa índole", vivido por Jordan Bogler. É uma subtrama que nunca se compromete ao romance clássico, mas também fica no meio do caminho ao tentar oferecer uma narrativa feminista - e que ainda força o espectador a ouvir vergonhosos diálogos em "português" que devem ter sido ditados pelo Google Tradutor. 

Foco no que funciona

Felizmente, o filme se sai muito melhor quando está totalmente concentrado em suas protagonistas. O roteiro de Stevens é sábio em abordar uma estrutura consagrada do filme de combate, que é a da perspectiva da nova recruta. A Nawi de Thuso Mbedu serve bem esse papel, na pele de uma jovem que é largada por seus pais adotivos e entregada na porta da guarda do rei. Assim como em Nascido para Matar, de Stanley Kubrick, A Mulher Rei dedica metade de sua projeção para sequências de treinamento e aprendizado, antecipando a chegada dos primeiros combates e guerras que tomam conta de sua porção final.

Chega até a ser surpreendente como a Nawi de Mbedu ganha mais destaque do que a própria Viola Davis. Nanisca tem diversos arcos e subtramas importantes - e Davis está extremamente formidável em um papel com diversas cenas de ação, mas é mesmo Nawi quem tem todo o arco central. Mbedu até tem um início inexpressivo, mas ganha força à medida em que sua personagem vai garantindo reviravoltas interessantes em torno de sua relação com as Agojie e Nanisca.

Mas o grande destaque no elenco é mesmo Lashana Lynch. A atriz de 007 - Sem Tempo para Morrer domina cada segundo de cena como Izogie, uma das principais generais do exército e bem mais concentrada na ação; enquanto Nanisca assume também as funções políticas. Justamente por isso, Lynch garante o clássico arquétipo da mentora das jovens recrutas, oferecendo uma personagem cheia de nuances, divertida e complexa; e que também garante alguns dos combates mais brutais, já que Izogie lixa as unhas para servirem como garras afiadas.

E por falar em combates, é outro ponto positivo de A Mulher Rei. Depois do fraquíssimo The Old Guard da Netflix, a diretora Gina Prince-Bythewood oferece um trabalho bem mais dinâmico e interessante com as cenas de ação aqui. É nítido o trabalho requintado de coreografia das atrizes e também da coordenação de batalhas com múltiplos figurantes, captados por uma câmera agressiva e cortes fluidos.

Vale apontar como Bythewood é inteligente em não deixar os momentos de personagens sumirem no meio da violência. Seja para ressaltar a importância de Nanisca encontra uma figura violenta de seu passado, ou quando uma das jovens Agojie mata uma pessoa pela primeira vez - fazendo com que toda a narrativa pare por alguns segundos a fim de deixar a personagem absorver esse choque.

Mesmo com alguns deslizes ocasionais no tipo de filme que quer entregar, A Mulher Rei acaba garantindo um entretenimento sólido. Quando se concentra nos elementos do filme de combate e a relação humana de suas protagonistas, destacando o trabalho de Viola Davis e Lashana Lynch, o longa de Gina Prince-Bythewood é extremamente eficiente. Um bom entretenimento.

A Mulher Rei (The Woman King, EUA - 2022)

Direção: Gina Prince-Bythewood
Roteiro: Dana Stevens, Maria Bello
Elenco: Viola Davis, Thuso Mbedu, Lashana Lynch, John Boyega, Jordan Bolger, Sheila Atim, Hero Fiennes Tiffin, Jimmy Odukoya, Masali Baduza, Jayme Lawson, Adrienne Warren
Gênero: Ação
Duração: 135 min

https://www.youtube.com/watch?v=aWROipYjtnM&t=8s


Crítica | House of the Dragon chega à metade da temporada em episódio que recupera fôlego no final

Spoilers

Estamos, enfim, na metade da 1ª temporada de House of the Dragon que, embora se mantenha ótima, encontrou um quinto episódio bastante morno, mas que sedimenta tempestades importantes que virão somente em próximos anos.

"Resolvido" o escândelo envolvendo a donzelice de Rhaenyra Targaryen e o estorvo que Daemon se prova para o Rei Viserys, a corte embarca em uma breve jornada para Derivamarca a fim de consolidar a união da princesa com seu primo Laenor Velaryon, aproximando as duas casas após anos de más decisões de Viserys que afastaram Corlys, a Serpente Marinha, do pequeno conselho e da corte como um todo.

