Bernardo Bertolucci é uma das figuras mais controversas do Cinema. Altamente elogiado por sua estética pujante e também duramente criticado aos pontos extremos que chegava para captar um “realismo cru” para delinear sua arte chegando ao assassinato fútil de animais em 1900 e um estupro verdadeiro em O Último Tango em Paris.
Porém, pouco antes disso, em um pedido curioso, Bertolucci filmou A Estratégia da Aranha para uma televisão italiana. Mesmo sendo um longa pouco proeminente em sua carreira, trazia muito da característica ideológica que marcou toda sua filmografia. Se inspirando em um conto de apenas duas páginas de Jorge Luis Borges, o diretor tenta criar com firmeza um mistério que, infelizmente, pouco interessa ao espectador nesse longa bastante dilatado.
Marcas do Fascismo
A consciência política de Bertolucci é particularmente muito extravasa em A Estratégia da Aranha justamente por sua adaptação ter praticamente cem minutos de material vagamente baseado no curto conto original. Acompanhamos a jornada de Athos Magnani, filho de Athos Magnani, um anti-fascista assassinado durante os anos sombrios da Itália fascista que acabou virando herói.
Porém, como as circunstâncias sobre sua morte sempre foram um verdadeiro mistério, o filho que é praticamente idêntico ao falecido, vai para Tara, cidade onde Magnani foi morto. Iniciada sua amadora investigação, Athos conta com ajudantes escusos, principalmente na figura da ex-namorada de seu pai, Draifa, que passa a ficar apaixonada pelo filho de seu antigo amor.
Em questão de primeiro momento e também ao longo do filme inteiro, o que mais se destaca é a estética do talento inegável de Bertolucci na direção. Apesar de nunca montar uma atmosfera intrigante e o longa ser bastante estéril e relativamente confuso entre montagens mal concebidas entre os flashbacks e o tempo diegético, é impressionante como Bertolucci se dedica criativamente mesmo para um projeto menor como este.
Planos bastante longos permeiam a encenação realista enquanto o cineasta movimenta a câmera com travellings ou panorâmicas apaixonadas, além de sempre elaborar alguns detalhes valiosos da própria movimentação dos atores. A câmera dança por quase sempre três pontos, mostrando trajetos inteiros das andanças de Magnani para então se comportar de modo clássico quando o personagem passa a dialogar com outro.
Pela ausência de cortes e também do uso ostensivo da profundidade de campo em foco infinito para aproveitar ao máximo o plano, é um verdadeiro fato que A Estratégia da Aranha seja um completo tédio, já que o mistério é resolvido facilmente na metade do longa.
Ao estender a narrativa, Bertolucci passa a se repetir e ficar cada vez mais expositivo em questões magoadas envolvendo o fascismo de outrora e como ele ficou enraizado na cultura italiana, atingindo novas gerações. Apesar da crítica ser muito pertinente, é uma pena que o espectador tenha que ver quase quatro longas cenas envolvendo o mesmo tema sem trazer nada de novo.
Bertolucci traz com sucesso à luz os problemas que queria apontar, afirmando os perigos sempre presentes com o inchamento do Estado e da supressão de liberdade como a constante paranoia, a criação de mártires que pouco movimentam o estado das coisas, do surgimento de espiões e delações no meio de amizades e do próprio desmantelamento do amor. Tudo isso está no longa, mas espalhado em núcleos gélidos, redundantes e pouco atraentes. Simplesmente, não há aquele quê cinematográfico para tornar a experiência em algo minimamente interessante.
Até mesmo com o núcleo envolvendo o bizarro romance entre Magnani e Draifa, Bertolucci não vai além do básico, insistindo em uma incerteza clichê sobre a consolidação do casal até terminar de modo anticlimático pouco explorando o potencial psicológico da projeção que a personagem faz com Magnani que também é um protagonista, em geral, muito passivo para um arquétipo de investigador.
A Aranha que Não Estava Lá
Em geral, A Estratégia da Aranha está longe de ser um dos melhores filmes de Bertolucci que conseguiu refinar sua técnica sobre condução narrativa em momentos posteriores de sua carreira. É apenas uma pena que em meio de tantas mensagens importantes e tão profundas sobre a cultura italiana traumatizada pelo choque do fascismo estejam em meio a um longa relativamente desconexo e nada esforçado em atrair a atenção do espectador. Nessa teia estrategista, é fácil pairar infinitamente esperando ser surpreso por um predador que nunca chega.
A Estratégia da Aranha (Strategia del ragno, Itália – 1970)
Direção: Bernardo Bertolucci
Roteiro: Bernardo Bertolucci, Jorge Luis Borges
Elenco: Giulio Brogi, Alida Valli, Pippo Campanini, Franco Giovanelli, Tino Scotti
Gênero: Drama, Suspense
Duração: 100 minutos