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Crítica | Alita: Anjo de Combate – Robert Rodriguez e James Cameron entregam grande espetáculo

Envolvido com projetos de inteligência artificial e ficção científica desde que esboçou o T-800 assassino que o inspirou a dirigir O Exterminador do Futuro, James Cameron é um sujeito atarefado. O ganhador do Oscar tinha muitos projetos em desenvolvimento e direitos autorais adquiridos em sua gaveta, mas todos estes acabaram ficando para trás quando Cameron anunciou que passaria – literalmente – o restante de sua carreira trabalhando nas agora mitológicas continuações de Avatar.

Visto que isso era um tremendo desperdício, não pelo fato de termos mais filmes sobre a relação entre humanos e os alienígenas azuis de Pandora, mas sim pelo fato de não termos o toque mágico de Cameron em mais histórias grandiosas, Robert Rodriguez conversou diretamente com o diretor sobre um dos projetos que o cineasta sempre teve em sua manga: a adaptação do mangá Alita: Anjo de Combate, para o qual escreveu um roteiro a muito em tempo em gestação. Assumindo o talentoso diretor mexicano sobre sua asa, Cameron entregou o reino da ficção científica para Rodriguez, e o resultado no filme de 2019 é uma agradável – ainda que imperfeita – combinação entre as vozes de ambos os criadores.

Baseada no mangá homônimo de Yukito Ishiro, a trama é ambientada em 2533, quase 300 anos após uma guerra colossal que definiu o rumo da humanidade, vivendo em um futuro distópico onde inteligência artificial é avançada e membros robóticos são integrados ao corpo humano com a mesma facilidade com que uma pessoal faria uma tatuagem nos tempos atuais. Nesse cenário, o cientista Dyson Ido (Christoph Waltz) encontra os restos de uma ciborgue no ferro velho da cidade, e a reconstrói para se tornar Alita (Rosa Salazar). Ao mesmo tempo em que Alita vai aprendendo sobre a sociedade a seu redor, ela vai tendo lembranças sobre sua vida passada como uma guerreira.

Nova casca para um espírito familiar

À esta altura, o gênero de ficção científica já fez praticamente de tudo, especificamente quando entramos no âmbito da robótica. Obras como Blade Runner, Ex Machina: Instinto Artificial, Ghost in the Shell e até mesmo RoboCop já trouxeram diversas ideias e conceitos mirabolantes sobre a relação entre homem e máquina, dando a impressão de que quando chegamos em Alita: Anjo de Combate, não tenhamos nada que seja exatamente inovador ou original. Ainda assim, ou talvez justamente por isso, o roteiro de Cameron e Laeta Kalogridis (Altered Carbon, outra produção do gênero) é eficiente em apresentar e explorar todos os conceitos e o universo que apresenta aqui, deixando o espectador familiarizado e imerso em uma atmosfera que – por mais que seja familiar – é envolvente.

Claro, roteiro nunca foi o forte de Cameron, que acaba apresentando alguns desses conceitos com exposição um tanto pesada e verborrágico, além de sempre puxar a perna para um melodrama típico (o roteiro é assinado por duas pessoas, mas as palavras de Cameron não passam despercebidas). Mas esse sentimentalismo acaba sendo também um dos trunfos do longa, visto que todas as relações de Alita com humanos, como Ido e o interesse amoroso Hugo (Keean Johnson) são cativantes, e é a energia e a empolgação da protagonista que movem todas as peças da história; e mantém o espectador investido – mais sobre isso, em breve.

O grande problema do roteiro acaba ficando com a nítida transparência dos realizadores em estabelecer franquias e futuras histórias, resultando que Alita não tenha um arco de história completo. Na verdade, ele tem sim um desenvolvimento inteiro para sua protagonista – que evoluí e alcança um novo objetivo na conclusão do filme – mas que acaba consequentemente deixando o final aberto para uma continuação, que infelizmente não deve acontecer devido à baixa projeção em bilheteria do filme.

É até curioso como essa decisão acaba deixando Alita sem uma grande batalha explosiva no clímax, como é de costume em grandes produções. Isso certamente vai soar anticlimático para a maioria dos espectadores, mas pessoalmente achei a solução encontrada por Rodriguez, Cameron e Kalogridis econômica e eficiente, e que remete fortemente à conclusão mais “intimista” do RoboCop de Paul Verhoeven, diminuindo a escala da ação para se concentrar nos conflitos internos da protagonista.