Focado em resolver os entraves políticos sem agitar um maremoto como vimos em episódios anteriores, o roteiro de Charmaine De Grate com We Light the Way, é um dos mais mornos da temporada até agora, ainda que recupere a chama nos minutos finais da exibição. Preenchendo as lacunas de Fogo e Sangue, fica claro que De Grate sofre um pouco com o episódio em questão em termos de narrativa.

Competindo com a escrita de Martin e sem contar com o auxílio do autor, nota-se uma dificuldade grande em conseguir surpreender o espectador ao firmar a enorme rivalidade que Sor Criston Cole criará com sua amada Rhaenyra. Apostando no seguro, o desafeto nasce de um coração partido, ressentido e repleto de mágoa com Criston notando que é apenas mais um peão de prazeres para Rhaenyra, acreditando que ele largaria o dever da Coroa para viver uma aventura.

Certamente dá muito mais sustância ao entrave que não possui detalhes sólidos no livro, mas também não impressiona. De Grate também dá muitas voltas com metaforas um tanto redundantes para explicar a homossexulidade de Laenor quando a direção eficaz de Clare Kilner já resolve a questão com uma breve cena envolvendo Laenor com seu amante sor Joffrey.

É uma pena, porém, que o episódio envolva muita embromação quando começa espetacularmente bem, trazendo mais vileza para Daemon ao encontrar sua esposa Rhea Royce e causar um acidente bastante agonizante. A cena, por mais que tenha pouquíssimo texto, é bastante tensa e exibe os talentos de Kilner na direção.

Por mais que a cineasta seja inimiga de uma encenação mais complexa, nota-se o afinco dela permitir que o elenco brilhe como no caso de Fabien Frankel que rouba todas as suas cenas ao mostrar um sor Criston completamente tomado por seus impulsos e sofrendo com olhares obsessivos. A diretora também busca pautar toda a sua encenação com a questão do olhar, sempre o maior ímã de instrução para o espectador.

Toda a cena do banquete e casamento, ainda que tediosa, é montada com paciência através dos olhares de desprezo entre a corte e seus súditos que mostram a crescente divisão na nobreza do reino.

O mesmo ocorre com o ponto alto do episódio ao exibir Paddy Considine, como sempre excelente, ao interromper seu próprio discurso levando o espectador a crer que Viserys havia sido acometido por um AVC quando na verdade se tratava de um choque escandaloso ao ver Alicent chegando atrasada ostentando seu belíssimo vestido verde, cujo evento é importantíssimo para definir os lados da vindoura guerra civil.

Existem outros fatores dignos de nota, além do final muito bem justificado na explosão irada de sor Criston, cansado de se sentir uma marionete da corte, ao impelir um ataque visceral contra sor Joffrey. Um dos fatos que mais chamam a atenção é a evolução intensa do quadro médico de Viserys. A lepra, hanseníase, do rei já dá sinais claros que vai torná-lo um rei amputado, debilitado e sem governança alguma no futuro.

Por fim, é bastante importante a cena entre Larys Strong com Alicent, pois já torna o personagem que só orbita a corte e que foi visto brevemente no 3º episódio mais conhecido do público. Larys será um dos aliados mais complexos e importantes para a rainha, atuando principalmente como Mestre dos Sussurros - aliás, toda a família Strong já cresce aqui, com Lyonel assumindo o posto da Mão do Rei.

Aliás, de modo bastante raro, é curioso como o episódio termina em um cliffhanger muito urgente envolvendo o futuro de sor Criston - afinal, caso o personagem termine por aqui, muita coisa pode mudar no cânone estabelecido nos livros.

É digno de elogios, também, todo o trabalho de design de produção do episódio. Trazendo muito cuidado nos cenários de Derivamarca, usando diversas peças de navios quebrados para ornamentar os móveis e peças da realeza. O mesmo empenho é visto na cena bastante cara do banquete para celebrar o noivado de Rhaenyra.

