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Crítica | Ambulância: Um Dia de Crime traz um Michael Bay evoluído

Já dizia o velho chavão de que a ocasião faz o ladrão, que pode muito bem ser aplicado tanto no tema do filme em questão quanto em meus sentimentos por seu diretor. Não sou um grande fã de Michael Bay como autor, mas é preciso reconhecer que realmente não existem outros como ele, especialmente na Hollywood contemporânea. Em um período onde os filmes mais caros em produções são dirigidos (na maior parte dos casos) por cineastas sem muita expressão ou identidade visual criativa, hoje os excessos e a inventividade caótica de Bay se tornam jóias raras que eu definitivamente aprecio mais atualmente. 

E quando sento-me para assistir a Ambulância: Um Dia de Crime, me deparo também com outro tipo de filme incomum nos dias de hoje. Uma obra de ação despretensiosa, que foi produzida por um grande estúdio e não tem sua origem das páginas de quadrinhos ou consoles de videogames. Uma joia bruta que, como muitas de sua espécie, também não escapa de diversos problemas. 

A trama do filme serve como remake do filme dinamarquês Ambulancen, apresentando a complicada relação dos irmãos adotivos Will (Yahya Abdul-Mateen II) e Danny (Jake Gyllenhaal). Quando Will, um veterano militar passando por necessidades financeiras, precisa obter dinheiro para ajudar sua família, os dois planejam um roubo a banco ousado. Quando o plano começa a dar errado, a dupla é forçada a sequestrar uma ambulância, com um policial baleado (Jackson White) e uma socorrista esforçada (Eiza González), dando início a uma perseguição policial aterradora.

Não precisa ser ciência de foguete

Apesar de não ter assistido ao filme original, de cara já vejo que talvez a experiência seja mais eficiente. Afinal, o longa de 2005 tem apenas 80 minutos de duração, enquanto o filme de Bay extrapola a marca dos 136 minutos. O roteiro do estreante Chris Fedak pega a saborosa premissa de uma perseguição em ambulância e parece almejar um resultado à lá Michael Mann. O grande problema está na desnecessária complicação do conceito, com o frágil texto de Fedak aumentando o escopo ao explorar arcos paralelos dos policiais, dos agentes do FBI e até mesmo de um núcleo de gangues em Los Angeles. Além de renderem diálogos pavorosos e de um senso de humor bem descartável, desviam o foco da trama principal.

Realmente, é como se o longa fosse transportado diretamente dos anos 2000. Chega a ser cômico ver dois personagens policiais conversando como se fossem adolescentes, sobre o desejo de um deles em “convidar uma garota para sair”, e ainda de quebra referenciando falas de outros dois filmes de… Michael Bay; no caso, Bad Boys e A Rocha. É repleto de clichês, conveniências e até cachorros perdidos na cena do crime, mas não deixa de ser um alento ver que Bay, um dos cineastas que mais foi repreendido por sua inquestionável misoginia no passado, se mostrando aberto a uma visão mais progressista; já que o agente do FBI de Keir O’Donnell é abertamente gay. Não acrescenta nada à trama, mas é algo que eu jamais esperaria ver num filme de Michael Bay, pelo menos não como algo que não é um mero estereótipo ofensivo – algo que o diretor certamente também já fez inúmeras vezes.

O absurdo da tensão 

Mas o que torna Ambulância realmente aproveitável é tudo o que envolve seu núcleo central. A dinâmica entre Yahya Abdul Mateen II e Jake Gyllenhaal é bem sólida, com Gyllenhaal se divertindo ao fazer o tipo mais extrapolado e lunático – sendo bem balanceado com a performance mais sóbria e calma de Mateen. É um fato que os constantes flashbacks e injeções de piadas tornam a relação artificial demais (além de melosa nos piores momentos), mas é um par carismático; ao passo em que a talentosa Eiza González tem o arco mais forte de todo o filme, e aproveita bem as possibilidades de sua situação desesperadora.

E desespero é a chave de Ambulância. Livre-se de todas as subtramas, o sentimentalismo barato e as artimanhas do texto de Fadek e temos um Michael Bay absolutamente inspirado e eficiente. Diversos de seus vícios visuais evoluem, com o contraste alto e a saturação intensa sendo bem atenuados – o que deve ser fruto da parceria de Bay com Roberto De Angelis, operador de câmera de filmes como Em Ritmo de Fuga e Esquadrão 6 (este último do próprio Bay) que agora faz sua estreia como diretor de fotografia. Vemos também o cineasta experimentar movimentos de câmera modernos e bem interessantes – em especial as tomadas de drone onde Bay parece determinado a levar o travelling assombroso de A Morte do Demônio para as ruas engarrafadas de Los Angeles, o que garante uma experiência plástica empolgante.

Mas é mesmo na tensão que Bay se sobressai. Quando estamos dentro da ambulância, acompanhando o pavor da perseguição e também a situação de manter o policial baleado vivo, a experiência é incrível. Há uma sequência em especial, quando a socorrista de González precisa realizar um complexo procedimento, que Bay aproveita a classificação para maiores e entrega um dos momentos mais assustadores de toda a sua carreira. Não deixa de ser absurdo, claro, que tudo isso ocorra no meio de uma perseguição em alta velocidade, mas nesse momento – que considero o ponto alto do longa – eu realmente enxerguei um Bay mais maduro e capaz de canalizar seus excessos para uma sequência que poderia rivalizar com a amputação em 127 Horas.

Infelizmente, um dos trabalhos mais inspirados de Michael Bay na direção acaba soterrado por um péssimo roteiro. Se todos os envolvidos enxergassem que Ambulância: Um Dia de Crime precisava ser mais Um Dia de Cão e menos Fogo contra Fogo, se concentrando apenas no essencial e na urgência, o resultado seria bem mais aproveitável e digno da pipoca.

Ambulância: Um Dia de Crime (Ambulance, EUA – 2022)

Direção: Michael Bay
Roteiro: Chris Fadek, baseado no filme 
Elenco: Jake Gyllenhaal, Yahya Abdul-Mateen II, Eiza González, Garret Dillahunt, Keir O’Donnell, Jackson White, Moses Ingram, Olivia Stambouliah, Cedric Sanders, Colin Woodwell
Gênero: Ação
Duração: 136 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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