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Crítica | 12 Horas para Sobreviver: O Ano da Eleição

Estabelecendo algum sucesso na sua franquia descerebrada, James DeMonaco atinge o clímax de sua trilogia desconexa que só conta o tema como laço unificador. Obviamente inspirado pelo horroroso quadro político americano dessas eleições de 2016, o criador faz vista-grossa para um dos lados, para criar o filme mais bobo e pretensioso que já vi neste ano que busca mimetizar a corrida presidencial americana – de algum modo.

Desistindo do gorefest e do horror que marcavam os dois medíocres longas anteriores, DeMonaco faz um filme de ação mal coreografado com forte viés ideológico, rasteiro e preconceituoso banhado à sangue falso. Dessa vez acompanhamos a corrida presidencial entre um homem que pretende manter o establishment do Expurgo anual contra uma candidata que teve a família inteira assassinada durante o Expurgo. Portanto, ela pretende acabar de vez com a noite de crimes que nessa altura já é tratada como feriado nacional de grande comemoração.

O discurso para dizimar o candidato oponente é acusá-lo de manter o Expurgo graças aos lucros que corporações privadas e algumas governamentais conseguem graças a enorme matança que sempre elimina os mais pobres e minorias – nada disso é bem justificado, DeMonaco apenas joga os factoides na tela.

Como todo roteirista preguiçoso, ele logo estabelece o conflito principal do modo mais maniqueísta possível. O pastor e candidato “republicano” é apenas um fantoche de um líder de uma organização capitalista poderosa que pretende exterminar a oponente na eleição, a senadora Charlie Roan.

Não satisfeito apenas com uma linha narrativa estúpida repleta de clichês, o roteirista insere mais outra onde acompanhamos o drama diário de um proprietário de uma lojinha de mercadorias. Com seu seguro contra o Expurgo cancelado, Joe monta guarda para proteger seu negócio da terrível noite. Porém ele consegue criar uma rixa com uma psicopata que quer roubar os doces de sua loja – literalmente.

O investimento com os personagens se restringe aos estereótipos e cartas raciais usadas do modo mais pejorativo possível. DeMonaco demoniza o empresariado constituído por brancos, insere símbolos nazistas, templários, confederados e frases de ódio nos uniformes da milícia branca também paga pelo empresariado. Já os negros e hispânicos são os heróis da resistência. Para amenizar um pouco isso, ele também apresenta alguns psicopatas afrodescendentes como no caso da menina que quer matar Joe por causa de uma barra de chocolate. Os únicos brancos não condenados na fita são justamente o casal protagonista: a presidenciável Charlie Roan e seu guarda-costas Leo Barnes – sim, o mesmo personagem do filme anterior.

Obviamente isso não seria problema, caso o filme não fosse tão pretensioso e autoindulgente como ele pensa que é. DeMonaco faz questão de esfregar na cara do espectador que seu filme não se trata mais da noite de crime, mas sim de alguma versão de guerra racial. Grande parte dos conflitos são catalisados por conta disso. Há uma cena absurda onde Leo discute por Joe sem nenhuma razão aparente, mesmo depois do lojista ter salvo a vida dele. O racismo nem mesmo fica implícito, pois os diálogos deploráveis sempre enfatizam a cor de pele dos personagens.

Alguns exemplos de frases que DeMonaco escreve: “Você deveria ter mais respeito depois desse negro ter salvado a sua vida. ”; “Deixa eu te dizer, eu gosto de pessoas negras, mas não vou deixar você atirar nesses branquelos. Esses são os nossos branquelos. ”, entre diversas outras linhas de diálogo tenebrosas demais para serem mencionadas aqui.

O roteirista/diretor não consegue desenvolver um pingo de qualquer potencial que algum personagem possa ter. Todos são literais, além dele tratar a senadora Charlie de modo bipolar. Ora heroína boazinha, epítome da moralidade e do bom-senso, ora uma verdadeira hipócrita. Diversos momentos são risíveis, mas é muito engraçado quando a personagem decide passar a noite do Expurgo em sua própria casa, como uma cidadã comum, para não perder votos. Porém não se omite ao plano de Leo para proteger a casa com trocentas câmeras, placas de aço cobrindo janelas e portas, além do apoio de vinte homens armados. Coerente, não?

Também há outras besteiradas como o ‘turismo do crime’ onde diversos viajantes europeus (obviamente) vem até Washington para participar do Expurgo. A história é muito raquítica para manter seu interesse ativo por quase duas horas. São reviravoltas previsíveis de um roteiro preguiçoso e pedante. Até mesmo os personagens chegam no cúmulo de irritar os espectadores graças à qualidade tenebrosa dos diálogos que evidenciam todas as escolhas estapafúrdias que tomam.

12 Horas para Sobreviver poderia se valer de ao menos ter uma direção competente, mas isso também parece ser feito no desleixo. A decupagem é baseada em muitas sequências com câmeras nos ombros, cheias do efeito câmera trêmula, com objetiva fixa – quase sempre muito aberta, gerando certa mesmice visual só quebrada em planos de close ou de câmera lenta. Aliás, as sequências de slow motion quase sempre servem para sensualizar os corpos fantasiados das psicopatas que decidem matar Joe e sua lojinha. Por ser um filme bastante barato de 10 milhões de dólares, ainda não é possível ver o Expurgo em toda sua carnificina, já que a cidade inteira parece um deserto por falta de dinheiro para preencher esses espaços vazios.

Nem a matança presta já que tudo se resume aos velhos tiroteios sem-graça de sempre e DeMonaco não se esforça em nada para entregar algum elemento mais rico ou diferenciado visualmente. Além do filme ser bastante dilatado: não tem história suficiente para contar durante sua longa projeção. O diretor também não faz questão de melhorar a performance de seus atores. Boa parte do elenco esbanja atuações dignos de filmes pornô de quintal – é ruim desse jeito, bem canastrão e tosco.

Há dois modos de ver este 12 Horas para Sobreviver: a mais correta é desligando seu cérebro sem interpretar nada ou ligar para a mensagem bizarra que o filme transmite. Desse jeito, é possível que você tire algum divertimento dessa obra. Porém, assim que você sacar que o longa é muito enviesado com pontos de vista absurdos, preconceituosos, simplistas, maniqueístas e equivocados, será extremamente difícil assistir até o fim. Boa sorte.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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