Uma pena, porém, que o primeiro elenco se despede em um episódio tão morno que não traz o ápice do trabalho de Milly Alcock e de Emily Carey (embora ela tenha uma boa cena com Rhys Ifans no começo do episódio). A conclusão ainda é boa, elevando o nível do texto e da direção, com Rhaenyra e Laenor se casando em uma festa destruída, sem amor e carinho, às margens da pressão neurótica dos pais, em um salão fúnebre cujo sangue quente do recém-assassinado Joffrey ainda alimenta ratazanas.

Poético e profético, pois é na Dança dos Dragões, são os ratos quem fazem a maior festa.

House of the Dragon – 01×05: We Light the Way (EUA, 2022)

Showrunner: Ryan J. Condal e George R.R. Martin
Direção: Clare Kilner
Roteiro: Charmaine De Grate
Elenco: Paddy Considine, Matt Smith, Rhys Ifans, Milly Alcock, Emily Carey, Fabien Frankel, Graham McTavish, Sonoya Mizuno
Emissora: HBO
Gênero: Drama
Duração: 60 min


Crítica | Não Se Preocupe, Querida só vale pela ótima performance de Florence Pugh

É um verdadeiro milagre o fato de que, em pleno 2022, estejamos diante de um filme original, lançado por um grande estúdio e com pretensões de gênero. Após sua elogiadíssima estreia com o ótimo Fora de Série, a atriz Olivia Wilde se tornou um nome interessante para acompanhar em carreira de direção, com o suspense Não se Preocupe, Querida, uma obra muito mais ambiciosa e desafiadora.

Infelizmente, por mais que Hollywood esteja faminta por novas ideias originais que não sejam baseadas em super-heróis ou propriedades do passado, o filme de Olivia Wilde encontra grande dificuldade em realmente fazer valer sua premissa saborosa.

Na trama, o casal Alice (Florence Pugh) e Jack (Harry Styles) leva uma vida agradável em uma comunidade para casais da década de1950, vivendo sob a tutela do misterioso Frank (Chris Pine) e seu ambicioso Projeto Vitória. Quando todos os maridos saem para trabalhar, deixando suas esposas cuidando das casas, Alice começa a encontrar elementos misteriosos em seu cotidiano, fazendo-a questionar a própria natureza de sua realidade naquela vizinhança.

American Way of Lie

Durante o período de divulgação do projeto há alguns meses atrás, Wilde afirmou que Não Se Preocupe, Querida era inspirado em obras como Matrix e O Show de Truman. Inspiração é um grande eufemismo, já que o roteiro idealizado pelos irmãos Carey e Shane Van Dyke (netos do grande Dick Van Dyke) e reescrito por Julia Sibelman (também de Fora de Série) é um grande simulacro dessas duas obras, representando mais uma variação sem novidades do Mito da Caverna de Platão - que serviu de base tanto para Matrix quanto Truman. O único diferencial de Não Se Preocupe, Querida é sua ambientação na década de 1950 e a sátira ao American Way of Life, assim como o forte caráter feminista que circula sua grande revelação no clímax.

E o roteiro de fato conta com uma boa reviravolta, quando Wilde enfim revela o que realmente está acontecendo na história. Infelizmente, tal revelação chega tarde demais no filme, que já havia gastado mais de 90 minutos batendo nas mesmas teclas repetidas que Matrix e Truman já haviam feito de forma melhor: o cotidiano lentamente sendo quebrado, as pequenas estranhezas e imperfeições na paisagem idílica, e o comportamento da protagonista sendo visto como loucura por todos. É muito tempo dedicado a uma grande enrolação, que se torna tediosa justamente por não trazer nada de novo, e a aposta no suspense também mostra-se falha já que seus “antagonistas" são extremamente sem graça e sem muita personalidade.

Infelizmente, essa falta de tato se apresenta também na direção de Wilde. Ainda que seja bem mais criativo conceitualmente do que Fora de Série, a comédia adolescente consiga ser muito mais elaborada visualmente e em suas composições complexas. Com Não Se Preocupe, Querida, Wilde valoriza bem o design de produção de época e as belas paisagens áridas com a ajuda do fotógrafo Matthew Libatique - e ambos são excepcionas em capturar a beleza dos automóveis cinquentistas cruzando o deserto em uma ótima perseguição de carro no terceiro ato. Tirando isso, a condução de Wilde é burocrática e sem grandes aspirações, tanto para diálogos, discussões ou brigas.