Tal decisão de deixar pontas soltas acaba sendo prejudicial para alguns dos membros do elenco. O antagonista vivido por Mahershala Ali é um terrível desperdício do imenso talento do ator, que deve garantir seu segundo Oscar ainda este mês, mas que aqui é reduzido a – literalmente – um fantoche do real vilão da história, que está sendo guardado para os hipotéticos futuros capítulos. Algo similar acontece com Jennifer Connelly, cujo tempo de cena reduzido acaba apressando grandes atos e mudanças em sua personagem, e que não trazem nenhum impacto emocional durante a resolução da trama. Felizmente, o sempre eficiente Christoph Waltz consegue brilhar entre os coadjuvantes, oferecendo algumas das melhores cenas ao lado de Rosa Salazar.

O Rebelde sem Equipe e o Rei do Mundo

Porém, o grande trunfo de Alita: Anjo de Combate está em sua produção. Robert Rodriguez nunca trabalhou com grandes orçamentos, estando acostumado a literalmente fazer filmes inteiros em um galpão, mas finalizá-los com capricho e muita competência – basta ver o resultado impressionante de O Mariachi ou Sin City: A Cidade do Pecado. Tendo os caríssimos brinquedos de Cameron, John Landau e a Fox em mãos, Rodriguez coordena um verdadeiro espetáculo visual, desde o design de produção elaborado e que consegue aliar o steampunk com vislumbres de um bairro mexicano pobre, até o deslumbrante trabalho dos efeitos visuais.

Rodriguez e toda a equipe da Weta e as demais empresas de efeitos visuais aceitam o desafio ousado de criar um rosto digital humano que seja fotorrealista, e ainda abraçar a decisão estética de aumentar os olhos de sua protagonista. É um impacto visual que não agradou durante os primeiros trailers, mas que se mostra incrivelmente convincente e comovente em cena, com a tecnologia sendo capaz de preservar a performance carismática de Rosa Salazar e elevá-la para criar uma personagem bem diferente do tipo que já vimos em outras grandes produções com captura de performance – como Gollum, César e Thanos. A integração entre elementos live-action e digitais também é excepcional, com designs impossíveis como os dos capangas cibernéticos de Ed Skrein e Eiza Gonzalez soando mais verossímeis do que as cada vez mais artificiais armaduras do Homem de Ferro.

No comando da ação, Rodriguez se mostra mais livre e criativo do que nunca. Todas as cenas de luta envolvendo Alita impressionam pela coreografia distinta e pelas brincadeiras de câmera do diretor, que valoriza os movimentos e as diferenças de escala entre os personagens – visto que Alita enfrenta inimigos de diferentes formas e tamanhos, e a cena em que aparece lutando apenas com seu torso e um braço, contra um Jackie Earle Haley do tamanho de um caminhão, é um exemplo desse tipo de variedade espacial, e que impressiona profundamente. Sequências mais elaboradas como a do Motorball são igualmente eletrizantes, onde observamos que Rodriguez ainda tem o espírito jovem de Pequenos Espiões 3 (um filme com boas ideias conceituais), mas as extrapola para um nível mais épico e grandioso.

Duas vozes em sintonia

Alita: Anjo de Combate sofre de alguns problemas de roteiro, principalmente em sua desajeitada intenção de sacrificar uma resolução de história para abrir a porta para sequências, mas encanta por seu admirável universo e os personagens. Principalmente, é um espetáculo visual que impressiona e entretém. Que venham mais colaborações improváveis como essa.

Alita: Anjo de Combate (Alita: Battle Angel, EUA – 2019)

Direção: Robert Rodriguez
Roteiro: James Cameron e Laeta Kalogridis, baseado na obra de Yukito Kishiro
Elenco: Rosa Salazar, Christoph Waltz, Mahershala Ali, Jennifer Connelly, Ed Skrein, Eiza Gonzalez, Keean Johnson, Lana Condor, Jackie Earle Haley, Casper Van Dien, Derek Mears
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 122 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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