A grande revelação sobre o que acontece no universo do filme também parece de uma solução visual mais interessante. É o clássico caso onde o fator é mais interessante no papel do que na tela, já que a própria reviravolta nutre um fator confuso de primeiro efeito. E, infelizmente, diversos elementos que vêm junto com essa reviravolta são abordados de forma superficial, e tal exploração poderia muito bem ter garantido um filme bem mais original e diferenciado do que os outros exemplos de referência. 

A guerreira solitária

Felizmente, Florence Pugh move montanhas para tornar a experiência de Não Se Preocupe, Querida suportável. Estabelecendo-se como um dos nomes mais requisitados e interessantes de sua geração, Pugh compõe Alice como uma jovem curiosa e obstinada, entregando completamente nos fatores de terror, pânico e desespero, e também no primeiro ato que mostra Alice como alguém mais ingênua. Poucas vezes vi uma atriz carregar tão bem um longa tão mediano quanto Pugh, praticamente uma jovem Kate Winslet, faz com Não Se Preocupe, Querida.

Pugh também é absurdamente melhor do que todos à sua volta. Apostando em um papel mais exigente após sua ligeira estreia como ator em Dunkirk, Harry Styles é incapaz de seguir o alto nível de sua parceira de cena, mostrando-se como um intérprete extremamente limitado e viciado em caretas e feições exageradas; todas as cenas de discussões do cantor com Pugh são realmente vergonhosas, já que a atriz é absurdamente superior na carpintaria dramática. O sempre eficiente Chris Pine também surge desinteressado e sem graça, enquanto a própria Olivia Wilde lhe garante um papel coadjuvante que só diz a que veio nos minutos finais da produção. 

Contando ainda com uma trilha sonora bastante original do veterano John Powell, Não Se Preocupe, Querida não tem muito a oferecer além da ótima performance de Florence Pugh. Traz uma boa reviravolta e um universo que poderia ser muito melhor explorado, mas fica na metade do caminho ao perder tempo com convenções já muito exploradas - e de forma muito melhor. 

Ao final da leitura do roteiro na pré-produção, eu teria ficado preocupadíssimo.

Não Se Preocupe, Querida (Don't Worry Darling, EUA - 2022)

Direção: Olivia Wilde
Roteiro: Katie Silberman, argumento de Shake Van Dyke e Carey Van Dyke
Elenco: Florence Pugh, Harry Styles, Chris Pine, Olivia Wilde, Gemma Chan, KiKi Layne, Douglas Smith, Timothy Simons, Asif Ali, Nick Croll, Sydney Chandler
Gênero: Drama
Duração: 122 min

Comentários adicionais no canal de YouTube do Lucas Filmes.

https://www.youtube.com/watch?v=xZMAz-5XYH8


Crítica | House of the Dragon troca batalhas por fofocas em seu quarto episódio

Contém spoilers

Logo no plano de abertura de "King of the Narrow Sea", quarto episódio da primeira temporada de House of the Dragon, já é possível antecipar o principal conflito dramático do episódio. Isso representa uma elegância visual gigantesca da diretora Clare Kilner, e se ramifica por toda a duração desta excelente nova hora da derivada de Game of Thrones.

Como ficou bem estabelecido pelos 3 episódios anteriores, o novo capítulo da série começa após um salto temporal, agora com a jovem princesa Rhaenyra (Milly Alcock) analisando uma longa lista de pretendentes de todos os Sete Reinos que almejam se tornar seu esposo. Na cena em questão - marcando o plano que abre o episódio - a princesa está acariciando o colar presenteado por seu tio Daemon (Matt Smith), que enfim retorna para King’s Landing após sua triunfal vitória contra o Engorda Carangueijo no Mar Estreito.

Esse basicamente representa o grande e polêmico conflito do episódio: a relação entre Rhaenyra e Daemon, que sempre teve sugestões de incesto, e que se concretizam em King of the Narrow Sea. Após uma sequência imersiva que, mais do que qualquer episódio de Game of Thrones, apresentam com eficiência a ambientação e a visão do “povo comum” da cidade sobre os eventos da realeza, a princesa cede às investidas de seu tio durante uma interação intensa no bordel local. É uma cena que garante impacto não só pelo conteúdo em si, mas pela forma como Kilner intercala a vertiginosa ação com a igualmente incômoda cena em que Alicent (Emily Carey) atende aos desejos do Rei Viserys (Paddy Considine); mais um exemplo do formidável trabalho de montagem de House of the Dragon.

O que se revela ainda mais interessante é justamente o ponto que tem tornado a série tão envolvente: as intrigas políticas. As ações de Rhaenyra logo garantem grande repercussão e fofocas pelo reino, armando assim um jogo sutil entre Otto Hightower (Rhys Ifans) e Viserys, dedicado a desmentir qualquer falácia negativa em torno de sua herdeira. Todos os diálogos e disputas verbais, assinados nesta semana pela roteirista Ira Parker, mantém o alto nível das semanas anteriores e agradam pelo uso rebuscado de termos medievais e fantasiosos; ver Rhaneyra e Alicent enfim retomando contato, em momentos de ternura e também disputa, garantiram alguns dos momentos mais memoráveis do quarto episódio.

A direção de Kilner também é minuciosa nos detalhes e reações de seus personagens, especialmente durante o aguardado confronto entre Viserys e Rhaenyra. A cena em questão é particularmente empolgante por expandir a relação entre pai e filha para algo mais próximo de dois generais em uma sala de guerra, ainda mais considerando que Rhaenyra oculta a informação importante de que, mesmo não tendo tido relações com Daemon, seduziu o guarda Sir Criston Cole (Fabien Frankel) para uma noite calorosa de sexo. A sutileza de Kilner fica ainda mais elegante durante a cena final, em que Rhaenyra recebe um chá abortivo de seu pai - que não parece interessado em saber se as acusações de fato foram reais, mas mostra-se precavido.

Mais impressionante ainda foi ver que Viserys realmente demonstra lealdade à sua filha, que sabiamente aponta como Otto Hightower é tão sedento pelo poder quanto Daemon. Já enxergando o que apenas o espectador havia visto, o rei garante uma entrega formidável graças à ótima performance de Paddy Considine, que enfim entende a estratégia de sua Mão para entregar a própria filha para seduzi-lo, e acaba por demitir seu principal aliado em King's Landing. Isso sem mencionar que Considine ainda protagonizou um ótimo embate contra Daemon, muito bem encenado durante a ameaçadora sala do Trono de Ferro, com o irmão ambicioso literalmente largado no chão durante toda a sequência. 

Mesmo sem ter ação, batalhas ou até mesmo muitos dragões, King of the Narrow Sea representa mais um ponto alto para House of the Dragon. Assim como já havia mostrando há algumas semanas, o seriado realmente tem seu ápice ao explorar os dramas e intrigas de seus personagens, que só ficam mais divertidos de acompanhar a cada nova semana.

House of the Dragon - 01x04: King of the Narrow Sea (EUA, 2022)

Showrunner: Ryan J. Condal e George R.R. Martin
Direção: Clare Kilner
Roteiro: Ira Parker
Elenco: Paddy Considine, Matt Smith, Rhys Ifans, Milly Alcock, Emily Carey, Fabien Frankel, Graham McTavish, Sonoya Mizuno
Emissora: HBO
Gênero: Drama
Duração: 62 min


Crítica | Pinóquio (2022) é um conto vazio e sem encanto

O que transforma um filme em um clássico não é apenas quantos prêmios recebeu ou se também é amado pelo público ou pela crítica, mas também sua influência através do tempo, quais sentimentos passou para o público no período a ponto de gerar uma comoção, ou se recebeu novas adaptações com outros olhares a partir de sua versão principal, e tudo isso a animação de Pinóquio provocou desde que estreou no ano de 1940.

Porém, com a nova onda de remakes em live-actions produzidos pelos estúdios Disney, é natural que Pinóquio logo recebesse sua própria versão, até porque a Disney ultimamente mais pensa em reciclar as suas histórias originais do que criar algo realmente novo. O Rei Leão (2019) ficou bem abaixo de seu resultado esperado, assim como Mulan (2020), que deturpou bastante o conto do qual se originou.

Pinóquio, dirigido pelo consagrado Robert Zemeckis (Convenção das Bruxas), é uma produção fraca em sua concepção de roteiro, com pouca criatividade e com uma direção que tenta ser inventiva, mas sem muito sucesso. Na realidade, é uma produção oca, sem essência e que fica distante do clássico animado.

O Boneco que ganhou vida

Por ser uma releitura, é de se imaginar que a dupla de roteiristas, Robert Zemeckis e Chris Weitz, quisesse homenagear a obra animada sem tirar suas características originais, fazendo um filme pensando nos fãs da Disney. Sendo assim, trazendo para a frente da tela novos espectadores que talvez não conhecessem a história da animação da década de 40, mas também focando nos adultos que cresceram assistindo ao conto animado.

Há algumas alterações na história adaptada da secular obra de Carlo Collodi, como o próprio fato de Pinóquio deixar de ser um boneco e se tornar um menino e que é algo deixado de lado no live-action. Tal fato acaba tirando a alma de algo que é um dos elementos mais transformadores da animação, que é a vontade incessante de Pinóquio em desejar ser um menino. Com uma pequena mudança no roteiro, que acontece logo em seu primeiro ato, Pinóquio meio que já ganha um pensamento racional através da Fada Azul e perde muito daquela ingenuidade que a obra original tem e que fornece uma moral para o espectador.

O próprio final que Robert Zemeckis proporcionou ao público é sem personalidade alguma, sem querer comparar com o que foi feito na obra original, até porque é uma releitura que pretende ter uma nova abordagem, mas mesmo assim, alterar um final que era tão lindo e agradável quanto o apresentado é de deixar qualquer fã com o cabelo em pé. Não faz o menor sentido a escolha de Zemeckis por aquele final, mesmo que ele tenha pensado em uma possível sequência. Foi um fim brochante.

Ao realizar alterações que tentam trazer significados diferentes para a trama, o roteiro acerto em algumas situações, como a inserção na história de Kyanne Lamaya, que interpreta a bailarina Fabiana, assim como o de dar um maior destaque para o próprio Geppetto, que tendo o ótimo Tom Hanks à frente do personagem tira obviamente de letra outra grande interpretação.

Falta de Criatividade em Pinóquio

Robert Zemeckis ultimamente vem tendo resultado abaixo da média com seus filmes. Um diretor que tem em seu currículo obras como Náufrago e Forrest Gump parece não saber bem que rumo estar tomando na carreira. E em Pinóquio sua direção não está ruim, os planos abertos são bem feitos e detalhados, assim como os belos efeitos especiais praticados pelo CGI são competentes. O problema mesmo está no roteiro e na total falta de criatividade do longa, que não constrói praticamente nada de novo e que faça a narrativa seguir em frente. Pode-se dizer que é um longa "bonitinho", mas isso não é suficiente para dizer que é uma obra boa.

Essa questão da criatividade é algo que é discutido não apenas quando o assunto é Disney, mas também pelo momento atual que Hollywood passa, com os vários remakes e reboots que ocorrem. Essa versão de Pinóquio só faz chegar a conclusão de como trazer um clássico das antigas para os dias atuais sem proporcionar nada de novo é um tremendo tiro no pé, praticamente mata algo que poderia ser uma tentativa de fazer com que o personagem se modernizasse para os dias atuais.

Pinóquio é um resumo de que os live-actions da Disney podem estar seguindo um caminho sombrio. Há bons filmes sim inspirados nos personagens de seus contos, como Malévola e Cruella, mas são poucos os acertos em comparação com a proporção de “erros”. A maioria dessas produções tem como objetivos principais o de focar no revisionismo com muitos efeitos especiais, mas quase sempre esquecem que a qualidade do roteiro tem que estar à altura do conto original

Pinóquio (Pinocchio,  EUA – 2022)

Direção: Robert Zemeckis
Roteiro: Robert Zemeckis, Chris Weitz
Elenco: Joseph Gordon-Levitt, Tom Hanks, Benjamin Evan Ainsworth, Angus Wright, Cynthia Erivo, Sheila Atim, Lorraine Bracco, Keegan-Michael Key, Jamie Demetriou, Giuseppe Battiston, Kyanne Lamaya
Gênero: Aventura, Drama, Comédia
Duração: 105 min.